REMUNERAÇÃO DO ENCARREGADO DA VENDA
ADJUDICAÇÃO DO BEM AO EXEQUENTE
DESPESAS DE TRANSPORTE
JUROS MORATÓRIOS
Sumário

I – A encarregada da venda tem direito à remuneração, a fixar pelo Tribunal, nos termos definidos pelo art. 17º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais, acrescida das despesas de transporte justificadas e comprovadas, pelas diligências desenvolvidas com vista à concretização da venda por negociação particular de imóvel penhorado.
II – Essa remuneração é devida ainda que a venda não venha a ocorrer por facto que não lhe seja imputável, como sucede no caso em que o bem é adjudicado ao exequente.
III – Sobre os referidos montantes fixados não são devidos juros moratórios.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Relator: Marco António de Aço e Borges
1.º Adjunto: Hugo Meireles
2º Adjunto: Emília Botelho Vaz

Acordam os Juízes na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Recorrente: A..., S.A.

Recorrido: Banco 1..., S.A.


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A..., S.A., ora recorrente, interveniente acidental nos autos de execução acima identificados em que são exequente Banco 1..., S.A. e executados AA, BB e CC, todos melhor identificados nos autos, veio requerer, na qualidade de encarregada da venda (designada para proceder às diligências para negociação particular de imóvel penhorado nos autos), a título de remuneração pelos serviços e atividade prestada e desenvolvida nos autos, o pagamento do valor global de €7.034,27 (req.ºs de 23.07.2024 e de 13.09.2024), correspondente às seguintes quantias parcelares: €1.345.74 a título de custos suportados com viatura em deslocações ao local dos penhorados para venda; €3.864,67 a título de honorários devidos à encarregada da venda pelos serviços prestados; e €2.823,86 a título de juros de mora.

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O valor da execução, fixado nos autos, é de €83.174,14 – vd. despacho de 10.04.2025.

Em 18.05.2012 foi penhorado nos autos o imóvel identificado no respectivo auto [Fracção N do prédio urbano sito em Rua ..., Bairro ..., ... ..., descrito na C.R.P. ... sob o n.º ...69, fração ..., freguesia ... (DD), concelho ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o n.º...48] – ref.ª citius n.º 1006137.

Em 12.12.2013, por ausência de propostas em carta fechada, o agente de execução designou a recorrente encarregada da venda por negociação particular do imóvel penhorado nos autos (ref.ª citius n.º 1303797).

Em 20.03.2014 o exequente apresentou proposta para, em adjudicação, adquirir o imóvel penhorado nos autos (ref.ª citius n.º 1364956).

Em 13.05.2015 foi dado conhecimento à encarregada da venda a proposta do exequente para adquirir o imóvel (ref.ª citius n.º 1228615).

Em 21.11.2017 o imóvel penhorado foi adjudicado ao exequente pelo valor de €46.580,00 (ref.ªs citius n.º 4343394 e 4524400).


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Por despacho proferido em 17.09.2024 pelo tribunal a quo, foi desatendida a pretensão da recorrente em ser-lhe pago o referido montante de €7.034,27, com fundamento no esgotamento do poder jurisdicional, nos termos do art. 613º-1-3 do CPC.

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Deste despacho foi interposto recurso (req.º de 07.10.2024), vindo o Tribunal desta Relação, por decisão de 18.02.2025, a revogar a decisão recorrida e a ordenar o Tribunal recorrido a pronunciar-se sobre os requerimentos apresentados pela apelante referentes à retribuição e compensação de despesas.

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Dando-se cumprimento ao ordenado, o Tribunal recorrido proferiu em 10.04.2025 a decisão que a seguir se transcreve:

“(…) passo a proferir decisão a fixar a remuneração devida à encarregada da venda: (…) A encarregada da venda veio requerer que lhe seja pago o montante de € 7.034,27, sendo:

- € 1.345.74 a título de custos suportados com viatura em deslocações ao local dos penhorados para venda;

- € 3.864,67, a título de honorários devidos à encarregada da venda pelos serviços prestados, nos termos do artigo 17.º, n.º 4, do RCP;

- € 2.823,86, a título de juros de mora.

