DÚVIDA SOBRE A IMPUTABILIDADE DO ARGUIDO
INÍCIO DA AUDIÊNCIA SEM A PRESENÇA DO ARGUIDO
CONDIÇÕES PESSOAIS ECONÓMICAS E SOCIAIS DO ARGUIDO
DETERMINAÇÃO DA PENA
REENVIO DO PROCESSO
TRIBUNAL COMPETENTE
JUÍZO SOBRE A CULPABILIDADE
Sumário

I - A conclusão da falta do dolo e de liberdade de decisão autónoma, elementos supostos pela imputabilidade, tem de resultar de um juízo médico-pericial.
II - Sendo a determinação da pena uma actividade juridicamente vinculada, que impõe a consideração das circunstâncias concretas constantes do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, plasmadas em factos, o tribunal deve, sempre, recorrer a todos os meios probatórios possíveis para tentar apurar as condições económicas e pessoais do arguido, actualizadas ao momento mais próximo possível da prolação da decisão.
III - Quando a nulidade decorrente da verificação de um vício da sentença/acórdão não envolve o juízo sobre a culpabilidade, já efectuado, nada obsta a que o(s) mesmo(s) julgador(es) reabra(m) a audiência para produção de prova suplementar com vista à determinação da sanção.
VI - Se, reaberta a audiência para o apuramento das condições pessoais e económicas do arguido, se suscitar ao tribunal uma dúvida, séria e fundada, sobre a incapacidade intelectual e volitiva do arguido, deve determinar a realização de perícia médico-legal para apuramento de eventual inimputabilidade decorrente de anomalia psíquica.

Texto Integral

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Acordam, em conferência, os Juízes da Relação de Coimbra:


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I. RELATÓRIO

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Nos autos de processo comum singular n.º 220/20.1PANZR, … foi proferida, em 27 de Junho de 2024, após a realização da audiência de discussão e julgamento, a seguinte decisão, relativa ao arguido e ora recorrente AA …

«III – DECISÃO:

III. Condenar o arguido AA … pela prática, em co-autoria material (cfr. art. 26º C.P.), de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º/n.º 2-a) e e), por referência ao art. 203º/n.º 1 e art. 202º-b), todos C.P., na pena de 3 (três) anos de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 3 (três) anos, sujeita a regime de prova.

IV. Condenar o arguido BB … pela prática, em autoria material (cfr. art. 26º C.P.) de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º/n.º 2 C.P., na pena de 90» (noventa) «dias de multa, à taxa diária de € 6» (seis euros), «o que perfaz o total de € 540» (quinhentos e quarenta euros);

«V. Condenar o arguido CC … pela prática, em co-autoria material (cfr. art. 26º C.P.), de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º/n.º 1 C.P., na pena de 150» (cento e cinquenta) «dias de multa, à taxa diária de € 6» (seis euros), «o que perfaz o total de € 900» (novecentos euros);

«VI. Condenar a arguida DD … em co-autoria material (cfr. art. 26º C.P.) de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º/n.º 1 C.P., na pena de 130» (cento e trinta) «dias de multa, à taxa diária de € 6» (seis euros), «o que perfaz a quantia de € 780» (setecentos e oitenta euros);

VIII. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante … e, em consequência, condenar o demandado AA … a pagar-lhe a quantia de € 30.000 (trinta mil euros) a título de danos patrimoniais e € 500 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos dos respectivos juros de mora, e absolvendo-o do demais peticionado».


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            Inconformado, o arguido AA … interpôs recurso, pugnando pela anulação da sentença e o reenvio do processo para novo julgamento no que a ele tange ou, no limite, para a reabertura da audiência para a determinação da sanção, a realizar pelo Tribunal a quo.

O recorrente concluiu a sua motivação do modo ora exposto (conforme a transcrição que segue):

«

2. Não se conformando, vem apresentar o presente recurso com vista à revogação do douto acórdão, por enfermar nos termos do art. 410º/n.os 1 e 2-a) do Código de Processo Penal» (C.P.P.).

«3. Ainda com vista à reapreciação da responsabilidade penal do ora recorrente, juntando, ao presente recurso, documentos supervenientes, nos termos do art. 428º/n.º 1 C.P.P..

4. Conforme resulta do douto acórdão, a convicção dos Meritíssimos Juízes a quo assentou, essencialmente, nas declarações prestadas pelo ora recorrente, em sede de inquérito, não obstante a sua ausência da audiência de julgamento.

6. Apesar de o ora recorrente nunca tenha estado presente em julgamento, a simples presença da defensora em audiência não supre a ausência de contraditório substancial, tanto mais que a audição das declarações não foi precedida de decisão fundamentada nem acompanhada de diligências destinadas a garantir a efectiva reacção da defesa ao conteúdo das declarações, como exige o art. 356º/n.os 1 e 9 C.P.P..

