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INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA PROVOCADA
CONVOLAÇÃO
Sumário
1- O incidente de intervenção principal pode ter lugar: i)- Por iniciativa de qualquer das partes primitivas (autor/réu) nas situações de preterição de litisconsórcio necessário (art. 316º/1 do CPC); ou, ii)- Por iniciativa do autor nos casos de litisconsórcio voluntário passivo ou de réu subsidiário - art. 39º- (art. 316º/2 do CPC); ou, iii)- Por iniciativa do réu: a)- Se o terceiro pudesse ter sido um litisconsorte voluntário inicial passivo e desde que, quem chama, mostre um interesse atendível na intervenção desse terceiro [art. 316º/3, al. a) do CPC]; b)- Ou se o terceiro pudesse ter sido litisconsorte voluntário inicial activo [art. 316º/3, al. b) do CPC]. 2- Não é admissível o incidente de intervenção principal do empreiteiro, deduzida pelos RR., dono da obra, em acção instaurada pela A., proprietária de prédio urbano contíguo, contra aqueles, para ressarcimento de danos causados na execução do contrato de empreitada. 3- O chamamento do interveniente acessório pressupõe: i)- A viabilidade da acção de regresso; e, ii) - A dependência das questões a decidir na causa principal. 4- Independentemente de quem os alegou, o que importa é que tenham sido trazidos ao processo os factos integradores daqueles dois requisitos: viabilidade da acção de regresso e, dependência desta acção de regresso das questões em discussão na causa principal em que o réu está a ser demandado e cuja perda dessa demanda lhe acarrete prejuízo que fundamente o direito de regresso. 5- O nº 3 do art. 193º do CPC regula o erro na qualificação jurídica e estabelece a regra da convolação pelo juiz da qualificação do meio processual. 6- Assim, se a parte tiver requerido, indevidamente, o incidente de intervenção principal numa situação em que se ajusta uma intervenção acessória, o juiz deve, ao abrigo do princípio da adequação formal convolar o incidente.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 – RELATÓRIO
AA, residente na Travessa ..., freguesia ..., ... ..., intentou, em 28-03-2025, contra BB e marido CC, residentes em ..., ..., ... e quando em Portugal no Caminho ..., freguesia ..., ... ..., a presente acção declarativa, sob a forma comum de processo[1], formulando o seu pedido nos seguintes termos: - (…) Deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e, em consequência, serem os Réus condenados a: a) Pagar à Autora a quantia de 4.920,00€ a titulo de custo da reparação dos danos sofridos no prédio id. em 1.º devido às obras levadas a cabo pelos Réus no seu prédio; b) Pagar à Autora a quantia de 350,00€ pela destruição dos bens, colchão e roupas de cama, devido à entrada de água no quarto causada pela realização das obras no prédio dos Réus; c) Pagar à Autora a quantia de 3.000,00€ a titulo de danos não patrimoniais acrescido de juros de mora desde a data da citação até efectivo pagamento; d) Condenados em custas e Procuradoria condigna.
Para sustento da sua pretensão, alega, em suma, que é proprietária de um prédio urbano, contíguo a uma propriedade dos RR., propriedade esta na qual os demandados realizaram obras de reconstrução. Durante a execução dos trabalhos e ao demolirem uma parede que confronta com o prédio da demandante, fizeram cair uma pedra da parede do prédio desta, provocando uma abertura nessa parede.
Acresce que, durante a reconstrução do prédio dos RR. e ao construírem a parede que iria suportar a cobertura, aqueles destruíram telhas da casa da A.
Em virtude das sobreditas incidências, o prédio da A. ficou exposto aos elementos, permitindo a entrada de água que provocou danos num dos quartos, na cozinha e na casa de banho, designadamente, na instalação elétrica e nas paredes e teto em gesso cartonado.
Os RR., através do empreiteiro contratado, solucionaram os danos provocados no telhado e na parede, permanecendo, contudo, os verificados nas paredes e tetos por onde entrou água, danos esses cuja reparação importará na quantia de 4.000,00 €, acrescida de I.V.A.
Ademais, com a entrada da água no quarto, as roupas de cama e colchão ficaram completamente destruídas, impondo a sua substituição um custo de 350,00 €.
Por fim e dada a ausência de condições de habitabilidade, a demandante e seus familiares veem-se privados de usufruir da casa, o que provoca na A. sentimentos de tristeza e angústia, devendo os RR. ser condenados no pagamento de quantia não inferior a 3.000,00 € a título de reparação por danos de natureza não patrimonial.
Regularmente citados, os RR. apresentaram contestação em 19-05-2025, referindo que as obras realizadas se contiveram nos limites da sua propriedade e sem que o empreiteiro tenha provocado quaisquer danos. Ainda assim, se algum dano foi provocado no prédio da impetrante, o mesmo ocorreu pela obra realizada pelo empreiteiro, sem autorização ou conhecimento dos RR., sendo que o empreiteiro se responsabilizou, perante os RR., por todos e quaisquer danos que a sua obra ou a do vizinho pudessem sofrer.