O exequente não se pronunciou. Compulsados os autos, verifico que:

- a A..., S.A. foi nomeada encarregada da venda pelo Agente de Execução em 12- 12-2013;

- em 24-10-2017, o imóvel penhorado foi adjudicado ao exequente pelo valor de €46.580;

- o valor da execução é de € 83.174,14.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 17.º do RCP que: “2 – A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento. (…) 6 – Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal”.

Quanto aos liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial, estabelece a Tabela IV do RCP que a remuneração por serviço/deslocação é de 1/255UC (quilómetro) + até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior. Vejamos então.

No que às despesas de deslocação diz respeito, entendemos que as mesmas não são devidas, na medida em que a encarregada da venda não as comprovou. Com efeito, desconhece-se a razão que motivou as deslocações invocadas e os recibos de portagens juntos não demonstram que as viagens efetuadas tenham alguma relação com o imóvel penhorado. Note-se que a encarregada da venda pretende ser remunerada por 7 deslocações (no valor de quase € 200 cada uma), sem indicar o motivo de tais deslocações e sendo certo que o imóvel não foi vendido graças à atividade da encarregada da venda, uma vez que foi adjudicado ao exequente. Acresce que também não foi demonstrado não ter sido disponibilizado transporte pelas partes, conforme dispõe o artigo 17.º, n.º 6, do RCP.

Quanto aos honorários devidos, entendemos, face ao que estabelece tal normativo, bem como a Tabela IV do RCP, que a encarregada da venda tem direito a receber até 5% do valor do bem vendido (por esse ser inferior ao valor da causa). Tendo em conta que a encarregada da venda desempenhou tais funções durante cerca de quatro anos e que o imóvel acabou por ser adjudicado ao exequente pelo valor de € 46.580, entendemos que a remuneração deve ser fixada em 3% desse valor, o que ascende a € 1.397,4.

Por último, entendemos não serem devidos quaisquer juros, uma vez que resulta expressamente do artigo 17.º, n.º 6, do RCP que os honorários do encarregado da venda carecem de ser fixados, não podendo ser o próprio a determinar o seu montante e a data de vencimento através da emissão de fatura. Face ao exposto, fixo a remuneração da encarregada da venda em € 1.397,4. Notifique.


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É este o despacho recorrido.

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Das Alegações

Desta decisão veio a apelante interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões que a seguir se transcrevem:

(…).


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O recurso foi admitido.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II – Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo se a lei o permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cf. art.s 608º-2, 635º-4 e 639º do Código de Processo Civil, doravante CPC).

As questões a decidir que delimitam o objeto deste recurso, visam apurar:
i. se a recorrente, na qualidade de encarregada da venda, tem direito a receber, a título de remuneração pela sua atividade no processo executivo, a quantia correspondente a 5% sobre o valor da adjudicação - €46.580,00 - do imóvel penhorado;
ii. se a recorrente tem direito a receber os montantes reclamados a título de despesas no montante global de €7.034,27 que alega ter suportado pela atividade como encarregada da venda;
iii. se a recorrente tem direito a receber a quantia reclamada a título de juros contabilizados sobre as quantias acima referidas.


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III - Os factos

Os factos com interesse para a decisão da causa e a levar em consideração são as ocorrências processuais delimitadas no relatório que antecede e os que decorrem do teor do despacho recorrido posto em crise, tudo aqui dado por reproduzido.

IV – Fundamentação

No âmbito da fase da venda executiva, a negociação particular corresponde a uma das modalidades da venda prevista na lei, uma vez verificados determinados pressupostos (art.s 832º e 833º do CPC).

Para o efeito, quando se avance para a modalidade de venda por negociação particular, nomeadamente nos casos em que se frustre a venda por propostas em carta fechada (cf. art. 832º-d) do CPC), é designado um encarregado da venda que passa a ser a pessoa que, investida na qualidade de mandatário, fica incumbida de a efetuar (art. 833º-1 do CPC).

