INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO DE INFORMAR SOBRE O RISCO
DANO
Sumário

I - O anteriormente denominado «Banco 1... …» omitiu com culpa muito grave o cumprimento do seu dever de informação enquanto intermediário financeiro ao não informar o cliente que tipo de produto estava a subscrever, o risco que o mesmo tinha e ainda menciona que se trata de um produto totalmente seguro, com reembolso assegurado do capital.
II - Essa omissão origina dever de indemnização por parte do intermediário financeiro (ou de quem sucede nas suas obrigações) ao nível de responsabilidade pré-contratual.
III - O valor da indemnização, no caso concreto, corresponde ao valor do capital subscrito.

Texto Integral

Processo n.º 8831/24.0T8PRT.P1.

João Venade.

António Carneiro da Silva.

Isabel Ferreira.

1). Relatório.

AA, com domicílio na Avenida ..., Hab. ..., Porto,

BB, com domicílio na Avenida ..., Vila Nova de Gaia, por si e como herdeira da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu marido CC;

DD, com domicílio na Praça ... n.º ..., r/c dtº. Matosinhos, como herdeira da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai CC

EE, com domicílio na Avenida ..., Vila Nova de Gaia, como herdeira da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai CC

propuseram contra

Banco 2..., S. .A, com sede na Rua ..., ..., Porto

Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação do Réu a pagar:

a). aos Autores o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem o montante de 68.060,27 EUR, bem como os juros vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento;

Ou assim não se entendendo:

b) Ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o Réu invoque para ter aplicado os 50.000 EUR que os Autores entregaram ao Réu em obrigações subordinadas A....

c) Ser declarado ineficaz em relação aos Autores a aplicação que o Réu tenha feito desses montantes;

d) Condenar-se o Réu a restituir aos Autores 70.560,27 EUR que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao Réu e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data de citação até efectivo e integral cumprimento.

E, sempre, ser o Réu condenado a pagar aos Autores a quantia de 2.500 EUR a título de dano não patrimonial.

Em síntese, alegam que:

. a 1.ª Autora e o falecido CC eram cliente do Réu (Banco 1...);

. em 08/05/2006, a gestora de conta do Banco Réu da agência dos ... disse aos Autores, que tinha uma aplicação em tudo igual ao deposito a prazo e com o capital garantido pelo Banco 1... e com a rentabilidade assegurada;

. apesar de terem perfil conservador, aplicaram 50.000 EUR em obrigações A..., sem que os A. em concreto soubessem o que era, desconhecendo inclusivamente que A... era uma empresa;

. o que motivou os Autores a darem autorização para a aplicação foi o facto de lhes ter sido dito pela gestora do Réu que o capital garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que o capital e os respetivos juros poderiam ser desmobilizados quando este o entendesse, bastava para isso solicitar à agência com uma antecedência de três dias;

. a convicção de que assim era manteve-se até maio de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os respetivos juros;

. nunca lhes foi ido ou explicado o que eram obrigações A...;

. sofreram danos não patrimoniais com a situação.


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Citado o Réu, o mesmo alegou, em resumo, que:

. qualquer tipo de deficiência de informação prestada, a ter existido, foi apenas a título de mera negligência, ou culpa leve;

. os subscritores sabiam que estavam em causa obrigações A...;

. qualquer direito sobre intermediário financeiro por eventual responsabilidade em transação em que haja intervindo prescreve no prazo de 2 anos a contar do conhecimento da conclusão da operação, estando assim prescrita a sua eventual obrigação;

. impugnam o alegado pelos Autores.


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Os Autores pronunciaram-se sobre a arguida prescrição, negando a sua ocorrência.

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Elaborou-se despacho saneador, com remessa do conhecimento da exceção de prescrição para sentença, indicação de objeto de litígio e seleção de temas de prova, completados em despacho de 03/02/2025.

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Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença nos seguintes termos:

a) julgo improcedente a exceção de prescrição invocada pelo Banco 2..., SA.

b) condeno o Banco 2..., SA, a pagar aos autores AA, BB, DD e EE a quantia de 50.000€ (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação da ré até integral pagamento, absolvendo do demais peticionado.


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Inconformado, recorre o Réu, formulando as seguintes conclusões:

«1.º Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente ação parcialmente procedente, não julgou corretamente.

2.º Com tal decisão, o Mmo. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.

3.º O Banco R., tal qual estava obrigado, prestou ao decesso, CC, e à 1ª Autora informações completas, verdadeiras, atuais, claras, objetivas e lícitas (nos termos e para os efeitos do artigo 7.º do Código de Valores Mobiliários, CdVM), quanto às obrigações por estes subscritas, dando cumprimento não só à lei, mas também a uma política de transparência e de confiança pela qual sempre se pautou.

4.º O Recorrente entende, por um lado, que o facto dado como provado no número 7 aí se encontra incorretamente inserido, pugnando pela alteração da respetiva redação, que adiante se descreverá. Deverá, ainda, ser acrescentado um novo facto ao elenco dos factos provados com a redação que se indicará infra. Por outro lado, deveria o facto dado como provado número 9 ter sido dado como não provado e os factos não provados 12 e 13 serem inseridos no elenco dos factos provados.

