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DIREITO À RECONSTITUIÇÃO NATURAL
OBRAS EM PARTES COMUNS
Sumário
I - O direito à reconstituição natural como forma de prover à direta remoção do dano real à custa do responsável foi gizado em benefício do lesado, pelo que só este poderá exercê-la. II - Tendo obras em fração provocado estragos irrelevantes no pavimento de outra fração, atento o seu mau estado prévio, não impende sobre os proprietários da primeira o dever de suportar o custo da reparação. III - Não discriminando o orçamento com elenco de reparações a efetuar o valor de cada item, excluindo-se algum da reparação, não existindo elementos para a fixação através de equidade, impõe-se a respetiva ulterior liquidação. IV - O condómino que procede a obras em partes comuns sem que antes dê conta ao outro condómino e sem que demonstre que a reparação era indispensável e urgente não tem direito a perceber do segundo a quota parte do valor da reparação que a este caberia.
Texto Integral
Processo: 6651/23.8T8VNG.P1
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Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.º adjunto: Carlos Gil
2.º adjunto: José Eusébio Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
AA e BB intentaram a presente ação declarativa contra CC e DD.
Pedem que os RR. sejam condenados a pagar-lhes € 3.840,89, acrescidos de juros de mora, e da quantia que se vier apurar em liquidação, bem como € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais.
Os RR. deduziram contestação e reconvieram. Pedem a condenação dos AA. a pagar-lhes € 2.443,75, acrescidos de juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até pagamento, referente à sua quota-parte na reparação do telhado do imóvel.
A reconvenção foi contestada.
A reconvenção foi admitida enquanto compensação de créditos, a apreciar apenas se o pedido principal fosse julgado procedente.
Em sede de audiência prévia foi fixado valor à ação, enunciado o objeto do litígio e elencados temas da prova.
Realizou-se audiência do julgamento.
Foi proferida sentença que:
- julgou parcialmente procedente a presente ação, condenando os RR. a pagarem solidariamente aos AA. € 3.468,60, a título de dano patrimonial, a que acrescerá IVA, € 150,00 a cada um dos AA., a título de danos não patrimoniais, bem como em juros de mora, à taxa supletiva, vencidos e vincendos desde a citação até pagamento;
- julgou totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo os reconvindos do pedido.
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Inconformados, os RR. interpuseram o presente recurso, que finalizaram do modo que em seguida se reproduz.
(…)
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Os RR. contra-alegaram, rematando nos seguintes termos.
(…)
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II - Questões a dirimir:
a - da reapreciação da matéria de facto;
b - se, a haver lugar a condenação dos RR., esta deve operar através da reconstituição natural;
c - da quantia destinada a repor o imóvel no estado em que se encontrava;
d - do pedido reconvencional.
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III - Fundamentação de facto
Factos provados (constantes da sentença)
1) Os autores são legítimos donos e proprietários de um prédio, sito na Rua ..., ..., R/C, que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob a descrição n.º ...-A Vila Nova de Gaia (...), e inscrito na Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia-1, pelo artigo matricial ... - fração autónoma A, da União de Freguesias ... e ...;
2) O autor exerce a atividade profissional de mecânico de automóveis e é na fração descrita no item anterior, que deposita grande parte dos seus materiais ligados àquela sua atividade;
3) Os réus são, desde dezembro de 2022, legítimos donos e proprietários do prédio, sito na Rua ..., ..., 1.º andar, que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob a descrição n.º ...-B, da freguesia ... (...), e inscrito na Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia -1, pelo art.º matricial ... - fração Autónoma B, da União de Freguesias ... e ...;
