RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ERRO DE JULGAMENTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PRISÃO
VÍCIOS
ARTIGO 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
IN DUBIO PRO REO
INADMISSIBILIDADE
Sumário

I. Resulta do disposto no art. 23º, nº 3, do C. Penal, que a lei equipara, em princípio, a tentativa apta à tentativa impossível, uma vez que, só quando a inaptidão dos meios empregados ou a inexistência do objecto forem manifestas é que a tentativa impossível não é punível.
II. O fundamento da punibilidade da tentativa impossível sustenta-se, hoje, numa teoria subjectiva-objectiva da aparência de perigo, que conjuga a ideia – objectiva – da perigosidade da tentativa, com o juízo de prognose póstuma que aferirá tal perigosidade.
III. Porque a inexistência de bens móveis na posse da ofendida, no momento em que o arguido decidiu proceder à sua revista, não era manifesta para um cidadão médio, colocado no posição daquele, mantem-se a punibilidade da tentativa impossível, com referência ao crime de roubo tentado, por cuja prática foi condenado nos autos.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, do arguido AA, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de violação, p. e p. arts. 164º, nº 2, a), do C. Penal e 86º, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro [ofendida BB], de um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nºs 1 e 2 e 164, nº 2, a), do C. Penal e 86º, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro [ofendida CC], de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal, por referência ao art. 204º, nº 2, f), do mesmo código [ofendida BB], e de um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. arts. 22º, 23º, 154º, nºs 1 e 2 e 155º, nº 1, a), ambos do C. Penal [ofendida BB].

Por acórdão de 9 de Abril de 2025 foi decidido como segue:

Pelo exposto, julgamos a acusação parcialmente procedente, por provada e, em consequência:

a) Condenamos o arguido AA, pela prática de:

- um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.°, n.° 2, al. a), do CP, (ofendida BB), na pena de 5 (cinco) anos de prisão, absolvendo-o da agravação operada pelo artigo 86°, n.°3, da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro;

- um crime de violação, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.°, 23.°, n.°s 1 e 2 e 164.°, n.° 2, al. a), do CP, (ofendida, CC), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, absolvendo-o da agravação operada pelo artigo 86°, n.°3, da Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro.

- um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelo arts. 22°, 23° e 210°, n° 1 do CP (ofendida BB), na pena de 9 (nove) meses de prisão, absolvendo-o da agravação operada pelo artigo 210°, 2, al. b), por referência ao art. 204°, n° 2, al. f), do CP;

- um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22°, 23°, 154°, n°s 1 e 2 e 155°, n° 1, al. a), ambos do CP, ( ofendida BB) na pena de 6 (seis) meses de prisão;

b) Em cumulo jurídico, condenamos o arguido AA na pena única de sete anos e seis meses de prisão.

(…).

e) A título de reparação dos prejuízos sofridos pela vítima/ofendida BB, arbitramos a quantia de € 3500,00 (três mil e quinhentos euros), a serem pagos pelo arguido AA, acrescido de juros desde o trânsito em julgado desta decisão até efectivo e integral pagamento.

f) A título de reparação dos prejuízos sofridos pela vítima/ofendida CC, arbitramos a quantia de € 2000,00 (dois mil euros), a serem pagos pelo arguido AA, acrescido de juros desde o trânsito em julgado desta decisão até efectivo e integral pagamento.

*

Inconformado com a decisão, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

1º - O Arguido foi submetido a Julgamento, Pronunciado nos termos de Fls. e seguintes, pela prática, e aplicadas respectivas penas:

-5 (cinco) anos de prisão pela prática de um crime de violação p. e p. pelo artº 164º, nº 1, al. a) do Código Penal (ofendida BB);

-2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão pela prática de crime de violação, na forma tentada, (arts. 22.º, 23.0, n.ºs 1 e 2 e 164.0, n. 2, al. a), do CP.

-9 (nove) meses de prisão pela prática do crime de roubo na forma tentada (arts. 22º, 23° e 210º, nº 1 do CP).

-6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de coacção agravada, na forma tentada, (arts. 22°, 23°, 154°, nºs 1 e 2, artigo 155°, nº 1, al. a), ambos do CP).

2º - DO CRIME DE ROUBO, na forma tentada,, p. e p. pelo arts. 210º, nº 1 • 2, ai. b), por referência ao art. 204º, nº 2, ai. f), do CP.( na pessoa da ofendida BB) como dos autos decorre, a ofendida não detinha quaisquer bens nos bolsos ( pois ia despejar o lixo…), assim teremos o teor dos pontos 17 e 42 (dos factos provados), por um lado, e 43 ( dos factos não provados), por outro, o que quer significar que o arguido AA nunca poderia vir a ser condenado pela prática dos aludidos crimes de roubo, na forma consumada, por faltar um elemento do tipo de crime: a existência de coisa móvel alheia passível de apropriação, violenta, por parte do arguido, como não poderia sobrevir a sua condenação, como efectivamente aconteceu, mesmo ao nível da tentativa, por se estar perante uma situação de tentativa impossível, por inexistência de objecto essencial à consumação do crime, de acordo com o disposto no n.º 3, parte final, do art.º 23.º, do Cód. Penal, sendo essa, ainda que se admitisse, uma tentativa impossível, salvo devido respeito por melhor opinião, devendo assim ser absolvido pela sua pratica naturalmente.

3º -Na apreciação de tais factos provados ( 17 e 42) e não provados (43), o Tribunal recorrido cometeu, senão outro, erro notório da apreciação da prova bem como na aplicação do direito, com todo o respeito e vénia devidos.

4º - Ao dar por provada matéria fáctica que não resultou, sem margem de dúvida, da produção de prova, o Tribunal recorrido obnubilou e ultrapassou os limites da livre apreciação da prova, e o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, tudo impedindo a confirmação do douto Acórdão ora em Recurso.

5º - Reconhecendo-se as dúvidas, jamais poderia proferir outra Decisão que não fosse a absolvição, pelo crime de roubo na forma tentada, sem que, e como se constata, se mostre violado o constitucional princípio “in dubio pro reo”, ultrapassando-se os limites da livre apreciação da prova, decidindo-se “para além” dos factos e da prova, referindo que o douto acórdão padece de fundamentação, pois não percebe quais as provas que suportam a convicção do tribunal, face à dúvida sobre a ocorrência e do número de vezes em que o arguido alegadamente praticou relações sexuais com a menor DD…, atesta ter sido criada uma claríssima dúvida razoável, que deveria resultar em seu benefício.

6º - Com a devida vénia, não poderiam ser considerados provados os factos de 17º e 42º do douto Acórdão, impugnando a matéria de facto, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Penal, quer porque não foi produzida prova inequívoca, quer porque tantas são as dúvidas e as incertezas – designadamente reconhecida a ausência de prova sólida e a não concludência do relato da menor -, que impedem outra conclusão alternativa ao “não provado”, cuja consequência, legal e constitucional é a absolvição, razão pela qual haverá que revogar o douto Acórdão ora em Recurso, a substituir por outro que, julgando a Pronúncia não provada, absolva o Arguido, ora Recorrente, constitucional e presumivelmente inocente.

7º - Contraditoriamente, depois de o douto Tribunal “a quo” reconhecer as dúvidas não ultrapassadas( quanto a existência de uma faca de serrilha), a falta de prova sólida, a ausência de relato concludente, incompreensivelmente, veio a dar por provada a prática do crime de roubo, na forma tentada, decidindo sem factos, contra a constitucional presunção de inocência, e ultrapassando os limites da livre apreciação da prova, razão pela qual se impõe a revogação do douto Acórdão, face ao provimento que merece o presente Recurso.

8º - Para a escolha da medida das penas parcelares, considerou o douto Tribunal “a quo” a “prevenção especial de socialização”, para que se verificassem “condições necessárias para que o agente possa viver a sua vida sem cometer novos crimes”, e decidiu o douto Tribunal “a quo” aplicar, logo, penas que, com a devida vénia, se mostrariam excessivas, se tivessem resultado provados os factos imputados, o que se não verificou, e, realizado o respectivo Cúmulo, veio o Arguido a ser condenado numa elevadíssima pena de Sete (7) anos e Seis (6) meses de prisão, comprometedora de tudo quanto se pretende evitar, e que, por isso, a não ser absolvido, como se espera, sempre haveria que reduzir considerando a necessidade de ressocialização do arguido AA, que sempre se viu desapoiado sendo um jovem delinquente, e atendendo a idade do mesmo, o facto de ser primário e demais factores referidos.

9º - Devia, pois, o douto Tribunal “a quo” ter considerado não provada a Pronúncia, nos termos supra exarados, face às reconhecidas dúvidas, e o mais que, do douto Acórdão resulta, e assim o não tendo entendido, violou o constitucional Princípio “in dubio pro reo”, ultrapassando os limites da livre apreciação da prova, e o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, concluindo sem matéria de facto bastante, com fundamentação contraditória, apreciando erradamente a prova, o que, nos termos do disposto nos artigos 410º e 426º do Código de Processo Penal, determina o reenvio do Processo, caso se não opte, como se espera, pela revogação do Acórdão, a substituir por outro que absolva o Recorrente, pela pratica do crime de roubo na forma tentada, sempre merecendo integral provimento o presente Recurso.