5.º Ao longo do seu depoimento, a testemunha FF, foi afirmando que apresentava o produto de acordo com as características descritas no argumentário, ou seja, que se tratavam de obrigações emitidas pela empresa-mãe do Réu, com capital garantido e uma boa rentabilidade.

6.º Pelo que, e ao contrário do que se encontra no facto provado 7, a referida testemunha não referiu que transmitiu ao decesso, CC, e à 1ª Autora que as obrigações A... tinham as mesmas garantias e seguranças de um depósito a prazo, e muito menos que o reembolso era garantido pelo Banco Réu.

7.º Pelo que, deverá ao facto provado 7 ser dada a seguinte redação: “7) À autora AA e a CC foi-lhes dito que as obrigações A... se tratavam de um produto emitido pela empresa-mãe do Banco Réu, com capital garantido e uma boa rentabilidade.”.

8.º Também, por diversas vezes, a testemunha identificada supra referiu que apresentava as obrigações A... daquela forma, porque tais características resultavam do argumentário e, portanto, estava convencida de que tais informações eram verdadeiras, porque, efetivamente, essa era a realidade naquela época. Além disso, a informação que existia em 2006, não é a mesma que existe na presente data, dado que naquela altura ainda não havia notícias de falências de bancos, pelo que a testemunha estava completamente convencida de que a situação do Banco era estável e, portanto, no final dos dez anos, seria reembolsado o capital investido.

9.º Pelo exposto, deverão os factos não provados 12 e 13 ser incluídos no elenco dos factos provados.

10.º Atendendo ao Doc. 1 junto com a Contestação (Extrato Bancário do decesso) e ao facto da testemunha ter referido, por diversas vezes, que o decesso, CC, já tinha subscrito outras obrigações deverá ser acrescentado ao elenco dos factos provados um novo facto com a seguinte redação: “Desde sempre o decesso demonstrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, nomeadamente em valores mobiliários, como Obrigações”.

11.º Por último, mas não menos importante, embora a testemunha tenha afirmado que se o decesso, CC e a 1ª Autora tivessem conhecimento de que as obrigações A... não tinham reembolso garantido, não as teriam subscrito, tal afirmação não poderá ser suficiente para se dar como provado o facto 9.

12.º A verdade é que, em 2006, os produtos em causa mostravam-se associados a um baixíssimo risco de incumprimento – tão baixo como a hipótese de um tremor de terra, de um incêndio ou uma inundação destruir algum património imobiliário pertença ao decesso e à 1ª Autora, ou a possibilidade de a insolvência de uma instituição bancária determinar o não reembolso de depósitos bancários de valor superior a 50.000,00€, como aqueles de que o decesso e a 1ª Autora eram titulares.

13.º Tal como não possuímos qualquer elemento que em 2006 permitisse classificar as obrigações A... como sendo um produto de risco, também não temos nenhum elemento que nos permita ferir se uma suposta garantia de cumprimentar a prestar pelo Banco Recorrente desempenhou ou não desempenharia qualquer papel na formação da vontade de compra do decesso e da 1ª Autora, pelo que deverá o facto 9) ser inserido no elenco dos factos não provados!

DO DIREITO

14.º O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução.

15.º O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado diretamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.

16.º Daqui resulta que os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura!

17.º Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art. 312º do CdVM, tendo antes de se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.

18.º O RISCO que a sentença associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso da obrigação) ou até à insolvência do emitente, NÃO É NEM PODE SER CONSIDERADO UM RISCO ESPECIAL!

19.º Parece-nos por isso manifesto que a expressão operações a realizar aponta para uma atividade – decorrente da intermediação financeira – e não para o objeto dessa atividade – o instrumento financeiro.

20.º Parece-nos assim por demais evidente que a disposição do art. 312º nº 1 alínea e) relativa aos “riscos especiais nas operações a realizar” em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura.

21.º São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

22.º A informação acerca do risco da perda do investimento tem de ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ se tais riscos de facto existirem!

23.º É que a este respeito, impõem-se clarificar, que em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.

24.º E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

25.º O incumprimento é uma caraterística latente a qualquer obrigação, que pode, ou não, vir a manifestar-se e que tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objetivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivização em função do emitente!

26.º Assim, resulta para nós claro que, mesmo à luz da lei actualmente em vigor, neste caso concreto, não houve dever de informação quanto ao risco do instrumento financeiro que o Banco Réu tivesse deixado por cumprir!

27.º Na data da subscrição das referidas obrigações, a redação do CdVM era aquela resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99 de 13/11 até ao D.L. 52/2006 de 15/03. Na redação vigente à data da subscrição das Obrigações resulta ainda mais evidente a sistematização supra referida dos deveres de informação, em função do negócio de cobertura e do negócio de execução (ou, se quisermos, em função do dever de informação anterior à celebração do contrato de intermediação ou, depois, na vigência do mesmo).

28.º Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redação do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!

29.º O uso da expressão “capital garantido” apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.

30.º Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco... Tal juízo tem de ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos. E o certo é que as Obrigações eram então, como é ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.