4) São autores e réus únicos donos e proprietários do imóvel com duas frações (A e B) sito na Rua ..., ..., os autores da fração do R/C e os réus da fração do 1.º andar;
5) Em fevereiro de 2023, o autor quando se deslocou à sua fração, apercebeu-se da existência de lixo no chão da mesma, o qual não havia sido por si causado, bem como, um buraco e rachadelas nas paredes e tetos, que até àquela data inexistiam;
6) O lixo, o buraco e rachadelas nas paredes foram provocados pelas obras levadas a cabo pelos réus na fração pertença daqueles, no 1.º andar;
7) O autor contactou a P.S.P. local;
8) Em abril de 2023, a fração do autor estava inundada com água a cair do teto;
9) No dia seguinte, pelas 09H30, o autor chamou a P.S.P. ao local;
10) No dia 12/04/2023, o réu contactou telefonicamente o autor referindo que se queria deslocar à fração deste para ver e verificar os danos causados e, consequentemente, repará-los;
11) No local, a garagem dos autores apresenta manchas no teto que indicam a ocorrência de infiltrações de água provenientes do andar superior;
12) Também na parede meeira a existência de uma fissura, um buraco tapado com poliuretano e uma pequena zona com queda do reboco;
13) Existem sinais de infiltrações no teto da garagem, assim como vestígios no teto, que indiciam a ocorrência de infiltrações de águas;
14) Em resultado da ocorrência de infiltrações de águas, os tetos e paredes da garagem ficaram humedecidos e manchados, sendo estas manchas distintas de outras manchas já existentes, devido à vetustez, utilização e falta de obras de conservação;
15) O pavimento da garagem tem diversas manchas resultantes do desgaste devido à utilização, admitindo-se na perícia que a ocorrência de infiltrações tenha causado algum agravamento não relevante;
16) Na parede de divisão das frações, imediatamente à direita da entrada da garagem, na parte superior, existe um buraco com pequeno desprendimento do reboco, ficando o tijolo à vista;
17) Na parte inferior, existe um furo tapado com poliuretano;
18) Existe ainda uma fissura que se inicia na parte superior com direção vertical, fazendo uma curva com tendência horizontal, seguindo com direção oblíqua;
19) Os danos apresentados na referida parede foram provocados na sequência das obras levadas a cabo pelos réus no 1.º andar;
20) As obras aparentes realizadas pelos réus na parede de meação com a fração dos autores consistem basicamente na aplicação de placas de gesso cartonado (pladur), fixadas em calhas metálicas;
21) As calhas metálicas são fixadas à parede meeira;
22) A fixação das calhas metálicas à parede meeira causou a perfuração e a fissuração verificadas nessa parede meeira vista pelo lado da garagem do autor;
23) Intervencionar as paredes, o teto e chão da fração dos autores implica as seguintes reparações:
a) Reparação do teto;
b) Emaçamento de fissuras provocadas pelas infiltrações;
c) Pintura, primário e tinta de acabamento;
d) Fechar buracos nas paredes criados por obra existente no andar superior;
e) Descravar armário existente para execução dos trabalhos;
f) Pintar, primário e tinta de acabamento;
g) Cravar armário;
h) Remover tinta danificada pela inundação;
i) Aplicar tinta no chão, tudo no valor de 3.468,60€;
24) Os autores sentiram-se nervosos e ansiosos com o acima descrito;
25) Os réus adquiriram a fração B, do prédio sito na Rua ..., ..., rés-do-chão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Vila Nova de Gaia sob a descrição n.º ... – B, da freguesia ... (...) e inscrito na matriz predial n.º ... – fração B;
26) Tendo iniciado obras no mesmo;
27) No decurso da realização das obras, os réus tomaram conhecimento de que estariam a existir infiltrações de águas na fração A;
28) Os autores e reconvindos são detentores de uma permilagem de 25% do edifício.
