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CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário
Sumário: 1 – O acervo fático deve ser enformado por factos, servindo os documentos apenas como elementos de prova dos factos que se tiverem por relevantes. 2 – Invocada certa motivação como justificativa da cláusula de termo aposta a um contrato de trabalho, sendo alegada a falsidade dessa motivação, cumpre ao empregador a prova dos factos que a suportam. 3 – Não efetuada tal prova, o contrato considera-se sem termo. 4 – Configura um despedimento ilícito a comunicação de não renovação de um contrato de trabalho considerado sem termo e tendo como parte trabalhadora grávida relativamente à qual não foi suscitada a emissão de parecer pela entidade competente na área de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
AA nos autos à margem referenciados notificada da Sentença, com data de 07-02-2025, inconformada com o seu teor vem da mesma interpor recurso de Apelação.
Pede a revogação da Sentença, sendo substituída por outra que julgue procedente a ação e declare o despedimento ilícito e condene a apelada em conformidade, seguindo o processo a sua ulterior tramitação até final, com as legais consequências.
Apresentou as seguintes conclusões:
A – Se uma determinada empresa de aviação comercial internacional regular e não-regular, registada em Portugal e que opera nas mais diversas rotas no Atlântico Norte (EUA e Canadá), Caraíbas, Américas Central e do Sul, África, Médio Oriente, Pacífico, Austrália e Oceânia. Se a referida empresa foi fundada em 23 de Agosto de 1993 e desde aí opera no mercado. Se a referida empresa providencia serviços charter, lease and Ad-Hoc flights de qualquer lado, desde que tenha aeroporto, para vários pontos da Europa e do mundo. Se esta empresa conta na sua frota com seis (3) B767-300ER e um (3) B777-200ER. Se a referida empresa forma tripulantes há pelo menos 16 anos, cerca de 60 por ano. Se a referida companhia tem pelo menos 80 tripulantes. Se a referida empresa só entre 22/04/2024 e 30/09/2024 contratou 105 tripulantes, as suas necessidades de tripulantes não são nem transitórias nem excecionais.
B - Para além da natureza excecional do contrato de trabalho a termo resolutivo, o motivo justificativo tem que constar expressamente no contrato com a menção dos factos que o integram, e apenas estes podem ser atendidos para aferir da validade do termo e estabelecimento do nexo causal para a celebração daquele contrato por aquele concreto período de tempo.
C – É insuficiente como motivo justificativo do termo, conduzindo à sua invalidade, a consignação no contrato de que este vigora pelo prazo de 8 meses, por a empregadora necessitar durante este período de tempo de “colmatar as necessidades temporárias, decorrentes do acréscimo excecional de atividade, quando depois foi necessário aditar mais 4 meses de período de duração e que a duração dos novos contratos comerciais referidos no cit nem são coincidentes com a duração deste, o que indicia e demonstra a falsidade de tais fundamentos e a sua natureza duradora.
D- Para além da natureza excecional do contrato de trabalho a termo resolutivo, o motivo justificativo tem que constar expressamente no contrato com a menção dos factos que o integram, e apenas estes podem ser atendidos para aferir da validade do termo e estabelecimento do nexo causal para a celebração daquele contrato por aquele concreto período de tempo.
E – A aposição de um termo falso e nulo visa defraudar a Lei no que respeita ao princípio da preferência da admissão e no da duração máxima de contrato de trabalho a termo e essa é a razão pela qual não há correspondência real e verdadeira entre a duração das necessidades e o período de duração aposto no cit.
F - A não renovação de um cit de uma trabalhadora grávida, tendo-lhe sido cometido que a razão de tal não renovação era a sua gravidez, viola a proteção da parentalidade prevista no artigo 33.º e ss. e 63.ºdo CT.
G – Se uma determinada trabalhadora foi formada pela própria empregadora para ser tripulante de aeronave, se foi avaliada após atl formação e em função desta chamada e contratada, se o seu cit adicional, já com esta a voar, foi aditado por adenda em mais 4 meses, não se pode inferir que a sua avaliação era negativa, ou, por uma razão lógica tal nunca teria sucedido.
