MEDIDA DE COAÇÃO
CATEIRISTA NO AEROPORTO
ESTRANGEIRO
PRISÃO PREVENTIVA
Sumário

I - Por força do princípio da proporcionalidade, o legislador processual penal confina a aplicação das medidas de coacção mais gravosas, no sentido em que se afiguram mais restritivas dos direitos e liberdades do cidadão, à existência de fortes indícios da prática de crime doloso [cfr. artigos 200º, 201º e 202º do Código de Processo Penal] e ao máximo da pena correspondente ao crime que justifica a medida [artigo 195º do Código de Processo Penal]; As medidas coativas privativas da liberdade, porque mais gravosas [a obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva], por força do princípio da subsidiariedade, só podem ser aplicadas quando as restantes se revelem, em concreto, inadequadas ou insuficientes [cfr. artigo 28º, nº2, da Constituição da República Portuguesa e artigos 193º, nº2, 201º, nº1, e 202º, nº2, do Código de Processo Penal]; No quadro desta medidas mais restritivas da liberdade ambulatória certo é que a prisão preventiva deverá ser entendida como a “ultima ratio”, isto é, assume natureza subsidiária em relação à obrigação de permanência na habitação [artigo 193º, nº3, do Código de Processo Penal].
II - Encontram-se, desde logo, fortemente verificados os perigos de continuação da actividade criminosa , quer face à personalidade do arguido – claramente temerária e mantida reiteradamente com manifesto proveito económico atenta a natureza dos valores e objectos furtados, assim como o perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas - alínea c) do art. 204º do CPP, quer, novamente, em razão da personalidade do arguido, o qual não se coibiu de, reiteradamente, voltar a delinquir em local de intensa passagem de viajantes, trabalhadores do aeroporto e transportes para e do referido Aeroporto Francisco Sá Carneiro, o qual escoa o tráfego aéreo do norte de Portugal e Galiza, quer em razão da natureza e das circunstâncias concretas dos crimes em análise.
III - o facto do arguido ser estrangeiro, por si só, não acarreta perigo de fuga. Mas, este perigo advém do facto do mesmo também não ter indicado residência em Portugal, viver de modo precário neste país e com recurso a documento/passaportes, indiciariamente falsos. Tais circunstâncias aliadas a uma personalidade temerária e manifestamente com “arte” eleva o perigo de fuga pois nada nos garante que, caso em liberdade, ou mesmo em caso de pena detentiva a cumprir na residência, o mesmo não se socorra de outros documentos para sair do país.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo: 78/25.4PYPRT-G.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação Do Porto

1- RELATÓRIO

1.1 No âmbito dos autos de inquérito n.º 78/25.4PYPRT do Ministério Público da Comarca do Porto - DIAP – que correu termos (actos jurisdicionais) no Tribunal Judicial da comarca do Porto, Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos -, a 21/03/2025, foi o arguido AA, sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, na sequência do qual foi-lhe aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, assim como ficou sujeito ainda às obrigações decorrentes do TIR, já prestado, tudo nos termos dos artigos 191º a 196º, 202º, nº 1, d) e 204º, 1 a) e c), todos do CPP.

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I.2 Recurso\s da\s decisão\sões

Em 21/04/2025, inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido com os fundamentos expressos nas seguintes conclusões [transcrição]:

“(…) CONCLUSÕES

I. O Recorrente não se conforma com despacho proferido nos presentes autos que aplicou ao Arguido a medida de coação de prisão preventiva, pelo que vem interpor recurso do mesmo.

II. O Arguido vem indiciado da prática de, um crime de furto simples, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. b), e 4 do Código Penal, dois crimes de furto qualificado p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, dois crimes de p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. a) e b) do Código Penal e um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f) e n.º 3, do Código Penal.

III. Foi aplicada em sede de 1ª interrogatório judicial de Arguido detido a medida de coação de prisão preventiva com fundamento nos três perigos do art.204º do CPP, considerando-os “elevadíssimos”.

IV. O Recorrente discorda da sua sujeição à medida de coação mais gravosa, prisão preventiva, nos termos e com os seguintes fundamentos que se passam a expor.

V. A prisão preventiva, tendo carácter cautelar só deve ser aplicada quando, por outros meios, não for possível assegurar os fins que, com ela, se pretendem acautelar.

VI. Só podendo ser mantida se se verificarem os condicionalismos previstos, nomeadamente nos artigos 193º, 202º e 204º, todos do C.P.P, e se as finalidades que se pretendem atingir com a mesma não puderem ser conseguidas de outra forma.

VII. Entende o Recorrente que a decisão de 21.03.2025, não expõe uma fundamentação suficientemente forte e consistente, que alicerce e motive uma restrição tão gravosa e extrema dos direitos liberdades e garantias do aqui Recorrente.

VIII. Não obstante os crimes pelos quais o Recorrente vem indiciado, o certo é que a prisão preventiva aplicada viola o princípio da sua aplicação em última ratio, plasmando no art.193º n.º 3 do CPP!

IX. Considerando o Recorrente que medida de coação necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, é a OPHVE, segundo o disposto no art.193º n.º 1 do CPP.

X. Veja-se que, inclusive, o arguido é primário, conforme consta do seu CRC junto aos autos, com a referência CITIUS 470136215, datado de 20.03.2025 e conforme consta da decisão que se recorre na página 8 da mesma.

XI. No entanto, considerou o Tribunal a quo a existência dos 3 perigos previstos no art.204º do CPP, que entendeu serem “elevadíssimos”

XII. Discorda o Recorrente que, tais perigos, a existirem, sejam elevadíssimos

XIII. NO QUE SE REFERE AO PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ACTIVIDADE CRIMINOSA E PERIGO DE PERTURBAÇÃO DA ORDEM E TRANQUILIDADE PÚBLICAS, o Tribunal a quo na sua decisão, fundamentou na página 8 a existência deste perigo, alicerçando-se nos fundamentos que, o Recorrente, reitera condutas de forma audaz e profissional destinadas a angariar proventos à custa do património alheio.