10º - Mesmo que assim se não entendesse, mesmo que fosse possível considerar o Arguido, ora Recorrente, que se presume inocente, culpado, que não é, jamais se revelaria justa e adequada, cumprindo as regras de aplicação de penas, a aplicação de tão elevada pena de prisão efectiva (quer as parcelares, quer a única) sem que se mostrassem violados os artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal, bem como a aplicação do regime penal para jovens adultos em que o juízo deveria ser positivo de forma a possibilitar a reinserção do mesmo e não foi ao invés o tribunal decidiu, e mal, pela sua não aplicação, factos estes que sempre determinariam a procedência do Recurso, com a consequente e substancial redução da pena a aplicar, igualmente merecendo provimento o Recurso, e ainda à cautela,

11º - Devendo assim serem aplicadas, ao invés, do decidido, as seguintes penas parcelares:

-4 (quatro) anos de prisão pela prática de um crime de violação p. e p. pelo artº 164º, nº 1, al. a) do Código Penal (ofendida BB);

-2 (dois) anos de prisão pela prática de crime de violação, na forma tentada, (arts. 22.º, 23.0, n.ºs 1 e 2 e 164.0, n. 2, al. a), do CP.

-4 (quatro) meses de prisão pela prática do crime de Roubo na forma tentada (arts. 22º, 23° e 210º, nº 1 do CP).

-4 (quatro) meses de prisão pela prática do crime de coacção agravada, na forma tentada, (arts. 22°, 23°, 154°, nºs 1 e 2, artigo 155°, nº 1, al. a), ambos do CP).

12º - Tendo em conta as considerações supra exaradas e operando o cúmulo jurídico nos termos do art. 77° do Código Penal, (considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, revelada, nomeadamente no modo de execução dos crimes de violação), haveria, in extremis, condenar o arguido na pena única de 5 anos de prisão, sempre com respeito pela opinião mais iluminada de V. Exªs.

13º -O que, no caso concreto, face a tal circunstancialismo se afigura por mais justo e adequado a todas as exigências de prevenção geral e especial bem como a ressocialização do arguido ora recorrente.

14º- À cautela invoca a existência de todos os vícios de conhecimento oficioso, em conformidade com o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, que venha a ser aquilatados pelo Venerando Tribunal da Relação;

Nestes termos,

E nos demais de direito que Vªs Exªs doutamente supra não haver reenvio do Processo, para repetição do Julgamento,

Deverá o douto Acórdão ora recorrido ser revogado e substituído por outro que, julgando improvada a Pronúncia, pelo crime de roubo, na forma tentada, decida pela absolvição do presumível e constitucionalmente inocente Arguido, Recorrente, e, aplique as penas parcelares em conclusões melhor descriminadas, numa pena, em cúmulo jurídico , de 5 anos, assim se concedendo integral provimento ao presente Recurso, e no demais “Iura Novit Curia”.

Porém Vªs Exªs decidirão como for de JUSTIÇA

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O recurso foi admitido por despacho de 14 de Maio de 2025.

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Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando, em síntese, que não ocorreu erro notório na apreciação da prova, relativamente aos pontos 17 e 42 dos factos provados e 43 dos factos não provados, e, nesta sequência, não existe tentativa impossível quanto ao crime de roubo tentado, pois a inexistência de objectos e valores na posse da ofendida não era manifesta aos olhos do arguido, que não foi violado o princípio da livre apreciação da prova pois o tribunal a quo valorou o depoimento da ofendida BB em razão da percepção resultante da oralidade e da imediação, que não foi violado o princípio in dubio pro reo pois resulta da motivação de facto do acórdão recorrido não ter o tribunal a quo ficado com qualquer dúvida quanto à verificação dos factos provados, que as penas parcelares e única respeitaram, na respectiva concretização, os critérios legais aplicáveis, se mostram necessárias, adequadas e proporcionais, e concluiu pela improcedência do recurso.

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Remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão da Exma. Juíza Desembargadora relatora, de 24 de Junho de 2025, foi declarada a incompetência deste tribunal para conhecer do presente recurso e determinada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer, afirmando não padecer o acórdão recorrido de vícios decisórios, e terem as penas impostas sido criteriosamente determinadas, dentro dos limites da culpa e das finalidade de prevenção, e concluiu pela improcedência do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

O arguido respondeu ao parecer do Exm. Procurador-Geral Adjunto, reafirmando os argumentos apresentados na motivação e pugnando pela sua procedência.

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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.

Cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Factos provados

A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte:

1. No dia 18/01/2024, pelas 22hl5m, a ofendida, BB, saiu de casa com o fito de ir despejar o lixo na Rua 1, em ..., Porches.

2. Já no percurso de regresso, o arguido, AA, aproximou-se da ofendida e agarrou-a por trás, colocando o seu braço direito à volta do pescoço da mesma, apertando-o, ao mesmo tempo que lhe disse "se gritares mato-te".

3. Nessa sequência, a ofendida desequilibrou-se e caiu para trás no chão.

4. De seguida, o arguido levantou a ofendida do chão, por trás, agarrando-a pelo pescoço e, mais uma vez, mantendo-a presa, arrastou-a consigo contra a sua vontade, pela Rua 2.

5. Ao passar diante de algumas casas, a ofendida gritou "deslarga-me, alguém me ajude", tendo, de imediato, o arguido lhe colocado a mão esquerda na boca, para que esta não conseguisse pedir ajuda, ao mesmo tempo que lhe dizia: "se gritares outra vez, mato-te".

6. O arguido percorreu com a ofendida cerca de 300m, arrastando-a na direcção da Rua 3, dizendo-lhe, pelo menos uma vez, "olha para a frente senão mato-te", mantendo a mão, na boca da ofendida, para que esta não gritasse.

7. Ao ser arrastada a ofendida temeu pela sua vida.

8. O arguido continuou a arrastar a ofendida até ao alpendre de uma residência de férias, que se encontrava desabitada, sita na Rua 4, à qual acederam por uma escadaria, não vedada, que se encontrava nas traseiras da aludida residência.

9. O arguido, sem nunca largar a ofendida, arrastou-a até uma das portas de acesso da habitação, ao lado do portão da garagem e debaixo de uma varanda, local onde se encontravam uma mesa e cadeiras de jardim.

10. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido largou a ofendida, rodando-a para si e, simultaneamente, empurrou-a para cima da mesa de plástico que ali se encontrava, tendo esta ficado sentada em cima daquela.

11. O arguido empurrou-lhe o tronco, de forma a que ficasse deitada de costas sobre a referida mesa e virada de frente para aquele.

12. De seguida, o arguido puxou as calças e as cuecas da ofendida para baixo, até à zona dos pés e baixou as calças que trajava,

13. Acto contínuo, e, contra a vontade da mesma, introduziu o seu pénis erecto, na vagina daquela, sem preservativo, efectuando movimentos de vai e vem.

14. Durante o acto descrito, e após a ofendida referir que as mãos do arguido cheiravam a sangue, tendo a ofendida gritado por socorro, ao que o arguido, mais uma vez, retorquiu: "é a última vez que te aviso, se gritares acabo contigo aqui".

15. O arguido não chegou a ejacular, acabando por largar a ofendida.

16. Após, ergueu-se e puxou a roupa para cima, dizendo à ofendida para se vestir.

17. Depois revistou os bolsos do casaco da ofendida.

19. De seguida, disse à ofendida, "se contares alguma coisa, mato-te", trepou a vedação do portão da residência e fugiu, apeado, em direcção à Rua 1.

20. Como consequência directa e necessária de tais agressões, sofreu a ofendida, BB:

a. No tórax: no terço superior da face posterior, bilateralmente, várias escoriações lineares, com diferentes obliquidades, medindo a maior 1cm e a menor 5mm de comprimento;

b. No membro superior direito: na face posterior do cotovelo, escoriação longitudinal, medindo 2.5cm x 7mm;

c. No membro inferior direito: na transição do quadrante infero-externo da nádega para o terço superior da face postero-externa da coxa, equimose arroxeada, transversal, medindo 6cm x 5cm;

d. No membro inferior esquerdo: na transição da região lombar para o quadrante supero-externo da nádega, equimose ligeiramente arroxeada, transversal, medindo 5cm x 2cm.

21. No dia 10/04/2024, pelas 07h30m, a ofendida, CC, dirigia-se, apeada, para o seu local de trabalho, a unidade hoteleira "... Village".

22. Como habitualmente, desviou numa transversal à estrada M530-1, a qual segue para a Rua 5.

23. Apercebeu-se da presença do arguido, no "meio do triângulo do cruzamento da estrada", mas pensou que estivesse à espera de boleia.

24. Assim que a ofendida desviou para a transversal, a que supra de alude, de imediato, o arguido se aproximou da mesma, agarrando-a por trás, com os dois braços, dizendo-lhe "para ter calma" e que "já a tinha visto há muito tempo e que era gostosa".

25. Acto contínuo, o arguido afrouxou o braço direito, retirando de local não determinado um objecto de características não concretamente apuradas, mas semelhante a uma faca de serrilha, que encostou ao lado direito do pescoço da ofendida.

26. Depois, sempre com a faca encostada ao pescoço da ofendida, arrastou a mesma do passeio, para um caminho de terra batida, em direcção a umas casas abandonadas que se localizam a poucos metros da estrada.

27. Simultaneamente, enquanto a arrastava, disse-lhe "que não fizesse barulho e tivesse calma, senão, fazia-lhe mal".

28. Perante tal situação, a ofendida ainda gritou, fazendo com que EE, residente na Rua 6, se apercebesse do que estava a acontecer e, também ela, começasse a gritar e a gesticular da varanda de sua casa.

29. Enquanto isso, o arguido dizia à ofendida: "se fizeres mais alguma coisa, faço-te mal", permanecendo com a faca junto ao pescoço.

O arguido arrastou a ofendida para dentro de uma das casas abandonadas, local onde se encontrava uma cama.

33. O arguido mandou a ofendida despir-se, tendo esta retirado o casaco e começou a tirar a blusa que trajava.

34. Ao mesmo tempo o arguido despiu as calças.

35. A ofendida começou a sentir-se mal, quase desmaiando, razão pela qual o arguido, vestiu as calças e abandonou o local.