Em virtude do alegado concluem os RR. que se algo existir a reparar ou a indemnizar, é o empreiteiro que o deve fazer e não os aqui RR., pelo que, requerem a intervenção principal provocada para com os RR. se associar da Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª, com sede na Rua ..., ..., ..., freguesia ... ..., ... ..., devendo para o efeito ser citada para os termos da petição inicial e da contestação.
Ouvida a A. para os termos do nº 2 do art. 318º do CPC, nada disse a respeito do incidente de intervenção provocada.
No despacho saneador, relativamente a este incidente de intervenção principal, recaiu em 14-07-2025 despacho nos seguintes termos:
I – Do incidente de intervenção AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB e marido CC, formulando o seu pedido nos seguintes termos: - (…) Deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e, em consequência, serem os Réus condenados a: a) Pagar à Autora a quantia de 4.920,00€ a titulo de custo da reparação dos danos sofridos no prédio id. em 1.º devido às obras levadas a cabo pelos Réus no seu prédio; b) Pagar à Autora a quantia de 350,00€ pela destruição dos bens, colchão e roupas de cama, devido à entrada de água no quarto causada pela realização das obras no prédio dos Réus; c) Pagar à Autora a quantia de 3.000,00€ a titulo de danos não patrimoniais acrescido de juros de mora desde a data da citação até efectivo pagamento; d) Condenados em custas e Procuradoria condigna.
Para sustento da sua pretensão, alega, em suma, que é proprietária de um prédio urbano, contíguo a uma propriedade dos Réus, propriedade esta na qual os demandados realizaram obras de reconstrução. Durante a execução dos trabalhos e ao demolirem uma parede que confronta com o prédio da demandante, fizeram cair uma pedra da parede do prédio desta, provocando uma abertura nessa parede.
Acresce que, durante a reconstrução do prédio dos Réus e ao construírem a parede que iria suportar a cobertura, aqueles destruíram telhas da casa da Autora.
Em virtude das sobreditas incidências, o prédio da Autora ficou exposto aos elementos, permitindo a entrada de água que provocou danos num dos quartos, na cozinha e na casa de banho, designadamente, na instalação elétrica e nas paredes e teto em gesso cartonado.
Os Réus, através do empreiteiro contratado, solucionaram os danos provocados no telhado e na parede, permanecendo, contudo, os verificados nas paredes e tetos por onde entrou água, danos esses cuja reparação importará na quantia de 4.000,00 EUR, acrescida de I.V.A.
Ademais, com a entrada da água no quarto, as roupas de cama e colchão ficaram completamente destruídas, impondo a sua substituição um custo de 350,00 EUR.
Por fim e dada a ausência de condições de habitabilidade, a demandante e seus familiares veem-se privados de usufruir da casa, o que provoca na Autora sentimentos de tristeza e angústia, devendo os Réus ser condenados no pagamento de quantia não inferior a 3.000,00 EUR a título de reparação por danos de natureza não patrimonial.
Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação, referindo que as obras realizadas se contiveram nos limites da sua propriedade e sem que o empreiteiro tenha provocado quaisquer danos. Ainda assim, se algum dano foi provocado no prédio da impetrante, o mesmo ocorreu pela obra realizada pelo empreiteiro, sem autorização ou conhecimento dos Réus, sendo que o empreiteiro se responsabilizou, perante os Réus, por todos e quaisquer danos que a sua obra ou a do vizinho pudessem sofrer.
Em virtude do alegado concluem os Réus que se algo existir a reparar ou a indemnizar, é o empreiteiro que o deve fazer e não os aqui Réus, pelo que, requerem a intervenção principal provocada para com os Réus se associar da Sociedade Comercial EMP01... UNIPESSOAL, LDA., com o NIPC - ...20 e sede na Rua ..., ..., ..., freguesia ... ..., ... ..., devendo para o efeito ser citada para os termos da petição inicial e da contestação.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 260.º, do C.P.C. consagra o chamado princípio da estabilidade da instância.
De acordo com este preceito, citado o Réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei. A citação tem, pois, o efeito de fixar os elementos essenciais da ação. São eles: as partes, o pedido e a causa de pedir.
A lei processual reconhece, contudo, exceções a este princípio, prevendo-se no artigo 262.º, alínea b), do C.P.C., que a instância pode modificar-se, quanto às pessoas, em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros, nos quais se inclui o incidente de intervenção principal provocada que os Réus requerem.
Nas palavras de Salvador da Costa, a intervenção principal provocada consubstancia-se, em regra, no chamamento ao processo, por qualquer das partes, dos terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária, sobretudo em situações de litisconsórcio (in Os Incidentes da Instância, pág. 90).
Em conformidade com esse desiderato, o artigo 311.º, do C.P.C., que define o âmbito da intervenção principal espontânea e serve de referência à intervenção provocada, estabelece que, estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do Autor ou do Réu, nos termos dos artigos 32.º (litisconsórcio voluntário), 33.º (litisconsórcio necessário) e 34.º (ações que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges).