XIV. Não se entende como o Tribunal a quo pode “prever” que o recorrente estando em liberdade continue a praticar crimes quando, para a aferição do perigo de continuação da atividade criminosa, a mesma, deve ser feita de modo real e concreto.

XV. E, quando poderá ser de prever exatamente o efeito oposto, ou seja, com a detenção do Recorrente e a sujeição do mesmo a 1º interrogatório judicial de arguido detido e aplicação de uma medida de coação mais gravosa que o TIR, o mesmo poderá tomar um rumo e não voltar a alegadamente a delinquir.

XVI. Pelo que não se entende em que factos e argumentos se estriba o Tribunal a quo para retirar tal conclusão negativa em relação a conduta do Recorrente, quando em liberdade.

XVII. O perigo de continuação da atividade criminosa, não se confunde, necessariamente, com a consumação de novos atos criminosos. Devendo antes ser aferido em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por neles revelada.

XVIII. Poderia o Tribunal a quo, ainda que aplicasse a Obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, acrescer a esta medida de coação (doravante OPHVE) a proibição do Recorrente frequentar qualquer aeroporto, segundo o disposto no art.200 nº 1 alínea d) do CPP.

XIX. Pelo que entende o Recorrente que não existe um “elevadissimo” perigo de continuação da atividade criminosa.

XX. No que se refere ao concreto e elevado perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, o Tribunal a quo baseia tal consideração na página 8 da decisão de que se recorre apenas no alarme social gerado pelos factos em causa.

XXI. Não podia o Tribunal a quo atender aos contornos do concreto ilícito para definir a existência de um elevado perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, tal como fez.

XXII. O perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas deve ser entendido como reportando-se ao previsível comportamento do Recorrente e não a possível reação que possa gerar se na comunidade.

XXIII. Poderia o Tribunal a quo ultrapassar este perigo com a sujeição do Recorrente à proibição de frequentar quaisquer aeroportos segundo o disposto no art.200º nº 1 alínea d) do CPP, inexiste o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, bem como o alarme social.

XXIV. Assim, entende o Recorrente que não existe um elevado perigo da continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade pública.

XXV. NO QUE SE REFERE AO PERIGO DE FUGA, o Tribunal a quo na página 8 da sua decisão fundamentou este perigo com os factos do Recorrente ser estrangeiro, circular com passaportes falsos e considerando que com o conhecimento da indiciação seria previsível a fuga de modo a eximir-se à justiça.

XXVI. Na ausência de qualquer outro facto que indicie em concreto que o detido se pretenda furtar à ação da justiça deve concluir-se pela inexistência do invocado perigo de fuga.

XXVII. Ou seja, dos autos não consta qualquer elemento probatório que demonstre a indisponibilidade do Recorrente a comparecer em qualquer ato processual.

XXVIII. Mais uma vez, entende o Recorrente que não é “elevadíssimo” o perigo de fuga também.

XXIX. E, uma vez mais, a existir perigo de fuga, o mesmo pode ser acautelado com a sua sujeição a outras medidas de coação menos gravosas, nomeadamente, a entrega do seu passaporte e a OPHVE, sendo que a aplicação da prisão preventiva ao arguido mostra-se manifestamente desadequada.

XXX. Pelo que, entende o Recorrente a prisão preventiva aplicada é excessiva e desproporcional, pugnando pela aplicação da OPHVE.

XXXI. O Recorrente reúne todas as condições para lhe ser aplicada tal medida de coação e tem plena consciência que pelo recurso à vigilância eletrônica, que todos os seus movimentos estão a ser monitorizados a todo o momento, em tempo real.

XXXII. Com a aplicação da medida de coação OPHVE, o Recorrente terá a sua liberdade ambulatória restringida e confinada ao espaço físico da sua casa, não se podendo ausentar sem para tanto estar devidamente autorizada pelo Tribunal, sob pena, de vir a sofrer o agravamento da medida de coação - regressando à prisão preventiva, estando assim os eventuais perigos mitigados.

XXXIII. Salvo o devido respeito, não se entende como pôde o Tribunal a quo na sua página 9 da decisão afastar a possibilidade de aplicar ao Recorrente a OPHVE, fundamentando que tal medida não seria impeditiva do Recorrente se movimentar e praticar novos factos.

XXXIV. Prevendo a eventualidade de o Recorrente vir a beneficiar da saída da residência em circunstâncias excecionais, deverá em todo o caso ser evitada a proximidade e o contacto por qualquer forma com o aeroporto, para acautelar qualquer possibilidade ocorrência de acontecimentos semelhantes.

XXXV. Se é verdade que esta medida cautelar não tem a eficácia da prisão preventiva, também se poderá considerar que na situação vertente a vigilância e o controlo por meios eletrónicos serão suficientes, enquanto medida necessária e adequada para confinar o Recorrente ao espaço da sua habitação e assim acautelar a

probabilidade de envolvimento em novos alegados atos de furto.

XXXVI. É absolutamente inadmissível perante o quadro aqui exposto nestas alegações que se sustente um elevado perigo da continuação da atividade criminosa, da perturbação da ordem e tranquilidade pública, e elevado perigo de fuga, nos termos em que o Tribunal a quo o fez.

XXXVII. Mais, não pode o Arguido deixar de se sentir condenado mesmo antes do julgamento, ao arrepio do fundamentalíssimo princípio da presunção da inocência previsto no art.32º n.º 2 da CRP.

XXXVIII. Como é bem-sabido, vigora no nosso sistema constitucional o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso no art.18º, nº2 da CRP, enquanto princípio geral do direito e, portanto, transversal a toda a intervenção do estado no que tange à proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais do ser humano.

XXXIX. Ora, a prisão preventiva, tem caráter cautelar, ou seja, só pode ser aplicada mediante a verificação dos condicionalismos previstos nos artigos 193º, 202º e 204º todos do CPP e se, as finalidades que se pretendem atingir com a mesma não puderem ser conseguidas com a aplicação de outra medida de coação, mormente a OPHVE.

XL. Ou seja, o fundamento da aplicação da prisão preventiva não é a justiça, mas sim a necessidade!

XLI. Por um lado, temos o direito à liberdade, nos termos do disposto no art.27º n.º 1 da CRP e o direito à não privação da liberdade, a não ser em consequência de uma sentença judicial condenatória pela prática de ato unido por lei com pena de prisão, de acordo com o art.27º n.º 2 da CRP.