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Factos não provados:
I. No descrito em 5), exatamente o dia 19;
II. No descrito em 8) e 9), exatamente dias 5 e 6 de abril;
III. Com a entrada da água pelo teto da fração e a consequente inundação, estragados ficaram vários materiais que o autor ali tinha, relacionados com a sua profissão de mecânico, tais como aparelho de soldar, ferramentas, limas, alicates, pregos, discos e chaves, cujo prejuízo se estima em 372,29€;
IV. Os autores sentiram-se tristes, frustrados e desesperados;
V. Tal estado de ansiedade e nervosismo fez com que o autor estivesse dias e dias sem se alimentar e dormir, tendo-se tornado uma pessoa triste e desacreditada acerca da dignidade dos demais seres humanos;
VI. Tornaram-se os autores, com a conduta adotada pelos réus, pessoas desconfiadas e com dificuldade em acreditar na sociedade, visto que adotaram uma conduta correta de conservar a fração e os réus não se inibiram de a danificar, ignorando as suas interpelações para reparação dos danos causados;
VII. Com a entrada da água pelo teto da fração e a consequente inundação, estragados ficaram vários materiais que o autor ali tinha, relacionados com a sua profissão de mecânico, tais como aparelho de soldar, ferramentas, limas, alicates, pregos, discos e chaves, cujo prejuízo se estima em 372,29€;
VIII. Tendo de imediato solicitado o corte de abastecimento de água junto de A..., EM, SA.;
IX. As obras mencionadas em 27), abrangeram uma intervenção no telhado;
X. Tendo apenas sido eliminada a parede divisória da cozinha ficando um espaço amplo;
XI. As obras realizadas consistiram essencialmente em arranjo das paredes, tetos e pavimentos;
XII. Ficando a reparação do telhado orçada no montante de 9.775,00€, acrescida de I.V.A. à taxa legal de 23%, o qual já foi liquidado pelos reconvintes;
XIII. Autores e réus deliberaram executar obras no telhado.
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IV - Fundamentação jurídica
a - Da reapreciação da matéria de facto
Os apelantes alegam que a sentença violou o disposto no art.º 607.º do C.P.C., pois não conteria uma análise crítica e racional dos motivos que levaram o juiz a dar maior relevância a determinadas provas, em detrimento de outras.
Nos termos do art.º 607.º/4 do C.P.C., o juiz deve analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
A crítica dirigida pelos apelantes à fundamentação de facto é essencialmente conclusiva. Em todo o caso, analisada a mesma, verifica-se que o juiz justificou os motivos da sua decisão, declarou por que razão deu credibilidade aos depoimentos, julgou relevante a prova pericial e o que retirou para a sua convicção de documentos carreados para os autos.
Improcede, por isso, a argumentação dos apelantes.
A questão da fundamentação da matéria de facto só poderá ser aquilatada do ponto de vista da reapreciação dos concretos pontos impugnados pelos recorrentes, questão sobre a qual nos passaremos agora a deter.
Os apelantes entendem que o facto dado como assente sob o n.º 26 deverá adotar a seguinte redação:
- “Tendo iniciado obras no mesmo, incluindo reparação e substituição do telhado existente”.
O facto 26 tal como consta da sentença é o seguinte: 26) Tendo iniciado obras no mesmo.
Este facto vem na sequência do facto 25, que enuncia a aquisição pelos RR. da fração “B”.
E prende-se diretamente com o facto dado como não provado sob o n.º IX: As obras mencionadas em 27) abrangeram uma intervenção no telhado.
Os recorrentes visam que se acrescente que as obras abrangeram o telhado.
Em sede de conclusões, os apelantes tecem as seguintes considerações:
d) Os depoimentos que se elencam nestas alegações impõem uma alteração da matéria de facto, quer dos factos provados, quer não provados, pois não deixam qualquer dúvida que seja da efetiva realização das obras no telhado pelos Réus e do custo das mesmas.
A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1.ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de ónus consignados na lei processual.
Nos termos do disposto no art.º 639.º/1 do C.P.C., o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão.
Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto versa o art.º 640.º/1 do C.P.C. que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Preceitua o art.º 640.º/2/a) do C.P.C. que, quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
O recorrente, quer na identificação do objeto do recurso, quer nas conclusões, tem de definir especificamente aquilo que pretende ver reapreciado, indicando os factos que pretende ver eliminados, alterados ou aditados. Poderá indicar com maior precisão os meios probatórios que justificam a sua pretensão no corpo das alegações, mas os factos a expurgar, modificar ou introduzir, esses hão de, forçosamente, constar das conclusões. É esse, afinal, sob o ponto de vista da matéria de facto, o cerne da sua pretensão (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2022, 7.ª edição, Almedina, pp. 134/135).