Deixando a lei de prever o antigo despacho ordenatório da venda, passou o encarregado da venda, portanto, a ficar sujeito ao regime do mandato com representação em tudo o que lhe for aplicável (cf. art. 1178º do C. Civil), sendo certo, em todo o caso, que os poderes de mandatário em que fica investido, derivam do Tribunal, ainda que por intermédio do agente de execução na veste de elemento auxiliar de justiça – cf. Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes, Isabel Alexandre, Código de Processo civil Anotado, vol. 3, 3ª Ed., Almedina, 2022, pp. 808-9 e Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, p. 550. Precisando, com perspicácia, que os referidos poderes equiparados ao mandatário não resultam de nenhum contrato de mandato stricto sensu, mas de uma designação da entidade como encarregada da venda, nos termos legais, vd. o Ac. da RE de 24.02.2022, rel. José Lúcio, proc. n.º 4815/10.3TBSTB-F.E1; este aresto salienta, de resto, que a matéria da remuneração e pagamento de despesas não é, bem vistas as coisas, uma questão contratual, pois não depende de qualquer acordo entre particulares emergente do âmbito da autonomia privada, mas está regulada imperativamente na lei e tem de ser objeto de decisão judicial em face dos critérios legalmente fixados de modo imperativo. Ou seja: é precisamente porque o legislador prescreve que o encarregado da venda age no exercício da sua atividade como mandatário que ele não é um mandatário, mas um mero auxiliar da justiça; caso contrário não seria necessária essa disposição legal - o art. 833º-1 do CPC. De modo que, caso exista uma contratação, por exemplo por parte de um administrador de insolvência, de uma leiloeira para o auxiliar na venda extrajudicial, a remuneração dessa entidade não deixará de observar a disciplina estabelecida no RCP, de jeito que, sendo estranho a essa contratação o julgador, então as despesas realizadas por essa leiloeira correm por conta e responsabilidade do administrador da insolvência que a contratou: assim, o Ac. da RE de 05.10.2020, rel. Rui Moura, proc. n.º 1223/15.3T8STR-L.E1.


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É sobre o agente de execução que, optando pela venda por negociação particular, recai o encargo de designar o encarregado da venda, uma vez que, no recorte legal, o juiz deixou de ter, desde o DL n.º 38/2003, de 08-03 intervenção na determinação da modalidade da venda por negociação particular, a não ser com fundamento em urgência (art. 832º-c) do CPC) – cf., sobre o ponto, Lebre de Freitas et alli, Código de Processo civil Anotado, vol. 3, cit., pp. 806-807.

Este cargo pode recair sobre o agente de execução, no caso de acordo de todos os credores e sem oposição do executado ou, na falta de acordo ou havendo oposição, por determinação do juiz do processo (art. 833º-2 do CPC).

Não se verificando os pressupostos acima indicados e para o caso da venda de imóveis é preferencialmente designado mediador oficial (art. 833º-3 do CPC).

Pela atividade desenvolvida pelo encarregado da venda, isto é, pelas diligências que levar a cabo com vista à venda do bem penhorado, é devida remuneração, acrescida do pagamento das despesas que se justifiquem. Estes montantes integram o conceito legal de encargos do processo (art. 16º-1-h)-i) do RCP) entrando na conta de custas de parte (art. 24º-2 do RCP).


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Prescreve o art. 17º do Regulamento das Custas Processuais (doravante: RCP), sob a epígrafe “Remunerações fixas” o seguinte:

1 - As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.

2 - A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 – (…)

4 - A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela iv, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.

5 – (…)

6 - Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.

7 – (…)”.

Por seu turno, considerando o que se prevê na Tabela IV anexa ao RCP, para a qual remete a norma acima citada, é de concluir, portanto, que a encarregada da venda tem direito a auferir, a título de remuneração por serviço/deslocação o correspondente a 1/255 UC por quilómetro, a que acresce o valor correspondente até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.

É, portanto, de concluir que a remuneração do encarregado da venda, bem como o reembolso de despesas realizadas no exercício dessa função, obedecem necessariamente ao disposto no Regulamento das Custas Processuais – cf. neste sentido, o citado Ac. o Ac. da RE de 24.02.2022, rel. José Lúcio, proc. n.º 4815/10.3TBSTB-F.E1.

Cabe ao juiz e não ao agente de execução a competência para decidir quanto à remuneração da encarregada da venda em ação executiva nos termos e com os limites acima referidos – cf., nestes termos, o Ac. da RL de 24.01.2023, rel. Carlos Oliveira, proc. n.º 902/14.7TBCSC-B.L1-7; e  o Ac. da RL de 23.01.2024, rel. Vítor Amaral, proc. 771/10.6TBACB-A.C1.