XLII. E, por outro lado a exceção da não privação da liberdade em caso de prisão preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 3 anos, segundo o art.27º n.º 3 b) da CRP.

XLIII. Através da OPHVE possibilita-se ao Arguido que se mantenha na sua residência ainda que mediante vigilância eletrónica, é permitir que o mesmo possa ter a sua movimentação controlada.

XLIV. Daí que não se justifique o decretamento da prisão preventiva revelando-se a mesma desnecessária e desadequada às exigências cautelares que o presente caso requer, bem como desproporcional à gravidade dos crimes aqui indiciados, não cumprindo o disposto no art.193º do CPP.

XLV. Por todas as razões aqui ex postas e outras que V. Exas aduzirão, nos termos do disposto nos artigos 193º, 204º e 212º do CPP, face aos elementos fácticos e probatórios constantes dos autos não é de crer que subsistam pressupostos e motivos suficientes ou bastantes que levem a aplicação da prisão preventiva, pelo que se requer a V. Exas a revogação da prisão preventiva e a sua substituição pela obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

XLVI. Do supra exposto entende o recorrente que o despacho em crise violou o disposto nos artigos 17º, 27º e 32º da CRP, 191º, 193º, 194º, 201º, 202º, 204º e 212º todos do CPP.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a aplicação da prisão preventiva ao Recorrente e em sua substituição ser lhe aplicada a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

Assim decidindo, farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA!(…)”

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1.3 Foi admitido o recurso nos termos do despacho proferido em 05/05/2025, a subir imediatamente, em separado, e com efeito meramente devolutivo. Subida essa apenas ordenada por despacho de 21/10/2025, aquando do recebimento da acusação pública.

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I.4 Resposta\s ao recurso

Efectuada a legal notificação, o Ministério Público, em 19/05/2025, respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência.

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I.5 Parecer do Ministério Público

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do\s qual, aderindo à posição do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

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I.6. Resposta

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

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1.7. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir.

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2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:

Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], e da doutrina[2], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal[3], relativas a vícios que devem resultar directamente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do C.P.P.).

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2.2 Face às conclusões extraídas pelo recorrente as questões a apreciar e decidir são as seguintes:

- se a aplicação da medida coativa de prisão preventiva obedeceu aos requisitos exigidos pelos artigos 191 a 195, 196, 202 n. º1 e 204 n.º1 a) e c) todos do C. Processo Penal; saber se a aplicação de tal medida violou os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade – art. º193 do C.P.P.

- se a medida de prisão preventiva que foi aplicada, em 1º interrogatório judicial, deverá ser revogada e substituída pela medida de coacção de obrigação permanência na habitação com vigilância electrónica;

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2.3- Da decisão recorrida

2.3.1 Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi proferido despacho pelo Tribunal a quo que aplicou ao recorrente a medida de coacção, de prisão preventiva. Importa, pois, proceder à transcrição do teor dos factos indiciados e do subsequente teor do despacho recorrido, ambos constantes do Auto de 1.ª Interrogatório de 21/03/2025:

AUTO DE INTERROGATÓRIO DE ARGUIDO

(1º Interrogatório Judicial de arguido detido – Art.º 141º C. P. Penal)

(…)

A: FACTOS:

Como se alcança do conjunto da prova já colhida nos autos, avultam fortes e sustentados indícios da prática, por banda do arguido que se identificou como AA, casado, nacional da ..., nascido a ../../1982, filho de BB e de CC, com residência na ..., Rue ..., ..., ..., dos seguintes factos:

1. No dia 19 de Março de 2025, pelas 12h15m, no piso 3 do aeroporto Francisco Sá Carneiro, concelho da Maia, o arguido deslocou-se para o estabelecimento denominado “Café ...” e sentou-se numa cadeira daquele estabelecimento de costas para o ofendido DD.

2. Nessas circunstâncias o arguido subtraiu do casaco deste ofendido uma bolsa preta contendo um cartão de crédito com o n.º ...37 e um cartão de débito com o n.º...18, ambos emitidos em nome do ofendido, bem como uma nota de 20,00 euros;duas notas de 10,00 € e uma nota de 5,00 €.

3. Na posse destes objectos que os fez seus, o arguido deslocou-se para junto de uma caixa multibanco e de seguida para a papelaria denominada Relay, localizada nas imediações.

4. Por já estar referenciado pela PSP o arguido foi de imediato intercetado e detido.

5. Para além daqueles bens/quantias monetárias o arguido tinha na sua posse dois passaportes supostamente emitidos pelas autoridades argelinas com o nome do arguido, um com o n.º ...27 e outro com o n.º ...68 supostamente emitidos pelas autoridades argelinas, tenho os elementos de controlo fronteiriço da PSP concluído que os mesmos apresentavam características falsas, uma vez que a técnica de impressão é irregular, não dispõe de marca de óptica variável e a tinta opticamente variável não é verdadeira, encontrando-se ainda o chip manipulado ou deteriorado.

6. O arguido utilizou o passaporte n.º ... no dia 28-09-2023 efectuar um pedido de manifestação de interesse junto da AIMA.

7. Na mesma data o arguido guardava no quarto n.º ...26 do Hotel ..., sito na cidade do Porto, um documento de identificação e uma carta de condução emitidas pelas autoridades holandesas em nome de EE, tendo estes documentos sido utilizados para realizar o contrato de aluguer do veículo automóvel de matrícula ..-..-GX, utilizado pelo arguido para se deslocar até ao citado aeroporto.

NUIPC ...

8. No dia 31 de Janeiro de 2025, pelas 10h48, no aeroporto Francisco Sá Carneiro, concelho da Maia, o arguido deslocou-se para o estabelecimento denominado “A...” e sentou-se numa cadeira daquele estabelecimento de costas para o ofendido FF.