31.º Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente. Mas sempre se diga também que o Banco Réu não estava como não está obrigado a advertir o investidor sobre a essa hipótese de insolvência do emitente. Tal como não estava como não está obrigado a advertir o depositante sobre o risco da sua insolvência quando recebe um DP!

32.º O dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, por estar umbilicalmente ligado àquela (não resistindo autonomamente sem ela) e podendo até condicioná-la.

33.º A VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO IMPLICA QUALQUER PRESUNÇÃO DE ILICITUDE! E, portanto, tinha de ser os Autores a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu! Não o tendo feito, tem a presente ação necessariamente que claudicar!

34.º A condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo decesso e pela 1ª Autora é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que os Autores venham depois a receber da emitente do título e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ela desembolsado na subscrição do valor mobiliário.

35.º Não podemos deixar de apontar que do elenco de factos provados não resulta um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao decesso e à 1ª Autora e o acto de subscrição. De facto, sempre seria essencial aferir se, em face de informação sobre o mesmo produto, prestada de forma legalmente exigível e tal qual o Tribunal entendeu que deveria ser prestada, ao decesso e à 1ª Ré deixaria de subscrever o instrumento financeiro em causa.

36.º Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o decesso e a 1ª Autora. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

37.º No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

38.º Não sabemos nem alcançamos o que é que o decesso e a 1ª Autora não sabiam que, se porventura soubessem, teria determinado a sua recusa em efectuar o investimento! Efectivamente ficamos sem saber quais as supostas características verdadeiras do produto que o decesso e a 1ª Autora teriam ficado sem saber e que por si só mudaria a sua decisão de investimento.

39.º Assim, ou os Autores alegavam e provavam que se tivesse sido cumprido o dever de informação, o decesso e a 1ª Autora teriam realizado o investimento, ou então, têm de arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!

40.º A causalidade entre a eventual violação do dever de informação não se pode presumir legalmente, e presumindo-se judicialmente sempre se deverá reflectir na afirmação de um facto como provado e não apenas na justificação de um raciocínio jurídico puramente abstracto, como se de um palpite se tratasse.

41.º A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

42.º Em suma, manifestamente, não consta da matéria de facto dada como provada que o decesso e a 1ª Autora, se lhe tivesse sido fornecida toda a informação sobre o produto, não teriam realizado o investimento. Até porque nem sequer foi alegado!

43.º Não se poderá assim ter por verificado, no seguimento da jurisprudência agora uniformizada, o requisito do nexo de causalidade e, como tal, não poderá o banco Recorrente ser responsabilizado pelo dano que se produziu em virtude do incumprimento da A....

44.º De facto, ouvida a prova produzida em sede de audiência e julgamento, a ideia que fica é a de que em 2006 não se colocava a segurança das obrigações A..., pelo que, era lógico que os funcionários do Banco Réu estavam absolutamente convencidos da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do decesso e da 1ª Autora.

45.º A verdade é que não dispomos de qualquer elemento minimamente indicador que, em 2006, existisse algum risco de incumprimento pela sociedade emitente dos títulos, quanto às obrigações de pagamento de juros e/ou reembolso do capital. Pelo contrário, dado que não havia qualquer dúvida quanto à solvabilidade da sociedade emitente na data da maturidade do título, até porque era titular de 100% do capital social da instituição bancária que intermediou a subscrição.

46.º E, nesse sentido, qualquer investidor medianamente sagaz, capaz, inteligente, conservador e avesso a negócios com álea, perspectivaria a aquisição do produto subscrito pelo decesso e pela 1ª Autora como isenta de qualquer risco, ou, pelo menos, encerrando risco irrisório e desprezível.

47.º Conclui-se, novamente, que em 2006 os títulos em causa mostravam-se associados a um baixíssimo risco de incumprimento, equiparável à falência/insolvência da instituição bancária na altura integralmente dominada pela sociedade emitente do título.

48.º Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução do decesso e da 1ª Autora em erro, sem que por parte dos funcionários do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro.

49.º Ora, parece-nos evidente e manifesto que o decesso e a 1ª Autora conheciam os termos em que o negócio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação aquando da receção dos extratos bancários no seu domicílio, ou pelo menos em novembro de 2008, data da nacionalização do Recorrente!

50.º Data em que é facto público e notório que ocorreu uma corrida aos depósitos e levantamento dos mesmos.

51.º Sendo a ação apenas proposta em maio de 2024, já se encontrava prescrita qualquer responsabilidade do Banco Réu, uma vez que a atuação do Banco não atinge o limiar de culpa grave!».

Termina, pedindo que se revogue a sentença, sendo substituída por outra que julgue totalmente improcedente a ação.


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Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido e, em sede de ampliação do objeto de recurso, nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do C. P. C., pretendem que sejam aditados os seguintes factos:

«1 - A funcionária do Banco Réu sabia que o decesso CC e a 1ª Autora tinham um perfil conservador no que tocava ao investimento das suas economias, sendo que até àquela data o decesso CC e a 1ª Autora sempre aplicaram maioritariamente o seu dinheiro em depósitos a prazo.