A encarregada da venda tem direito à referida remuneração, a fixar pelo tribunal, nos termos do citado art. 17º do RCP, direito esse que radica no conjunto das diligências por si desenvolvidas em vista à concretização da venda do bem penhorado, independentemente da sua realização, por motivos que lhe sejam alheios ou não imputáveis, como é o caso, por exemplo, do bem vir a ser adjudicado ao exequente, um dos modos de pagamento, total ou parcial, da quantia exequenda – cf. art.s 795º-1 e 799º-1; cf. o Ac. da RC de 12.11.2024, rel. Fonte Ramos, proc. n.º 813/12.0TJCBR.C1 e o Ac. da RE de 28.03.2019, rel. Tomé Ramião, proc. n.º 525/13.8TBLLE.E1. No Ac. da RL de 07.11.2024, rel. João Brasão, proc. n.º 2727/09.2TBALM.L1-6 analisou-se o caso de bem penhorado que não chegou a ser vendido por ter cessado a sua atividade por iniciativa do agente de execução sem que houvesse justa causa na destituição por este efetivada, circunstância que foi considerada como não imputável à encarregada da venda e, portanto, insuscetível de questionar o seu direito de crédito à remuneração; já no caso decidido no Ac. da RE de 15.06.2023, rel. Tomé de Carvalho, proc. n.º 833/10.0TBBJA.E1, considerou-se que no caso em que a venda não se completa por motivos imputáveis à encarregada da venda – in casu por cessação da sua atividade, por iniciativa do agente de execução, por incumprimento das suas funções -, tem a encarregada da venda, em todo o caso, direito a ser compensada pelas despesas e custos que comprovadamente haja realizado no decurso do período em que desenvolveu a sua atividade.


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Feito este enquadramento, vejamos agora o teor da decisão recorrida e, seguidamente, o objeto do recurso.

A recorrente, através do seu requerimento de 23.07.2023, pediu ao tribunal recorrido que lhe fosse pago o montante global de €7.034,27 pela atividade que entendeu ter desenvolvido na qualidade de encarregada da venda designada no processo executivo dos autos, correspondendo esse montante às seguintes parcelas:
i. €1.345.74 a título de custos suportados com viatura em deslocações ao local do imóvel penhorado para venda;
ii. €3.864,67 a título de honorários pelos serviços prestados; e
iii. €2.823,86 a título de juros de mora contabilizados sobre tais quantias.

No que respeita à primeira quantia, referente aos custos com deslocações, alega a recorrente que efetuou sete deslocações ao imóvel para venda, nas datas de 28.03.2014, 15.01.2016, 14.04.2016, 23.06.2016, 03.10.2016, 23.03.2017 e 12.07.2017, tendo percorrido, em cada uma dessas deslocações, 318 quilómetros, reclamando o pagamento por tais despesas e respetivos custos de portagens no montante de €29,00 por cada deslocação (vd. req.º de 23.07.2024).

No despacho recorrido, quanto a este ponto, sustentou-se que o montante não é devido, porquanto a recorrente não as comprovou, desconhecendo-se a razão que motivou essas deslocações, os recibos de portagens juntos não demonstram que as viagens efetuadas tenham alguma relação com o imóvel penhorado, a que acresce o fundamento de que o imóvel penhorado não foi vendido graças à atividade da recorrente, uma vez que foi adjudicado ao exequente e, por último, não ter sido demonstrado não ter sido disponibilizado transporte pelas partes.

Vimos acima que a remuneração do encarregado da venda pela atividade desenvolvida com vista à venda do imóvel penhorado por negociação particular é devida ainda que o bem não venha a ser vendido por facto que não lhe seja imputável. É o caso dos autos: o imóvel veio a ser adjudicado ao exequente.

Tem razão o tribunal a quo quando sustenta desconhecer a razão que motivou as diversas deslocações feitas pela encarregada da venda e que originaram um custo de cerca de €156,30 cada uma, acrescida de portagem, cujo pagamento reclama.

