I – A modificação do regime de exercício das responsabilidades parentais apenas poderá ser judicialmente determinada quando se verifiquem fundamentos legalmente atendíveis que a justifiquem.
II – Tal modificação pressupõe, nomeadamente:
a) o incumprimento, por ambos os progenitores ou por terceiro a quem a criança tenha sido confiada, do regime em vigor que se pretende alterar; ou
b) a ocorrência de circunstâncias de facto supervenientes, sejam elas de índole objetiva — referentes a factos ulteriormente verificados à fixação do regime atual —, ou de índole subjetiva — respeitantes a factos anteriores, não ponderados à época por falta de alegação, desconhecimento ou outro motivo atendível —, que, projetando-se na causa de pedir, revelem que o regime existente deixou de garantir a prossecução do seu escopo primordial: a efetiva salvaguarda do interesse superior da criança.
III – A falta de alegação de factos concretos que integrem a causa de pedir no requerimento de alteração do regime de responsabilidades parentais constitui vício de ineptidão.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Recorrida: BB
Juiz Desembargador Relator: Emília Botelho Vaz
Juízes Desembargadores Adjuntos: Marco António de Aço e Borges
Cristina Neves
RELATÓRIO
AA intentou em 18/07/2023, por apenso, ação de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais relativas aos seus dois filhos menores, CC e DD.
Aquando da conferência de pais realizada em 6/12/2023, o Requerente veio desistir da instância, desistência essa homologada por sentença proferida naquela data e já transitada em julgado.
Em 5/11/2024 o progenitor AA, requereu a alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, alegando ( procede-se à transcrição):
“1. Em 18 de Julho de 2023, o requerente veio dar entrada do apenso de alteração da regulação das Responsabilidades Parentais relativas aos seus dois filhos menores, CC e DD, cfr. Requerimento com a referencia n.º 9940873, para o qual se remete.
2. Na data da conferencia de pais, o requerente veio a desistir da Instancia, cfr. Ata para a qual se remete.
3. Acontece porém, que à presente data, a situação do requente é diversa da anterior. Ou seja, o requerente entende ter reunidas as condições necessárias para requerer a
ALTERAÇÃO DO ACORDO SOBRE
O EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Devendo a guarda dos menores CC e DD, anteriormente atribuída à progenitora, aqui requerida, BB, residente na Rua ..., Bairro ..., ...- ..., passar a ser partilhada por ambos os progenitores, nos termos seguintes: (…)”
-
A progenitora BB, apresentou contestação à ação de alteração das responsabilidades parentais, invocando as exceções de “ Nulidade processual e Ineptidão da petição inicial”, concluindo pela procedência daquelas exceções dilatórias conducentes à sua absolvição da instância e, sem prescindir, pede a total improcedência da ação e a sua consequente absolvição do pedido.
-
O M.P., promoveu que: “ Não obstante as alegações da requerida, nada temos a opor que o requerimento apresentado pelo progenitor em 05/11/2024 seja autuado por apenso e ali juntas as alegações da requerida, designando-se data para realização da conferência de pais.”
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Por decisão proferida em 12/02/2025, o Tribunal de 1ª Instância indeferiu liminarmente a petição, constando essa decisão do seguinte teor:
(…).
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Não conformado com esta decisão, interpôs o A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
(…).
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O Ministério Público e a R. Recorrida contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
***
A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida nos próprios autos do apenso de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais e com efeito devolutivo.
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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.
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II – OBJETO DO RECURSO
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1 e 2, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam do conhecimento oficioso.
Acresce que o Tribunal ad quem também não pode conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas ou devessem ser objeto da decisão sob sindicância, pois os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. ( cfr. Abrantes Geraldes, Recurso no novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pag. 87).
Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objeto deste recurso, consistem em apurar se a decisão recorrida, ao indeferir liminarmente o pedido do Apelante para que se alterasse o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, com fundamento na manifesta improcedência desse pedido, por falta de alegação pelo Recorrente de quaisquer factos que determinem essa alteração, enforma de erro de direito, determinando a sua revogação.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para conhecer do objeto do presente recurso são os que constam do Relatório antecedente, que aqui se dão por reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O Recorrente no recurso interposto esgrime a ideia de que o Mmo Juiz a quo, deveria ter proferido despacho, a citar a progenitora dos menores, ali requerida, para a conferencia de pais a que alude o artigo n.º 3º do Artigo artº 42º da Lei nº 141/2015, de 8 de setembro (RGPTC), pelo que a apresentação do requerimento do ora recorrente, no qual este pedia a alteração das responsabilidades parentais dos seus dois filhos menores, só pode ter legalmente como consequência, a sua admissão e consequente citação para a conferência de pais.
Conclui dizendo que, ao decidir nos termos da sentença ora colocada em crise, o Mmo Juiz a quo, fez tábua rasa, do previsto no número 3º do Artigo artº 42º da Lei nº 141/2015, de 8 de setembro (RGPTC) e não podia desconhecer tal facto, porque dele tomou conhecimento em momento anterior a proferir a sentença ora em causa.