2 - O que motivou o decesso CC e a 1ª Autora a darem autorização para a aplicação foi o facto de lhes ter sido dito pela gestora do Réu que o capital garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que o capital e os respetivos juros eram reembolsados ao fim de 10 anos.

3 - O decesso CC e a 1ª Autora atuaram sempre com a convicção de que estavam a colocar as suas economias numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto de risco exclusivo do Banco.

4- Nunca foi intenção do decesso CC e da 1ª Autora investirem em produtos de risco, como era do conhecimento da gestora do Banco Réu, e os mesmos sempre estiveram convencidos que o Banco Réu lhes restituiria o capital e os juros, quanto estes o pedissem.

5- Motivo pelo qual o decesso CC e a 1ª Autora estavam convictos que se trava de uma aplicação segura, tanto mais que os juros foram sendo semestralmente pagos.».


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As questões a decidir são:

. apreciação da matéria de facto relativamente ao tipo de garantias prestadas pelo Réu Banco;

. consequências relativas a violação do dever de informação a prestar pelo mesmo Réu quanto ao prejuízo advindo da subscrição de produto que não se teria adquirido se tivesse sido cumprido aquele dever.


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2). Fundamentação.

2.1). De facto.

Foram julgados provados os seguintes factos:

«1) A autora AA e CC eram clientes do Banco 1..., SA, com a conta à ordem n.º ... da agência dos ..., no Porto, onde movimentavam parte das suas economias, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.

2) A autora AA e CC foram contactados pela gestora da conta para oferta da possibilidade de adquirir obrigações A....

3) O que fizeram a 8 de maio de 2006, subscrevendo o equivalente a 50.000€

4) Na data do vencimento da aplicação referida em 3), o capital não lhe foi restituído.

5) A A..., SA, foi declarada insolvente

6) CC faleceu a 14 de setembro de 2017, tendo os autores BB, DD e EE sido habilitados como seus sucessores.

7) À autora AA e a CC foi-lhes dito que as obrigações A... tinham as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, sendo o reembolso garantido pelo Banco 1....

8) Por força de não lhes ter sido devolvido o capital investido de 50.000€, a autora AA e CC ficaram ansiosos e stressados.

9) Se AA e a CC soubessem que o investimento nas obrigações A... não tinha o reembolso garantido, não teriam adquirido essas obrigações.».


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E foram julgados não provados:

«10) A autora AA e CC foram total e exaustivamente esclarecidos sobre as condições do produto que subscreveram.

11) Tendo-lhes sido dado a conhecer e explicado todas as suas condições, remuneração, prazo e condições de reembolso, tendo aqueles o compreendido e distinguido a diferença dos depósitos a prazo.

12) Todas as informações prestadas a AA e CC pela gestora da conta aquando da aquisição das obrigações A... foram verdadeiras.

13) Nunca o réu agiu perante a autora e CC com intenção de os enganar ou prejudicar ou sequer de omitir informação relevante de forma consciente.

14) Por força de não lhes ter sido devolvido o capital investido de 50.000€, a autora AA e CC ficaram permanentemente ansiosos, com picos de tensão alta, tendo inclusivamente deixado de dormir com o receio de não reaverem ou de não saber quando iriam reaver as suas economias.».


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2.2). Do recurso.

A). Impugnação da matéria de facto.

Recurso do Réu.

Facto provado 7.

À autora AA e a CC foi-lhes dito que as obrigações A... tinham as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, sendo o reembolso garantido pelo Banco 1....

O recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação:

À autora AA e a CC foi-lhes dito que as obrigações A... se tratavam de um produto emitido pela empresa-mãe do Banco Réu, com capital garantido e uma boa rentabilidade.

A divergência consiste em que, no entender do recorrente, pelo Banco Réu, não foi dito àquelas pessoas que o reembolso estava garantido pelo próprio Banco 1....

Pensamos que, ainda que percebendo o teor do que foi dado como provado, do depoimento da única testemunha ouvida em julgamento, não conseguimos retirar que tenha dito que o «Banco 1...» garantia o reembolso.

O que a testemunha referiu é que, como era um produto – obrigações – em que o próprio emitente era o Banco (sociedade detentora do mesmo, A...) o capital estava garantido pois era o próprio Banco que ia efetuar o pagamento. E assim, podia transmitir aos clientes que o produto tinha o capital totalmente garantido. Mas daí a referir que o Banco sempre iria assumir o reembolso do capital, garantindo o pagamento, entende-se que seria uma matéria que se poderia dar como provada se se tivesse colocado em cima da mesa um qualquer infortúnio no decurso do investimento e então, afirmar-se-ia, que o valor sempre estaria garantido pelo Banco.

Pode estar em causa uma mera precisão semântica, no sentido de que não se trata de uma garantia de reembolso mas antes a apresentação de um investimento que, naturalmente, estaria garantido por ser emitido pelo próprio Banco. Mas o certo é que não sabemos se os clientes conheciam quem era a entidade emitente das obrigações «A... …» e se a questão da garantia se colocou por se inquirir quem era essa entidade e se afirmou que não havia motivos para preocupações ou se unicamente se apresentou um produto totalmente garantido, como se fosse um depósito a prazo, com reembolso de capital garantido.

