I – Recai sobre o recorrente o ónus de apresentar as suas alegações, onde fundamenta as razões de discordância com a sentença que impugna, bem como, ainda, o ónus de formular conclusões sintéticas, indicando os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (cf. art.º 639º, n.º 1, do CPC).
II – As conclusões devem delimitar, circunscrever e isolar o objeto do recurso, viabilizando, dessa forma, quer o exercício do contraditório, quer a possibilidade do tribunal de recurso poder identificar, sem equívocos, as matérias a tratar.
III – Não é a circunstância de o recorrente ter sido escrito “Em conclusão” que permite considerar que existem conclusões. Se assim fosse, tal equivaleria, no caso, a considerar que as alegações seriam compostas por 25 artigos e as conclusões seriam compostas por 54 artigos, o que é ilógico, sendo certo que se a matéria dos artigos 26º a 79º do recurso fosse tida por conclusões, então estas, por um lado, estariam inequivocamente a incluir temas não tratados nas alegações e, por outro, não estariam a incluir o tema (único, aliás) tratado nas alegações que se prende com a impugnação da matéria de facto (art.s 1º a 25º das alegações), o que é incompreensível, já que, como é consabido, as conclusões representam uma síntese das alegações.
IV – A falta de conclusões é causa legal de rejeição do recurso, não havendo lugar a convite ao recorrente para as suprir.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Recorrentes:
AA
BB
Recorridos:
CC
A...
B..., Lda.
*
AA e BB instauraram a presente ação declarativa comum contra CC, A... e B...
, Lda. pedindo a condenação dos réus a restituir-lhes a quantia de €30.000,00, a título de valor do sinal dobrado, acrescida dos juros que se vençam à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Aferir (i) se o recurso deve ser admitido; (ii) se, previamente à sua aceitação, no pressuposto do reconhecimento da existência de conclusões, se deve ser proferido despacho convite ao seu aperfeiçoamento; ou, diversamente, (iii) se recurso interposto deve ser rejeitado liminarmente por falta de conclusões.
A lei processual impõe ao recorrente determinadas exigências que funcionam como pressuposto de admissibilidade do recurso.
Preceitua o art. 639º-1 do CPC, sob a epígrafe “Ónus de alegar e formular conclusões” o seguinte:
«1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - (…)
5 - (…)».
Quanto aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto a empreender pelo tribunal ad quem, é a norma do art. 640º do CPC que, por seu turno, estatui como devem ser observados os termos dessa impugnação.
A lei é clara ao prescrever que sobre o recorrente recai o ónus não só (i) de alegar, segmento do recurso onde faz constar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida; como também o de (ii) formular conclusões sintéticas onde, para além da matéria de facto que impugna, versando sobre matéria de direito, deve indicar as normas jurídicas violadas e o sentido que no seu entender, constituindo fundamento jurídico da decisão, elas deveriam ser interpretadas ou, ainda, invocando erro de aplicação da lei, qual a norma jurídica que deveria ser aplicada.
A norma do art. 639º-1 do CPC é, como se vê, de cariz genérico, porquanto se reporta aos recursos onde sejam suscitadas questões de direito, como também àqueles que envolvam a impugnação da matéria de facto, sendo que, quanto a esta, o recorrente deve dar cumprimento às exigências de impugnabilidade previstas no art. 640º do CPC, sob pena de rejeição do recurso na parte referente à impugnação sobre a matéria de facto (cf. António Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Almedina, 2024, p. 210).
A formulação de conclusões é, portanto, obrigatória, porquanto elas estão condicionadas pelos argumentos utilizados na motivação, de tal sorte que a sua falta implica - tomando de comodato um lugar paralelo - uma espécie de ineptidão tal como previsto para petição inicial (cf. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, p. 180).
Quando ocorre uma situação de falta ou omissão de conclusões, por se tratar de uma patologia muito grave, há lugar à rejeição do recurso (cf. art. 641º-1-2-b) do CPC).
No caso de falta ou omissão da formulação de conclusões, a lei nem sequer prevê a possibilidade de o juiz da 1.ª instância, num primeiro momento, ou o juiz relator, em sede de recurso, num segundo momento, proferir despacho de convite à sua apresentação.