9. Nessas circunstâncias o arguido colocou a mão num bolso do casaco que o ofendido tinha pendurado na cadeira e apoderou-se de uma carteira, tendo do seu interior retirado a quantia de

215 euros em numerário, guardando esta quantia monetária no bolso das calças esquerda e colocado novamente a carteira no bolso do casaco do ofendido, afastando-se de seguida do local, na posse daquela quantia monetária que fez sua.

NUIPC ...

10. No dia 31 de Janeiro de 2025, pelas 18h13m, no aeroporto Francisco Sá Carneiro, concelho da Maia, o arguido deslocou-se para o estabelecimento denominado “Café ...” e sentou-se numa cadeira daquele estabelecimento de costas para o ofendido GG.

11. Nessas circunstâncias o arguido subtraiu da carteira do ofendido um cartão de crédito emitido pelo Crédito Agrícola e um cartão de crédito emitido pela Société Générale, ambos em nome da ofendida, bem como 180 euros em numerário, afastando-se de seguida do local na posse dos cartões e da quantia monetária que fez seus.

NUIPC ...

12. No dia 24 de Fevereiro de 2025, pelas 18h32m, no aeroporto Francisco Sá Carneiro, concelho da Maia, o arguido deslocou-se para o estabelecimento restauração e bebidas localizado em frente à porta de desembarque e sentou-se numa cadeira daquele estabelecimento próxima da mesa onde se encontrava HH.

13. Entre a mesa onde se encontrava o ofendido e a cadeira onde o arguido estava sentado encontrava-se um carrinho de transporte de bagagens no qual estavam colocadas as malas/bolsas do ofendido.

14. Aproveitando-se da distração do ofendido e de uma pessoa do sexo feminino que acompanhava aquele, o arguido retirou daquele carrinho uma mala que pertencia ao ofendido e colocou-a junto de si.

15. Acto contínuo o arguido retirou do seu interior um relógio da marca Rolex, modelo DayDate Just 41, com o nº de série ...92, com o valor de 20.000,00 € e guardou-o consigo.

16. De seguida voltou a colocar a mala do ofendido no carrinho.

17. O arguido fez seu o referido relógio e deslocou-se para parte incerta NUIPC ...

18. No dia 18 de Março de 2025, pelas 12h14m o arguido deslocou-se no citado veículo automóvel de matrícula ..-..-GX até ao aeroporto Francisco Sá Carneiro.

19. Pelas 13h13m, no interior do aeroporto o arguido deslocou-se para o estabelecimento denominado “Café ...” e colocou-se junto do ofendido II.

20. Nessas circunstâncias o arguido subtraiu uma carteira de cor preta da marca Montblanc, contendo o documento de identificação do ofendido, a sua carta de condução, oito cartões bancários e 1.500,00 € em numerário, afastando-se de seguida do local na posse dos objectos e da quantia monetária que os fez seus.

21. Em todas as ocasiões o arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de se deslocar ao aeroporto Francisco de Sá Carneiro com o fito de subtrair e apoderar-se de objectos/quantias monetárias transportadas por passageiros que circulavam naquele aeroporto, bem sabendo que actuava contra a vontade destes.

22. O arguido sabia que o relógio da marca Rolex de que se apropriou tinham um valor seguramente superior a 5.100,00 €

23. O arguido também sabia que os passaportes que trazia consigo eram contrafeitos, por não terem sido emitidos pela entidade competente, mas ainda assim decidiu detê-los na sua posse e apresentar um deles junto da AIMA.

24. O arguido sabia que com a sua conduta colocava em crise a fé pública que o referido documento merece, tendo sido seu intuito, viajar sem ser descoberta a sua verdadeira identidade

25. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Face ao exposto existem fortes indícios de que o arguido incorreu como autor material e na forma consumada na prática dos seguintes crimes:

- um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal contra o património de DD;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal contra o património de FF;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal contra o património de GG;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. a) e b) do Código Penal contra o património de HH;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal contra o património de II;

- um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f) e n.º 3, do Código Penal.

B-PROVA:

Elementos Probatórios:

Testemunhal:

- JJ, agente da PSP

- Declarações de DD;

Documental:

- Auto de notícia por detenção e auto de denúncia NUIPC 78/25.4PYPRT;

- Auto de apreensão n.º 1

- Auto de denúncia NUIPC ...;

- Auto de denúncia NUIPC ...;

- Aditamento n.º 1 ao NUIPC ...

- Auto de denúncia NUIPC ...;

- Aditamento n.º 2 ao NUIPC ...;

- Participação NUIPC ...;

-Aditamento n.º 1 NUIPC ...;

- Cópia do contrato de aluguer do veículo n.º ..-..-GX;

- Folha de detalhe da nota descritiva de fraude elaborada pela PSP;

-Consulta de manifestação de interesse apresentada na AIMA;

- Dois CD´s contendo imagens de videovigilância do aeroporto;

- Fotogramas dos bens apreendidos;

- Auto de busca e apreensão n.º 3 e reportagem fotográfica;

- Documento de identificação e carta de condução de EE

Fotograma retirado do CD contendo as imagens de videovigilâncias e que se reporta aos factos

referentes ao NUIPC ...;

- Print obtido do sítio da internet Farfetch.pt;

- 2 cartas de condução e 2 passaportes do arguido.

(…)

DESPACHO

“A detenção foi legal, porque efectuada nos termos do disposto pelos arts. 254.º, nº1, al. a), e segs. do Código de Processo Penal, não tendo sido ultrapassado o prazo a que alude a alínea a) do n.º 1 do art.º 254.º e o n.º 1 do art.º 141.º, ambos do referido diploma legal, pelo que a valido.

Com base na prova até ao momento recolhida nos autos mostra-se fortemente indiciada a prática, pelo arguido, dos factos imputados, supra transcritos, que lhe foram comunicados e que aqui se dão por reproduzidos.

Indiciaram-se ainda os seguintes factos:

O arguido não tem antecedentes criminais.


*

O Tribunal baseou a sua convicção na análise conjugada, à luz das regras da experiência, da prova constante dos autos, supra transcrita e comunicada ao arguido, aqui dada por reproduzida, sendo que o arguido apenas prestou declarações sobre os documentos (seus e de EE) em causa nos autos, afirmando a sua autenticidade.