36. De imediato, a ofendida se vestiu e fugiu dali tendo encontrado FF à saída do edifício, não se recordando do que lhe foi dito, face ao estado de choque em que se encontrava.

37. Em consequência directa e necessária das agressões supra descritas, sofreu a ofendida, CC, as seguintes sequelas:

a. No pescoço: área hiperpigmentada cicatricial, na face lateral direita do pescoço, oblíqua, com 2 por 0.5 cm de maiores dimensões;

b. No membro superior direito: área hiperpigmentada cicatricial, no terço médio da face posterior do braço, com 3 por 0.5 cm de maiores dimensões; área hiperpigmentada cicatricial, no terço inferior da face posterior do braço, com 2 por 0.5 cm de maiores dimensões;

c. No membro superior esquerdo: área hiperpigmentada cicatricial, no terço médio da face anterior do antebraço, com 2 por 1 cm de maiores dimensões.

38. O arguido, AA, ao praticar os factos acima descritos agiu com o propósito firmado de, - usando da sua força física e violência e colocando as ofendidas, BB e CC, na impossibilidade de resistir, através do uso de uma faca no que se refere à ofendida CC, - manter relações e actos sexuais com as mesmas, contra a sua vontade, para satisfazer os seus instintos libidinosos, indiferente à oposição que estas manifestavam à prática de tais actos.

39. Mais actuou com o propósito de, com o recurso à força, aproveitando-se da sua superioridade física, compelir BB e CC a sofrer, contra a sua vontade, introdução vaginal do pénis daquele, bem sabendo o arguido que assim punha em causa a liberdade sexual das ofendidas, o que previu, quis e logrou concretizar, no que concerne a BB e não logrou concretizar, em relação a CC, por razões alheias à sua vontade.

40. Ao agir da forma descrita, o arguido agiu com o intuito de satisfazer os seus instintos sexuais, bem sabendo que coarctava, desse modo, a possibilidade de as ofendidas se determinarem livremente nesse campo da sua vida e sendo certo ainda que, actuando com aquele propósito, o arguido usou violência física contra as mesmas por modo a obstar que aquelas resistissem aos seus intentos, o que logrou conseguir.

42. Dessa forma, agiu, ainda, com o propósito concretizado de fazer seus todos os valores e objectos que se encontrassem na sua posse, bem sabendo que agia contra a vontade da ofendida, o que só não logrou concretizar por razões alheias à sua vontade.

44. O arguido sabia que a expressão dirigida à ofendida, BB, no ponto 19, ("se contares alguma coisa, mato-te"), após ter praticado os factos supra descritos era de molde a que esta receasse que o propósito anunciado pudesse ser concretizado, fazendo-lhe crer que estava disposto a atentar contra a sua vida, o que foi levado a cabo com o intuito de causar medo e de prejudicar a liberdade de determinação, criando-lhe um sentimento de insegurança, resultado que apenas não alcançou por razões alheias à sua vontade.

45. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal

[Mais se provou,]

No que respeita às Condições pessoais e sociais do arguido,

Consta do Relatório Social que

«À data dos factos, em Janeiro e Abril de 2024, o arguido viva em situação de sem-abrigo, em Porches, não tendo um lugar certo para pernoitar e não exercia actividade laboral. Beneficiava de apoio económico por parte da progenitora que lhe dava dinheiro mediante as suas possibilidades. Na ausência deste apoio, o arguido recorria à prática de actos ilícitos para angariar proventos.

Em termos relacionais AA é descrito pela progenitora como uma pessoa boa. Esta atribui a sua conduta aditiva e desviante principalmente à influência do grupo de pares. Também o progenitor, tem boa imagem do arguido, salientando a sua mudança comportamental com os consumos de bebidas alcoólicas.

O arguido beneficia de apoio por parte da mãe e do irmão mais velho, com quem existe uma relação de maior proximidade, com manifestação de laços de afectividade entre si. O pai, apesar de não manter contacto com o arguido desde a sua transferência para o Estabelecimento Prisional da Carregueira, mostra disponibilidade para o acolher em sua casa, local onde reside com um filho de 25 anos.

AA viu o seu processo de desenvolvimento decorrer no seio de um agregado familiar constituído pelos progenitores e três descendentes, que detinham uma condição socioeconómica modesta, em que ambos os progenitores exerciam actividade laboral remunerada, a mãe como camareira num hotel e o pai como funcionário na Camara Municipal, na recolha de resíduos urbanos.

A dinâmica familiar foi descrita como disfuncional, devido essencialmente à conduta do progenitor, que consumia bebidas alcoólicas em excesso e exercia violência doméstica sobre todos os elementos do agregado familiar.

Neste contexto, quando o arguido tinha 10 anos de idade, a progenitora saiu de casa, ficando os filhos a cargo do pai. Sem o conhecimento do progenitor, a mãe visitava os filhos diariamente, trazendo alimentos e dinheiro para assegurar a subsistência daqueles.

Posteriormente, o arguido coabitou com a mãe e com o companheiro desta, durante um período estimado de mais de um ano, contudo, as dificuldades no relacionamento com o padrasto e no cumprimento das regras quotidianas estabelecidas pelo casal, determinaram o seu regresso a casa do pai.

Em 2017, quando o arguido contava 17 anos, o progenitor, que havia sofrido um AVC, abandonando os consumos de álcool, decidiu colocar o arguido fora de casa, devido aos consumos excessivos de álcool daquele e ao seu comportamento verbalmente agressivo.

O arguido entrou no Sistema de Ensino em idade própria, manifestando comportamentos agressivos e desajustados, absentismo escolar e várias retenções que conduziram em 2015 a uma medida de internamento com duração de um ano, no Centro Educativo Navarro de Paiva, onde concluiu o 9º. ano, através de um curso de jardinagem, com 16 anos.

Após conclusão da referida medida de internamento, o arguido foi integrado numa outra instituição, que veio a abandonar ao fim de três meses, regressando a casa do progenitor e passando a ocupar os seus tempos livres em convívio com o grupo de pares, mantendo o consumo de bebidas alcoólicas e estupefacientes e um estilo de vida desregrado.

Em termos laborais, o condenado apresenta um percurso pouco expressivo, com experiências pontuais e por curtos períodos de tempo na área da construção civil e na reposição em supermercados, não revelando hábitos de trabalho estruturados.

No que concerne a sua conduta aditiva, AA refere ter iniciado consumos de haxixe aos 12 anos, consumos diários e excessivos de bebidas alcoólicas, aos 15 anos e de cocaína e heroína, fumadas aos 20 anos.

Em termos de saúde, o arguido refere padecer de arritmia.

Em meio prisional, não tem acompanhamento regular na valência de Psicologia dos Serviços Clínicos do Estabelecimento Prisional e apesar de referir manter consumos de haxixe em meio prisional, verbaliza encontrar-se abstinente há cerca de um mês.

Ao nível das relações afectivas, com 20 anos, o arguido conheceu GG, dois anos mais nova, com quem manteve coabitação durante um ano em casa da mãe daquela, no Cacém e seis meses em casa do pai do arguido, no Algarve. Este relacionamento foi pautado pela disfuncionalidade, com conflitualidade frequente entre o casal, que o arguido atribui aos seus consumos excessivos de bebidas alcoólicas e substâncias estupefacientes, que veio a determinar uma queixa por violência doméstica.

No que concerne ao seu futuro, o arguido projecta vir a coabitar com o progenitor, ainda que não mantenha contacto com ele e trabalhar na área da construção civil ou na reposição em supermercados.

AA encontra-se preso preventivamente desde 19 de abril de 2024, afecto ao Estabelecimento Prisional da Carregueira desde 07 de maio de 2024.

Em termos das repercussões da presente situação jurídico-penal, a perda da liberdade tem-se revelado penosa, principalmente pelo afastamento das pessoas que lhe são significativas e pelo convívio/coabitação com os outros reclusos, situação que aparentemente o constrange.

Apesar de não visitar o arguido, a progenitora tem-se disponibilizado para o apoiar, nomeadamente mantendo contacto telefónico regular e contribuindo financeiramente para as suas despesas pessoais no Estabelecimento Prisional.

Em meio prisional o arguido averba cinco registos disciplinares, o último dos quais com ocorrência em 12 de dezembro de 2024, ainda pendente de decisão.»

Do Certificado do Registo Criminal.

No âmbito do processo n.° 1722/22.3PISNT, por Decisão transitada em julgado em 18.08.2023, foi o arguido condenado pela pratica em 07.04.2022, de um crime de violência doméstica na pena de prisão de dois anos e oito meses suspensa na sua execução por um período de dois anos.

B) Factos não provados

A matéria de facto não provada que provém da 1ª instância é a seguinte:

Que o arguido tenha dito à ofendida BB que estava armado

Que a ofendida BB sentiu que o arguido trazia consigo um objecto, no interior da roupa que trajava, que não logrou identificar, mas que face ao discurso do arguido a fez pensar tratar-se, efectivamente, de uma arma.

Que o arguido tenha levantado as pernas da ofendida BB.

O arguido fez seus o telemóvel (com o cartão SIM .......87 e IMEI .............70) e as chaves de casa, que a ofendida transportava consigo, de valor não concretamente apurado, mas superior a uma UC.

Que o arguido, perante a ofendida CC tenha utilizado a expressão «eu mato-te» e que esta tenha gesticulado com todas as suas forças.

30. A ofendida CC continuou a debater-se, tendo o arguido deixado cair a faca que estava a usar junto a uns arbustos que ali se encontravam.

32. Nesse local, a ofendida, que o arguido sempre arrastou por trás, foi empurrada para cima da cama, ficando frente a frente com este.

Que a ofendida tenha retirado totalmente a blusa que trajava.

41. O arguido, ao fazer crer à ofendida, BB, que transportava uma arma consigo e que estaria disposto a usá-la, face às sucessivas ameaças de morte proferidas, fê-la temer pela vida e integridade física.