A doutrina categorizada é, quanto a este ponto, explícita: «O art. 639º-3, em conjugação com o art. 641º, n.º 2, al. b), não deixa margem para dúvidas, devendo o indeferimento do recurso com fundamento na falta de conclusões ser assumido logo no tribunal a quo, sem embargo de oportuna intervenção do tribunal ad quem (art.s 652º, n.º 1, al. A) e 655º, n.º 1» (cf. António Geraldes, Recursos em Processo Civil, cit., p. 213).
Dito de outra forma: «Desde o DL 303/2007, a falta de conclusões é drasticamente sancionada como causa de rejeição do recurso, tendo deixado de se admitir o convite do relator para a suprir; apenas em caso de deficiência (…) ou complexidade (…) ou de falta das especificações previstas no n.º 2 (…)» (cf. Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes, Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª Ed., Almedina, p. 90; na jurisprudência, vd. o Ac. do STJ de 19.10.2021, rel. cons. Tibério da Silva, proc. n.º 3657/18.2T8LRS.L1.S1: «A falta de conclusões, que é o que, in casu, se verifica, gera a rejeição do recurso, não havendo lugar a aperfeiçoamento»).
Claro que no caso previsto no art. 639º-3 do CPC, ou seja, no caso em que sejam formuladas conclusões «deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior», nesses casos, e só nesses, manda a lei - no exercício de um poder-dever vinculado - que o tribunal dirija um convite ao recorrente tendente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las.
Mas tal só ocorrerá, naturalmente, se tiverem sido formuladas conclusões, se estas existirem. Tal convite deixa de ter razão de ser na hipótese contrária: quando as conclusões pura e simplesmente não existem.
Sendo as conclusões que delimitam o objeto do recurso (art. 635º-4 do CPC), sem elas o tribunal superior fica sem o poder conhecer, isto é, fica sem saber o que pretende o recorrente sindicar na decisão recorrida que através do recurso pretendeu impugnar: «o ónus de formulação de conclusões recursórias tem em vista uma clara delimitação do objeto do recurso mediante enunciação concisa das questões suscitadas e dos seus fundamentos, expurgadas da respetiva argumentação discursiva que deve constar do corpo das alegações, em ordem a melhor pautar o exercício do contraditório, por banda da parte recorrida, e a permitir ao tribunal de recurso uma adequada e enxuta enunciação das questões a resolver» (cf. o Ac. do STJ de 16-12-2020, rel. cons. Tomé Gomes, proc. n.º 2817/18.0T8PNF.P1.S1. Quanto à repetição das alegações, sem delimitação do objeto do recurso, concluindo-se pela inexistência de conclusões, o Ac. da RG de 30.03.2023, rel. Vera Sottomayor, proc. n.º 202/20.0T8VCT.G1; e, no mesmo sentido, o Ac. da RC de 28.04.2023, rel. Mário da Silva, proc. n.º 4797/22.9T8LRA.C1).
Depois de notificados para se pronunciar quanto ao ponto, após despacho a facultar o exercício do contraditório, vieram os recorrentes sustentar que as conclusões foram efetivamente formuladas com as alegações de recurso, informando que constam na transição do art. 25º para o art. 26º, como se pode depreender, segundo referem, pela asserção “Em conclusão” que precede o art. 26º.
Contudo, não pode aceitar-se que assim seja.
Vejamos, então, porquê.
Verifica-se que os recorrentes, na estrutura do recurso que interpuseram, dividiram as suas alegações em duas partes:
- a primeira, “I - Da matéria de facto provada” (art.s 1. ao art. 25º), segmento onde elencaram os factos julgados como provados e não provados, explicitando a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto;
- e a segunda: “II - Do Direito” (art.s 26º a 79º), segmento onde interpretam o clausulado contratual e discutem as normas legais aplicáveis. Os recorrentes acrescentaram, ainda, a final, o pedido acima transcrito (“Termos em que…”) de revogação da sentença recorrida, para que lhes seja reconhecido, como defendem, o direito a haver para si o valor correspondente ao sinal dobrado ou, subsidiariamente, em singelo, com base na alegada nulidade do contrato de promessa de compra e venda em discussão nos autos.