Por seu turno, nos termos do disposto no artigo 316.º, n.º 3, alíneas a) e b), do C.P.C., o chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do Réu quanto este mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida ou quando pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
Da análise conjugada dos preceitos que antecedem, resulta, desde logo, que a intervenção de terceiros é hoje aplicável, apenas, aos casos de litisconsórcio (seja voluntário ou necessário), ou seja, a mesma e única relação material controvertida tem uma pluralidade de partes, sendo certo que é à relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor no seu articulado (cf. artigo 30.º, n.º 3, do C.P.C.) que se deve atender para aferir se estamos ou não perante uma situação de litisconsórcio (vide acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31-10-2018, processo n.º 6360/17.7T8GMR-AUTORG1, in www.dgsi.pt).
Nos termos do n.º 2, do artigo 30.º, o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha, prevendo o seu n.º 3 que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Note-se, porém que, se a lei exigir a intervenção de vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer um deles será também motivo de ilegitimidade, sendo igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (cf. artigo 33.º, n.º 1, do C.P.C.).
Por outro lado, resulta igualmente destes preceitos ser pressuposto da admissibilidade da intervenção principal que o interveniente venha a juízo fazer valer um direito seu e um direito pelo qual pudesse, desde o início da causa, demandar ou ser demandado com a parte a quem pretende associar-se ou a que pretende ter como associado. Esse chamado pode apresentar articulados próprios (cf. artigo 314.º, do C.P.C.), sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em discussão (cf. artigo 320.º, do C.P.C.).
Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, exige a lei que o interveniente tenha um interesse igual ao da parte à qual pretende litisconsorciar-se (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 607).
Ainda no que diz respeito à intervenção de terceiros, diferentemente do que sucede na pretendida intervenção principal - em que o chamado irá ocupar, na lide, a posição de parte principal, ou seja a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio, podendo apresentar os seus articulados e sendo, a final, condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é (também) titular, formando-se caso julgado - na intervenção acessória o terceiro é chamado a assumir na lide uma posição com estatuto de assistente, circunscrevendo-se a sua intervenção à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento, sendo que, embora a sentença não aprecie a ação de regresso, constituirá caso julgado quanto às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, nos termos previstos no artigo 323.º, n.º 4, do C.P.C.
Acresce que, sobre a intervenção acessória, a sua admissibilidade pressupõe uma relação de conexão entre o objeto da ação pendente e o da futura ação de regresso (cf. artigo 322.º, n.º 2, in fine, do C.P.C.) o que ocorrerá quando o objeto da ação pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2003, proc.º n.º 10688/2002-6, disponível em www.dgsi.pt).
Revertendo as considerações expendidas ao caso concreto e vista a relação material controvertida tal como é configurada pela Autora na petição inicial, são titulares da mesma, apenas, a Autora e os Réus, fundando-se o pedido na atuação dos demandados geradora dos danos invocados e não acomodando, por esta via, a possibilidade de dedução do incidente convocado.
Ou seja, face à relação material controvertida, conforme se mostra delineada pela Autora, os responsáveis pela atuação ilícita, pela produção dos danos e pelo correspetivo ressarcimento são os Réus, não se identificando, por isso, qualquer situação de litisconsórcio necessário ou voluntário que habilite a intervenção principal requerida. A Autora não se manifestou desconhecedora da origem dos danos e dos seus responsáveis por forma a poder dirigir o pedido contra os donos da obra e, simultaneamente, contra o empreiteiro, assim como não convocou qualquer relação de comissão (cf. artigo 500.º, do C.C.) circunscrevendo essa responsabilidade aos demandados.
É que, como se disse, a admissibilidade da requerida intervenção principal deve ser analisada à luz da configuração dada à causa pela Autora e não sob a ótica e/ou configuração convocada, em contrapondo, pelos Réus. A circunstância de o(a) empreiteiro(a) ser o único(a) responsável pelos danos produzidos, de acordo com a narrativa dos demandados, prende-se com o mérito da causa e, consequentemente, com a legitimidade substantiva que, a confirmar-se, levará a uma absolvição dos demandados do(s) pedido(s) contra si formulado(s).
Acresce que, inexiste, também, fundamento para o chamamento sob o enfoque da intervenção acessória.
Como se referiu introdutoriamente, a finalidade do incidente de intervenção acessória provocada é o de dispensar o titular do direito de regresso de na ação a propor contra o chamado fazer a prova de que na demanda anterior tentou por todos os meios evitar a condenação, ou seja, não se destina, como pretendem os Réus, a impor ao chamado a condenação no cumprimento, perante a demandante, da obrigação - que, na ótica da Autora, impende diretamente sobre os Réus, carecendo a chamada de legitimidade para intervir como parte principal - mas, tão só, impor-lhe o efeito de caso julgado nos moldes assinalados, fazendo intervir um terceiro, sujeito duma relação jurídica exterior à invocada pela Autora como fundamento da ação, mas, na ótica dos Réus, conexa do ponto de vista contratual com esta e no fito de, ulteriormente, obter da chamada o reembolso do valor dos danos resultantes da perda da demanda, formando-se caso julgado relativamente às questões de que dependa a efetivação do direito de regresso.
A ser assim seria possível ao Tribunal, oficiosamente, convolar o especificamente requerido para o incidente de intervenção acessória provocada, privilegiando os aspetos de ordem substancial em detrimento das questões meramente formais.
Porém e para tanto, teriam os Réus de alegar os pressupostos do direito de regresso por forma a permitir-se a intervenção acessória da chamada empreiteira. É o que diretamente impõe o artigo 322.º do C.P.C.