Os apelantes indicaram os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados. E indicaram a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640.º/c), a saber, que passe a constar dos factos assentes que no âmbito das obras realizadas pelos AA. se incluiu o telhado, com a respetiva reparação e substituição.
Já no que concerne à identificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, os apelantes invocam prova gravada com extensas transcrições dos depoimentos e declarações de parte.
Apesar da imprecisão na concretização deste ónus da impugnação, que dificulta a apreensão dos fundamentos da pretensão dos apelantes, adotar-se-á a solução de que respeitaram suficientemente o ónus da impugnação, também neste particular.
Ao debruçarmo-nos sobre a questão da reparação e substituição do telhado, surpreende-se que AA. e RR. reconhecem ter existido intervenção no telhado. Desconhece-se, porém, em que moldes. Os AA. pretendem que a intervenção teve lugar nos termos do orçamento para a obra, que reporta um serviço de telhado de € 9 775, 00 (sem IVA). Trata-se de um orçamento sem data. As faturas que comprovariam o pagamento da quantia aludida carreadas para os autos pelos RR. são no valor de € 2 500, 00, com vencimento em 19-1-2023, atinentes a fornecimento de material, de € 2 500, 00, com vencimento na mesma data de 19-1-2023, atinentes a serviço de construção civil e de € 3 500, 00, com vencimento ainda na mesma data, reportando fornecimento de mão de obra.
DD explicitou o modo como o pagamento da obra ia tendo lugar, alegadamente em tranches. Os pagamentos que iam efetuando reportavam-se à obra na sua globalidade.
Da perícia realizada nada decorre no que se refere ao telhado. Do auto de vistoria da Câmara consta que nada há a referir quanto à cobertura, no sentido de que não há intervenção a efetuar. No mais, consta apenas que a cobertura se encontra revestida a telha cerâmica. Não foram carreadas imagens que permitam visualizar o estado da cobertura do edifício.
Tudo visto, não se duvidando de que tenha existido intervenção no telhado, não ficamos convictos da substituição alegada pelos RR., do respetivo valor e do correspondente pagamento. Acresce que de acordo com o R. apelante terá havido lugar à introdução de uma claraboia na cobertura, o que em nada se prende com reparações, mas sim com uma opção dos RR..
Mesmo tendo os RR. suportado o pagamento de € 9 775, 00, desconhece-se se o fizeram por referência à cobertura, que era o que importava apurar. As faturas não o permitem discernir.
Toma-se, todavia, em consideração que a matéria de facto adquirida deve espelhar de forma tão concreta quanto possível a prova produzida nos autos, atentas todas as soluções plausíveis de direito. Assim, entende-se alterar a matéria de facto nos seguintes moldes:
26 dos factos assentes: Tendo iniciado obras na fração e operado intervenção no telhado.
Quanto ao facto não provado IX, elimina-se este.
Mantém-se, nos termos sobreditos, o facto XII não provado.
Relativamente ao facto que os apelantes pretendem ver introduzido nos factos provados, a que atribuíram o n.º 30, sendo ele mesmo um facto negativo, pressupõe este que os RR. procederam à realização de obras no telhado nos termos por si alegados - reparação e substituição -, pelo valor de € 9 775, 00, a que acrescia IVA. Não tendo sido produzida prova nestes moldes e não servindo a indicação de não pagamento propósito jurídico relevante, nada deverá ser acrescentado.
Os apelantes defendem que o facto provado n.º 23 deverá ser eliminado porque o único meio de prova em que o tribunal fundou a sua decisão foi o doc. 9 junto com a petição inicial Este documento consiste num orçamento. Segundo os RR., este documento não mereceria credibilidade.