O arguido bem sabia que lhe tinha criado a efectiva convicção de que transportava uma arma de fogo e que a utilização de tal arma era um meio idóneo para intimidar e constranger a ofendida, o que quis e logrou, fazendo seus os bens da ofendida BB.

43. Ao se apropriar do telemóvel e das chaves da ofendida o arguido quis integrar tais objectos no seu património contra a vontade e em prejuízo desta, bem sabendo que ao agir da forma descrita a colocava na impossibilidade de, a tal, resistir.

Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa.

C) Motivação de facto do acórdão recorrido [na parte relevante]

“(…).

a) Quanto aos factos provados:

O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos que resultaram provados no depoimento do arguido e das ofendidas, únicos que se encontravam presentes e bem assim no depoimento circunstancial das restantes testemunhas.

A saber,

O arguido, pretendeu falar referindo que não se recorda do sucedido porquanto é consumidor de heroína, cocaína e álcool, sendo que na altura dos factos estaria sobre a sua influência. Referiu efectuar biscates para se sustentar, com os quais aufere cerca de 300/400 euros mensais. Na altura, encontrava-se a viver na Rua, em Porches, e fazia biscates na jardinagem. Apenas frequenta a casa da sua mãe para comer. Quanto às vitimas não as conhece nem teve qualquer relacionamento amoroso com as mesmas.

Foi ouvida a ofendida BB, que reconhece o arguido da localidade onde vive e onde ocorreram os factos, sendo que não tem qualquer relacionamento com o mesmo.

No dia em causa, 18 de Janeiro de 2024, já noite, saiu de casa para ir levar o lixo. Trazia apenas um guarda chuva na mão. Na volta, viu um vulto a vir por trás e a atacá-la pela forma a que a mesma caiu. O arguido levantou-a com o seu braço à volta do pescoço da depoente. Quando disse «o que é isto?», o individuo disse-lhe «cala-te senão mato-te já aqui». Disse-lhe igualmente para olhar em frente. Levou-a, arrastando-a com o braço à volta do seu pescoço, para um aldeamento que é pouco habitado durante um Inverno (perto da Vila Vita), subiram as escadas (com o arguido sempre nas suas costas) e chegaram a uma varanda de um dos apartamentos. Aí, o arguido empurrou-a/atirou-a para cima de uma mesa de jardim que tinha um vaso em cima. O arguido despiu-a da cintura para baixo (calças e cuecas), despiu-se igualmente da cintura para baixo e penetrou-a mas não ejaculou. Só quando se virou de frente para o arguido e olhou para ele é que o reconheceu da localidade e lhe disse que as mãos dele cheiravam a sangue. O arguido apertou-lhe o pescoço e avisou-a que era a ultima vez que a avisava para se calar, caso contrário a matava. Porém, também o arguido a terá reconhecido da localidade pois que o mesmo fugiu de seguida. Ainda voltou para trás, colocou-lhe as mãos nos bolsos e disse que queria mais. A depoente ter-lhe-á perguntado «mais o quê?» ao que ele respondeu «dinheiro, carteira». A depoente respondeu que apenas foi levar o lixo, pelo que apenas tinha o telemóvel e as chaves de casa e ele fugiu novamente saltando o gradeamento. Ainda quando estava a fugir, olhou para trás e disse «se contas a alguém eu mato-te».

Acrescenta que não viu em momento algum o arguido com uma faca, nem o mesmo fez menção de a trazer. Igualmente, acha que o telemóvel e a chave terão caído quando ela caiu ao chão da primeira vez, mas nunca mais os encontrou, ainda que não tenha a certeza se os mesmos ainda estariam nos bolsos e o arguido os levou. Facto é que não viu o arguido com os objectos na mão.

Ora, ainda que a testemunha estivesse manifestamente constrangida quando relatou os factos, fê-lo de forma clara, escorreita e credível, logrando convencer o Colectivo de Juízes.

O Senhor Inspector da PJ HH, confirmou as diligencias efectuadas e juntas aos autos.

A ofendida CC, relatou igualmente os factos referindo que se encontrava a passar na rotunda quando viu o arguido que trazia uma faca de serra de punho preto. Agarrou-a por trás com as mãos, disse «fica calma, já te tinha visto e és linda/gostosa» colocou-lhe a faca junto ao pescoço disse para não gritar senão lhe fazia mal e arrastou-a para uma casa abandonada nas imediações. Ainda lhe disse que não tinha dinheiro, mas ele disse que não queria dinheiro. Nessa altura, estava uma senhora numa varanda com dois meninos a gritar. Puxou-a para dentro dessa casa e empurrou-a, mas não chegou a cair. Sempre com a faca na mão mandou-a tirar a roupa ao mesmo tempo que o arguido despiu as calças dele, ficando com o pénis à mostra. Ainda chegou a levantar a blusa, mas como a depoente começou a desfalecer (curvar-se em pé) e não conseguiu tirar a roupa de baixo ele terá ficado com medo, vestiu-se e fugiu. A depoente então voltou-se a vestir bem, saiu da casa abandonada, foi buscar as suas coisas que haviam caído nas imediações da casa e encontrou um senhor que estava a passear o cão. Confirma que foi com a polícia ao local dos factos e que confirmou o caminho em que foi arrastada e a localização da casa. Igualmente os ferimentos que tinha à data foram fotografados.

Este depoimento, foi muito emotivo, circunstanciado e claro logrando convencer o Tribunal na sua plenitude.

Por sua vez, a testemunha EE, referiu estar em casa quando ouviu alguém a gritar nessa manhã (seriam por volta das 8 horas da manhã). Foi ao terraço e viu um homem a atacar uma mulher e a arrastá-la para uma casa abandonada que se encontra perto da sua casa, por isso gritou para um vizinho do outro lado da rua que apareceu de imediato pois estava a passear o cão. A depoente apontou para o local onde estava a senhora e o vizinho foi na direcção onde a depoente estava a apontar. Entretanto ligou para a polícia e explicou a situação. Quando o arguido voltou sozinho, olhou para ela e apontou-lhe o dedo após fugiu.

Aa testemunha FF, referiu que estava a brincar com o seu cão num terreno perto quando ouviu uma senhora numa varanda de 1 ° andar de um prédio em frente a gritar. A senhora apontou o local e o depoente foi naquela direcção. Viu então um vulto a fugir e foi nessa direcção quando viu uma senhora toda suja e arranhada a sair da zona das casas abandonadas, pelo que associou o vulto ao agressor. Não lhe viu a cara apenas sabe que o mesmo deixou cair um boné sendo que o entregou à Polícia.

O Tribunal teve ainda em atenção e no que toca à prova documental

- O auto de notícia da GNR de fls. 4/33 (ofendida BB);

- Relatório de Inspecção Judiciária e Diligências Iniciais de fls. 8/19;

- Relatório de Perícia de Natureza Sexual de fls. 11 (ofendida BB);

- Comunicação de notícia de crime de fls. 18 (PJ)

- Reportagem fotográfica de fls. 23 (local dos factos/ofendida BB);

- Auto de diligência de fls. 47 (imagens de CCTV);

- Auto de visionamento e registo de imagens de fls. 61;

- Auto de reconhecimento fotográfico de fls. 76 (ofendida BB);

- Auto de busca e apreensão de fls. 148 e 155;

- Auto de reconhecimento de pessoas de fls. 171;

- Relatório da PJ de fls. 231 (Recolha de vestígios no local dos factos)

- Fotografia de arguido de fls. 2811;

- Auto de reconhecimento fotográfico de fls. 321 (testemunha EE)

- Auto de reconhecimento fotográfico de fls. 334 (ofendida CC)

- Fotografias da ofendida CCde fls. 336 e seguintes

- Reportagem fotográfica ao local dos factos de fls. 339 (Ofendida CC);

- Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal de fls. 361 e seguintes (ofendida CC)

- Relatório pericial (vestígios biológicos que confirmam o ADN do arguido de fls. 384)

- Auto de reconhecimento de pessoas de fls. 391.

Ora, como supra se referiu, e perante a prova acabada de referir (onde os depoimentos foram claros e concisos logrando convencer o Tribunal), o Colectivo de Juízes não tem dúvidas que os factos se passaram como constam agora dos factos provados.

Na verdade, ainda que o arguido não se lembre dos factos, estes foram manifestamente marcantes para as vitimas como se pode constatar dos seus depoimentos, mas ainda assim relatados de forma clara e escorreita logrando convencer este Colectivo de Juízes. Ademais, tais depoimentos concatenados com a restante prova documental (nomeadamente relatórios periciais, reportagens fotográficas, relatórios de inspecção judiciária e autos de reconhecimento supra referidos) não deixam margem para quaisquer duvidas sobre a veracidade do relatado e agora provado.

No que concerne aos factos constantes da situação pessoal e social do arguido (dos factos provados) baseou-se o Tribunal no relatório social do arguido, junto ao autos, cuja finalidade é precisamente o apuramento da situação pessoal e social do arguido, é proveniente de entidade isenta, elaborado com recurso a um conjunto de fontes e diligências aptas ao apuramento dos factos referidos, e nenhum outro elemento de prova constante dos autos contraria ou infirma os factos que o Tribunal deu como provados com base no referido relatório, pelo que o mesmo nos mereceu credibilidade.

Quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se no certificado de registo criminal do arguido constante dos autos.

Já no que se refere aos factos não provados, inexistiu prova suficiente da sua veracidade porquanto as vítimas nãos os relataram ou mesmo referiram o contrário, como seja a ofendida BB que em audiência de discussão e julgamento referiu nunca se ter apercebido de o arguido trazer qualquer arma ou que o mesmo tenha feito qualquer menção a isso. Acresce que também esta ofendida, humildemente, referiu que não viu o arguido com os seus pertences (telemóvel) e admite que o mesmo tenha caído anteriormente quando o arguido a agarrou, pelo que tal facto foi considerado não provado.