Na nossa visão, foi esta última situação a que foi retratada pela testemunha, assumindo que era um produto com tais características e não entrando em detalhes sobre um possível reembolso pelo próprio Banco mas antes garantindo o reembolso pela entidade emitente das obrigações.

Assim, altera-se a redação deste facto para o seguinte:

À autora AA e a CC foi-lhes dito que as obrigações A... tinham as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, sendo o reembolso do capital garantido.

E resulta não provado:

15). Tenha sido transmitido à autora AA e a CC que o reembolso referido em 7) seria efetuado pelo «Banco 1... …».


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Facto provado 9.

Se AA e a CC soubessem que o investimento nas obrigações A... não tinha o reembolso garantido, não teriam adquirido essas obrigações.

O recorrente pretende que o facto resulte não provado; sem razão, na nossa ótica. A única testemunha ouvida foi perentória ao afirmar o que consta do facto provado, mencionando que se não entendesse que o produto tinha o reembolso garantido, nem sequer o apresentava às pessoas.

Como menciona o tribunal recorrido, acrescentou a testemunha FF que embora aqueles clientes já tivessem investido noutros produtos financeiros, a sua atividade financeira consistia essencialmente (90% disse) na constituição de depósitos a prazo e que se soubessem que o produto que lhes vendia envolvia algum risco não o teriam comprado/subscrito, acrescentando, mais precisamente quanto a CC, que o seu perfil não era este, não era cliente que apostasse em produtos que envolvessem risco.

A circunstância de os clientes investirem em produtos financeiros não significa que os mesmos aceitassem este produto caso soubessem que havia risco de não haver reembolso do capital. Seria necessário saber que tipos de produtos eram subscritos pelos mesmos e que afinal teria havido uma ponderação de risco de não recebimento de capital (e uma também eventual negação da testemunha de que não haveria subscrição das obrigações em causa) para eventualmente se poder concluir que afinal este facto não podia resultar provado.

No caso, não é possível, na nossa visão, essa conclusão pois o que se tem é aquele depoimento de testemunha, assertivo no sentido que resultou provado, acrescendo a total falta de informação sobre se outros produtos subscritos pelos clientes tinham ou não risco de perda de capital ou risco de natureza semelhante.

Deste modo, foi correta a prova deste facto, improcedendo a argumentação do recorrente.


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Factos não provados 12 e 13.

12) Todas as informações prestadas a AA e CC pela gestora da conta aquando da aquisição das obrigações A... foram verdadeiras.

13) Nunca o réu agiu perante a autora e CC com intenção de os enganar ou prejudicar ou sequer de omitir informação relevante de forma consciente.

O recorrente pretende que estes factos resultem provados mas também pensamos que não tem razão. Na verdade, desconhece-se em absoluto qual possa ter sido a estratégia do Réu Banco. Não se apura minimamente se aquela venda de obrigações foi pensada para unicamente obter dinheiro dos clientes através da subscrição de obrigações e que depois seriam ressarcidos do capital e investidos dos juros ou se já haveria algum tipo de ideia em que o que se pretendia era obter capital mas sabendo que não se iria reembolsar os clientes.

Sabemos o que a funcionária referiu que era do seu conhecimento, o que mencionou que lhe era transmitido internamente pelo Banco, mas não se pode afastar a ideia de que, perante a omissão de informação de que afinal havia risco de não se receber o capital, tenha existido alguma intenção menos benévola por parte do Banco.

Assim, por se desconhecer esta situação, face à prova realizada nos autos, foi correta a não prova dos factos em análise.

Improcede assim esta argumentação.


*

Aditamento de novo facto.

O recorrente pretende que se adite:

Desde sempre o decesso demonstrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, nomeadamente em valores mobiliários, como Obrigações”.

Este facto corresponde ao artigo 13.º, da contestação.

No entanto, não há a mínima prova de que os clientes desde sempre tenham tido aquela apetência por aquele tipo de produtos: ainda que possam ter efetuado investimentos, como mencionado na decisão recorrida, não há elementos probatórios sobre desde quando o fazem e com que regularidade.


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Aditamento oficioso de factoprazo de vencimento 10 anos, conforme documento n.º 1 e artigo 34.º, da contestação -.

Dos factos não consta qual o prazo de vencimento do produto subscrito pelos clientes, matéria que reveste eventual interesse, desde logo, para ponderação da exceção de prescrição.

O prazo em causa não é discutido – 10 anos, conforme alegado, por remissão, pelos Autores, para o documento n.º 1, junto com a petição inicial e expressamente referido no artigo 34.º, da contestação (10 anos), sendo que a data de vencimento também está contida no documento assinado pelos clientes, documento não impugnado pela Ré: 09/05/2016.

Trata-se de um facto complementar daqueles essenciais que já constam do elenco dos factos que, assim, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do C. P. C., se adita nos seguintes termos:

3.1). A aplicação tinha como data de vencimento 09/05/2016.


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2.2). Do mérito do recurso.