H – Para os efeitos do artigo 640.º do CPC: foram incorretamente julgados os factos não provados seguintes os quais devem ser dados como provados:
- Que a Ré tenha contratado entre 17-01-2024 e 14-05-2024, para a mesma função que a A. executava, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II e JJ;
- Que a Ré tenha denunciado o contrato e não o tenha renovado porque a Autora se encontrava grávida;
- Que as necessidades da Ré contratar sejam regulares e permanentes, não havendo acréscimos sazonais;
- Que, após a saída da A., a Ré fez 4 procedimentos de contratação, tudo cf. ATA DE AUDIÊNCIA FINAL DE 25-11-2024, gravada no sistema informático do Tribunal a quo, e transcrições supra referidas no corpo das presentes Alegações;
I - Para efeitos do artigo 639.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC – as normas jurídicas que se entendem mal aplicadas e ou interpretadas são as seguintes: 33.º, 63.º, 140.º, 141.º, 143.º, 145.º, 146.º, 147.º e 148.º, 381.º, 389.º e 390.º do CT, artigo 342.º do CC e artigo 53.º da CRP.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no qual conclui que, ainda que não pelas exatas razões apresentadas pela Recorrente nas suas alegações, entende que o recurso merece provimento parcial provimento.
EUROATLANTIC AIRWAYS – TRANSPORTES AÉREOS, S.A., Recorrida, vem, notificada do Parecer do Ministério Público, responder discordando da invocação quer da nulidade do motivo justificativo aposto no seu contrato de trabalho, quer da convolação em contrato sem termo e consequentemente da ilicitude do seu despedimento, quer no que respeita à reintegração.
*
Segue-se um breve resumo dos autos:
AA veio intentar a presente ação de processo comum (emergente de contrato individual de trabalho) contra EUROATLANTIC AIRWAYS – TRANSPORTE AÉREO, S.A., pedindo que seja declarada a irregularidade e a ilicitude do despedimento e que a Ré seja condenada:
- No pagamento da compensação do despedimento ilícito, nos termos do artigo 389.º, n.º 1, al. a) e 391º do CT, no valor mínimo de 2280, 00€ (Dois mil duzentos e oitenta euros);
- A reconhecer que que o contrato a termo certo celebrado entre Autora e Ré, em 17 de Março de 2023, se converteu em contrato sem termo, com efeitos reportados a tal data;
- A reconhecer que a comunicação de caducidade, configura, com efeitos reportados a 17/03/2023., um despedimento ilícito efetuado pela Ré;
– A reintegrar a Autora no seu posto de trabalho com a categoria profissional e a antiguidade que lhe pertencem; bem como,
- A pagar à Autora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde 30 dias antes da instauração da presente ação até ao trânsito em julgado da presente decisão (incluindo férias, subsídio de férias e de Natal), cuja liquidação se calcula neste momento em € 2280, 00.
Alega, para tanto e, em resumo, que foi contratada a termo certo pela Ré, que o contrato a termo é nulo, por violação das normas legais imperativas que regem a sua utilização, pois que o trabalho que foi desempenhar não tem carácter não duradouro ou ocasional, sendo ilícito o despedimento levado a cabo pela ré a 17 de Março último.
Procedeu-se a audiência de partes, não tendo havido conciliação.
A R., notificada para contestar, apresentou contestação na qual alega que é uma companhia aérea maioritariamente afeta à atividade de fretamento de aeronaves para outras companhias e não apenas (nem sequer principalmente) para os voos regulares, pelo que o volume de negócio é altamente variável, dependendo dos contratos comerciais que sejam realizados, sendo que, no contrato a termo, com o qual a Autora concordou e assinou, encontram-se exaustivamente discriminados os contratos comerciais que a Ré celebrou e que deram origem às necessidades acrescidas e temporárias de aumentar o número de tripulantes de cabine, para fazer face aos contratos em causa; que entretanto houve motivos que justificaram a renovação do contrato da Autora por igual período, e que, mais tarde, tal motivação não se manteve, sendo que a Ré renova os contratos da tripulação de cabine conforme a sua necessidade, que é altamente volátil, mantendo o número de trabalhadores de que sabe necessitar ao longo do ano e da sua atividade constante, não renovando os trabalhadores para os quais já não tenha atividade suficiente, tendo em conta as avaliações das chefias e respetivos comportamentos que tiveram ao longo da sua contratação, proveniente de decisões superiores por parte da Administração da Ré, sendo que a par da aqui Autora, houve vários outros contratos a termo que não foram renovados, e independentemente da gravidez, ou de qualquer outra situação, o contrato da Autora não seria renovado, uma vez que as suas avaliações eram baixas, aliás, as avaliações dos superiores à Autora estão abaixo da média da restante tripulação da Ré, a Autora não se integrava bem na empresa e nos parâmetros que esta exigia e também não havia também qualquer vaga, em terra, que pudesse ser preenchida pela Autora, tendo em conta as suas qualificações.