Ora, quanto a tal matéria, resulta do auto de notícia que foi constatado pelos elementos de controlo fronteiriço da Polícia que os documentos possuem características falsas, devidamente especificadas na folha de detalhe da nota descritiva de fraude, além de as declarações do arguido soarem de reduzida credibilidade nas explicações dadas sobre tais documentos, aludindo, designadamente, à mera detenção dos documentos de EE por esquecimento deste, à perda de passaporte que teria motivado a emissão de outro já em Portugal, e à subsequente recuperação do que havia perdido, e bem assim à emissão de cartas de condução através de uma irmã, na ..., explicações que, em si mesmas, repetimos, não são plausíveis à luz das regras da experiência.

No que respeita aos demais factos imputados ao arguido, é profusa a prova dos autos, que demos já por reproduzida, destacando-se, no que respeita aos factos relativos a DD, o teor do auto de notícia, auto de apreensão e termo de entrega constantes dos autos, bem como as declarações do ofendido, resultando claro que, logo a seguir à prática dos factos, o arguido tinha na sua posse os bens subtraídos ao ofendido.

Destacam-se, ainda evidentemente, quanto a todos os factos relativos aos furtos, as imagens de videovigilância constantes dos autos (nos CDs juntos), que confirmam as denúncias efectuadas, sendo patentes as várias actuações do arguido dadas como indiciadas, sendo visível a forma dissimulada como se aproximou dos ofendidos, a subtracção de objectos/dinheiro pertencentes aos mesmos e a sua apropriação, através de um uniforme “modus operandi”, não deixando as imagens dúvidas sobre a autoria dos factos.

Considerou-se ainda o CRC sob ref. citius 470136215 sobre a ausência de antecedentes criminais.


*

Os factos supra elencados fazem o arguido incurso na prática, fortemente indiciada, de:

- um crime de furto simples, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º1, al. b), e 4 do

Código Penal, cometido na pessoa de DD;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal contra o património de FF;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal contra o património de GG;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. a) e b) do Código Penal

contra o património de HH;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal contra o património de II;

- um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f) e n.º 3, do Código Penal.


*

Feita a qualificação jurídica dos factos indiciados, cumpre determinar se ao arguido deve ou não ser aplicada alguma medida de coacção, para além do Termo de Identidade e Residência já prestado, e, em caso afirmativo, qual ou quais.

As medidas de coacção – como ensina o Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Vol. II, 5ª ed., pág. 344) - são meios processuais de limitação da liberdade pessoal dos arguidos que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias.

Como expressão máxima da restrição de direitos, liberdades e garantias em que são tidas, constituem princípios gerais subjacentes à aplicação de quaisquer medidas de coacção os da legalidade ou tipicidade, que significa que as limitações dos direitos do arguido apenas podem decorrer da aplicação de medidas de coacção previstas na lei - art. 191º, nº 1 do CPP-, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade - art. 193º, nº 1 do CPP - que se traduzem na necessidade e adequação das medidas a impor às exigências cautelares reclamadas no caso e às sanções que previsivelmente serão impostas ao infractor. E o princípio da precaridade – art. 215º e 218º do CPP - emanação do princípio fundamental da presunção de inocência - art. 32º, nº 2 da CRP.

O art.º 204º do Código de Processo Penal dispõe que nenhuma medida de coacção pode ser aplicada se em concreto se não verificar: a) fuga ou perigo de fuga; b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.

O perigo de fuga tem por base o risco do arguido se subtrair ao exercício da acção penal, mediante a existência de certas circunstâncias, que, de modo consistente, possam favorecer a fuga ou potenciar a mesma.

O perigo de perturbação do inquérito ou da instrução reporta-se às fontes probatórias que já se encontram nos autos ou que possam vir a ser obtidas e consiste no risco sério e actual de ocultação ou alteração das mesmas por parte do arguido. Para o efeito, torna-se necessário identificar não só a situação mas também a prova relativamente à qual se possa sustentar que o arguido poderá comprometer o decurso normal da investigação, perturbando o processo formativo da prova.

O perigo de continuação da actividade criminosa decorrerá de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efectuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta.

O perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas encontra-se

particularmente relacionado com o direito à liberdade e à segurança dos cidadãos que possam ser potenciais vítimas da conduta criminosa indiciada.


*

No caso dos autos, constata-se que o arguido reitera condutas destinadas a angariar proventos à custa do património alheio, de forma nitidamente temerária (já que, embora dissimulada, é desenvolvida em lugares públicos de aeroporto, onde é consabido e notório que circulam centenas de pessoas diariamente) e “profissional” (com um método de sucesso que vai repetindo), pelo que é razoável prever que continue, se em liberdade, a recorrer à prática de crimes como os dos autos para prover ao seu sustento e enriquecer-se à custa do património alheio (e, particularmente, de pessoas vulneráveis, porque em trânsito e transportando os seus pertences, por vezes, à vista de todos), apenas mudando, eventualmente, o local de actuação, pelo que, atenta a natureza e circunstâncias da prática dos crimes, é elevadíssimo o perigo de continuação da actividade criminosa.

Além disso, os factos praticados causam evidente alarme social, pelos sentimentos de insegurança gerados na comunidade, designadamente nas pessoas (que são, hoje em dia, muitas) que utilizam o avião como transporte e por isso frequentam o aeroporto, ou que têm familiares e amigos que o fazem, havendo também perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.

A finalizar, o arguido é natural de país estrangeiro, circula com passaportes falsos e está em causa a prática de ilícitos de elevada gravidade, sendo que o conhecimento da indiciação, relativamente a si, da prática de tais ilícitos, com as inerentes e previsíveis sanções penais, aliciará previsivelmente o arguido a eximir-se à acção da justiça, pelo que, tudo conjugado, é elevadíssimo também o perigo de fuga (art. 204.º, al. a), do Código de Processo Penal).

Assim sendo, verificados os pressupostos das als. a) e c) do art. 204.º do CPP para aplicação de medida de coacção para além do Termo de Identidade e Residência, considerando que os perigos supra referidos são elevadíssimos, face ao que se expôs, entendemos que, mesmo considerada a ausência de antecedentes criminais, se mostram insuficientes e desadequadas as medidas de coacção menos gravosas que a prisão preventiva, única que, face às circunstâncias do caso concreto já expostas, se mostra necessária, suficiente e adequada às exigências cautelares do mesmo e proporcional à gravidade dos crimes e sanção previsivelmente a aplicar, pelo que será tal medida a aplicada.