Com efeito, apurou-se nos autos que a recorrente encabeçou em 12.12.2013 as funções de encarregada da venda para efetivar a venda a terceiros do imóvel penhorado nos autos através de negociação particular e que em 20.03.2014, cerca de três meses depois, o exequente se apresentou para lhe ser adjudicado o referido imóvel, facto que veio a ser dado conhecimento à recorrente em 13.05.2015. Daqui decorre que a recorrente, até este momento, manteve nas suas mãos as rédeas da atividade de que foi incumbida desempenhar, o que durou cerca de um ano e cinco meses. Nesta medida, não se afigura justificado, razoável ou sequer compreensível que tenha realizado um total de sete deslocações ao lugar da situação do imóvel, dando causa a despesas de deslocações, em quilometragem percorrida, cujo pagamento reclama. Na verdade, se é plausível a primeira deslocação feita – ocorrida em 28.03.2014 -, realizada durante do período temporal em que, estando em pleno exercício de funções, lhe cabia diligenciar pela venda do imóvel em causa, já não se pode aceitar que depois de tomar conhecimento da circunstância da intenção do exequente em adquirir o imóvel penhorado através do mecanismo processual da adjudicação, se tenha deslocado ao local do mesmo mais seis vezes, o que fez entre inícios do ano de 2016 até meados do ano de 2017. Se o fez, fê-lo temerária e injustificadamente, porquanto já sabia, de ciência certa, que havia possibilidade séria de o imóvel vir a ser adquirido pelo exequente, aquisição essa que, de resto, veio a concretizar-se mais tarde. Para além disso, os elementos documentais juntos com os referidos requerimentos (vd. os documentos juntos com os req.ºs de 13.09.2023 e de 23.07.2024 apresentados ao tribunal a quo para apreciação) quanto às deslocações realizadas de 2016 em diante não comprovam relacionar-se, de modo inequívoco e seguro, com o imóvel penhorado em causa nos autos. Recaía, portanto, sobre a recorrente o ónus de provar que as despesas foram feitas e que as mesmas respeitam a diligências conexionadas com a venda do imóvel por negociação particular, juntando o respetivo suporte probatório pertinente, o que não logrou fazer – cf. art.s 342º-1 e 342º-1 do C. Civil; cf. art.s 410º e 414º do CPC.

Atento o exposto, é de concluir que a recorrente deve ser reembolsada pelo custo das despesas suportadas por si referentes à deslocação realizada em 28.03.2014 (318 km), calculadas nos termos do art. 17º-6 do RCP e da Tabela IV a este anexa (i. é: 1/255 por km percorrido), acrescida do custo das portagens dessa deslocação (de €29,00), procedendo o recurso nesta parte.


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Quanto à segunda quantia, referente aos honorários devidos à recorrente na qualidade de encarregada da venda pelos serviços prestados, reclama a mesma o valor correspondente a 5% sobre o valor da adjudicação (€46.580,00), uma vez que este é inferior ao valor da execução (€83.174,14).

O tribunal recorrido decidiu fixar a remuneração em 3% por referência ao valor da adjudicação (€1.397,40).

Sustenta a recorrente que a remuneração devia ser fixada por referência a 5%, aduzindo para tanto que “nenhuma empresa do ramo de mediação de venda, com algum sustento no mercado, fixa comissão abaixo de 5% + IVA” (vd. alínea T das conclusões) e que abaixo dessa percentagem não respeita nem dignifica a atividade profissional da encarregada da venda, nem contribui para a sua moralização (vd. alínea W das conclusões).

Não assiste razão à recorrente.

De acordo com os critérios legais aplicáveis, a remuneração devida às entidades encarregadas da venda é fixada pelo tribunal até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos se este for inferior, como é o caso dos autos – cf. Tabela IV anexa ao RCP.

Significa isto que ao tribunal - animado de prudente critério e cônscio da justa medida das coisas - é reconhecida, ex vi legis, ampla margem de fixação da remuneração devida entre um mínimo e um máximo, sempre com o limite de 5% sobre aquele valor. Ou seja, o legislador, ao fixar o critério legal de cálculo da remuneração nestes termos já ponderou ex ante, no juízo de valor legal transposto para a norma, o que considerou ser adequado em termos de baliza para efeitos de remuneração, pelo que não faz sentido convocar, como faz a recorrente, critérios de dignificação ou moralização da atividade profissional da encarregada da venda, espúrios aos elementos de ponderação das circunstâncias do caso concreto a considerar. Ademais, a lógica que preside à remuneração das empresas de mediação imobiliária invocada pela recorrente – uma comissão não abaixo de 5% -, não tem aplicação no caso sub judice, por serem outros e diversos os parâmetros de fixação da remuneração - Sobre os critérios norteadores da fixação da remuneração em presença, inter alia, vd. o Ac. da RE de 22.10.2020, rel. Cristina Dá Mesquita, proc. 332/18.1T8BJA-B.E1.