9. Mais, foi apresentado requerimento pela Ilustre Mandatária do arguido …, solicitando que não fosse valorada tal prova com fundamento em que o conteúdo das declarações fazia referência ao seu constituinte.

10. Tal oposição nunca foi formalmente decidida pelo Tribunal a quo, apesar de ter proferido despacho, …, com o seguinte teor: “Relativamente às requeridas nulidades, o Tribunal relega para momento posterior a sua apreciação”.

11. Ora, a omissão de pronúncia sobre questões que o Tribunal devia conhecer, nomeadamente requerimentos apresentados pelas partes, constitui nulidade da sentença.

16. Como tem vindo a ser defendido por toda a jurisprudência, “as declarações do arguido, isoladas e não corroboradas por qualquer outra prova, não podem fundamentar uma decisão condenatória, pois contrariam o princípio da presunção de inocência” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 1234/12.3T8LSB.L1-7, publicado em www.dgsi.pt).

19. Como é sabido, o direito ao silêncio e à presunção de inocência devem ser subvertidos por declarações isoladas e desacompanhadas de outras provas (cfr. arts. 32º C.R.P. e 32º C.P.P.).

20.  Dúvida não resta de que a condenação do ora recorrente, baseada exclusivamente nas suas declarações prestadas perante magistrado, sem mais elementos probatórios, configura violação dos direitos fundamentais e constitui manifesto vicio da decisão, impondo-se a declaração de nulidade do acórdão recorrido, o que se requer.

21. Subsidiariamente, requer-se a absolvição do ora recorrente, nos termos do disposto nos arts. 32º/n.os 1 e 5 C.R.P., 127º e 283º C.P.P., por insuficiência manifesta de prova para além da dúvida razoável quanto à prática dos factos que lhe foram imputados, não podendo as suas declarações isoladas, por si sós, sustentar uma condenação penal.

22. Mais, após a prolação do acórdão, a defesa obteve relatórios médicos relativos ao ora recorrente que, apesar de serem posteriores, são relevantes e indispensáveis à descoberta da verdade e da boa decisão de causa [art. 340º/n.º 4-a) C.P.P.].

23. Atestam perturbações cognitivas significativas, designadamente défice intelectual (Q.I. efectivamente reduzido de 63) e limitação da capacidade de compreensão, condições que não foram conhecidas nem consideradas em sede de julgamento.

26. Ora, em nosso entender, a junção desses documentos em sede de recurso é necessária, uma vez que o julgamento da primeira instância não tinha conhecimento dos mesmos, valendo como prova documental adicional, juntando-se com a motivação de recurso por não ter sido possível antes (até à decisão em primeira instância) e que revelam um quadro de deficiência mental que pode afectar a culpabilidade do ora recorrente à data dos factos.

27. Atento o teor daqueles, salvo o devido respeito, não se afigura crível que o ora recorrente tivesse o discernimento ou a capacidade intelectual para tomar tal deliberação sozinho, nos termos dos arts. 20º e 21º C.P..

30. Assim, em virtude da condição clínica que apresenta – Deficiência Mental Leve –, o ora recorrente, à data dos factos, não apresentava plena capacidade de entendimento das consequências da conduta dada como provada supra, nem capacidade para avaliar a ilicitude dos seus actos e para se determinar de acordo com essa avaliação.

31. Pelo que não agiu de modo livre, deliberado e consciente, não sabendo que tal conduta não lhe era permitida por lei.

33. A jurisprudência é clara ao considerar que a emergência de prova médica relevante após a decisão justifica a reabertura da audiência e a realização de perícia adequada.

36. Os documentos ora juntos nunca foram avaliados durante a fase de julgamento, nem foi realizada qualquer perícia médico-legal sobre a capacidade de culpa do arguido, apesar da sua ausência reiterada e da sua conduta processual indiciarem evidente vulnerabilidade.

37. De acordo com o art. 20º C.P., é inimputável quem, por anomalia psíquica, não for capaz de perceber a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa percepção.

38. Os elementos clínicos agora juntos apontam nesse sentido e revelam que o ora recorrente, à data dos factos, pode não ter tido essa capacidade mínima exigida, impondo-se a sua absolvição por ausência de culpa.

39. Mais, a condenação de pessoa inimputável constitui violação do princípio da culpa, consagrado no art. 1º C.P. e no art. 32º C.R.P..

42. Caso o Douto Tribunal da Relação entenda que os documentos ora juntos não são, por si sós, suficientes para determinar a inimputabilidade do arguido, requer-se, então, a anulação da sentença e o reenvio do processo ao Tribunal a quo, para que aí seja ordenada e realizada perícia médico-legal destinada à avaliação da imputabilidade penal do arguido, nos termos do art. 430º C.P.P..