O facto provado 23 refere que intervencionar as paredes, o teto e chão da fração dos autores implica as seguintes reparações:
a) Reparação do teto;
b) Emaçamento de fissuras provocadas pelas infiltrações;
c) Pintura, primário e tinta de acabamento;
d) Fechar buracos nas paredes criados por obra existente no andar superior;
e) Descravar armário existente para a execução dos trabalhos;
f) Pintar, primário e tinta de acabamento;
g) Cravar armário;
h) Remover tinta danificada pela inundação;
i) Aplicar tinta no chão,
tudo no valor de 3.468,60 €.
Alegam os apelantes que o relatório da diligência que constituiu a base da prova dos factos 14 e 15 está em contradição com o facto provado 23.
Segundo o facto provado 14, em resultado da ocorrência de infiltrações de águas, os tetos e paredes da garagem ficaram humedecidos e manchados, sendo estas manchas distintas de outras manchas já existentes, devido à vetustez, utilização e falta de obras de conservação.
O facto provado 15 refere que o pavimento da garagem tem diversas manchas resultantes do desgaste devido à utilização, admitindo-se na perícia que a ocorrência de infiltrações, tenha causado algum agravamento não relevante.
O facto 23 reporta as obras necessárias à colocação em boas condições das paredes, do teto e do chão da fração dos AA..
O facto 14 reporta-se aos tetos da fração dos AA., descrevendo que infiltrações causaram humidade e manchas, a que pré-existiam outras manchas, com origem na idade, uso e ausência de conservação.
O facto 15 refere a existência de manchas devidas ao uso, e que as infiltrações podem ter causado agravamento, não sendo este, todavia, relevante.
Independentemente do relevo dos factos provados 14 e 15 para a solução jurídica da causa, o respetivo teor não contradiz o facto 23. Tampouco o infirma o teor do relatório pericial. A descrição das obras necessárias à colocação da garagem dos AA. em estado regular e a respetiva orçamentação em nada contende com a circunstância de parte do estado de degradação da fração dos AA. não se ficar a dever às obras levadas a cabo pelos RR., mas sim ao uso e vetustez do imóvel e a omissão de conservação.
Indefere-se, por conseguinte, esta alteração à matéria de facto.
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b - Se, a haver lugar a condenação dos RR., esta deve operar através da reconstituição natural
Os apelantes alegam que a sentença recorrida não se podia ter afastado do princípio da reconstituição natural. Teria sido violado o disposto no art.º 562º do Código Civil.
Contrapõem os apelados que não pediram a reconstituição in natura, tampouco tendo essa questão sido suscitada pelos RR./apelantes na contestação.
Preceitua o art.º 562.º do C.C. que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
E o art.º 566.º/1 do mesmo Código que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
A ideia central da responsabilidade civil reside em que quem causar dano a outrem, de natureza patrimonial ou não patrimonial deverá restabelecer o bem jurídico violado no estado anterior à lesão (art.º 483.º do C.C.). No caso de o restabelecimento não ser possível, a reparação deverá ocorrer através do pagamento de indemnização pecuniária, na medida da diferença entre o estado anterior ao da lesão e aquele que sobrevier - teoria da diferença (artigos 562.º e 566.º do C.C.).
O fim precípuo da lei nesta matéria consiste em prover à direta remoção do dano real à custa do responsável. Trata-se, porém, de norma gizada em benefício do lesado. Ora, no caso concreto, os AA. não se pretenderam prevalecer dessa prerrogativa.
Conforme vem explanado no ac. do S.T.J. de 11-1-2007 (processo: 06B4430, Custódio Montes), a indagação de saber se em cada caso cabe a restauração natural ou a indemnização por equivalente tem a ver com a melhor forma de satisfazer o interesse do lesado que não o do lesante, embora a lei determine que o dano, em princípio, se deve reparar com a reconstituição natural. Na verdade, o que interessa é saber de que forma se deve reconstituir a "situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação," sem esquecer que esta alternativa é estabelecida em favor do lesado que não do lesante.Este apenas poderá discutir se a restauração natural é excessivamente onerosa para si, devendo, em tal caso, optar-se pela indemnização em dinheiro, podendo também discutir o respetivo montante.