Considerando as circunstâncias que rodearam a atividade da recorrente acima indicadas, nomeadamente as diligências realizadas, o tempo despendido no exercício das suas funções como encarregada da venda, a circunstância de se tratar apenas de um imóvel, o grau de complexidade da atividade e o valor da adjudicação, é de concluir não merecer censura o valor da remuneração de 3% (a que acrescerá, naturalmente, o imposto de IVA, à taxa legal em vigor) fixado pelo Tribunal a quo, improcedendo o recurso nesta parte.


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Quanto à terceira quantia, referente aos juros de mora contabilizados pela recorrente sobre as quantias de remuneração e despesas que a recorrente reclama, entendeu o tribunal desatendê-la. E com razão.

Com efeito, resulta das normas acima indicadas que a remuneração do encarregado da venda, a título de honorários pela atividade desenvolvida tendente à venda por negociação particular, tem de ser fixada pelo tribunal (“A remuneração é fixada…”: art. 17º-4 do RCP), o que demanda uma operação judicial de ponderação dos diversos elementos constantes dos autos, com respeito pelo limite legal, razão por que o direito de crédito líquido só nasce na esfera jurídica da entidade encarregada da venda no momento da concretização da percentagem a considerar e não no momento em que o prestador do serviço requer o seu pagamento ou quando emita uma fatura onde apõe uma data e vencimento. A lei não fixou qualquer taxa de juros que hajam de incidir sobre o montante da remuneração fixada, nem autoriza que sobre ela possam ser estipulados ou convencionados juros entre as partes; e não pode, por isso, falar-se numa obrigação com prazo certo, nem em momento de constituição em mora – cf. art.s 559º-1, 804º e 805º-1-2 do C. Civil. Importa distinguir, no âmbito do art. 559º-1 do C. Civil, dois tipos ou segmentos de juros: os juros legais (de fonte em disposição legal), com finalidade geral e supletiva; e os juros convencionais sem determinação de taxa ou com taxa superior sem forma escrita (com fonte na vontade das partes). O preceito, note-se, não prevê qualquer direito ou pretensão geral ao juro por parte de qualquer credor das obrigações de capital, nem existe, muito menos, qualquer presunção de juros associada a tais obrigações. É apenas uma taxa de juro supletiva. De sorte que, não prevendo a lei juros legais, nem permitindo juros negociais, eles não podem ser contabilizados, sendo inaplicável a regra do contrato de mandato prevista no art. 1167º-c) do C. Civil, justamente porque, como vimos, a remuneração é fixada pelo Tribunal e o seu cálculo é norteado pela disciplina do referido art. 17º-4-6 do RCP. Sobre o ponto, vd. F. Correia das Neves, Manual dos Juros, Almedina, 1989, p. 37; e José Engrácia Antunes, Os Juros Civis, Comerciais e Outros – Aspectos do seu Regime Jurídico, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. XCVII, Tomo I, Coimbra, 2021, pp. 162-3.

É de concluir não merecer censura a decisão do Tribunal a quo, improcedendo o recurso nesta parte.


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Atenta a parcial procedência do recurso, considerando o decaimento, deverá a recorrente suportar o pagamento das custas processuais na proporção de 4/5 (cf. art.s 527º e 607º-6 do CPC). 

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Sumário (art. 663º-7 do CPC):

(…).


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V – Decisão

Atento o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
i. Revogar, em parte, a decisão recorrida, determinando-se o pagamento à recorrente das despesas pela deslocação realizada em 28.03.2014 (correspondentes a 318 quilómetros percorridos, a que acresce o valor das portagens referentes a essa deslocação), calculadas nos termos da Tabela IV do RCP.
ii. Confirmar, no mais, e nos seus precisos termos, a decisão recorrida.


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Custas pela apelante, na proporção de 4/5.

Registe e notifique.


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Coimbra, 14.10.2025.

Marco António de Aço e Borges

Hugo Meireles

Emília Botelho Vaz