As questões versadas no presente recurso resumem-se a determinar quais os pressupostos legais de que depende a alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais, apreciando se o Requerente deu cumprimento a essas exigências.
A Regulação das Responsabilidades Parentais que o Apelante pretende ver alterada é a firmada em 6/12/2023 ( cfr. Facto acima consignado no Relatório: “ Aquando da conferência de pais realizada em 6/12/2023, o Requerente veio desistir da instância, desistência essa homologada por sentença proferida naquela data e já transitada em julgado”), onde se manteve a decisão anteriormente tomada ( face à referida desistência da instância do Recorrente inexistiu qualquer alteração ao regime das responsabilidades parentais que estava em vigor).
Prescreve o Art. 42º do do RGPTC que:
“1- Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2- O requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido e:
a) Se o regime tiver sido estabelecido por acordo extrajudicial, juntar ao requerimento:
i) Certidão do acordo, e do parecer do Ministério Público e da decisão a que se referem, respetivamente, os n.ºs 4 e 3 do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 122/2013, de 26 de agosto; ou
ii) Certidão do acordo e da sentença homologatória.
b) Se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro tribunal competente para conhecer da nova ação.
3- O requerido é citado, para no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente.
4- Junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente.
5- Caso contrário, o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35º a 40º.
6- Antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias”.
Então, nos termos do regime jurídico transcrito, o acordo ou a decisão final transitada em julgado reportados à regulação do exercício das responsabilidades parentais, podem ser sempre alterados a requerimento de qualquer um dos progenitores, de pessoa a quem a criança tenha sido confiada ou do Ministério Público, assente num dos fundamentos seguintes: 1) Incumprimento por ambos os pais ou pela terceira pessoa a quem a criança tenha sido confiada do acordo ou da decisão final, transitada em julgado, que esteja em vigor e que se pretende ver alterado; e/ou 2) a ocorrência de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o regime em vigor. São pressupostos do pedido de alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais (i) o incumprimento do acordo ou decisão final, por qualquer dos progenitores, e (ii) a ocorrência de circunstâncias de facto supervenientes que justifiquem essa alteração, quer se trate de superveniência objectiva (factos ocorridos posteriormente à decisão), quer superveniência subjectiva (factos anteriores não alegados por ignorância ou outro motivo ponderoso) – cfr. Ac. TRP 330/21.8T8GDM-D.P1, datado de 09-09-2024.
Efetivamente, nos processos de jurisdição voluntária a sentença neles proferida não é definitiva e imutável, mesmo após o trânsito em julgado, pois acomoda alterabilidades sempre que se verifique a modificação das circunstâncias de facto em que se fundou a decisão anteriormente proferida.
Conforme decorre do que referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, pág. 438 e do Ac. RE., 16/03/2006, Proc. 150/06-3, “Nos processos de jurisdição voluntária, as decisões, ao invés do que sucede nos outros tipos de processo, não são, após o seu trânsito em julgado, definitivas e imutáveis. Elas são alteráveis sempre que se alterem as circunstâncias em que se fundaram. Trata-se duma espécie de caso julgado, sujeito a uma cláusula “rebus sic standibus” ou seja, um caso julgado com efeitos temporalmente limitados. Mas desta especificidade da alterabilidade das resoluções nos processos de jurisdição voluntária, não decorre, porém, um menor valor, uma menor força ou menor eficácia da decisão. Na verdade, enquanto não for alterada nos termos e pela forma processualmente adequada, pelo tribunal competente, a decisão impõe-se tanto às partes, como a terceiros afetados pela mesma e até ao próprio tribunal – caso julgado material e formal – na medida em que proferida a decisão fica esgotado o poder jurisdicional, só podendo ser alterada nos termos prescritos na lei. Enquanto isso não suceder a decisão tem plena força do caso julgado material”.
Recapitulando, nos processos de jurisdição voluntária – v.g. pedido de alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais - as decisões tomadas podem ser objeto de revisão desde que ocorram factos supervenientes que justifiquem ou determinem tal alteração ( cfr. Arts. 12º do RGPTC e 988º, nº 1 do C.P.C.) ou desde que se verifique situação de incumprimento do regime estabelecido, sendo ónus do Requerente da alteração alegar e demonstrar os factos concretos que preencham o alegado ( nº 1 do Art. 42º do RGPTC e nº 1 do Art. 342º do Código Civil), sob pena de a sua pretensão improceder, sempre sob a égide do princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais que é o do interesse superior da criança e não o interesse dos progenitores.
Conforme exigência do nº 3 do Art. 42º mencionado, o Requerente no requerimento de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais, além de ter que formular o seu pedido nesse sentido, tem de invocar os fundamentos do mesmo, expondo os factos concretos que sustentam o pretendido e que integram a causa de pedir em que se alicerça o pedido de alteração, sendo que esses fundamentos apenas se podem estribar no incumprimento do acordo ou decisão final, por qualquer dos progenitores ou pela terceira pessoa a quem a criança foi confiada, e/ou a ocorrência de circunstâncias de facto supervenientes que justifiquem essa alteração, quer se trate de superveniência objetiva, quer superveniência subjetiva.