Conclui pugnando que a ação seja julgada totalmente improcedente por não provada e, em conformidade, seja julgado: improcedente o pedido formulado pela Autora de reconhecer que a justificação aposta no contrato de trabalho não é suficiente convolando-se este em contrato de trabalho sem termo; improcedente o pedido formulado pela Autora quanto a ser declarado ilícito o seu despedimento; e, por último, improcedente o pedido formulado pela Autora quanto à condenação da Ré no pagamento das retribuições que a Autora deixou de auferir desde a data da sua não renovação até ao trânsito em julgado.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, e em consequência, absolveu a R. dos pedidos.
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – As necessidades de tripulantes da R. não são nem transitórias, nem excecionais?
2ª – O motivo aposto ao contrato é insuficiente?
3ª – A não renovação de um contrato individual de trabalho de trabalhadora grávida com base no estado de gravidez viola a proteção da parentalidade?
4ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
*** FUNDAMENTAÇÃO:
Razões de lógica processual impelem-nos a iniciar a discussão pela última das questões acima enunciadas – o erro de julgamento da matéria de facto.
Vem indicada a seguinte matéria integrante do elenco de factos não provados:
- Que a Ré tenha contratado entre 17-01-2024 e 14-05-2024, para a mesma função que a A. executava, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II e JJ;
- Que a Ré tenha denunciado o contrato e não o tenha renovado porque a Autora se encontrava grávida;
- Que as necessidades da Ré contratar sejam regulares e permanentes, não havendo acréscimos sazonais;
- Que, após a saída da A., a Ré fez 4 procedimentos de contratação.
Pretende-se uma resposta de provado ao 1º, ao 2º, ao 3º (!) e ao 4º pontos.
Com referência ao 1º ponto de facto vem indicada uma lista junta em 15/11/2024 e as declarações da Apelante; relativamente ao 2º, indicam-se as declarações da Apelante; quanto ao 3º, vem indicado o depoimento de KK; e para o último, os documentos juntos em 11/06/2024 (doc. 10 e 7) e declarações da Apelante.
Percorrida a motivação do recurso, muito embora se indiquem as provas a reapreciar conforme sobredito, apenas numa pequena parte do depoimento imputado à testemunha KK é efetuada a referência que permite localizar o respetivo depoimento nas gravações. No concernente às declarações da Apelante nunca é efetuada tal indicação precisa das passagens da gravação.
Verifica-se, assim, que embora cumprido o disposto no Artº 640º/1 do CPC, não se mostra cumprido o disposto no Artº 640º/2-a) do mesmo diploma, o que determina a imediata rejeição do recurso nesta parte.
Acresce, relativamente aos pontos enunciados em 2º e 3º lugar que os mesmos têm natureza conclusiva e, por essa razão, não podem enformar o elenco fático. Isto mesmo decorre de quanto se dispõe no Artº 607º/3 e 4 do CPC que, no que tange à fundamentação de facto é claro ao dispor que só os factos a integram.
Esta norma é aplicável ao julgamento a efetuar na Relação, conforme decorre do Artº 663º/2 do CPC.
Logo, ainda que se não rejeitasse, pelo motivo aduzido a reapreciação, sempre a mesma teria que ser rejeitada por esta via.
Restam os 1º e 4º pontos, relativamente aos quais se indica um conjunto de documentos.
Em 15/11/2024 a R. juntou aos autos uma lista de novos trabalhadores com as mesmas funções da A. que entraram depois de 16/03/2024. Entre eles BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ.
Consideramos, assim, provado, em face desta listagem, que a Ré contratou, depois de 16/03/2024, para a mesma função que a A. executava, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ.
Por sua vez, da peça junta em 11/06/2024, não se pode extrair que após a saída da A., a Ré fez 4 procedimentos de contratação. Constam ali cópias de uns anúncios publicitários, documentos manifestamente insuficientes para firmar a convicção de provado.
Concluindo, modifica-se o acervo fático introduzindo nele a seguinte matéria:
- A Ré contratou, depois de 16/03/2024, para a mesma função que a A. executava, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ.