Ora, no caso, os Réus não invocam a existência de um direito de regresso, proprio sensu. O que referem é que não são responsáveis por quaisquer danos que, a existirem, são da responsabilidade exclusiva da chamada. Mais do que um direito de regresso - e como já se referiu - pretende-se uma substituição dos putativos responsáveis o que, a verificar-se, deflui na improcedência da ação e não numa condenação de (co)responsáveis solidários com ulterior exercício do direito de regresso.
Em face do exposto, indefere-se a requerida intervenção.
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O valor do incidente corresponde ao valor da causa (cf. artigo 304.º, n.º 1, do C.P.C.).
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Custas pelos Requerentes, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal (cf. artigos 527.º, n.º 1 do C.P.C. e 7.º, n.º 4, do R.C.P. e tabela II anexa).
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Inconformados com essa decisão de 14-07-2025 que não admitiu a intervenção principal de Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª, vieram os RR. BB e marido CC interpor recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão que indeferiu a intervenção provocada do empreiteiro, deixando os Réus sem a participação do empreiteiro no litígio em que são demandados por danos alegadamente causados à Autora. 2. Os recorrentes, negam qualquer responsabilidade pelos prejuízos alegados e sustentam que, mesmo que haja danos, eles não lhes são imputáveis. 3. Alegam ainda que a obra que deu origem aos danos foi executada pelo empreiteiro sem a sua autorização, pelo que a haver responsabilidade a mesmo deveria recair exclusivamente sobre este. 4. Em sede de responsabilidade civil do empreiteiro, este será responsabilizado pelos danos sofridos por terceiro, se no decurso da sua atividade desrespeitar, ilicitamente e com culpa, direitos de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios (art. 483.º do Código Civil). 5. Tem sido defendido pela jurisprudência, que o empreiteiro, no contrato de empreitada celebrado com o proprietário ou possuidor do edifício ou obra, fica encarregue de conservar o edifício ou obra, e a lei presumirá a sua culpa – artigo 492º CC. 6. No entanto, nem sempre o empreiteiro responde diretamente pelos danos que provoca a terceiros, responsabilizando-se o dono da obra. 7. Caso se venha a entender haver responsabilidade solidária, qualquer um dos devedores está vinculado perante o credor a realizar a prestação integral. 8. Não entendemos que esse seja um dos casos, no entanto, e existindo a possibilidade em termos jurídicos, deverá ser aceite a intervenção. 9. Isto caso se adote a interpretação da satisfação integral por parte do dono da obra e respetivo ressarcimento pelo empreiteiro. 10. Se assim se determinar, estabelece o art. 524.º do CC que “o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos codevedores, na parte que a estes compete.” Deste modo, o dono da obra terá direito de regresso contra o empreiteiro, ou seja, tem direito a exigir do empreiteiro a parte que a este compete na responsabilidade pelos danos causados a terceiro. 11. Teriam de se verificar três requisitos para a responsabilização do empreiteiro: Serem procedentes os pedidos da recorrida; Decidir-se que as obras foram feitas a mando do dono da obra; Determinar a existência de uma responsabilidade solidária entre dono da obra e empreiteiro. 12. Defendemos que não está preenchido nenhum, no entanto, o julgador terá de triar o processo deixando em aberto todas as possibilidades, corolário do princípio “da mihi factum, dabo tibi ius”. 13. “O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito – iura novit curia – sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes”[2]. 14. Independentemente do recorrente referir ou não expressamente um eventual direito de regresso, alegou factos suficientes para o efeito.
Nestes termos, e ao abrigo do artigo 321º do código de processo civil, deverá ser a decisão proferida de indeferimento da intervenção revogada e substituída por decisão que defira o incidente, ASSIM SE FAZENDO A JÁ ACOSTUMADA JUSTIÇA!!!!
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Foram apresentadas contra-alegações pela A. AA, que se encontram finalizadas com a apresentação das seguintes conclusões:
1.º A relação material contravertida conforme se mostra delineada pela Autora/Recorrida, os responsáveis pela actuação ilícita, pela produção dos danos e pelo correspectivo ressarcimento são os Réus, não se identificando, por isso, qualquer situação de litisconsórcio necessário ou voluntário que habilite a intervenção principal requerida. 2.º A autora configurou a acção identificando a origem dos danos dos responsáveis pelos mesmos não dirigindo qualquer pedido contra o empreiteiro. 3.º Só circunscreveu a responsabilidade aos Réus. 4.º Na verdade se fizesse valer a vontade dos Réus estes seriam absolvidos dos pedidos formulados contra si. 5.º Ora, não é essa a forma como a Autora propôs e delineou a presente acção. 6.º Em nosso modesto entender, é inteiramente certo o que diz a Meritíssima Juiz “a quo” sob a finalidade do Incidente de Intervenção. 7.º Nem sequer se pode atender ao alegado pelos Réus sobre a responsabilidade solidária. 8.º Não é este o caso que foi objecto dos presentes autos.