Na verdade, a referida asserção, precedida da menção “II - Do Direito”, é irrelevante no sentido de, a partir dela, se tirar a ilação de que existem conclusões formuladas.
Não é a circunstância de ter sido escrito “Em conclusão” que permite considerar que existem conclusões. Com efeito, em primeiro lugar, se assim fosse, tal equivaleria a considerar que as alegações seriam compostas por 25 artigos e as conclusões seriam compostas por 54 artigos, o que é ilógico, porquanto as conclusões devem consubstanciar uma síntese das alegações; em segundo lugar, se a matéria dos artigos 26º a 79º do recurso fosse tida por conclusões, então estas, por um lado, estariam inequivocamente a incluir temas não tratados nas alegações e, por outro, não estariam a incluir o tema (único, aliás) tratado nas alegações que se prende com a impugnação da matéria de facto (art.s 1º a 25º das alegações), o que é incompreensível, já que, como é consabido, as conclusões representam uma síntese das alegações (veja-se, com similitude e idêntica solução à que aqui adotamos, o caso analisado pelo Ac. do STJ de 19.10.2021, rel. cons. Tibério da Silva, proc. n.º 3657/18.2T8LRS.L1.S1, já acima citado: «Quando o recorrente, depois de uma introdução/relatório, inicia a crítica à sentença impugnada, não é a designação de Conclusões que confere a esse exercício o carácter que o termo sugere, se o que aí se desenvolve são os argumentos (não antes apresentados) tendentes à revogação da sentença, sem que se possa estabelecer, a partir de certa altura, uma fronteira que marque a elaboração de verdadeiras conclusões, ou seja, a síntese dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão recorrida»).
É de concluir, sem esforço, que os recorrentes apenas apresentaram alegações, num continuum que abrange todos os 79 artigos, inexistindo qualquer quebra ou separação - quer graficamente, quer no conteúdo - que permita descortinar a formulação de quaisquer conclusões, sendo certo que as alegações de recurso constituem um ato jurídico - um documento processual - que também é sujeito a interpretação do que resulte dele quer quanto à forma, quer quanto ao conteúdo (cf. art.s 236º-1 e 295º do C. Civil; cf. art. 131º-1-3 do CPC).
Uma última nota para salientar que não se ignora o princípio da prevalência do mérito sobre a forma que ilumina transversalmente o nosso sistema processual civil, o qual, sendo de natureza adjetiva, é instrumental face ao direito substantivo, orientado no sentido da composição efetiva de conflito de interesses emergente de um processo dual e adversarial. Não o discutimos. Contudo, os processualistas não se cansam de alertar, com propriedade, que aquele princípio não deve valer quanto aos pressupostos de atos processuais, pois «(…) a consequência da falta do pressuposto do acto processual é a ineficácia do acto e o tribunal nunca pode decidir como se o acto não fosse ineficaz. Suponha-se, por exemplo, que o tribunal verifica que falta o patrocínio judiciário obrigatório do réu na contestação (…); a consequência dessa falta de patrocínio é a ineficácia desse defesa (…), pelo que o tribunal não pode decidir como se a contestação fosse eficaz e como se não verificasse a revelia do réu. Portanto, a decisão de mérito nunca pode ignorar a ineficácia do acto, nem superar as suas consequências» (cf. Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 86).
Atento o exposto, concluindo-se pela omissão completa de conclusões do presente recurso, a consequência deve ser a sua rejeição (cf. art. 652º-1-b) do CPC).
Não se equaciona a possibilidade de prolação de despacho convite ao aperfeiçoamento, como subsidiariamente peticionado pelos recorrentes (vd. o seu req.º de 23.09.2025), atenta a inexistência de objeto a aperfeiçoar.
(…).
Atento o exposto, decide-se:
i. Rejeitar o recurso interposto por falta de formulação de conclusões.
ii. Condenar os recorrentes no pagamento das custas processuais.
Coimbra, 07.11.2025.
Marco António de Aço e Borges