44. A produção de prova superveniente, bem como o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada impõem essa diligência [cfr. arts. 428º/n.º 1 e 410º/n.º 2-a), ambos C.P.P.].

45. Só com tal perícia se poderá garantir um julgamento justo e conforme aos princípios da dignidade da pessoa humana, da protecção de pessoas em situação de especial vulnerabilidade e da culpa como limite da responsabilidade penal.

48. O recorrente não esteve presente em julgamento e não foi ouvido em audiência, tendo a decisão sido proferida sem qualquer elemento relativo à sua condição pessoal, social, económica e psicológica.

49. Mas essa matéria sobre as condições pessoais do agente e sua situação económica [cfr. alínea d) do n.º 2 do art. 71º C.P.] era essencial para as próprias opções, em sede de penas, tomadas pelo Tribunal.

51. Porquanto, no domínio da determinação da pena, são indispensáveis “informações” relativas ao agente do crime – os factos reveladores da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua situação económica, bem como aqueles que caracterizem a sua conduta anterior e posterior ao crime.

52. E é com base em tais elementos que o Tribunal fica habilitado a decidir a pena que o autor do crime deve cumprir.

55. Sabemos que esse relatório não é obrigatório, mas é peça essencial para a operação da determinação da medida de pena, sobretudo em casos como o presente, em que se cogita a aplicação de penas privativas de liberdade relativamente a um arguido não presente em audiência e estando ele à completa revelia do processo.

56. In casu, apesar de os Serviços de Reinserção terem alegadamente tentado proceder à elaboração do relatório social em 15 de Novembro de 2023 – antes do inicio das audiências de julgamento (primeira data 15 de Fevereiro de 2024), mediante uma “convocatória” para a última morada indicada nos autos, a verdade é que tal relatório nunca chegou a ser elaborado, ficando o Tribunal privado de elementos essenciais para a correcta individualização da pena.

57. Ora, a jurisprudência tem sido clara ao afirmar que, em casos de ausência do arguido e indícios de vulnerabilidade social ou cognitiva, o Tribunal deve ponderar diligências adicionais e não se limitar à formalidade de uma tentativa de contacto frustrada.

62. Para além disso, o arguido demonstra dependência familiar significativa, sendo a sua mãe quem providenciou os documentos médicos, revelando uma ausência de autonomia pessoal e social.

63. Estes elementos – ausência de comparência, deficiência intelectual e dependência familiar – são, em conjunto, sinais inequívocos de vulnerabilidade social, que impunham ao Tribunal uma análise mais cuidada, eventualmente através de diligências complementares, como a realização de perícia médico-legal ou a obtenção efectiva de relatório social.

65. Não nos resta senão concluir pela omissão de elementos essenciais à decisão de causa, ocorrendo assim o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevenido na alínea a) do n.º 2 do art. 410º C.P.P..

66. E, nessas circunstâncias, enfermando o acórdão recorrido do vício de insuficiência da matéria de facto para uma decisão jurídica criteriosa, impõe-se a anulação da sentença e a reabertura da audiência para determinação da sanção, a realizar pelo Tribunal a quo, assente que este reenvio parcial tem por objectivo evitar a repetição do julgamento perante o mesmo Tribunal que já tomou posição anterior sobre a valia da prova produzida (cfr. art. 371º C.P.P).

69. Assim, impõe-se a declaração de nulidade do acórdão recorrido e, subsidiariamente, absolvição do ora recorrente, nos termos do disposto nos arts. 32º/n.os 1 e 5 C.R.P., 127º e 283º C.P.P., por insuficiência manifesta de prova.


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            Admitido o recurso, a ele respondeu o Ministério Público junto da primeira instância.


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            Nesta Relação, o Ministério Público apresentou parecer.


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            Cumprido o disposto no art. 417º/n.º 2 C.P.P., foi apresentada resposta nos autos por banda do recorrente, que reafirmou o que já havia esgrimido no conteúdo do recurso.


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            Procedeu-se a exame preliminar, após o que foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência.


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            II. FUNDAMENTAÇÃO


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            …

No caso presente, considerando as conclusões do recurso, e apenas estas, parece alocar o recorrente a sua impugnação a três focos fundamentais, a saber:

- omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo relativamente à matéria da nulidade arguida oportunamente em sede de audiência de discussão e julgamento;

- insuficiência da matéria de facto de que o Tribunal a quo se socorreu para tomar a decisão condenatória quanto ao recorrente (o qual, além do mais, deverá ser declarado inimputável em razão de anomalia psíquica);

- concretos moldes do reenvio do processo à primeira instância.