No mais, tratam-se apenas de pormenores não relatados mas irrelevantes aos crimes, que as ofendidas não relataram e por isso se deram como não provados.

(…)”.

D) Fundamentação quanto ao crime de roubo

(…).

Dispõe o art0 210º, nº 1 do Código Penal que, "quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos".

Por seu turno dispõe o n.º 2 que

«a pena de prisão é de 3 a 15 anos se:

b) se se verificarem singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.° 1 e 2 do artigo 204, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.»

Dispõe o artigo 204°, n.° 2, alínea f) «trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta» - crime de teve como ofendido BB.

Trata-se, pois, de um crime contra a propriedade, sistematicamente inserido no Título II ( Crimes Contra o Património ) do Livro II ( Parte Especial) do Código Penal.

Fundamental é, como afirmava Eduardo Correia, na discussão do Projecto da Parte Especial do Código Penal (9ª sessão), distinguir o crime de roubo do crime de furto. É que se trata de incriminações extremamente próximas, sendo mesmo possível afirmar que o crime de roubo se encontra numa relação de especialidade com o crime de furto. De facto, e como refere Maia Gonçalves ("Código Penal Português", 8ª ed., p. 716), o roubo, ao nível estrutural, não é mais que um "furto qualificado" (pela violência, pelas ameaças ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir), ou segundo a terminologia de Carlos Alegre ("Crimes Contra o Património - Notas ao Código Penal", in "Cadernos da Revista do M.P.", n.° 3, p. 83), um "furto extraordinário".

A diferenciação entre as duas referidas normas incriminadoras situa-se, pois, na esteira do pensamento de Eduardo Correia, ao nível do elemento violência/ameaça, parte integrante da factualidade típica do crime de roubo.

Como se vê, o nosso legislador entendeu erigir o crime de roubo como categoria autónoma ao nível dos ilícitos-típicos. Subjacentes a essa autonomia do crime de roubo encontram-se "quase exclusivamente, se não mesmo exclusivamente, razões de política criminal que terão em vista dissuadir, punindo mais fortemente, certas formas de criminalidade violenta, de que o roubo é, sem dúvida, a mais frequente e preocupante" (Carlos Alegre, obra citada, p. 83).

A tal desiderato não é, certamente, alheio o bem jurídico protegido por esta incriminação. Na verdade, não obstante a sua localização sistemática, o crime de roubo visa proteger não apenas bens jurídicos de natureza patrimonial (a propriedade), mas também valores jurídicos relativos à vida, à liberdade e à integridade física humanas (V., entre outros, o Ac. do S.TJ. de 10-7-85, in B.MJ. n.° 349, p. 269, e Leal-Henriques e Simas Santos, in "Código Penal Anotado", 1996, 2º v., p. 495 ). Assim sendo, coexistindo com a sua vertente patrimonial, o roubo comporta uma vertente pessoal (V. os Acs. do S.T.J. de 14-4-83, in B.MJ. n.º 326, p. 322, e da Rel. de Coimbra de 14-10-87, in B.MJ. n.º 370, p. 622 ), pelo que se revela como um crime complexo e pluriofensivo. Nas palavras de Francesco Carrara (in "Programme del Curso Di Diritto Criminale", Firenza, p. 189), "no furto violento há sempre a ofensa de dois direitos ou talvez três, porque o agressor, além de atacar o direito de propriedade, despreza, como meio, o direito à liberdade individual e algumas vezes o direito de integridade pessoal".

Essa plêiade de valores tutelados por este tipo legal de crime é perfeitamente observável ao nível da sua factualidade típica, mormente ao nível da acção típica. Senão vejamos:

Tratando-se de um crime de execução vinculada, o tipo legal apenas se preenche se o agente praticar a infracção por uma das formas plasmadas ao nível da factualidade típica - a acção típica. Assim, para cometer o crime de roubo, o agente tem de "subtrair", ou "constranger a que lhe seja entregue", uma "coisa móvel alheia".

O elemento subtracção, introduzido no nosso ordenamento jurídico por inspiração do Código Francês de 1810, era definido por Beleza dos Santos (in R.L.J., 68°, p. 252) como a violação do poder de facto, pertencente ao detentor da coisa, de guardar o objecto do crime ou dispor dele, e a substituição desse poder pelo do agente.

Em vez de subtrair, o agente pode constranger a vítima a entregar-lhe o objecto do crime. Nesse caso, e ao contrário da subtracção, na qual se verifica um maior imediatismo entre o agente e a coisa, advindo esta à sua disponibilidade em virtude de uma actuação directa sobre a dita coisa, o agente recorre a meios persuasivos, de carácter violento, para colocar a coisa em seu poder, não agindo, portanto, directamente sobre ela.

Mas o que é essencial, e que constitui sinal distintivo do crime de roubo, é, como já foi dito, o seu elemento 'Violência". Com efeito, a actividade de subtrair ou de constranger outrem a entregar tem de ser realizada por intermédio de um dos seguintes meios (tipicamente cristalizados) : "violência contra uma pessoa" ; "ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física" ; colocação "na impossibilidade de resistir".

Na nossa perspectiva, qualquer desses meios configura uma actuação violenta, se bem que sob diferentes formas.

De facto, enquanto que a "violência contra uma pessoa" se reduz ao emprego de força física para vencer a resistência do adversário (forçosamente uma pessoa, como exige o tipo), já a ameaça consiste na promessa de um mal (perigo para a integridade física ou a vida, do ameaçado ou de outrem), caso o ameaçado não realize o que o agente deseja. A ameaça actua, pois, ao nível psicológico, amedrontando a vítima, não deixando de ser, assim, uma forma de violência moral.

O meio de colocação da vítima na situação de impossibilidade de resistência distingue-se dos meios anteriores pelo facto de, para atingir tal objectivo, se não empregar violência física ou moral. Assim sendo, deve tratar-se, como sustentam Leal-Henriques e Simas Santos (in "Código Penal Anotado", 1996, 2º v., p. 494), de um expediente ardiloso ou subreptício, capaz de privar a vítima do poder de agir, sendo esta reduzida a um estado em que se revela incapaz de opor resistência (Veja-se, a propósito, o Ac. do S.TJ. de 31-1-90, cujo sumário consta da já citada obra de Maia Gonçalves, a p. 718).

Todas estas formas de violência, refira-se, devem ser contemporâneas ou imediatamente anteriores à execução do crime.

No que respeita ao objecto do crime, terá de se tratar de uma "coisa móvel" (qualquer objecto susceptível de subtracção), a qual revista carácter alheio, ou seja, que não seja da propriedade do agente, nem esteja sob o seu domínio de facto exclusivo.

Aliás, o crime de roubo, à semelhança do crime de furto, consuma-se exactamente no momento em que a vítima é despojada da coisa, ou seja, com a violação do seu poder de facto de guardar ou de dispor da coisa, e com a substituição desse poder pelo do agente, independentemente de tal coisa ficar ou não pacificamente, por maior ou menor tempo, na posse do infractor (cfr. Acórdão da Rel. de Évora de 5-3-84, in C.J., IX, t. 2, p. 291).

O tipo exige, pois, para se preencher, a verificação de um resultado - a privação da coisa -, pelo que o roubo se caracteriza como um crime material ou de resultado (dano-violação).

Para finalizar a análise da vertente objectiva da factualidade típica, resta afirmar que autor desta infracção pode ser qualquer pessoa ("quem"), pelo que se trata de um crime comum. Além disso, e no polo oposto, vítima deste crime igualmente pode ser qualquer pessoa.

Abordando agora a faceta subjectiva do tipo legal, deve referir-se que o crime de roubo se apresenta como um crime doloso-intencional, pelo que insusceptível de punição a título negligente. Necessário é, portanto, que o agente actue com dolo. Porém, não basta o mero dolo genérico - além deste, o tipo exige que o agente pratique a acção típica revestido de uma "ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa". Consiste esta particular intenção naquilo a que grande parte da doutrina e jurisprudência apelida de dolo específico, e que outros caracterizam como um especial elemento subjectivo da ilicitude.

Face à factualidade provada, nomeadamente que o arguido depois se a ter empurrado, lhe apertado o pescoço e a ter violado, antes de ir embora colocou-lhe as mãos nos bolsos e disse «dinheiro, carteira» sendo que nada levou porquanto a ofendida nada tinha - importa concluir que se encontram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime em análise ainda que na sua forma tentada porquanto o arguido não levou qualquer objecto por razões alheias à sua vontade.

Porém, já não se encontra preenchida a agravação porquanto o Tribunal não deu como provado que o arguido tivesse qualquer objecto consigo (arma) nesta situação.

(…).

E) Fundamentação quanto à determinação da medida concreta das penas, parcelares e única

“(…).

O crime de violação (artigo 164º, n.º 2) do Código Penal) é punido com pena de prisão de três a dez anos de prisão.

O crime de violação, na forma tentada, (arts. 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2 e 164.º, n.º 2, al. a), do CP, é punido com pena de sete meses e seis dias a seis anos oito meses.

O crime de roubo, na forma tentada (arts. 22°, 23° e 210°, n° 1) é punido com pena de um mês a cinco anos e quatro meses.

O crime de coacção agravada, na forma tentada, (arts. 22°, 23°, 154°, n°s 1 e 2 e 155°, n° 1, al. a), ambos do CP) é punido com a pena de um mês a três anos e quatro meses.

Na determinação da medida concreta da pena, importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art° 71° do CP.).

Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias ("As Consequências Jurídicas do Crime", 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, "o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente", conforme prevê o art° 71°, n° 2, al. a) do CP.