Refira-se, aliás, que a medida de OPH, ainda que com fiscalização electrónica, nunca seria suficiente para obviar a tais perigos, pois que não impede o arguido de se movimentar, fugindo, e praticar novos ilícitos, apenas dando conta tal fiscalização da violação dos deveres a ela inerentes.

Pelo exposto, por necessária, proporcional e adequada, determino a sujeição do arguido cumulativamente com a medida de coacção de Termo de Identidade e Residência, já prestado, a de prisão preventiva, tudo ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 193.º, 194.º, 202.º, 1, al. d), e 204.º, als. a) e c), todos do Código de Processo Penal.


*

(…)”

«»

2.4- Apreciação do recurso

2.4.1 Considerações

Diga-se, à partida, que a liberdade pessoal, nomeadamente no quadro da liberdade ambulatória, é um direito fundamental constitucionalmente consagrado e plasmado no art.º 27.º da Constituição da República Portuguesa, extraindo-se do seu nº 2 que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.». O n.º 3 do mesmo preceito constitucional integra, entre outras excepções ao referido princípio, a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, por aplicação da prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.

Porque restritivas de direitos, liberdades e garantias do cidadão, as medidas de coacção estão sujeitas ao princípio da legalidade [artigos 18º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa], assim como ao preceituado no n.º 1, do artigo 191.º do Código de Processo Penal, segundo o qual “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei”.

A propósito dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, reza o artigo 193.º, do Código de Processo Penal que:

«1 - As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

2 - A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.

3 - Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.

4 - A execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer

Por força do princípio da proporcionalidade, o legislador processual penal confina a aplicação das medidas de coacção mais gravosas, no sentido em que se afiguram mais restritivas dos direitos e liberdades do cidadão, à existência de fortes indícios da prática de crime doloso [cfr. artigos 200º, 201º e 202º do Código de Processo Penal] e ao máximo da pena correspondente ao crime que justifica a medida [artigo 195º do Código de Processo Penal].

As medidas coativas privativas da liberdade, porque mais gravosas [a obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva], por força do princípio da subsidiariedade, só podem ser aplicadas quando as restantes se revelem, em concreto, inadequadas ou insuficientes [cfr. artigo 28º, nº2, da Constituição da República Portuguesa e artigos 193º, nº2, 201º, nº1, e 202º, nº2, do Código de Processo Penal].

No quadro desta medidas mais restritivas da liberdade ambulatória certo é que a prisão preventiva deverá ser entendida como a “ultima ratio”, isto é, assume natureza subsidiária em relação à obrigação de permanência na habitação [artigo 193º, nº3, do Código de Processo Penal].

No que toca aos requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, diferentes do TIR, vertidos no art.º 204.º do mesmo Código de Processo Penal, decorre que:

«1 - Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:

a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

2 - Nenhuma medida de coacção, à exceção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada a pessoa coletiva ou entidade equiparada arguida se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida, perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo ou perigo de continuação da atividade criminosa.

3 - No caso previsto no número anterior, a adoção e implementação de programa de cumprimento normativo deve ser tida em conta na avaliação do perigo de continuação da atividade criminosa, podendo determinar a suspensão da medida de coacção

No que se refere à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, estabelece o nº 1 do art.º 202.º do Código de Processo Penal que:

«1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:

a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;

b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;

c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.»

Isto é, cumprindo proceder à aplicação de uma medida de coacção, é forçoso averiguar qual a medida mais adequada à atenuação ou eliminação dos perigos que tais medidas visam acautelar e que, simultaneamente, seja proporcional à gravidade do crime e às sanções previsivelmente aplicáveis, nunca olvidando que as medidas detentivas só devem ser aplicadas se todas as demais se revelarem inadequadas ou insuficientes.


*

2.4.2 Aqui chegados, cumpre ora analisar os fundamentos do recurso interposto.

2.4.2.1 Revisitando o despacho comum de que recorre o arguido recorde-se o que o Mmº JIC ali deixou explicitado, em termos de fundamentação da aplicação ao arguido, da respectiva medida de coacção:

“(…)No caso dos autos, constata-se que o arguido reitera condutas destinadas a angariar proventos à custa do património alheio, de forma nitidamente temerária (já que, embora dissimulada, é desenvolvida em lugares públicos de aeroporto, onde é consabido e notório que circulam centenas de pessoas diariamente) e “profissional” (com um método de sucesso que vai repetindo), pelo que é razoável prever que continue, se em liberdade, a recorrer à prática de crimes como os dos autos para prover ao seu sustento e enriquecer-se à custa do património alheio (e, particularmente, de pessoas vulneráveis, porque em trânsito e transportando os seus pertences, por vezes, à vista de todos), apenas mudando, eventualmente, o local de actuação, pelo que, atenta a natureza e circunstâncias da prática dos crimes, é elevadíssimo o perigo de continuação da actividade criminosa.

Além disso, os factos praticados causam evidente alarme social, pelos sentimentos de insegurança gerados na comunidade, designadamente nas pessoas (que são, hoje em dia, muitas) que utilizam o avião como transporte e por isso frequentam o aeroporto, ou que têm familiares e amigos que o fazem, havendo também perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.

A finalizar, o arguido é natural de país estrangeiro, circula com passaportes falsos e está em causa a prática de ilícitos de elevada gravidade, sendo que o conhecimento da indiciação, relativamente a si, da prática de tais ilícitos, com as inerentes e previsíveis sanções penais, aliciará previsivelmente o arguido a eximir-se à acção da justiça, pelo que, tudo conjugado, é elevadíssimo também o perigo de fuga (art. 204.º, al. a), do Código de Processo Penal).