Acresce que se trata de matéria suscitada pela primeira vez nas alegações recursórias. Ora só se deve conhecer de questões suscitadas pela primeira vez em sede de recurso se estas emergirem da aplicação do direito na sentença recorrida, não sendo possível ou não se justificando, por isso, que os recorrentes o tivessem feito em momento anterior.
Veja-se o sumário do ac. da Relação de Coimbra de 8-11-2018 (proc. 212/16.5T8PTL.G1, Afonso Cabral de Andrade): 1. Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova. 2. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido. 3. A única exceção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes (…).
E no ac. da Relação do Porto de 10-1-2022 (proc. 725/17.1T8VNG.P1, Fátima Andrade): na medida em que os recursos visam por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, está vedado ao tribunal de recurso apreciar as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, salvo se de conhecimento oficioso. Consequentemente, não pode este tribunal de recurso reapreciar a prova produzida com vista a aquilatar se os factos novos alegados pela recorrente só agora no recurso e não no momento processual adequado foram cabalmente demonstrados.
Nada há, por conseguinte, a apontar à sentença por esta via.
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c - Da indemnização a título de danos patrimoniais
Os danos causados pelas obras realizadas pelos AA., tal como constam da matéria assente, são os seguintes: - manchas no teto que indicam a ocorrência de infiltrações de água provenientes do andar superior; - sinais de infiltrações no teto da garagem, assim como vestígios no teto, que indiciam a ocorrência de infiltrações de águas; - na parede meeira existência de uma fissura, um buraco tapado com poliuretano e uma pequena zona com queda do reboco; - em resultado da ocorrência de infiltrações de águas, os tetos e paredes da garagem ficaram humedecidos e manchados, sendo estas manchas distintas de outras manchas já existentes, devido à vetustez, utilização e falta de obras de conservação; - na parede de divisão das frações, imediatamente à direita da entrada da garagem, na parte superior, existe um buraco com pequeno desprendimento do reboco ficando o tijolo à vista; - na parte inferior, existe um furo tapado com poliuretano; - existe ainda uma fissura que se inicia na parte superior com direção vertical, fazendo uma curva com tendência horizontal, seguindo com direção oblíqua; - os danos apresentados na referida parede foram provocados na sequência das obras levadas a cabo pelos réus no 1.º andar.
Ainda segundo a matéria assente, intervencionar as paredes, o teto e chão da fração dos autores implica as seguintes reparações: a) Reparação do teto; b) Emaçamento de fissuras provocadas pelas infiltrações; c) Pintura, primário e tinta de acabamento; d) Fechar buracos nas paredes criados por obra existente no andar superior; e) Descravar armário existente para execução dos trabalhos; f) Pintar, primário e tinta de acabamento; g) Cravar armário; h) Remover tinta danificada pela inundação; i) Aplicar tinta no chão. Estas reparações têm o custo de € 3 468,60.
Constituem pressupostos da responsabilidade civil a concorrência simultânea de facto voluntário do lesante; ilicitude; imputação do facto ao lesante; dano e nexo de causalidade facto/dano (Varela, João Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 495).
A responsabilidade está, por via de regra, ligada a um comportamento negligente, culposo, sendo de rejeitar a ideia de existência de responsabilidade objetiva genérica.
As relações de vizinhança acarretam restrições ao exercício do direito do proprietário, decorrentes do que se dispõe nos artigos 1346.º, 1348.º e 1350.º do C.C..