Em termos de aplicação de direito aos factos, pensamos que o elenco de argumentos apresentados pelo tribunal recorrido está correto, pelo que não nos alongaremos.

Entre a 1.ª Autora e o falecido CC e «Banco 1... …» agora na veste do atual recorrente, foi celebrado um acordo que culmina na subscrição por aquele de obrigações no valor total de 50 000 EUR (facto provado 4), pelo prazo de dez anos, com início em 08/05/2006 (facto provado 3).

A subscrição de uma obrigação equivale a um empréstimo de dinheiro à entidade emitente, a qual fica obrigada à restituição do capital no prazo contratado, acrescido da remuneração à taxa estabelecida.

A relação que se tem de analisar é a que liga aqueles clientes ao então «Banco 1....», pois foi este que se apresentou a comercializar o produto e atuou junto dos mesmos, no âmbito da sua atividade de intermediário financeiro (o «Banco 1... …» surge a mediar a oferta das obrigações junto dos seus clientes).

A emissão de obrigações é um valor mobiliário (artigo 1º, b), do C.V.M.) pelo que o Banco atuou como um intermediário financeiro nessa compra/venda de obrigações – artigos 289.º, n.º 1, a), 290.º, n.º 1 a) e b) e 293.º, n.º 1, a), do mesmo C. V. M., e 1.º, n.º 2, e 2.º, n.º 1, Decreto-Lei 69/2004, de 25/03.

Aos clientes foi apresentado um produto pelo então «Banco 1... …» no sentido de que a rentabilidade estava assegurada pois não havia risco, com o capital garantido, rentabilidade assegurada, igual a um depósito a prazo (facto provado 2).

Não consta que tenha havido qualquer explicação sobre quem era o emitente (A... …), e que afinal havia risco de não reembolso do capital e juros (caso a entidade emitente não o conseguisse fazer) nem que lhes tenha sido explicado que estavam em causa obrigações.

Mas, atendendo ao que está provado, sabemos que aos clientes foi-lhes dito que as obrigações A... tinham as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, sendo o reembolso do capital garantido (facto provado 7).

Ora, com o devido respeito pelo entendimento diverso do recorrente, esta informação não se pode considerar como correta nem como preenchendo o mínimo que se exige a um intermediário financeiro na relação com o adquirente, no caso, de obrigações. Não se pode, neste âmbito de relação, em que uma das partes é detentora de conhecimentos especializados, aceitar que o intermediário se limite a caracterizar o produto que apresenta como uma espécie de depósito a prazo.

E foi com este conhecimento e convicção que os clientes adquiriram as obrigações, ou seja, não tendo sido devidamente informados do conteúdo do produto que estavam a adquirir.

Cumpre agora saber se o «Banco 1... …» enquanto intermediário financeiro a agir nestes moldes, ou assumiu uma obrigação contratual de reembolso de capital ou se, agindo em tal qualidade, violou obrigações decorrentes, sendo responsável pela sua conduta, ou se não tem qualquer responsabilidade perante os clientes.

Menezes Cordeiro, in «Direitos dos Valores Mobiliários», II, Coimbra Editora, página 45, refere que, nesta matéria da responsabilidade do intermediário financeiro há que ponderar, confrontando os seus pressupostos, se o seu enquadramento deve ser feito pelo instituto da responsabilidade delitual por violação de direitos absolutos ou disposições legais de proteção (artigos 483.º e seguintes do C. C.), ou obrigacional, pelo incumprimento das obrigações (artigos 798.º e seguintes, do C. C.), «ou se se deve inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a da responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade civil do gestor de negócios…».

Calvão da Silva, «Direito Bancário», página 335, dá-nos uma orientação para uma das hipóteses, ao referir que a relação de clientela é uma relação comercial complexa e duradoura, e todos os contratos ou negócios que envolvem as partes acarretam também obrigações acessórias de cuidado ou deveres de proteção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa-fé, para satisfação do interesse do credor; a violação dos princípios de confiança e lealdade mútua das partes, na negociação, conclusão, execução ou pós-extinção de uma operação financeira, traduz responsabilidade contratual.

Vejamos.

O n.º 1 do artigo 7.º, do C. V. M. refere que a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

O artigo 74.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redação à data do DL 298/92 de 31/12, afirma que nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.

Entretanto, nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2022, de 26/04, foi decidido que:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

Prosseguindo, atuando como intermediário, em relação a clientes do «Banco 1... …» com conta aberta na agência (facto provado 1), tem o Banco o dever de informação decorrente desde logo do princípio da boa-fé (artigo 304.º, n.º 2 do C. V. M. - «nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência» -).

Aqui, mais do que no regime civil (artigo 487.º, n.º 2, do C. C.), fixa-se um padrão que tem por referência uma pessoa muito prudente (Gonçalo dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro, 2008, página 201).