Termos em que deve o presente Recurso ser julgado improcedente mantendo-se a Decisão Recorrida fazendo assim a costumada Justiça.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Assim, consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, estes pretendem que:
- se reaprecie o mérito da decisão relativa ao incidente de intervenção provocada, que deve ser revogada e substituída por decisão que defira o incidente.
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3 – OS FACTOS
Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Vejamos, então, a questão da reapreciação do mérito da decisão do incidente de intervenção provocada.
Entendem os recorrentes que a decisão relativa ao incidente de intervenção provocada deve ser revogada e substituída por decisão que defira o incidente. Isto porque, o julgador terá de triar o processo deixando em aberto todas as possibilidades, corolário do princípio “da mihi factum, dabo tibi ius”. “O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito – iura novit curia – sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes”. Independentemente do recorrente referir ou não expressamente um eventual direito de regresso, alegou factos suficientes para o efeito.
Quid iuris?
Ora, antecipando desde já a decisão, afigura-se-nos que a pretensão dos recorrentes merece acolhimento, não por ser admissível a intervenção principal da Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª, mas por oficiosamente se poder convolar o especificamente requerido para o incidente de intervenção acessória provocada, privilegiando os aspetos de ordem substancial em detrimento das questões meramente formais, como chegou a ser alvitrado na decisão recorrida.
Com efeito, como assertivamente se refere na decisão recorrida, o art. 260º do CPC consagra o chamado “princípio da estabilidade da instância”.
De acordo com esta norma, citado o R., a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei. A citação tem, pois, o efeito de fixar os elementos essenciais da acção, que são as partes, o pedido e a causa de pedir.
No que concerne à modificação das partes no processo, dita modificação subjectiva, o Código, no entanto, prevê as seguintes possibilidades:
- Chamamento do terceiro que falta para assegurar a legitimidade de alguma das partes [art. 261º do CPC];
- Substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio [al. a) do art. 262º do CPC];
- Incidentes da intervenção de terceiros [al. b) do art. 262º do CPC].
Aqui chegados, e relativamente à intervenção de terceiros, que é a situação que nos ocupa, a lei faz uma distinção essencial entre intervenção principal e intervenção acessória.
Na intervenção principal, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja, a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (art. 312º do CPC), podendo apresentar articulados próprios (art. 314º do CPC) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efectuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (art. 320º do CPC).
Na intervenção acessória, o terceiro é chamado a assumir na lide uma posição com estatuto de assistente (art. 323º/1 do CPC) e por isso a sua intervenção circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento (art. 321º/2 do CPC) e a sentença final não aprecia a acção de regresso mas constitui caso julgado às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, com as limitações do art. 332º do CPC (art. 323º/3 do CPC).
Em função destas consequências jurídicas da intervenção, é fácil de antever que a faculdade de requerer o chamamento depende obviamente da verificação das situações em que a lei processual o permite.
Assim, concretamente no que respeita à intervenção principal, que é regulada pelos arts. 311º a 320º do CPC, diz a mesma respeito à intervenção de um litisconsorte do autor ou do réu. Com efeito, o art. 311º delimita a intervenção principal a situações de litisconsórcio voluntário(art. 32º do CPC), necessário (art. 33º do CPC) ou de intervenção de ambos os cônjuges (art. 34º do CPC). Ou seja, a intervenção principalapenas pode ocorrer desde que o terceiro, parte não primitiva, pudesse ser parte na acção como litisconsorte voluntário ou necessário.
Especificamente no que respeita à intervenção principal provocada, o art. 316º/1 tem como pressuposto a preterição de litisconsórcio necessário; ou seja, o 316º/1 permite que o autor ou o réu promovam a intervenção de um terceiro cuja presença na lide é imposta pelo litisconsórcio necessário, o mesmo é dizer, quando a lei ou o contrato, ou o objecto do processo exige a presença do preterido, no litígio.
Já o nº 2 do art. 316º regula o âmbito da intervenção principal provocada no caso de litisconsórcio voluntário; neste caso, a intervenção só pode ser da iniciativa do autor (ou reconvinte) e apenas quanto a um litisconsorte do réu (ou reconvindo) (art. 32º) ou quanto a um litisconsorte subsidiário (art. 39º).
Finalmente, segundo o art. 316º/3, para que a intervenção principal do terceiro possa ser promovida pelo réu, é essencial que o terceiro pudesse ter sido um litisconsorte inicial voluntário dessa parte [nº 3, al. a)], ou do autor [nº 3, al. b)]. Além de o chamado ter de ser alguém que se pudesse ter litisconsorciado com o réu que requer o chamamento, é ainda imposto que este réu mostre um “interesse atendível” na intervenção desse terceiro.
Portanto, em síntese: a intervenção principal provocada pode ocorrer:
i)- Por iniciativa de qualquer das partes primitivas (autor/réu) nas situações de preterição de litisconsórcio necessário (art. 316º/1); ou,
ii)- Por iniciativa do autor nos casos de litisconsórcio voluntário passivo ou de réu subsidiário - art. 39º- (art. 316º/2); ou,
iii)- Por iniciativa do réu:
a)- Se o terceiro pudesse ter sido um litisconsorte voluntário inicial passivo e desde que, quem chama, mostre um interesse atendível na intervenção desse terceiro [art. 316º/3, al. a)];
b)- Ou se o terceiro pudesse ter sido litisconsorte voluntário inicial activo [art. 316º/3, al. b)].