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            Com interesse para o objecto de análise do presente recurso, consta da decisão proferida pelo Tribunal a quo o seguinte (conforme a transcrição ora exposta):

«Não existem nulidades, excepções ou outras questões prévias e incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.


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II – FUNDAMENTAÇÃO:

Produzida a prova e discutida a causa, com interesse para a decisão, provaram-se os seguintes factos:

1. Em data não concretamente apurada, mas no período compreendido entre as 16 horas do dia 15 de Novembro de 2020 e o dia 17 de Dezembro de 2020, o arguido AA … e três indivíduos cuja identidade não foi possível apurar dirigiram-se à residência sita na …, pertencente a …

2. Aí chegados, o arguido … ficou na rua a vigiar e os indivíduos de identidade não apurada abriram a janela da cozinha daquela residência, que se encontrava destrancada, e com a força içaram-se pela mesma, tendo entrado naquela divisão.

3. Já no interior de tal habitação, os três indivíduos cuja identidade não foi possível apurar dirigiram-se ao 1º andar, ao quarto …, onde se encontravam, no roupeiro de tal divisão, dois cofres.

4. De forma não concretamente apurada, os três indivíduos de identidade não apurada abriram um dos dois cofres e do mesmo retiraram, fazendo suas, várias peças em ouro que aí se encontravam.

5. Por sua vez, os indivíduos de identidade não apurada fizeram suas um número não concretamente apurado de peças em ouro que … guardava em um saco de pano, naquele mesmo quarto.

6. Nessa mesma ocasião, os três indivíduos não identificados fizeram igualmente seu o outro cofre, onde a ofendida tinha depositada a quantia de € 500 em notas do Banco Central Europeu e uma quantidade não concretamente apurada de moedas antigas de RAND sul-africanas, bem como um sortido de peças em ouro que aí se encontravam.

7. No total, AA … e os outros três indivíduos cuja identidade não foi possível apurar retiraram, fazendo suas, de ambos os cofres, várias peças em ouro em um valor não concretamente apurado, mas superior a € 30.000.

8. Após, e na posse do cofre e das peças acima descritos, os três indivíduos de identidade não apurada abandonaram a referida habitação, descendo até à cozinha, e saíram para a rua pela porta existente naquela divisão, que se encontrava com a chave na fechadura, e fugiram.

9. No dia 17 de Dezembro de 2020, o arguido AA … entregou nove peças em ouro ao arguido …, para que este as vendesse.

24. Com as condutas referidas em 1 a 9, os três indivíduos cuja identidade não foi possível apurar e o arguido AA … agiram em concertação de esforços e intentos, no intuito concretizado de se apropriarem de objectos que sabiam não lhes pertencerem, querendo e conseguindo remover obstáculos materiais para tal desiderato.

26. Mais agiram os três indivíduos cuja identidade não foi possível apurar e o arguido AA … com o propósito concretizado de se apropriar dos referidos bens em ouro e no intuito de posteriormente dividirem entre si os proventos havidos com a venda dos mesmos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e em prejuízo da respectiva proprietária.

Matéria de facto não provada:


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Motivação da decisão de facto


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            Primeira questão:

Da omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo relativamente à matéria da nulidade arguida oportunamente em sede de audiência de discussão e julgamento.

            Começa o recorrente por apontar ter a convicção do Tribunal a quo assentado, essencialmente, nas declarações prestadas pelo mesmo recorrente em sede de inquérito, reproduzidas em audiência de julgamento, não obstante a respectiva ausência a tal audiência, o que levou a que oportunamente, naquele acto (audiência de julgamento), houvesse sido invocada pela defesa de dois dos arguidos a nulidade da referida leitura (e da possibilidade de valerem as declarações reproduzidas como meio de prova).

Parece-nos assistir razão ao recorrente.

Com efeito, uma simples análise das actas da audiência de discussão e julgamento mostra corresponder exactamente à verdade a referida reprodução das declarações (para o que aqui agora mais releva) pelo recorrente prestadas em primeiro interrogatório judicial, não estando ele presente na sessão em que tal reprodução ocorreu …

Tal como corresponde à verdade ter sido invocada … a aludida nulidade da reprodução das declarações, o Colectivo haver então protestado tomar posição posteriormente sobre a questão, mas nunca o vindo a fazer, nem no acórdão … nem em qualquer outro momento.

Nos termos do art. 379º/n.º 1-c) C.P.P., «é nula a sentença: (…) c) quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

O vício de omissão de pronúncia consubstancia-se, pois, em uma ausência, em uma lacuna, quer quanto a factos, quer quanto a consequências jurídicas – verificando-se quando se constatar que o julgamento não procedeu ao apuramento de factos com relevo para a decisão da causa que, de forma evidente, poderia ter apurado, e-ou não investigou, na totalidade, a matéria de facto, podendo fazê-lo, ou se absteve de ponderar e decidir uma questão que lhe foi suscitada ou cujo conhecimento oficioso a lei determina.