A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (art° 40°, n° 2 do CP.). A prevenção geral positiva ("protecção de bens jurídicos"), fornecerá o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada. Por último, é dentro daqueles limites que devem actuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (F. Dias, ob. cit, págs. 227 e segs.; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e segs.; e Ac. S.T.J. de 9/11/94, B.MJ. n° 441, pág. 145).

No caso em análise, são elevadíssimas as necessidades de prevenção geral, quanto aos crimes em presença, pelas razões acima referidas e pelo aumento progressivo que se regista da prática de tais crimes, impondo-se a severidade das penas, como forma de fazer face a esta situação.

Atendendo, aos factos referidos, ao modo de execução dos factos, às circunstâncias das infracções, é de concluir que é elevadíssimo o grau de ilicitude dos factos e elevadas as suas consequências.

Ao nível das exigências de prevenção especial, temos que concluir que são elevadíssimas, pois que o arguido quis satisfazer os seus instintos sexuais de uma forma animalesca e gratuita. Ademais, não demonstrou grande arrependimento e não conseguiu justificar a sua conduta e, por consequência, o Tribunal não ficou convencido do seu arrependimento e muito menos da sua não repetição porquanto apenas referiu que estava sob o efeito de álcool e drogas mas que isso estava diariamente....

Não podemos olvidar o grau de ilicitude destes factos que é gritante, da maneira como foram descritos pelas ofendidas, para além de num dos crimes o arguido fez uso de uma faca e com ela feriu a ofendida no pescoço.

Nestes termos, considera este Tribunal justo, adequado e proporcional a aplicação

Da pena de 5 (cinco) anos de prisão pela pratica de um crime de violação p. e p. pelo art° 164°, n° 1, al. a) do Código Penal (ofendida BB);

Da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão pela pratica de crime de violação, na forma tentada, (arte. 22.°, 23.°, n.°s 1 e 2 e 164.°, n.° 2, al. a), do CP.

Da pena de 9 (nove) meses de prisão pela pratica do crime de roubo, na forma tentada (art. 22°, 23° e 210°, n° 1 do CP).

Da pena de 6 (seis) meses de prisão pela pratica do crime de coacção agravada, na forma tentada, (arts. 22°, 23°, 154°, nºs 1 e 2 e 155°, n° 1, al. a), ambos do CP).

*

Fixadas as penas parcelares, resta apenas proceder ao seu cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido com observação pelo disposto no artigo 77º do Código Penal, nos termos do qual, na medida dessa pena única a aplicar ao arguido, se deve ter em conta e em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade destes.

Mas, antes do mais, há que determinar a moldura legal do concurso. que será compreendida entre um mínimo cinco anos e um máximo de oito anos e nove meses.

Ora, é dentro desta moldura que se terá que determinar a pena a aplicar em concreto ao arguido pelos crimes que cometeu. E é aqui que se têm que ter em conta os factos e a personalidade do agente, ao lado das exigências de prevenção geral e especial e da sua culpa.

No dizer do Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português - Parte geral II - As Consequências Jurídicas do Crime", 1993, pág. 291) "tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisivo para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique", devendo na avaliação unitária da personalidade do agente elevar "sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo será de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta". Por outro lado, dentro deste contexto, será óbvio dizer que igualmente assume grande relevo a análise do efeito previsível da pena sobre o agente (enquanto vertente da prevenção especial). Tendo em conta as considerações acima feitas e operando o cúmulo jurídico nos termos do art. 77° do Código Penal, (considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, revelada, nomeadamente, no modo de execução dos crimes de violação), condena-se a arguido na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

(…).

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Âmbito do recurso

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.

Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.

Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- O erro notório na apreciação da prova relativamente aos pontos 17 e 42 dos factos provados e ao ponto 43 dos factos não provados, a tentativa impossível, por inexistência de objecto e a violação do princípio in dubio pro reo [conclusões 2 a 7 e 9];

- A excessiva medida das penas parcelares [conclusões 8, 10 e 11];

- A excessiva medida da pena única [conclusões 8, 12 e 13].

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Do erro notório na apreciação da prova relativamente aos pontos 17 e 42 dos factos provados e ao ponto 43 dos factos não provados, da tentativa impossível, por inexistência de objecto, e da violação do princípio in dubio pro reo

1. Alega o arguido – conclusões 2 a 7 e 9 – que, resultando dos autos que a ofendida BB não tinha quaisquer bens nos bolsos, pois tinha ido despejar o lixo, não podia ser condenado pela prática do crime de roubo tentado, por falta de coisa móvel alheia susceptível de apropriação, situação esta que conduz à figura da tentativa impossível, prevista no art. 23º, nº 3, do C. Penal, por inexistência de objecto essencial à consumação, tendo a apreciação dos pontos 17 e 42 dos factos provados e 43 dos factos não provados feito o tribunal a quo incorrer em erro notório na apreciação da prova e na aplicação do direito, bem como, ao dar como provada factualidade que não resultou, sem margem para dúvida, da prova produzida, incorreu em violação do princípio in dubio pro reo.

Notemos que na conclusão 5 se diz que não se percebe que provas suportam a convicção do tribunal, em face da dúvida sobre a ocorrência e o número de vezes que o arguido praticou relações sexuais com a menor DD, o que demonstra a existência de claríssima dúvida razoável, que deveria ter resultado em seu benefício, e que na conclusão 6 é feita referência à não concludência do relato da menor, como impondo a ausência de prova quanto aos pontos 17 e 42 dos factos provados, quando nenhuma das ofendidas dos autos tem a qualidade de menor e se chama DD.

Quanto ao mais.

2. No corpo da motivação, depois de discorrer sobre a natureza do crime de roubo, sobre os traços que o distinguem do crime de furto e sobre os bens jurídicos que tutela, o arguido incorre em novo lapso, quando alega que a acção que praticou visava a obtenção junto de DD e de EE de produto estupefaciente que estes teriam na sua posse, para depois afirmar que a ofendida [que não identifica, mas que será a ofendida BB], como decorre dos pontos 17 e 42 dos factos provados, em conjugação com o ponto 43 dos factos não provados, não levava consigo quaisquer bens, pois ia despejar o lixo, faltando, por isso, o elemento do tipo, coisa móvel alheia, susceptível de apropriação, o que configura uma tentativa impossível, determinante da sua absolvição, nos termos do disposto no art. 23º, nº 3, do C. Penal, por inexistência de objecto essencial à consumação do crime.

Nada mais foi acrescentado, quer quanto à conduta que tem por ofendida, a ofendida BB, quer quanto à conduta que tem por ofendida, a ofendida CC

Na conclusão 2 o recorrente repete a argumentação supra, para acrescentar, na conclusão 3, que o tribunal a quo, relativamente à apreciação feita da matéria dos pontos 17 e 42 dos factos provados e do ponto 43 dos factos não provados, incorreu em erro notório na apreciação da prova, sem indicação de suporte mínimo, e remata, nas conclusões 4 e 5 [esta, na parte aproveitável, face ao referido em 1., que antecede], dizendo que, ao considerar provada matéria de facto, que não passou no crivo da dúvida, a 1ª instância violou o princípio da livre apreciação da prova e o princípio in dubio pro reo.

Vejamos.

a. O erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º, nº 2, c), do C. Processo Penal, como todos os demais vícios da decisão, previstos no referido nº 2, tipifica defeitos lógicos da decisão penal, rectius, da sentença, e não, do julgamento, defeitos esses que, necessariamente, se evidenciam pelo respectivo texto, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, legalmente permitida a sua evidenciação através de elementos alheios à decisão, ainda que constem do processo respectivo.

Verifica-se este vício quando o tribunal valora a prova contra as regras da experiência comum, contra critérios legalmente fixados ou contra as leges artis, aferindo-se o requisito notoriedade pela circunstância de o erro não passar despercebido ao homem médio, ao, num sentido mais preciso, ao jurista comum (assim evitando a inutilização da figura em parte muito significativa dos casos em que ocorre), por ser evidente, grosseiro, ostensivo (Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1359). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste, basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido, mediante a formulação de juízos ilógicos e/ou arbitrários (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 3, 3ª Reimpressão, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 326 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 81).

Definido o vício em causa e lido o acórdão recorrido, é evidente que o mesmo, ali não se encontra presente.

Com efeito, o arguido retira a sua [do vício] existência, do teor dos pontos 17 e 42 dos factos provados [17. Depois revistou os bolsos do casaco da ofendida; 42. Dessa forma, agiu, ainda, com o propósito concretizado de fazer seus todos os valores e objectos que se encontrassem na sua posse, bem sabendo que agia contra a vontade da ofendida, o que só não logrou concretizar por razões alheias à sua vontade] e 43 dos factos não provados [Ao se apropriar do telemóvel e das chaves da ofendida o arguido quis integrar tais objectos no seu património contra a vontade e em prejuízo desta, bem sabendo que ao agir da forma descrita a colocava na impossibilidade de, a tal, resistir], sem nunca explicar o fundamento da conclusão afirmada.

De acordo com a matéria de facto provada, o arguido revistou os bolsos do casaco da ofendida BB, que tinha saído da sua residência para ir despejar o lixo, com intenção de fazer seus os valores e objectos que aquela consigo levasse, intenção esta que não concretizou, por razões alheias à sua vontade. Concordantemente, o tribunal a quo considerou não provado que o arguido se apropriou do telemóvel e das chaves da ofendida [como lhe era imputado no artigo 18 da acusação].