*
Percorrido o acervo fático provado verificamos que consta do mesmo:
6 – Teor do e-mail enviado à Ré pela Autora a 05-01-2024, que esta recebeu, a informar que se encontrava grávida, com cópia da parte da frente do boletim de grávida – cfr. doc. junto com a petição inicial como doc. 4-1, cujo teor aqui se dá no mais por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
7 – Teor do e-mail enviado à Ré pela Autora a 10-01-2024, que esta recebeu – cfr. doc. junto com a petição inicial como doc. 4-1.1, que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
9 – Teor da Declaração do CITE datada de 16-04-2024 junta com a petição inicial como doc. 11 que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
10 – Teor dos prints do Instagram juntos com a petição inicial como docs. 6, 7, 8, 9 e 10 que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
11 - Teor dos e-mails juntos com a petição inicial como docs. 4-2 e 4-3, que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
12 - Teor da declaração médica de 10-01-2024, junta com a petição inicial como doc. 5.1, que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
13 - Teor do atestado médico de 10-01-2024, junta com a petição inicial como doc. 5.2, que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
22 – Teor do documento junto com a contestação como Doc. n.º 1, que aqui se dá aqui por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
O teor dos documentos é (ou não) relevante enquanto meio de prova capaz de comprovar algum facto alegado. Não é, sem si mesmo, um facto. Por outro lado, o acervo fático é integrado por factos – os factos que, integrando a causa de pedir ou de defesa possam relevar na decisão final (Artº 607º/4 do CPC).
Olhando a este arrazoado de referenciação não descortinamos a factualidade emergente do mesmo. O que significa que tal arrazoado é espúrio.
Impõe-se, pois, a respetiva eliminação. Não sem que deixemos de verificar se do conteúdo dos documentos juntos emerge algum facto alegado com relevo para o desfecho da causa.
Desde logo, e quanto ao ponto 6, considera-se, a partir do documento, provado que a A., enviou à R., e-mail, a 05-01-2024, que esta recebeu, a informar que se encontrava grávida, com cópia da parte da frente do boletim de grávida. Alterar-se-á a redação do ponto 6 em conformidade.
Relativamente ao ponto 9, considera-se provado, também a partir do referido documento, que a R., em 16/04/2024, comunicou à CITE, a não renovação do contrato de trabalho a termo com a A., alegando, como motivo, que se encontra “com um volume de atividade muito diminuído, já tendo sido realizados todos os serviços extraordinários e excecionais para os quais a trabalhadora em causa e outros foram contratados, tornando-se incomportável manter os respetivos contratos, uma vez que a sua razão deixou de existir”.
Quanto ao ponto 7, o email reporta-se à justificação de uma ausência mediante atestado, com anexação de um relatório sobre as implicações da gravidez, não assumindo, no contexto dos autos, qualquer relevância. O mesmo quanto ao ponto 10 onde se referem prints retirados de uma rede social. De igual modo, o ponto 11 que referencia correspondência trocada entre as partes sem interesse para o desfecho da ação. Também não vemos interesse na matéria reportada no documento referido em 12 e 13 – uma declaração médica que menciona a necessidade de ajuste de funções e outra que atesta a impossibilidade de trabalhar. E o mesmo se diga quanto ao ponto 22 onde é reportada uma escala de serviço.
Estes pontos eliminar-se-ão, pois, por indevidos, do acervo fático.
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Consta também como provado:
8 - O término do contrato foi a 17 de março do corrente ano, a A. foi informada dentro do prazo legal, que o mesmo não seria renovado – cfr. doc. junto com a petição inicial como doc. 12, cujo teor no mais aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais
Esta matéria assume cariz conclusivo, não podendo, em face do disposto no Artº 607º/4 do CPC, subsistir.
Do documento ali mencionado extrai-se que por carta datada de 12/02/2024, a R. comunicou à A. a não renovação do contrato de trabalho a termo certo datado de 17/03/2023, pelo que cessará os seus efeitos em 16/03/2024.
Será, pois, esta a matéria que inseriremos no acervo provado sob o ponto 8.
*
Ainda centrados no acervo fático, verificamos que sob o ponto 16 se exarou:
16 – É altamente volátil e imprevisível a quantidade de tripulantes que a Ré necessita a cada momento, por ser uma companhia maioritariamente afeta à atividade de fretamento de aeronaves para outras companhias e não apenas (nem sequer principalmente) para os voos regulares.
A primeira parte da frase que enforma este ponto é absolutamente conclusiva. E, por isso, e conforme já acima explicado, não pode enformar o acervo fático. Mantendo-se, embora, a segunda parte, eliminar-se-á aquela em conformidade com o supra dito.
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Igualmente o ponto 20, onde se consigna:
20 - A atividade da Ré em nada se assemelha à de uma companhia aérea dita “comum”, em que as rotas são definidas e são sempre as mesmas, tendo constantemente as mesmas necessidades de tripulação, ao longo de todo o ano.
Também esta matéria assume teor conclusivo, que, por isso, se eliminará.