Estipula ainda o artigo 312.º, n.º, 1 do C. V. M., relativamente ao período anterior à formação do contrato, que se deve garantir uma «tomada de decisão esclarecida e fundamentada» quanto aos «riscos especiais envolvidos nas operações a realizar», sendo a extensão da obrigação de informar tanto maior quanto menor o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

Quando alguém faz um empréstimo, e estando concretamente em causa emissão de obrigações a favor de entidade financeira ou bancária, quem empresta o dinheiro (aqui recorrido) tem de ser cabalmente informado sobre todos os aspetos essenciais desse contrato, desde logo, a quem está a emprestar, para poder aquilatar da futura capacidade dessa beneficiária em efetuar o reembolso e assim ter noção dos riscos que está a assumir (e se os pretende assumir).

Além do mais, é para nós manifesto que o recorrente tinha de informar que produto o seu cliente estava a subscrever (obrigações) sendo insuficiente a indicação de que se estava a subscrever algo semelhante a um depósito a prazo e, acrescendo, que o reembolso do capital estava garantido.

Assim, no caso em análise, informar que o produto era em tudo semelhante a um depósito a prazo e com reembolso garantido, é insuficiente par se poder concluir que o cliente obteve a informação minimamente necessária.

Assim, aqueles clientes não só não foram devidamente esclarecidos sobre o concreto tipo de produto que estavam a subscrever como foram induzidos a ficarem convencidos de que não havia risco algum.

Como já acima referimos, esta garantia de não haver risco dada pelo Banco não tem, para nós, o sentido jurídico de «assunção de garantia», mas antes um sentido comum – como «A... …» integrava no seu ativo o «Banco 1... …», acabava por ser este a responder por tudo -.

Assim, para nós, não há responsabilidade do recorrente por ter assumido uma dívida – artigo 595.º, do C. C. -.

Mas, repete-se, os clientes não foram devidamente esclarecidos quanto à entidade (única) obrigada ao reembolso, nem quanto ao produto que subscrevera em concreto nem em abstrato, nem quanto ao risco de não haver reembolso.

Não tendo sido prestadas tais informações e que deveriam ter sido, existe, para nós, uma violação muito grave do dever de informação por parte do intermediário financeiro pois tal se lhe impunha, sendo que a Banca tem de cumprir todos os seus deveres e traçar todos os cenários possíveis, mais ou menos previsíveis.

É certo que, em 2006, pode pensar-se que provavelmente não se teria de informar o cliente que podia haver uma insolvência do «Banco 1... …».

Na realidade, não só o funcionário poderia não ter qualquer informação sobre essa situação, como poderia julgar-se ser algo impensável, assim não se podendo cogitar uma sua comunicação; no entanto, para nós, uma possível situação de insolvência/falência é também um circunstancialismo a ter em conta (que acabou por se verificar – facto provado 5 -) e que, assim, tem de se referir ao cliente, nem que seja apresentando essa situação como equivalendo a uma catástrofe financeira que não se perspetiva.

Concluímos, tal como o tribunal recorrido, que houve culpa grave do «Banco 1... ….», na veste do atual recorrente, na violação desse dever de informação, que pode dar origem a responsabilidade, para nós, com base na violação do dever de informação, tal como, em termos gerais, se encontra plasmado no regime da responsabilidade pré-contratual, no artigo 227.º, do C. C. – foi na fase de formação do contrato, prévia à sua celebração, que foram omitidas as informações não havendo óbice, na nossa visão, que se aplique tal exigência mesmo após a formação do contrato e sua execução (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, página 215, Ana Prata, «Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual», página 180) -.


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Analisando a questão da prescrição do direito do recorrido, havendo culpa grave do intermediário financeiro, não se pode nunca aplicar o prazo curto de prescrição fixado no artigo 324.º, nº. 2, do C. V. M., havendo que, à partida, por inexistir outro, aplicar o prazo geral de prescrição de vinte anos (artigo 309.º, do C.C.)[1], prazo esse notoriamente não preenchido pois mesmo tomando como base a data de celebração do contrato (maio de 2006) e a data de citação do Réu (16/05/2024), o mesmo estaria interrompido antes de se perfazerem os vinte anos (artigo 323.º, n.º 1, do C. C. -).

Podendo o reembolso do capital ser pedido em 09/05/2016, até poderia ser esse momento o início do momento em que o direito podia ser exercido – artigo 306.º, nº. 1, do C. C. -, iniciando-se então o prazo de prescrição; no entanto desconhece-se[2] quando é que os clientes tiveram conhecimento de que o contrato afinal não lhes permitia obter o reembolso do capital, pelo que fica a ter-se em conta aquele prazo máximo de prescrição com início em maio de 2006.

Foi assim correta a improcedência da exceção de prescrição.


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Concluída a existência de culpa grave do dever de informação por parte do «Banco 1... .. » para com o recorrido, há que atentar no seguinte:

. o artigo 304.º-A, do C.V. M., na versão vigente à data da celebração do contrato, determina que:

«. 1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

. 2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação

No caso concreto, estando em causa a falta de prestação de informação relevante pelo «Banco 1... …» aos clientes e inserindo-se essa falta de informação no momento prévio à celebração do efetivo contrato, como já referimos, tal entidade bancária violou aquele dever de informação no âmbito de uma relação pré-contratual, com violação das regras de boa-fé (informação omitida), presumidamente culposa (citado artigo 304.º-A, n.º 2, do C. V. M. e também artigo 799.º, do C. C.).