O fundamento probatório para esta decisão de facto – factos provados e não provados – consta da motivação de facto do acórdão recorrido, onde se pode ler ter a ofendida BB dito que, logo após ter sido violada, o arguido «voltou para trás, colocou-lhe as mãos nos bolsos e disse que queria mais. A depoente ter-lhe-á perguntado «mais o quê?» ao que ele respondeu «dinheiro, carteira». A depoente respondeu que apenas foi levar o lixo, pelo que apenas tinha o telemóvel e as chaves de casa e ele fugiu …», e que, mais adiante, a «ofendida, humildemente, referiu que não viu o arguido com os seus pertences (telemóvel) e admite que o mesmo tenha caído anteriormente quando o arguido a agarrou, pelo que tal facto foi considerado não provado.».

Não existe, pois, erro notório na apreciação da prova.

Aliás, se bem percebemos a argumentação do arguido, a invocação do erro notório na apreciação da prova foi feita na perspectiva da demonstração da verificação, no caso, de uma tentativa impossível, a qual, a ter-se por existente, conduzirá antes a um erro de subsunção jurídica portanto, a um erro de direito.

b. Estabelece o nº 3 do art. 23º do C. Penal que, [a] tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime, assim precisando a lei a figura da tentativa impossível ou inapta.

Como resulta da norma transcrita a lei, em princípio, equipara a tentativa apta à tentativa impossível, uma vez que, só quando a inaptidão dos meios empregados ou a inexistência do objecto forem manifestas é que a tentativa impossível não é punível.

O fundamento da punibilidade da tentativa impossível sustenta-se, hoje, numa teoria subjectiva-objectiva da aparência de perigo, que conjuga a ideia – objectiva – da perigosidade da tentativa, com o juízo de prognose póstuma que aferirá tal perigosidade, isto é, a tentativa impossível será punível se, razoavelmente, segundo as circunstâncias do caso e de acordo com um juízo ex ante, ela era ainda aparentemente possível ou (como prefere exprimir-se o art. 23º, nº 3) não era já manifestamente impossível (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, págs. 715-716).

Considerando o que fica dito e convocando a matéria de facto provada, há que reconhecer que, nas apuradas circunstâncias de tempo e de lugar, para um cidadão de são entendimento, colocado no lugar do arguido, não seria notório que a ofendida não traria consigo bens móveis susceptíveis de serem apropriados por terceiro. E foi precisamente este juízo o formulado pelo arguido, quando se decidiu a revistar os bolsos do casaco da ofendida [note-se, que o tribunal a quo, como consta da motivação de facto do acórdão recorrido, credibilizou o depoimento da ofendida, sendo certo ter esta declarado que o telemóvel que levava consigo teria, possivelmente, caído no chão, no momento inicial em que foi surpreendida e agarrada pelo arguido].

Assim, porque a inexistência de bens móveis na posse da ofendida, no momento em que o arguido decidiu proceder à sua revista, não era manifesta para um cidadão médio, colocado no posição daquele, mantem-se a punibilidade da tentativa impossível, nos termos do art. 23º, nº 3, do C. Penal, com referência ao crime de roubo tentado, p. e p. pelos arts. 22º, 23º e 210º, nº 1, do C. Penal, por cuja prática foi condenado nos autos.

c. Depois de levar à conclusão 6 o argumento de que, não tendo sido produzida prova inequívoca, face às dúvidas e incertezas, designadamente, face à inconcludência do relato da menor [menor que, conforme já referido, não existe nos autos], não podia ter sido considerada provada a matéria dos pontos 17 e 42 dos factos provados, e de levar à conclusão 7 o argumento de que, o tribunal a quo, contraditoriamente, reconheceu dúvidas não ultrapassadas quanto à existência da faca de serrilha, mas veio a dar como provada a prática do crime de roubo tentado, decidindo contra a presunção de inocência e ultrapassando os limites da livre apreciação da prova, entende o arguido – conclusão 5 – ter sido violado, relativamente ao crime de roubo tentado, o princípio in dubio pro reo.

Vejamos.

O princípio in dubio pro reo – corolário do princípio da presunção de inocência, previsto no art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa – dá resposta à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido. Significa isto que, produzida a prova, se no espírito do julgador subsiste um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se uma decisão favorável ao arguido. Se, pelo contrário, a incerteza não existe, se a convicção do julgador foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.

Atente-se em que a dúvida para o efeito relevante, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas, a dúvida que este não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.

Na fase de recurso, a demonstração da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, aferida pelo texto da decisão, o que vale dizer que tem de resultar, de forma inequívoca, dos termos da sentença que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.

Dito isto, há que reconhecer, sempre com ressalva do respeito devido por diversa opinião, ser absolutamente carecida de fundamento a afirmada violação do pro reo.

Com efeito, lido o acórdão recorrido, particularmente, a sua motivação de facto, dela não resulta que os Srs. Juízes que integraram o tribunal colectivo tenham ficado na dúvida quanto a qualquer dos factos que consideraram provados. Bem pelo contrário, na motivação de facto ficou cristalinamente exposto o processo lógico que conduziu à certeza alcançada sobre os factos integradores do objecto do processo, vertidos na decisão de facto proferida, do mesmo modo que o tribunal colectivo, quando entendeu não existir prova, decidiu em favor do arguido, como aconteceu, relativamente à ofendida BB, com a decisão de considerar não provado que a mesma tenha sentido que o arguido trazia consigo, no interior da roupa, um objecto, que aquele deu a entender ser uma arma, fundada no depoimento da ofendida, no sentido de não ter visto, em momento algum, o arguido com uma faca, nem que este tenha mencionado detê-la [e aqui, nem se coloca, sequer, uma questão de aplicação do pro reo, porque dúvida não existiu].

Por outro lado, sendo verdade que o tribunal colectivo considerou provado que o arguido usou um objecto de características não concretamente apuradas, semelhante a uma faca de serrilha, é igualmente verdade que a utilização de tal objecto se deu relativamente à ofendida CC, que não foi vítima do crime de roubo tentado, tendo esta decisão de facto sido suportada no depoimento da referida ofendida, credibilizada que foi pelo tribunal colectivo.

Em conclusão, não se vislumbra no acórdão recorrido a violação do princípio in dubio pro reo e, consequentemente, a violação do princípio da presunção de inocência.

Diga-se, ainda, que tão-pouco se descortina qualquer desrespeito pelo princípio da livre apreciação da prova.

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Da excessiva medida das penas parcelares

3. Alega o arguido – conclusões 8, 10 e 11 – que o tribunal a quo aplicou penas excessivas, face à necessidade da sua ressocialização, à circunstância de ser um jovem delinquente desapoiado, e de ser primário, tendo sido violados os arts. 40º, 70º e 71º do C. Penal e o regime penal para jovens adultos, devendo, em consequência, ser aplicadas as penas parcelares de 4 anos de prisão para o crime de violação, de 2 anos de prisão para o crime tentado de violação, de 4 meses de prisão para o crime de roubo tentado e de 4 meses de prisão para o crime tentado de coacção agravada.

Vejamos.

Como ponto prévio, considerando a referência feita pelo arguido à não aplicação do regime penal para jovens adultos, cumpre notar que, como consta do Relatório do acórdão recorrido, nasceu a 24 de Janeiro de 2000 pelo que, tendo os factos ocorrido a 18 de Janeiro e 10 de Abril de 2024, quando os praticou tinha 23 anos e 24 anos, respectivamente.

Sendo o regime penal especial para jovens previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, aplicável aos agentes de crimes que, na data da sua prática, tiverem completado 16 anos sem terem ainda atingido os 21 anos (art. 1º, nº 2, do referido diploma legal), evidente se torna a sua inaplicabilidade ao caso concreto.

Quanto ao mais.

Dispõe o art. 40º do C. Penal, com a epígrafe «Finalidades das penas e das medidas de segurança», no nº 1 que, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, estabelece o nº 2 do mesmo artigo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, exprimindo esta a responsabilidade individual do agente pelo facto, sendo, assim, o fundamento ético da pena. Prevenção geral – protecção dos bens jurídicos – e prevenção especial – reintegração do agente na sociedade – constituem, deste modo, as finalidades da pena, através delas se reflectindo a necessidade comunitária da punição do caso concreto.

É neste quadro que funciona o critério legal de determinação da medida concreta da pena, previsto no art. 71º do C. Penal.

Estatui o seu nº 1 que a determinação da medida concreta da pena é feita, dentro dos limites definidos pela moldura penal abstracta aplicável, em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, estabelecendo o seu nº 2 que, para este efeito, devem ser atendidas todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor, designadamente, as enunciadas nas diversas alíneas deste mesmo número.

Por isso, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).

A medida concreta da pena resultará do grau de necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem que possa ser ultrapassada a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime,1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 227 e seguintes e 238 e seguintes, e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 43 e seguintes) ou, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Julho de 2014 (processo nº 1081/11.7PAMGR.C1.S1, in www.dgsi.pt), a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

No mesmo sentido, Anabela Miranda Rodrigues sustenta que, «[e]m primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.» (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, Nº 2, Abril-Junho, 2002, págs. 181-182).

O que fica dito evidencia que a tarefa de determinação da medida concreta da pena não corresponde ao exercício de um poder discricionário do julgador e da sua arte de julgar, antes lhe impõe o uso de um critério legal, constituindo a pena concreta o resultado de um procedimento juridicamente vinculado.

Porém, o controlo desta operação pela via do recurso, podendo incidir sobre a questão do limite ou da moldura da culpa e sobre a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, não pode ter por objecto o quantum exacto da pena, salvo se se mostrarem violadas as regras da experiência ou se a medida concreta fixada se mostrar desproporcionada (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime,1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 197).

Aqui chegados.

Na determinação da medida concreta das penas impostas o tribunal a quo ponderou:

- O elevadíssimo grau de ilicitude dos factos, designadamente, o uso de faca na prática de um deles, o seu modo de execução e as importantes consequências dos mesmos;

- A ausência de arrependimento;

- As elevadíssimas necessidades de prevenção geral, pelo aumento progressivo da sua prática, impondo a aplicação de sanções severas;

- As elevadíssimas exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido agiu para satisfazer os seus instintos sexuais de forma animalesca e gratuita.