Como escreve o Dr. António de Oliveira Mendes, «a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – art. 608º/n.º 2 do Código de Processo Civil» (C.P.C.), «aplicável ex vi art. 4º (…)» C.P.P.. «Evidentemente que há que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o citado n.º 2 do art. 608º (…)» C.P.C.. «A falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão» (“Código de Processo Penal Comentado”, 2ª edição revista, 2016, págs. 1132 e 1133).

In casu, a causa de nulidade do acórdão do Tribunal a quo prende-se … com o conhecimento do objecto do processo ou, mais especificamente, com o acervo probatório (reprodução em audiência de declarações prestadas, além do mais, pelo ora recorrente em primeiro interrogatório judicial sem que estivesse ele pessoalmente presente na mesma audiência) no qual o Colectivo pôde sustentar a sua própria convicção e a consequente decisão sobre o mérito da causa.

Temos, pois, como inescapável que ao Colectivo se exigia a tomada de posição expressa acerca da arguição de nulidade que lhe fora colocada em sede de audiência de discussão e julgamento …

Assim sendo, entende-se assistir razão ao recurso, no segmento a que ora nos reportamos, devendo, por conseguinte, declarar-se a nulidade do acórdão recorrido, devendo os autos baixar ao Tribunal a quo para que nele se proceda à elaboração de novo acórdão, devidamente completado com a apreciação da questão em causa (e subsequente extracção das consequências jurídicas que aquele Tribunal entender adequadas para o destino do processo).

Não se tratando ora, pois, de exercer este Tribunal de recurso os seus poderes de suprimento (n.º 4 do art. 379º C.P.P.), pois que tal exercício corresponderia à supressão de um grau de jurisdição (assim, Profs. Rui Soares Pereira e Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, Volume II, 5ª edição actualizada, Lisboa, 2023, pág. 494).

Em suma, merecerá provimento esta parte do recurso.


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Segunda questão:

Da insuficiência da matéria de facto de que o Tribunal a quo se socorreu para tomar a decisão condenatória quanto ao recorrente (o qual, além do mais, deverá ser declarado inimputável em razão de anomalia psíquica).

Pretende, no entanto, o recorrente um outro efeito com a sua impugnação: independentemente de entender que a não valoração das declarações em causa terá de conduzir à sua absolvição no processo, pugna no sentido de que, conforme a documentação clínica que juntou entretanto aos autos, não se afigura crível que tivesse ele o discernimento ou a capacidade intelectual para tomar sozinho qualquer deliberação penalmente valorável, nos termos dos arts. 20º e 21º C.P., dado apresentar deficiência mental.

Ou seja, surgindo fundadas dúvidas sobre a imputabilidade do recorrente, e não tendo estado ele presente em audiência de discussão e julgamento – nem sequer tendo ocorrido a elaboração de um relatório social sobre a sua situação vivencial –, caso a documentação referida não permita uma declaração, por via de recurso, da sua inimputabilidade, haverá a necessidade de reabrir a audiência de julgamento e ordenar a realização de perícia adequada à percepção das suas faculdades mentais, assim como, se necessário for, para efeitos de uma hipotética condenação, diligenciar acerca das respectivas condições vivenciais.

Vejamos.

Na prática, esta segunda questão colocada pelo recorrente remete-nos para outra fonte de vício do acórdão recorrido, em tese geral descrita no art. 410º/n.º 2-a) C.P.P., ou seja, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Na hipótese presente, entende, pois, o recorrente não constarem do acórdão recorrido quaisquer factos referentes à personalidade (rectius, à incapacidade intelectual e volitiva) passíveis de sustentarem a reacção penal que lhe foi determinada pelo Tribunal a quo.

No acórdão em causa, para além de se fazer constar, no que agora importa, haver o recorrente actuado sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas dadas como assentes eram proibidas e punidas por lei penal, mais se acrescentou não ter ele antecedentes criminais, nada constando, no entanto, quanto ao enquadramento vivencial do mesmo.

É relevante dizer que, apesar de se ter tentado, no âmbito do processo, realizar a elaboração de relatório social atinente ao recorrente, não se logrou tal elaboração por, segundo informou a D.G.R.S.P., não haver sido «(…) possível apurar qualquer dado sobre o arguido, não obstante as diligências efectuadas. A fim de contactarmos o arguido foi enviada uma convocatória, via postal, para a morada indicada nos autos, …, a qual não foi devolvida, não tendo, contudo, o arguido comparecido. Efectuado contacto telefónico com o restaurante indicado (…), fomos informados que o arguido trabalhara ali apenas um mês (há já alguns anos), não sendo conhecido o seu actual paradeiro» (fls. 1171 dos autos).