No caso dos autos, o incidente de intervenção principal da Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª foi deduzido pelos RR.
Está, por isso, fora de questão o potencial âmbito de aplicação do art. 316º/2 do CPC.
A ser assim, a intervenção principal da Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª, deduzida pelos RR., apenas pode ter lugar se, em relação a ela, se verificasse uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário.
Vejamos.
De acordo com o art. 33º do CC, litisconsórcio necessário é aquele em que, por exigência da lei, de negócio jurídico, ou da própria natureza da relação jurídica, todos os interessados têm de estar em juízo e, por isso, devem demandar ou ser demandados, sob pena de ilegitimidade dos demandantes ou dos demandados presentes na acção.
Fala-se, por isso, em litisconsórcio necessário legal quando é alguma disposição da lei exige a presença em juízo de todos os interessados sob pena de ilegitimidade.
O litisconsórcio necessário convencional verifica-se, como o próprio nome indica, quando é convencionada a exigência de todos os interessados estarem em juízo.
Por sua vez, pensa-se em litisconsórcio necessário natural quando a decisão proferida em relação a apenas alguns dos interessados não possa ser uma decisão definitiva por poder ser contrariada por uma decisão obtida pelos interessados que não foram partes na causa[3].
No caso dos autos, a lei não exige – e de resto os RR. não indicam preceito legal que o imponha – a presença da Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª na acção. Não há, em relação à Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª, litisconsórcio necessário legal.
O mesmo se diga em relação ao litisconsórcio necessário convencional: não vem invocado que haja sido acordada a exigência da presença da Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª em juízo nos litígios entre o dono da obra e o empreiteiro. Não é indicada qualquer cláusula contratual ou acordo nesse sentido (na qual, de resto, a Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª teria de participar).
Finalmente, não se vislumbra que a solução definitiva do litígio entre a A. e os RR., apenas fique definitivamente decidida com a presença do empreiteiro na acção. O mesmo é dizer que não se verifica um caso de litisconsórcio necessário natural.
Não existe, portanto, na relação material em litígio, uma situação de litisconsórcio necessário entre os RR. e a Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª.
E quanto ao litisconsórcio voluntário?
Fala-se em litisconsórcio voluntário, nos termos do art. 32º do CPC, quando a própria relação jurídica envolve ou diz respeito a várias pessoas e a decisão judicial do litígio pode ter lugar em presença de todos os interessados. “(…) o litisconsórcio voluntário pressupõe algo comum entre os litisconsortes. Este elemento é, no caso do nº 1, uma obrigação conjunta ou parciária e, na hipótese do nº 2, uma situação substantiva que atribui a cada um dos titulares uma legitimidade concorrente.”[4]. O litisconsórcio voluntário é sempre admissível, ou seja, é sempre possível a presença de todos os interessados em juízo. Refere-se a situações de obrigações plurais, ou seja, de obrigações com mais de um sujeito, sejam obrigações solidárias, obrigações conjuntas e obrigações parciárias, ou de obrigações indivisíveis.
No caso em apreço existirá responsabilidade solidária entre a Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª e os RR., perante a A., relativamente à reparação dos danos e indemnização pelos mesmos? Afigura-se-nos que não, não se verificando uma situação litisconsorcial inicial entre os RR., dono da obra e o empreiteiro.
De resto, a faculdade de optar por demandar, simultaneamente, o empreiteiro e o dono da obra, ou apenas um deles, pertence, exclusivamente, à A. E também somente a A. tem a legitimidade para nos termos do art. 316º/2 do CPC, deduzir incidente de intervenção principal provocada de litisconsorte voluntário passivo ou de réu subsidiário. E no caso, a A. optou por não demandar o empreiteiro.
Igualmente, não é aplicável à situação dos autos a previsão do art. 317º do CPC, relativo à efectivação do direito de regresso sobre a Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª.
Na verdade, este preceito, art. 317º/1 do CPC diz respeito à intervenção principal provocada entre co-devedores solidários, ou seja, co-devedores cuja responsabilidade seja solidária quer por virtude da lei ou de negócio jurídico.
Além disso, o exercício do direito de regresso referido no art. 317º/1 não se confunde com a acção de regresso a que se reporta o art. 321º/1 do CPC que “(…)foi gizado para o caso em que exista uma relação de dependência entre a condenação do réu ao abrigo de uma determinada relação jurídica e o exercício do direito de regresso sustentado noutra relação jurídica.”[5].
A esta vista, resta concluir como decidiu a 1ª instância: não é admissível o incidente de intervenção principal (provocada) do empreiteiro Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª.
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Vejamos, agora, da possibilidade de oficiosamente se poder convolar o especificamente requerido para o incidente de intervenção acessória provocada, privilegiando os aspetos de ordem substancial em detrimento das questões meramente formais, tal como chegou a ser avaliado na decisão recorrida. Ou seja, da admissibilidade da intervenção acessória do empreiteiro Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª, para os RR. poderem exercer, contra ele, acção de regresso. Ou se a 1ª instância deveria ter convidado os RR./requerentes a suprir qualquer insuficiência ou imprecisão de facto que entendesse existir no incidente de intervenção deduzido.