Está provado que, caso AA e a CC soubessem que o investimento nas obrigações A... não tinha o reembolso garantido, não teriam adquirido essas obrigações.

Temos assim que o dano patrimonial traduzir-se-á na falta de devolução do capital; o nexo de causalidade entre a violação do dever de informar e o dano decorre da situação de, por força das informações erradamente prestadas e da ausência das demais, a parte ter contratado o investimento, algo que não faria se estivesse devidamente informada.

O dano indemnizável é aquilo que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão, ou seja, o valor que não recebeu pelo não reembolso do capital investido, a saber 50 000 EUR – artigo 562.º do C. C. – .

Na sentença fixaram-se os juros desde a data da citação, não tendo havido qualquer reação dos recorridos sobre esta matéria.

No que respeita ao valor do reembolso, o mesmo será o valor do capital, sendo que (também) não é suscitada qualquer outra questão no recurso (e na própria ação) sobre outros montantes que o pudessem diminuir.

Está assim claramente demonstrada a ilicitude (falta de prestação de informação), a culpa (presumida e não afastada pelo recorrente) e o nexo de causalidade entre essa violação e o dano.

Uma vez que se atingiu a data de vencimento do investimento e o mesmo não se efetuou, provado que houve violação culposa do dever de informação pelo intermediário financeiro e que por causa da mesma o recorrido se desapossou de 50 000 EUR que, quando deveria receber, não recebeu, o dano está consumado.

Se na data de reembolso este tivesse sido efetuado pela entidade emitente ou por uma outra entidade em sua substituição, haveria na mesma violação do dever de informação mas não havia dano a indemnizar.

Outra questão poderia ser a de perceber se, além desta causalidade do dano de 50.000 EUR, não poderia haver uma outra que também causava dano ao investidor, por exemplo, a insolvência de «A... …».

E afigura-se que também essa situação poderia provocar um dano ao recorrido pois muito provavelmente, por falta de liquidez da insolvente/emitente, o reembolso não se efetuaria total ou parcialmente mas isso pressupunha uma outra causa para o dano – incumprimento pelo emitente da sua obrigação de reembolso que assim causava um prejuízo para o subscritor, direcionada para outra entidade e com uma também diferente causa de pedir (incumprimento contratual – artigo 798.º e seguintes do C. C. -).

Mas isso não afasta a causalidade de a omissão de um dever de informação em relação ao dano que o subscritor tem – se este não celebrava a subscrição se estivesse devidamente informado, não sofria o dano de ficar desembolsado do capital pois não o teria entregue -, havendo assim um ressarcimento que tem por fonte o início de toda a relação que se estabeleceu entre cliente e intermediário financeiro.

Na outra situação (incumprimento pelo emitente) a causa encontra-se na fase de plena execução do contrato, mesmo até na parte final (reembolso do empréstimo).

O nexo de causalidade, tal como previsto no artigo 563.º, do C. C., não exige que a causa para o dano tenha de ser exclusiva (Acs. S. T. J. de 06/03/2007, processo n.º 07A138 e R. C. de 20/10/2015, processo n.º 335/09.7TBNLS.C1, ambos todos em www.dgsi.pt ).

O artigo 562.º, do C. C. estatui que «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» e o artigo 564.º, do mesmo diploma que «o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.».

O dano a ressarcir é, como já referimos, o montante entregue para aquisição das obrigações – 50 000 EUR –, sendo este o dano emergente.

Confirma-se assim a argumentação da sentença recorrida.


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Uma vez que a pretensão visada com o recurso não obteve provimento, não é necessário analisar a ampliação de recurso (matéria factual) pedida pelos recorridos, nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do C. P. C.[3].

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Conclui-se assim pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

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3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo recorrente.

Registe e notifique.


Porto, 2025/10/23.
João Venade.
António Carneiro da Silva, [com a seguinte declaração de voto:
Voto o acórdão, incluindo quanto à densificação do conceito culpa grave constante do nº 2 do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários [na redacção anterior à alteração introduzida pela Lei nº 99-A/2021, de 31 de Dezembro], nessa parte revendo a posição que anteriormente deixei expressa em diversas decisões e arestos [por exemplo, no Processo nº 2234/24.3T8PRT.P1 deste Tribunal da Relação do Porto], alteração de posição que essencialmente se deve à constatação da jurisprudência absolutamente pacífica do Supremo Tribunal de Justiça na matéria, e em homenagem ao princípio de aplicação uniforme da lei.]
Isabel Ferreira
________________
[1]O contrato foi efetivamente cumprido, pelo que se terá de aplicar um prazo prescricional relativo a um contrato perfeito e não o prazo de um contrato não concretizado, como sucederia com o artigo 227.º, n.º 2, do C. C..
[2] Se houvesse outro momento de conhecimento pelos recorridos, competia ao recorrente prová-lo (artigo 342.º, n.º 2, do C. C.), prova essa que não se fez.
[3] Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas – ampliação de recurso e não recurso subordinado, como pensamos que por lapso se refere no despacho de admissão do recurso -.