Como também sabemos, o recorrente foi julgado na sua ausência, constando de despacho proferido em acta a consideração da não essencialidade da sua presença, nos seguintes termos: «Relativamente aos arguidos faltosos, que se encontram notificados, se não justificarem a falta no prazo legal, vão os mesmos condenados em multa correspondente a 2 U.C.. Considerando o Tribunal que não é indispensável à realização da presente audiência a comparência dos mesmos, a mesma realizar-se-á na sua ausência, sendo os mesmos notificados na pessoa dos seus Defensores Oficiosos».

Estabelece o art. 333º/n.º 3 C.P.P. que, «no caso referido no número anterior» (início da audiência sem a presença do arguido), «o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do n.º 2 do art. 312º».

É certo, a propósito, que se emitiram mandados de condução do arguido a audiência sob detenção, concretamente para a segunda sessão de audiência, tendo sido os mesmos devolvidos sem cumprimento, porquanto «(…) o visado já não reside-trabalha no local indicado há cerca de três anos, desconhecendo-se o seu paradeiro actual» (fls. 1318), cabendo notar que a morada feita constar nos aludidos mandados – aliás, a conhecida nos autos para efeitos da prestação do termo de identidade e residência – fora aquela que já a D.G.R.S.P. dissera haver o arguido abandonado diversos anos antes.

Devendo também salientar-se, pelo seu interesse, em toda esta resenha, que o recorrente veio a ser notificado pessoalmente do teor do acórdão recorrido, em 8 de Abril de 2025, por se encontrar então nas instalações do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria (fls. 1445).

Bom, nos termos do art. 410º/n.º 2-a) C.P.P., «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada».

O vício acabado de referir tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, sem necessidade de recurso a elementos estranhos à mesma.

O vício enunciado verifica-se quando os factos provados na sentença ou acórdão são insuficientes para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão da causa. Trata-se de uma válvula de segurança do sistema que deve ser utilizada nas situações em que não seja possível tomar uma decisão sobre a questão de direito, por se alicerçar em matéria de facto manifestamente insuficiente, carecendo de indagação adicional (a propósito, Dr. António Pereira Madeira, “Código de Processo Penal Comentado” citado, págs. 1273 e 1274, e Ac. S.T.J. de 23/10/2013, in www.dgsi.pt).

Como sabemos, a actividade judicial de determinação da pena é, toda ela, juridicamente vinculada e não puramente discricionária, impondo a consideração das circunstâncias concretas a que se refere o n.º 2 do art. 71º C.P., plasmadas em factos, que devem ser conjugados com «(…) regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações (…)», erigindo-se desta forma a «(…) fase de juridificação da determinação da pena» (Prof. Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Lisboa, 1993, pág. 195).

Mas, até a montante do que acabamos de referir, importa também admitir que a notícia de uma eventual deficiência intelectual grave, atestada ou sugerida por documentos médicos, possa impor ao Tribunal o dever de diligenciar pela realização de perícia psiquiátrica, mesmo oficiosamente. Porque, como sabemos, a eventual percepção de uma situação de inimputabilidade por anomalia psíquica a enformar o comportamento de um agente que comete um facto ilícito típico conduzirá a consequências jurídico-penais completamente distintas (medida de segurança, sendo o agente considerado perigoso – arts. 20º e 91º C.P.) face às que se ligam à “normalidade” de um estado de imputabilidade (aplicação de uma pena).