O incidente de intervenção acessória regula a intervenção, como o próprio nome indica, de uma parte acessória.
A parte acessória assume a posição de auxiliar de uma parte principal (arts. 328º/1 e 323º do CPC) ficando a sua actividade processual subordinada à da parte principal auxiliada, a ponto de, a haver divergência entre ambas, prevalecer a vontade daquela.
Não sendo parte na acção, a parte acessória não pode nela ser condenada nem absolvida.
O incidente de intervenção acessória apenas pode ser deduzido pelo réu, visto que visa obter decisão que possa repercutir-se na acção de regresso no caso de condenação do réu.
Como decorre do art. 322º/2, o juiz defere o chamamento se “(…)se convença da viabilidade da acção de regresso e da efectiva dependência das questões a decidir na causa principal”.
Portanto, o chamamento do interveniente acessório pressupõe:
i)- a viabilidade da acção de regresso e,
ii) - a dependência das questões a decidir na causa principal.
“O réu tem o ónus de justificar o interesse que legitima o incidente, ou seja, tem o ónus de alegar factos dos quais decorre o seu direito de regresso perante terceiro (nº 1)”[6]. Ou seja, “(…) não basta a invocação de um putativo direito de regresso, devendo este configurar-se a partir dos factos que forem invocados respeitantes à relação jurídica conexa.”[7]. Ou dito de outro modo, “(…) deve demonstrar o seu interesse objectivo no chamamento, ou seja, deve invocar factualidade integrante da relação jurídica conexa com aquela que é discutida na acção e do prejuízo que lhe resultará da perda da demanda.”[8].
Ao dizer-se que o réu tem o ónus de alegar (i) a viabilidade da acção de regresso e (ii) da conexão/dependência dessa acção de regresso das questões a decidir na causa principal, quer significar-se, apenas isso: que o réu está sujeito à consequência de não se invocarem no processo os factos que levem ao convencimento, perfunctório, do juiz, sobre aquela viabilidade e aquela conexão. Convencimento perfunctório em face da apreciação da factualidade trazida ao processo e não da factualidade provada porque, o incidente de intervenção acessória não tem prevista a produção de prova.
Significa isso que a factualidade relevante para aferir da viabilidade da acção de regresso e da conexão entre a causa principal e aquele direito de regresso, não tenha de ser, exclusiva e necessariamente alegada, rectius, trazida ao processo, pela parte onerada com o ónus da alegação do facto.
Independentemente de quem os alegou, o que importa é que tenham sido trazidos ao processo os factos integradores daqueles dois requisitos: viabilidade da acção de regresso e, dependência desta acção de regresso das questões em discussão na causa principal em que o réu está a ser demandado e cuja perda dessa demanda lhe acarrete prejuízo que fundamente o direito de regresso. É o que resulta do princípio da aquisição processual: o tribunal deve conhecer de todos os factos independentemente de eles serem favoráveis ou desfavoráveis à parte que os alegou em juízo[9].
Dito isto, voltemos ao caso dos autos.
Vem alegado no processo que a A.é proprietária de um prédio urbano, contíguo a uma propriedade dos RR., propriedade esta na qual os demandados realizaram obras de reconstrução. Durante a execução dos trabalhos e ao demolirem uma parede que confronta com o prédio da demandante, fizeram cair uma pedra da parede do prédio desta, provocando uma abertura nessa parede. Acresce que, durante a reconstrução do prédio dos RR. e ao construírem a parede que iria suportar a cobertura, aqueles destruíram telhas da casa da A. Em virtude das sobreditas incidências, o prédio da A. ficou exposto aos elementos, permitindo a entrada de água que provocou danos num dos quartos, na cozinha e na casa de banho, designadamente, na instalação elétrica e nas paredes e teto em gesso cartonado. Os RR., através do empreiteiro contratado, solucionaram os danos provocados no telhado e na parede, permanecendo, contudo, os verificados nas paredes e tetos por onde entrou água, danos esses cuja reparação importará na quantia de 4.000,00 €, acrescida de I.V.A. Ademais, com a entrada da água no quarto, as roupas de cama e colchão ficaram completamente destruídas, impondo a sua substituição um custo de 350,00 €. Por fim e dada a ausência de condições de habitabilidade, a demandante e seus familiares veem-se privados de usufruir da casa, o que provoca na A. sentimentos de tristeza e angústia, devendo os RR. ser condenados no pagamento de quantia não inferior a 3.000,00 € a título de reparação por danos de natureza não patrimonial. Sendo pedida a condenação dos RR. a: a) Pagar à Autora a quantia de 4.920,00€ a titulo de custo da reparação dos danos sofridos no prédio id. em 1.º devido às obras levadas a cabo pelos Réus no seu prédio; b) Pagar à Autora a quantia de 350,00€ pela destruição dos bens, colchão e roupas de cama, devido à entrada de água no quarto causada pela realização das obras no prédio dos Réus; c) Pagar à Autora a quantia de 3.000,00€ a titulo de danos não patrimoniais acrescido de juros de mora desde a data da citação até efectivo pagamento; d) Condenados em custas e Procuradoria condigna. Mais vem alegado que as obras realizadas se contiveram nos limites da propriedade dos RR. e sem que o empreiteiro - aSociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª - tenha provocado quaisquer danos. Ainda assim, se algum dano foi provocado no prédio da impetrante, o mesmo ocorreu pela obra realizada pelo empreiteiro, sem autorização ou conhecimento dos RR., sendo que o empreiteiro se responsabilizou, perante os RR., por todos e quaisquer danos que a sua obra ou a do vizinho pudessem sofrer. Logo, se algo existir a reparar ou a indemnizar, é o empreiteiro que o deve fazer e não os aqui RR.