Assim sendo, verificados os pressupostos das als. a) e c) do art. 204.º do CPP para aplicação de medida de coacção para além do Termo de Identidade e Residência, considerando que os perigos supra referidos são elevadíssimos, face ao que se expôs, entendemos que, mesmo considerada a ausência de antecedentes criminais, se mostram insuficientes e desadequadas as medidas de coacção menos gravosas que a prisão preventiva, única que, face às circunstâncias do caso concreto já expostas, se mostra necessária, suficiente e adequada às exigências cautelares do mesmo e proporcional à gravidade dos crimes e sanção previsivelmente a aplicar, pelo que será tal medida a aplicada.

Refira-se, aliás, que a medida de OPH, ainda que com fiscalização electrónica, nunca seria suficiente para obviar a tais perigos, pois que não impede o arguido de se movimentar, fugindo, e praticar novos ilícitos, apenas dando conta tal fiscalização da violação dos deveres a ela inerentes.

(…)”

Diga-se, desde já, que da análise da prova indicada no despacho de apresentação do arguido a 1º interrogatório, resulta inequivocamente indiciada, de forma bastante forte, toda a factualidade vertida naquele e que, aliás, veio a ser já recentemente, alvo de acusação pública proferida em 18/07/2025.

Como bem concluiu a decisão recorrida, e que, por isso, este Tribunal ad quem acompanha nessa parte, encontram-se, desde logo, fortemente verificados os perigos de continuação da actividade criminosa, face à personalidade do arguido – claramente temerária mantendo uma prática reiterada com manifesto proveito económico atenta a natureza dos valores e objectos furtados, assim como o perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas - alínea c) do art. 204º do CPP, o qual não se coibiu de, reiteradamente, voltar a delinquir em local de intensa passagem de viajantes, trabalhadores do aeroporto e transportes, para e do referido Aeroporto Francisco Sá Carneiro, o qual escoa o tráfego aéreo do norte de Portugal e Galiza, quer em razão da natureza e das circunstâncias concretas dos crimes em análise.

Bem decidiu o tribunal recorrido ao considerar presente o perigo de continuação de actividade criminosa, assim como de perturbação da ordem e tranquilidade pública nos termos em que o fez, nomeadamente, atento o manifesto sentimento de insegurança que este tipo de crime acarreta para a comunidade em geral dada a sua proliferação e a natureza dos bens jurídicos que atingem.

Também é notório o perigo de fuga. Como bem o sublinhou a decisão recorrida, o arguido é estrangeiro, o que por si só não acarretaria perigo de fuga. Mas, este perigo advém do facto do mesmo também não ter indicado residência em Portugal, viver de modo precário neste país e com recurso a documento/passaportes, indiciariamente falsos. Tais circunstâncias aliadas a uma personalidade temerária e manifestamente com “arte” eleva o perigo de fuga pois nada nos garante que, caso em liberdade, ou mesmo em caso de pena detentiva a cumprir na residência, o mesmo não se socorra de outros meios ou documentos para sair do país.

Pretende este arguido que a medida de prisão preventiva que lhe foi aplicada em 1º interrogatório judicial, seja revogada e substituída pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica.

Sendo ambas medidas detentivas e por isso restritivas da liberdade de locomoção do arguido, ainda assim, a opção pela prisão preventiva em detrimento da OPHVE deve ser tomada apenas se esta última não satisfizer as finalidades cautelares ou caso não estejam reunidas as condições materiais que permitam a permanência na habitação.

Vejamos.

O art. 191.º/1CPP, consagra o princípio da legalidade segundo o qual a “…liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei.”

Sob a epígrafe de Princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, estabelece o art. 193.º/1CPP que as “… medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

É pacífico o entendimento jurisprudencial de que o princípio da necessidade assume particular intensidade na presença da medida coativa de prisão preventiva. “A sua natureza estritamente excepcional, não obrigatória e subsidiária é reconhecida nomeadamente pelo Pacto Internacional de Direitos Cívicos e Políticos de l6 de Dezembro de 1966, pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e por resoluções e recomendações do Comité de Ministros do Concelho da Europa. A própria Constituição Portuguesa reconhece tal natureza à prisão preventiva ao afirmar expressamente a excepcionalidade de qualquer privação de liberdade (n.° 3 do ar. 27.º) e a impossibilidade de a mesma se manter sempre que possa ser substituída por medidas não detentivas (n.º 2 do art. 28.º) “.[4]

São condições gerais de aplicação das medidas de coação:

- A existência de um processo criminal, comum ou especial, já instaurado, no decurso do qual a pessoa que vai ser sujeita a uma medida de coação foi constituída arguida (art. 192.º/1CPP);

- A inexistência de causas de isenção da responsabilidade ou da extinção do procedimento criminal (art. 192.º/2CPP);

- O fumus comissi delicti (arts. 192.º/2;202.º/1a)b)CPP);

- A verificação de indícios da prática de um crime por parte do arguido (a indiciação do crime necessária para aplicação de uma medida de coação significa "probatio levior”);

- Para a aplicação da prisão preventiva, a lei exige que estes indícios sejam fortes;

- O periculum libertatis – art. 204.ºCPP.

Ora, desde já se diga que bem andou o despacho recorrido ao considerar verificados todos estes requisitos gerais.

Para além dos princípios gerais acima enunciados a lei processual penal exige que, para a generalidade das medidas que mais gravemente afectam direitos fundamentais, resultem fortes indícios da prática do ilícito criminal subjacente à reacção penal.

Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, e conforme às regras da experiência e da vida, pelo método indutivo, se obtém a conclusão firme, segura e sólida de um outro facto (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/09/2007, proferido no processo n.º 07P4588, disponível em www.dgsi.pt).

A par, excepcionando-se apenas a medida de termo de identidade e residência prevista no art.º196 do C.P.P.,, e a acrescer aos pressupostos previstos para cada uma das medidas de coacção do catálogo legal, há que apurar se, em concreto se verificam os requisitos elencados no art. 204º CPP, no momento da respectiva aplicação, quais sejam:

a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas”.

Bastará, pois, a ocorrência de um único destes pressupostos para legitimar a acção do Estado no sentido de restringir as liberdades fundamentais de um cidadão/arguido.