É verdade que um sistema processual penal como o português, em matérias de recorte técnico-científico como a da inimputabilidade em razão de anomalia psíquica, deve ser tido como restrito, no sentido de que «(…) impõe a existência de uma doença mental comprovada pelos médicos e que constitui pressuposto indispensável para a declaração de inimputabilidade» (Prof. Carlota Pizarro de Almeida, “Modelos de inimputabilidade. Da teoria à prática”, reimpressão, Coimbra, 2004, pág. 45). E compreende-se que assim seja, pois a conclusão da falta do dolus e da liberdade de decisão autónoma que são elementos supostos pela imputabilidade, tem de surgir, aos olhos do julgador, como a tradução jurídico-penal de um juízo eminentemente médico-pericial, ou seja, tem de traduzir a conclusão judicial formulada a partir de um parecer médico-legal da especialidade em questão (a propósito, e também sobre a avaliação da perigosidade do agente, cfr. Prof. Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade de inimputáveis e ‘in dubio pro reo’”, Coimbra, 1997, págs. 98 a 102). Acrescendo existir – e bem, na opinião deste Tribunal de recurso – «(…) uma presunção de capacidade do indivíduo adulto, que só pode ser ilidida perante a comprovação de um estado psicológico que afecte as suas faculdades normais. Essa comprovação deve ser feita de modo certo, seguro, pois, a subsistirem dúvidas, permanecerá a presunção de capacidade. E deve tratar-se de uma verdadeira doença, no sentido médico do termo; o que exclui as anomalias de carácter, os comportamentos desviantes situados na zona fronteiriça entre a normalidade e a anormalidade. A tarefa de verificar a existência de uma doença mental, entendida nestes termos, só pode caber aos psiquiatras, pois só eles, como especialistas, poderão avaliar de modo científico (ainda que com todas as insuficiências que a psiquiatria apresenta, mesmo nos dias de hoje, como ciência) o estado mental do indivíduo e as patologias que eventualmente apresente. O modelo restrito repousa, portanto, num juízo a emitir pelo psiquiatra sobre a existência de uma autêntica doença mental (nos limites em que este conceito é entendido pela psiquiatria), juízo que é prévio e determinante de toda a tramitação do incidente de inimputabilidade. Sobre a existência da doença mental, só o perito poderá, naturalmente, pronunciar-se. E, caso o parecer seja no sentido de não se verificarem quaisquer patologias, a decisão só pode ser no sentido da imputabilidade do arguido» (Prof. Carlota Pizarro de Almeida, “Modelos de inimputabilidade. Da teoria à prática” citado, pág. 45).

Portanto, a simples pretensão, exposta pelo recorrente, de que deve ser declarado inimputável em razão de anomalia psíquica, assim, sem mais, e pela presente via recursiva, é, salvo o devido respeito, totalmente descabida: para além de inexistirem elementos minimamente sólidos que fortaleçam essa sua pretensão, a decisão recorrida, em si mesma, não poderia “adivinhar” uma suposta situação de inimputabilidade nos mencionados termos…

Problema distinto – mas conexo, ainda assim, com o que acabamos de aflorar – é estoutro: o de saber se, não obstante as démarches efectuadas no decurso da audiência de discussão e julgamento, não poderia o Tribunal a quo diligenciar no sentido de tentar investigar “um pouco mais” (por exemplo, através de uma pesquisa aturada nas bases de dados – Segurança Social e Fisco, por exemplo – a que o sistema judiciário tem acesso, da solicitação de informações a diversas entidades policiais de todo o país, da consulta das listagens de reclusos, entre outras diligências possíveis), a fim de tentar munir-se do máximo de elementos possíveis que lhe permitissem fixar a matéria de facto acerca dos aspectos a que há pouco fizemos referência e que, no mínimo, sempre entroncariam no ensaio do apuramento das condições relativas ao modo de vida do arguido.

Por isso, e independentemente da verificação ou não da questão de uma eventual inimputabilidade em razão de anomalia psíquica de que o recorrente possa padecer, a factualidade relativa à sua personalidade e às suas condições pessoais constante do acórdão recorrido, em confronto com a respectiva motivação, é absolutamente inexistente e, portanto, nunca de molde a sequer possibilitar uma ponderação dos elementos a que o n.º 2 do art. 71º C.P. manda atender para a determinação da medida da pena.

Com efeito, mesmo não tendo sido possível obter a comparência do arguido na audiência de julgamento, crê-se que o Tribunal poderia e deveria ter procurado recorrer, nos moldes já sugeridos, a outros meios probatórios para tentar apurar as condições económicas e pessoais do arguido, actualizadas ao momento mais próximo possível da prolação do acórdão em causa.

Assim, nos termos que vimos explanando, crê-se que verificado se encontra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que não é suprível nesta instância, por depender de prova a produzir (quer quanto à eventual afecção psíquica de que o recorrente possa padecer, quer, pelo menos – e nada existindo naquele domínio da anomalia psíquica –, no tocante à determinação da medida da eventual pena a aplicar).

Em suma, deverá ocorrer, nesta parte, a pretendida reabertura da audiência de julgamento pelo recorrente.


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Terceira questão:

Dos concretos moldes do reenvio do processo à primeira instância.

Pela natureza das coisas, o primeiro foco de nulidade detectado in casu, de omissão de pronúncia no acórdão recorrido, implicará o reenvio do processo para o Tribunal que prolatou esse mesmo acórdão.

No mais, é verdade que a jurisprudência tem maioritariamente entendido que a nulidade decorrente da omissão do apuramento de factos relativos à situação pessoal e económica do arguido implica o reenvio do processo para novo julgamento, conforme se encontra previsto nos arts. 426º/n.º 1 e 426º-A C.P.P..