Como nos parece evidente, a procedência desta acção causa “prejuízo” aos RR.: respondem, perante a A., pelas pretensões ressarcitórias deduzidas.
Ora, atenta a relação de empreitada entre os RR. e a Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª, a provarem-se os danos e prejuízos invocados, o dono da obra, RR., podem ter direitos sobre o empreiteiro: indemnização prevista nos arts. 493º e 1223º do CC. O mesmo é reconhecer que os RR. têm direito de regresso sobre a Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª.
Por outro lado, as questões que se discutem nesta acção – danos no prédio e em bens da A., bem como reparação/indemnização pelos prejuízos causados – estarão conexionadas com os fundamentos da acção de regresso: os mesmos danos resultantes da obra que aqui possam levar à condenação dos RR., serão os que fundamentarão a acção de regresso contra a Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª.
Como assim, entendemos estarem vertidos, no processo, os factos que possibilitam um juízo, perfunctório, sobre a viabilidade da acção de regresso e, sobre a dependência desta acção de regresso das questões em discussão nesta causa principal.
O mesmo é dizer que estão indiciados os requisitos que facultam aos RR. a dedução do incidente de intervenção acessória da Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª.
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Finalmente, quanto à questão da convolação do incidente, pretendem os RR./apelantes que se convole o incidente de intervenção principal em incidente de intervenção acessória.
Vejamos.
De acordo com o art. 193º/3 do CPC, o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.
Este nº 3 do art. 193º regula o erro na qualificação jurídica e estabelece a regra da convolação pelo juiz da qualificação do meio processual.
O sentido desta norma, de resto expressamente introduzida pela Reforma Processual Civil de 2013, é claro: evitar que, por meras razões de índole formal, deixe de se apreciar uma pretensão deduzida em juízo.
Pois bem, um dos campos de aplicação deste dever de convolação do erro de qualificação jurídica tem tido lugar em sede de incidentes de intervenções de terceiros. Assim, “(…) se a parte tiver requerido, indevidamente, o incidente de intervenção principal numa situação em que se ajusta uma intervenção acessória, o juiz deve, ao abrigo do princípio da adequação formal convolar o incidente.”[10].
Na jurisprudência, neste sentido, podem ver-se, entre outros: Acs. do TRL de 20-10-2016, de 02-12-2008 e de 23-01-2025, respectivamente in Procs. nºs 5000/15, 6533/2008-I e 29040/23.0T8LSB-A.L1-6; Ac. do TRP de 15-12-2021, in Proc. nº 27/21.9T8ESP-A.P1 e Ac. do TRG de 22-06-2023, in Proc. nº 4420/22.1T8BRG.1.G1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
À luz desta jurisprudência e daquela doutrina e, em face dos argumentos expostos relativos à verificação dos requisitos de admissibilidade do incidente de intervenção acessória, entendemos que a 1ª instância devia ter convolado o incidente de intervenção principal para incidente de intervenção acessória do empreiteiro Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª.
Como assim, o recurso procede, revogando-se a decisão sob impugnação e convolando-se o incidente de intervenção do terceiro, Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª, em intervenção acessória.
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4 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 do CPC)
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5 – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos RR. BB e marido CC e, consequentemente, revogam a decisão sob impugnação e, convolando o incidente, admitem a intervenção acessória do empreiteiro, Sociedade Comercial EMP01... Unipessoal, Ldª, devendo a 1ª instância proceder à respectiva citação nos termos do art.º 328º do CPC, seguindo-se os posteriores termos.
Custas, na 1ª instância e na instância de recurso, pela A. que decaiu no incidente.
Notifique.
[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, ... - JL Cível [2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2011 em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-
/F462157142267EE180257921004C5D7A#:~:text=Sum%C3%A1rio%20%3A%20I%20,que%20atinam%20
com%20a%20configura%C3%A7%C3%A3o [3] Sobre situações de litisconsórcio necessário natural veja-se Teixeira de Sousa, in CPC Online, anotação 5 ao art. 33º, Blog do IPPC, consultado nesta data. [4] Vd. Teixeira de Sousa, in CPC online, anotação 1 ao art. 32º, Blog do IPPC, consultado nesta data do acórdão. [5] Vd. Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 390, anotação 3 ao art. 321º. [6] Vd. Teixeira de Sousa, CPC Online, Blog do IPPC, anotação 2 ao art. 322º. [7] Vd. Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado, I. vol., cit., pág. 395, anotação 2. [8] Vd. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 11ª edição, 2020, pág. 108. [9] Cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 174. [10] Vd. Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 391 anotação 6.