No caso concreto o recorrente não colocou em crise os pressupostos e fundamentos que até agora enumeramos mas veio, tão somente, invocar a desnecessidade de aplicação da prisão preventiva considerando que a medida coativa de OPHVE é suficiente e adequada para atingir os mesmos fins cautelares que o caso concreto reclama, nomeadamente, afastando de modo eficaz o perigo de continuação da actividade delituosa, assim como garantindo a tranquilidade pública, considerando que não há perigo de fuga..

A excepcionalidade da prisão preventiva resulta de vários preceitos legais. Desde logo, dispõe o artº 28º, nº 2, da C.R.P. que a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei. Trata-se de um dos corolários do princípio da presunção de inocência consagrado no artº 32º, nº 1, da C.R.P. Logo, no seguimento de tal corolário certo é que, até que o arguido seja sujeito ainda a uma decisão condenatória definitiva, devem os seus direitos fundamentais, nomeadamente o direito à liberdade, apenas ser atingido quando se tiverem verificado determinados requisitos. O carácter excepcional da medida de prisão preventiva reflete-se claramente na redacção adoptada pelo legislador e plasmada nos artºs 202º e 193º, nº 2, do C.P.P, o qual atribui também carácter excepcional à medida de obrigação de permanência na habitação.

Tendo ambas as medidas cautelares detentivas caracter de excepcionalidade, certo é que com a introdução do nº 3 do artº 193º do C.P.P., operada pela referida L. 48/07 de 29/8, o legislador veio claramente demonstrar que, apesar daquele carácter ser comum a ambas as medidas de coacção referidas – prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação – deve ser dada preferência a esta última.

Na verdade, reza o n. º3 do art.º 193 do C.P.P., “quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ele se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares”.

Logo, apenas se deverá ponderar a aplicação da prisão preventiva quando a medida de obrigação de permanência na habitação não acautele eficazmente os perigos acima enunciados.

Refere o Prof. Paulo Albuquerque, Comentário ao C.P.P., pág. 547, que: “O princípio da necessidade consiste em que o fim visado pela concreta medida de coacção ou de garantia patrimonial decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido.”

Sopesando tudo o que até agora foi dito, cumpre aferir se a aplicação da medida de prisão preventiva no caso em apreço era necessária face à possibilidade de aplicação da medida de Obrigação de Permanência na Habitação.

Encontramo-nos perante situação idêntica à analisada no AC.RE de 23/04/2024, relatado por Nuno Garcia no Processo 18/24.8JAFAR-A.E1, onde se refere: “Como resulta do despacho recorrido entendeu-se que existia acentuado perigo de continuação da actividade criminosa, caso o arguido permanecesse em liberdade e, por isso, se lhe aplicou a prisão preventiva. A conclusão de se verificava perigo de continuação da actividade criminosa não resultou do tipo de crime em causa – roubo agravado. Não teve nada que ver com o tipo de crime, mas sim com as circunstâncias que rodearam a prática do crime, o que é bem diferente. Se o tipo de crime em causa, só por si, não pode levar à conclusão de que existe qualquer dos perigos referidos (já lá vai há muito tempo a existência dos chamados “crimes incaucionávies”), as circunstâncias que rodearam a sua prática podem conduzir a que se conclua pela verificação de qualquer desses perigos, designadamente para o que interessa, perigo de continuação da actividade criminosa. É que perante a “ligeireza”, “destreza” e violência com que o recorrente actuou, mais facilmente se conclui que se estiver em liberdade, há grande probabilidade de voltar a praticar factos com os dos autos.(…) Tudo isto revela uma personalidade violenta, “destemida” e apta a reiterar factos como os dos autos ou outros ainda com consequências mais graves. Qualquer medida de coacção que não a prisão preventiva não acautelaria convenientemente o perigo de continuação da atividade criminosa. A obrigação de permanência na habitação, mesmo que com vigilância electrónica, não se adequa ao caso concreto, pois que como se sabe a referida medida é susceptível de fácil violação, ainda para mais quando se tem a perspectiva de condenação em pesada pena de prisão, face à moldura penal em causa. A vigilância electrónica cuida de “avisar” a violação da medida, mas não previne essa violação, ao contrário do que acontece com a prisão preventiva que é muitíssimo menos susceptível de ser violada.(…)”

Acrescentamos ainda que não se compreende como seria possível aplicar uma medida de obrigação de permanência na habitação, com recurso a meios electrónicos, dado que o próprio arguido declarou, em sede de primeiro interrogatório, que aguardava que o senhorio lhe desse autorização para se mudar para um quarto alugado recentemente, o que indicia uma situação precária e indefinida e, por isso, insustentável para que uma medida daquela natureza possa ser adequadamente executada.

Sublinha-se que, tal como o refere o mesmo acórdão já citado, “A vigilância electrónica cuida de “avisar” a violação da medida, mas não previne essa violação, ao contrário do que acontece com a prisão preventiva que é muitíssimo menos susceptível de ser violada…”, pelo que bem andou a decisão recorrida, a qual se mantém.


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2.4.2.2 Considerações finais

De tudo o que até aqui se expôs resulta a conclusão de que, de forma manifesta e clarividente, bem andou o Tribunal a quo, ao aplicar ao arguido recorrente a medida de coacção de prisão preventiva, não tendo, ao fazê-lo, violado os princípios da subsidiariedade, da necessidade, adequação e proporcionalidade, consagrados nos art. 193º, 202º e 204º do Código do Processo Penal ou quaisquer outras normas legais, razão pela qual vai NÃO PROVIDO o recurso interposto.

»

3. DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam as/os juízas/es da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:

- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, manter a medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi aplicada em 1º interrogatório judicial.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento), sem prejuízo do que dispõe o artigo 4º nº 1 alínea j) do Regulamento das Custas Processuais.

Comunique-se, de imediato, à 1.ª instância, com cópia.

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Notifique nos termos legais.

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Porto, 26/11/2025.

data e assinaturas electrónicas no topo do documento.

(deu-se cumprimento ao disposto no art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)

Maria Ângela Reguengo da Luz

Pedro Afonso Lucas

José Quaresma

________________________________
[1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
[2] Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
[3] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
[4] neste sentido, João Castro e Sousa, in Os Meios de Coacção no Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, p. 151)