No entanto, importa atentar que o reenvio tem por objectivo evitar a repetição do julgamento perante o mesmo Tribunal que tomou já posição sobre a prova produzida. Quando a nulidade decorrente da verificação de um vício da sentença ou acórdão não envolve o juízo sobre a culpabilidade já efectuado nos termos do art. 368º C.P.P., crê-se, no plano dos princípios vigentes no processo penal, nada obstar a que o(s) mesmo(s) julgador(es) reabra(m) a audiência para produção de prova suplementar com vista à determinação da sanção. Aí, não terá grande cabimento determinar a remessa dos autos para outro Tribunal, antes assegurando a prolação da nova sentença ou acórdão pelo(s) mesmo(s) juiz(es) o princípio da plenitude da sua assistência, consagrado no art. 328º-A C.P.P. (Ac. Rel. Évora de 16/2/2016, in www.dgsi.pt).

Como se decidiu no Ac. S.T.J. de 27/6/2012, «o art. 40º C.P.P. assume uma específica dimensão processual que tem por objectivo essencial assegurar uma das finalidades últimas do processo penal, que é o da garantia da imparcialidade que caracteriza o processo justo a que tem direito qualquer arguido. O funcionamento da tutela da imparcialidade, ínsito na reformulação operada no art. 40º C.P.P., não tem cabimento quando está em causa a mera supressão de causas de nulidade detectadas na decisão e não uma nova apreciação da matéria de facto» (aresto disponível em www.dgsi.pt).

Pois bem, é verdade que a situação dos presentes autos se apresenta como algo sui generis: por um lado, como dissemos, crê-se, pela natureza das coisas, que o primeiro foco de nulidade detectado in casu, de omissão de pronúncia no acórdão recorrido, implicará o reenvio do processo para o Tribunal que prolatou esse mesmo acórdão, a fim de colmatar aquela omissão; por outro lado, dependendo do destino da arguição de nulidade sujeita à decisão do referido Tribunal, assim se mostrará mais ou menos premente a produção de prova suplementar, nos termos a que nos reportámos há pouco (até porque, como decorre do acórdão recorrido, parte significativa da convicção do Tribunal a quo assentou em um meio probatório – as declarações do ora recorrente reproduzidas em audiência – sobre o qual incidiu a arguição de nulidade que tal Tribunal terá de decidir…).

Seja como for, e ao cabo e ao resto, entendemos que o que está agora em causa não é tanto repetir um julgamento, antes continuar e concluir o julgamento já iniciado quanto ao recorrente, sendo que se ao (mesmo) Colectivo se suscitar também, de modo sério e fundado, no decurso daquela continuação, a ideia da necessidade de realização de um exame pericial às características psíquicas do recorrente, nada impedirá, pois (antes pelo contrário), que avance tal Colectivo nesse mesmo sentido.

Pelo que se determinará ora que a audiência seja reaberta pelo mesmo Colectivo, a fim de proceder às operações a que acabámos de fazer menção (cfr., em tese, o Ac. Rel. Coimbra de 1/6/2022, in www.dgsi.pt).

Assim, impõe-se a reabertura da audiência de julgamento, pelo Tribunal a quo, para o apuramento das condições pessoais (se tal se mostrar essencial, também com indagação médico-pericial acerca da personalidade e características psíquicas), sociais, familiares e económicas do recorrente, bem como a posterior prolação de nova decisão que deverá ter em consideração, para além da supressão da omissão de pronúncia de que padece o acórdão recorrido, e se tal for entendido como necessário, os factos que se venham a provar relativos às condições de vida do mesmo recorrente.


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            III. DECISÃO


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Pelo exposto:

            - Acordam os Juízes desta Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto por AA e, consequentemente, em declarar a nulidade do acórdão recorrido, mais se ordenando a remessa do processo ao Tribunal a quo a fim de que proceda à reabertura da audiência de julgamento, tendo em vista o apuramento das condições pessoais (se tal se mostrar essencial, também com indagação médico-pericial acerca da personalidade e características psíquicas), sociais, familiares e económicas do recorrente, bem como à posterior prolação de nova decisão que deverá ter em consideração, para além da supressão da omissão de pronúncia de que padece o acórdão recorrido (quanto à nulidade arguida e por esse acórdão não conhecida), e se tal for necessário, os factos que se venham a provar relativos às condições de vida do recorrente e à medida da pena (ou, sendo o caso, da medida de segurança) a aplicar em conformidade (tudo a ser efectuado pelo Colectivo que realizou as sessões de julgamento já ocorridas).


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Sem custas (art. 513º/n.º 1 C.P.P.).


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            Notifique.


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(Revi, e está conforme)

D.S.

António Miguel Veiga (Juiz Desembargador Relator)

Ana Carolina Cardoso (Juíza Desembargadora Adjunta)

Cristina Branco (Juíza Desembargadora Adjunta)