Numa ação de alteração de regulação das responsabilidades parentais a petição deve ser considerada inepta, por falta de causa de pedir, se não especificar as circunstâncias supervenientes que justificam a modificação do regime estabelecido anteriormente, ou o incumprimento do regime estabelecido, pois a ausência de factos essenciais impede a defesa do R..
Volvendo ao caso dos autos, emerge do requerimento apresentado pelo Requerente em 5/5/2024 que ali o Requerente não invocou quaisquer factos concretos aptos a preencherem os requisitos de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais relativos aos seus descendentes e elencados no art. 42º, nº 1 do RGPTC, porquanto não carreou qualquer factualidade que autorize concluir que algum dos progenitores esteja a desrespeitar o regime das responsabilidades parentais estabelecido e vigente e que pretenda ver alterado ( ao não alegar qualquer incumprimento) nem invoca quaisquer factos ( objetivos ou subjetivos, com o significado acima concretizado) supervenientes que determinem ou justifiquem a alteração do regime em vigor.
O Apelante argumenta que a guarda dos menores CC e DD anteriormente atribuída à progenitora, ora Requerida, deve passar a ser partilhada por ambos os progenitores, nos termos que sugere. Contudo, para justificar esta alteração não alega facto nenhum que o justifique, sendo que apenas o incumprimento do regime de responsabilidades parentais ou a ocorrência de circunstâncias supervenientes justifica a alteração da regulação em vigor.
Se bem atentarmos, o Apelante, no requerimento para alteração do acordo das responsabilidades, limita-se a escrever “ Acontece porém, que à presente data, a situação do requente é diversa da anterior. Ou seja, o requerente entende ter reunidas as condições necessárias para requerer ”, apresentando um texto que no seu entender deve formar o conteúdo do novo acordo. Acompanhamos pois o tribunal a quo quando conclui que “ Para fundamentar a sua pretensão, o Requerente nada alegou. Tendo-se limitado a propor um regime de residência alternada, sem alegar qualquer nenhum facto.”
De acordo com o plasmado no art. 186º, nº 2, al. al. a) do C. P. Civil, é inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, o que de acordo com o nº 1 do mesmo normativo acarreta a nulidade de todo o processo, devendo inclusivamente a mesma ser conhecida oficiosamente, em consentaneidade com os arts. 196º e 578º do mesmo diploma adjetivo.
O Recorrente não alinha qualquer facticidade de onde resulte a existência de qualquer incumprimento em relação ao acordo que pretende ver alterado e que compromete o mesmo, e/ou de onde decorra a existência de qualquer circunstância superveniente, quer objetiva quer subjetiva, que justifique ou demande a alteração que pretende.
Tendo por base que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto de onde emerge o direito que o autor alega e pretende fazer valer, o peticionado pelo Apelante tem que improceder, com base nos acertados considerandos alinhados na decisão da 1ª instância e acima transcrita, por falta de causa de pedir ( cfr. art.º 186º, n.º 2, alínea a) do CPC), por absoluta falta de alegação de factos aptos a integrar a causa de pedir, pois o Apelante não alegou os factos em que alicerça a sua pretensão, o que inviabiliza o conhecimento do mérito da causa.
Respigando o requerimento do Apelante resulta que o mesmo não alinhou factos concretos que sirvam de fundamento ao efeito jurídico pretendido pedido – alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais - e que corresponderia ao núcleo essencial tipicamente previsto como causa do efeito material que o Apelante pretende obter ( cfr. Arts. 186.º, 278.º, n.º 1, alínea b); 576.º, n.ºs 1 e 2; 577.º, alínea b) e 578.º todos do CPC.), o que determina a ineptidão da petição inicial por omissão de causa de pedir.
Em suma, o Requerente, não alega a concreta factualidade que motiva a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, isto é, não invoca a sua concreta causa de pedir, composta pelos factos relativos às circunstâncias que justifiquem o que peticiona, alicerçado em incumprimento ou em ocorrência de circunstâncias supervenientes em relação ao acordo em vigor, ao não invocar factos essenciais que constituam a pretensa causa de pedir, conforme exigência do Art. 5º, nº 1 do C.P.C.
Destarte, estamos perante um caso de ausência total de alegação de causa de pedir, consubstanciando essa falta vício de ineptidão do requerimento inicial, por falta de alegação da causa de pedir, pelo que nenhuma censura merece a decisão alvo de recurso.
***
V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente a apelação e, nessa medida, manter a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (artº 527, nº1, do C.P.C.).
Notifique.
***
Coimbra, 11/11/2025
SUMÁRIO ELABORADO E DA RESPONSABILIDADE DO RELATOR (ARTº 663, Nº7 DO C.P.C.)
SUMÁRIO:
(…).