A responsabilidade civil extracontratual do proprietário de uma fração autónoma é ainda suscetível de encontrar fundamento legal no art.º 493.º/1 do C.C.. Prevê este que quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar (…) responde pelos danos que a coisa (…) causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Não oferece dúvidas de que em edifício constituído em regime de propriedade horizontal, conforme é o caso, os proprietários da fração autónoma cimeira são responsáveis pelos prejuízos causados na fração situada no piso inferior, por força das obras por si levadas a cabo, que culminaram em estragos no teto, nas paredes e no pavimento. Decorre dos factos assentes que o pavimento da garagem tem diversas manchas resultantes do desgaste devido à utilização e que a infiltrações poderão ter provocado algum agravamento, não sendo este, porém, relevante (facto15: O pavimento da garagem tem diversas manchas resultantes do desgaste devido à utilização, admitindo-se na perícia que a ocorrência de infiltrações tenha causado algum agravamento não relevante). O mesmo é dizer que não foram as obras levadas a cabo pelos RR. a provocar os estragos relevantes no pavimento. Isto porque estes já se encontravam estragados pelo uso e pelo decurso do tempo. Afigura-se-nos forçoso concluir que a aplicação de tinta no chão deverá ser excluída do elenco de obras a realizar.
O orçamento em que se fundou a condenação dos RR. não discriminou o preço relativo a cada um dos arranjos destinados a reparar os estragos causados pelas obras por estes empreendidas.
No caso vertente, apurou-se o valor global de danos, devendo ser excluído a quantia correspondente à reparação de uns dos itens identificados.
Temos, por conseguinte, que o custo das reparações é de € 3 468,60, cabendo retirar a este montante o que corresponderá à aplicação de tinta no chão.
De acordo com o n.º 3 do art.º 566.º do C.C., se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Na situação dos autos, a economia da totalidade das reparações abrange o teto e as paredes, com eliminação de fissuras, encerramento de buracos, pintura e descravamento e subsequente encravamento de armário para a execução dos trabalhos, bem como a pintura do pavimento cujo custo precisamente há que excluir. O trabalho correspondente à pintura do pavimento afigura-se ser dos menos complexos, logo dos menos dispendiosos, pela maior facilidade de aplicação. Não é, porém, possível, com um mínimo de certeza e segurança, fixar através da equidade o valor correspondente a essa pintura, de modo a reduzir o valor indemnizatório.
Prevê o art.º 609.º/2 do C.P.C. que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
Assim, relega-se para liquidação a fixação do quantitativo correspondente à pintura do pavimento, a abater ao montante indemnizatório.
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d - Do pedido reconvencional
Na contestação, os RR. pediram a condenação dos AA. a pagar-lhes € 2 443, 75, acrescidos de juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até pagamento, referente à sua quota-parte na reparação do telhado do imóvel.
A reconvenção foi julgada totalmente improcedente.
Os RR. concluem as suas alegações pedindo que os AA. sejam condenados no pagamento da quantia por si peticionada a título reconvencional.
No tocante ao pedido reconvencional pediram alterações à matéria de facto. O ponto 26 dos factos assentes foi alterado no sentido de dar como assente que os AA. operaram intervenção no telhado.
Está assente que os AA. e os RR. são os únicos donos e proprietários do imóvel com duas frações (A e B), sendo os AA. da fração do R/C e os RR. da fração do 1.º andar.
De harmonia com o disposto no art.º 1420.º/1 do C.C., cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício. Em conformidade com o preceituado no art.º 1421.º/1/b do C.C. são comuns o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração.
Prevê o art.º 1427.º/1 do C.C. que as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino. Nos termos do n.º 2, são indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.
Não há notícia nos autos de que as obras no telhado fossem indispensáveis e urgentes. Não poderiam, assim, sem mais ter sido levadas a cabo pelos RR., sem o prévio assentimento dos AA..
Acresce que não se provou em que consistiram concretamente as mesmas e qual o respetivo valor.
Inexiste, por isso, reparo a efetuar à decisão de improcedência do pedido reconvencional.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente, reduzindo-se a condenação dos RR. a título de danos patrimoniais ao pagamento aos AA. de € 3.468,60, acrescidos do montante correspondente ao IVA e aos juros à taxa legal, desde a citação até pagamento, reduzido do montante que se vier a apurar em liquidação correspondente à pintura do pavimento e mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
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Custas por apelantes e apelados, que se fixam em 7/8 para os apelantes e em 1/8 para os apelados, atenta a proporção da sucumbência (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 27-10-2025
Teresa Maria Fonseca
Carlos Gil
José Eusébio Almeida