E concluiu pela aplicação de uma pena de 5 anos de prisão pela prática do crime de violação, pela aplicação de uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime tentado de violação, pela aplicação de uma pena de 9 meses de prisão, pela prática do crime de roubo tentado e pela aplicação de uma pena de 6 meses de prisão, pela prática do crime de tentado de coacção agravada.

Na lacónica argumentação apresentada, o arguido invoca em seu abono, a juventude e a inexistência de antecedentes criminais, circunstâncias que não se mostram referidas na ponderação feita pela 1ª instância.

Conforme já dito supra, a propósito da referência feita ao regime penal especial para jovens, o arguido tinha 23 anos de idade quando praticou os factos que têm por vítima a ofendida BB, e tinha 24 anos de idade quando praticou os factos que têm por vítima a ofendida CC No entanto, será sempre relativo o valor atenuativo da idade do agente.

Já a invocação da qualidade de delinquente primário se nos afigura temerária, para outra coisa não dizer, quando o arguido não pode ignorar ter sido, como consta dos factos provados, condenado no processo nº 1722/22.3PISNT, por sentença transitada em julgado em Agosto de 2023, pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de dois anos.

No mais, consideramos ser de grau médio-elevado a ilicitude dos factos praticados, particularmente, no que respeita aos crimes de violação, pela intensidade da violência empregue, e não serem de desprezar as respectivas consequências.

Consideramos ser elevada a intensidade do dolo com que o arguido actuou, sempre directo, revelador de intensa energia criminosa.

O arguido não revelou ter interiorizado o desvalor dos factos praticados, aquando dos mesmos vivia uma situação de sem abrigo, tem baixo nível de escolaridade, não tem hábitos de trabalho, a sua inserção familiar é deficitária, não tem tido comportamento adequado às regras da instituição prisional onde de encontra detido, é consumidor de haxixe desde os 12 anos, é consumidor excessivo de álcool desde os 15 anos e consumidor de cocaína e heroína desde os 20 anos.

Concordamos com a 1ª instância em serem elevadas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que são praticados crimes de violação, causadores de profundos sentimentos de repulsa pela comunidade, e de grande alarme social, alarme este extensivo aos crimes de roubo.

Também concordamos em serem elevadas as exigências de prevenção especial, uma vez que os factos praticados pelo arguido e os antecedentes criminais registados espelham uma personalidade avessa ao direito, violenta e focada na imediata satisfação de instintos e necessidades, traços estes potenciados, quer pelas adições de que padece, quer pela ausência de inserção laboral e social e deficiente inserção familiar.

Sobrepondo-se as circunstâncias agravantes às, quase inexistentes, circunstâncias atenuantes, e considerando as elevadas exigências de prevenção, as penas parcelares fixadas pela 1ª instância – 5 anos de prisão, 2 anos e 6 meses de prisão, 9 meses de prisão e 6 meses de prisão –, situadas que foram, a primeira, ligeiramente acima do primeiro quarto da moldura abstracta aplicável, a segunda, abaixo do ponto intermédio entre o primeiro quarto e o meio da moldura abstracta aplicável, a terceira, praticamente no primeiro oitavo da moldura abstracta aplicável, e a quarta, ligeiramente acima do primeiro oitavo da moldura abstracta aplicável, mostram-se necessárias, adequadas, proporcionais e plenamente suportadas pela medida da culpa.

Devem, pois, ser mantidas.

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Da medida excessiva da pena única

4. Alega o arguido – conclusões 8, 12 e 13 – que a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão elevadíssima e comprometedora de tudo quanto se pretende evitar, devendo antes, considerando o conjunto dos factos e a sua personalidade, ser fixada em 5 anos de prisão.

No corpo da motivação, sem argumentação diferente, entendeu, no entanto, dever ser aplicada a pena única de 6 anos de prisão.

Vejamos.

Com a epígrafe «Regras da punição do concurso», dispõe o art. 77º do C. Penal, na 1ª parte do seu nº 1 que, [q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.

É pressuposto da aplicação deste critério especial de determinação da medida da pena que o agente tenha praticado uma pluralidade de crimes constitutiva de um concurso efectivo – real ou ideal, homogéneo ou heterogéneo –, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, distinguindo este último aspecto os casos de concurso dos casos de reincidência.

A lei afastou o sistema da acumulação material de penas, optando pelo acolhimento de um sistema de pena conjunta, resultante de um princípio de cúmulo jurídico (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 283 e seguintes e Maria João Antunes, op. cit., pág. 56 e seguintes). Por isso, estabelece o nº 2 do mesmo art. 77º que, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limites mínimos a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Dispõe o referido art. 77º, na 2ª parte do seu nº 1, que, [n]a medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Factos e personalidade do agente são, assim, os dois factores que conferem individualidade própria a esta operação jurídica, e a distingue do critério de determinação da medida concreta das penas parcelares, previsto no art. 71º do C. Penal.

Na ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente, pedra angular do critério especial de determinação da pena única, o conjunto dos factos indicará a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante, para a sua fixação, a conexão existente entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade unitária do agente permitirá aferir se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa da personalidade ou se, pelo contrário, é apenas uma pluriocasionalidade que não tem origem na personalidade, sendo que, só no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante. Ou, como afirma Cristina Líbano Monteiro, o C. Penal rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente (A pena «unitária» do concurso de crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, Nº 1, 2006, pág. 162).

Neste campo, é igualmente importante a análise do efeito previsível da pena sobre a conduta futura do agente (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, op. cit., págs. 290 e seguintes).

a. Pressupondo a determinação da medida concreta da pena única a observância de uma sequência de procedimentos, estando o primeiro deles – a determinação da medida concreta das penas parcelares – já concluído, passemos ao segundo, a determinação da moldura abstracta aplicável ao concurso.

Como vimos, o arguido foi condenado nos autos, pela prática de um crime de violação, na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de violação na forma tentada, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo na forma tentada, na pena de 9 meses de prisão e pela prática de um crime de coacção agravada na forma tentada na pena de 6 meses de prisão. Assim, face ao disposto no art. 77º, nº 1, do C. Penal, a moldura penal abstracta aplicável é a de 5 anos a 8 anos e 9 meses de prisão.

b. Atentemos agora, no terceiro e decisivo procedimento, a operação de concretização da pena única, traduzida na determinação da medida concreta da pena conjunta, dentro dos limites da respectiva moldura penal, em função do critério geral da medida da pena do art. 71º, do C. Penal, culpa e prevenção, portanto, e do critério especial previsto no art. 77º, nº 1, parte final, do mesmo código, portanto, a consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente.

Englobando o cúmulo as referidas quatro penas parcelares [5 anos, 2 anos e 6 meses, 9 meses e 6 meses de prisão], o tribunal a quo fixou a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, tendo para o efeito ponderado [como se lê na fundamentação da determinação da pena única, supra transcrita] as considerações feitas a propósito da determinação da medida concreta das penas parcelares, e depois, seguindo a lição de Figueiredo Dias, e num discurso, generalizador, a globalidade dos factos e a personalidade do arguido por eles revelada, de modo a averiguar se esta está na origem da pluralidade de crimes praticados, traduzindo uma tendência criminosa, ou se esta pluralidade não foi, por ela, personalidade, determinada, tendo ainda realçado, mais uma vez, em termos genéricos, a importância da análise do efeito previsível da pena sobre o agente.

Pois bem.

Tendo presente que os factores enunciados no art. 71º do C. Penal, globalmente considerados, podem servir de guia para a concretização da medida da pena única, e convocando, agora o critério previsto na segunda parte do nº 1 do art. 77º do C. Penal, no que concerne à gravidade do ilícito global, temos por evidente a conexão entre os crimes de violação, roubo tentado e coacção agravada tentada, quer porque foram praticados, sucessivamente, nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, quer porque o último teve por causa, a prática dos dois primeiros, quer porque todos comungam a mesma vítima, a ofendida BB.

Por outro lado, ainda que de forma menos sublinhada, existe conexão entre o crime de violação e o crime de violação tentada, quer pelo relativo curto intervalo que os separa [cerca de três meses], quer pela similitude do modus operandi [surpreende as vítimas, agarrando-as por trás, e obriga-as a dirigirem-se para casas desabitadas].

Deste modo, e pelos referidos factores de conexão, a avaliação conjunta das condutas praticadas aponta para uma ilicitude global de grau médio/elevado.

Relativamente à personalidade unitária do arguido, reflectida nos factos cometidos, a mesma apresenta-se como desvaliosa por contrária ao direito, violenta e egocêntrica, com o foco na imediata satisfação de instintos e necessidades, realçando a sua desinserção laboral e social, o seu deficiente apoio familiar, e as adições de que padece, o risco sério da prática de idênticos factos.

É, pois, de admitir, dada a natureza dos crimes de violação que, não obstante o seu reduzido número, exista, in casu, uma tendência para a sua prática.

Assim, considerando o arco de punibilidade resultante da moldura penal abstracta aplicável ao concurso, a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, porque situada um pouco abaixo dos três quartos daquela moldura, reflecte o seu [do concurso] efeito agravante.

Assim, a pena única decretada pela 1ª instância, face às elevadas exigências de prevenção, é adequada, necessária, proporcional e plenamente suportada pela medida da culpa do arguido, pelo que deve ser mantida.

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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.

Custas do recurso pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC (arts. 513º, nº 1 e 514º, nº 1 do C. Processo Penal, e 8º, nº 9 do R. das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).

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Lisboa, 19 de Novembro de 2025

Vasques Osório (Relator)

Jorge Gonçalves (1º Adjunto)

Jorge Jacob (2º Adjunto)