*** FACTOS PROVADOS:
Da petição inicial
1 – A A. celebrou em 17/03/2023 um contrato individual de trabalho a termo certo com a Ré sociedade, o qual teve a duração de 8 meses – cfr. doc. junto com a petição inicial como doc. 1, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
2 - A A. foi admitida para trabalhar sob a autoridade e direção da Ré, com a categoria profissional de assistente de bordo – cfr. doc. junto com a petição inicial como doc. 1, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
3 – Consta do mesmo contrato, como justificação para a celebração desse contrato a termo o seguinte: «CONSIDERANDO QUE:
a) A Primeira Outorgante é uma empresa que tem por objeto o transporte por ar de passageiros, correio e carga, por meio de serviços aéreos não regulares e por afretamento, bem como outras atividades conexas que, direta ou indiretamente, se relacionam com o transporte aéreo;
b) No âmbito da sua atividade, a Primeira Outorgante realiza serviços aéreos não regulares, os quais estão dependentes de contratos ocasionais e não duradouros celebrados com clientes (que podem ser outras companhias aéreas ou operadores turísticos);
c) Tais contratos comerciais — que consistem na venda em Charter ou em ACMI da capacidade dos aviões que integram a frota da Primeira Outorgante — têm duração definida e limitada;
d) A atividade regular e normal da Primeira Outorgante engloba a realização de dois voos semanais, um para São Tomé e outro para a Guiné-Bissau;
e) Para além dos voos referidos no Considerando anterior, poderão ser realizados outros serviços aéreos se — e na medida em que — tal seja solicitado pelos clientes da Primeira Outorgante e pelo período previsto nos contratos de transporte aéreo celebrados com os mesmos, sendo que tais solicitações têm carácter imprevisível, incerto e variável;
f) A Primeira Outorgante celebrou recentemente contratos comerciais com um Operador Turístico nacional e, bem assim, com outras companhias aéreas, para a prestação de determinados serviços aéreos não regulares, com duração definida;
g) Em concreto, foram celebrados pela Primeira Outorgante os seguintes contratos comerciais:
(i) contrato celebrado com a AIR CAILIN para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de ACMI, com início em Maio e fim em Junho de 2023 (doravante designado "Contrato AIR CAILIN");
(ii) contrato celebrado com a OMNIBLU a 15 de Dezembro de 2022, para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de ACMI com início a 20 de Maio de 2023 (doravante designado "Contrato OMNIBLU ");
(iii) contrato celebrado com a Sonhando — Organização de Viagens, S.A. para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de charter na rota Lisboa-Dili-Lisboa, com termo previsível em Setembro de 2023, podendo vir a estender-se posteriormente (doravante designado "Contrato Sonhando DIL");
(iv) contrato celebrado a 10 de Março de 2023 com a LINCOLN TRANSPORT LTD., para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de ACMI com início em Abril de 2023 (doravante designado "Contrato LINCOLN TRANSPORT");
(v) contrato celebrado a 12 de Março de 2023 com a ACS SPAIN para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de ACMI com início em Março de 2023 (doravante designado "Contrato ACS SPAIN").
(vi) contrato celebrado a 10 de Março de 2023 com a LINCOLN TRANSPORT LTD., para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de ACMI com início em Abril e fim previsível em Agosto de 2023 (doravante designado "Contrato LINCOLN TRANSPORT").
h) Se estima que a execução dos referidos contratos comerciais determine um acréscimo do volume de atividade da Primeira Outorgante, uma vez que, para além dos voos regulares e daqueles que já estavam a ser assegurados pela Primeira Outorgante, esta passará a ter de realizar — pelo período e nos termos adjudicados, conforme melhor explicitado no Considerando anterior — outros voos que anteriormente não faziam parte da sua operação;
i) Os contratos comerciais referidos no Considerando g. serão previsivelmente executados ao longo dos próximos oito (8) meses, sendo esse, por isso, o período durante o qual se estima se verifique o acréscimo excecional e transitório da atividade da Primeira Outorgante acima referido;
j) A Primeira Outorgante carece de contratar pessoal técnico de voo, com vista a fazer face a esta necessidade transitória e a permitir o cumprimento dos compromissos contratuais assumidos pela Primeira Outorgante no âmbito dos contratos que já se encontravam em vigor e, bem assim, dos novos contratos referidos no Considerando g., em particular no que respeita ao número de tripulações mínimas exigidas para as operações em causa, uma vez que a Primeira Outorgante não dispõe de recursos humanos, designadamente pessoal de voo, disponível e suficiente para o efeito;
l) Não é previsível, neste momento, que o aludido acréscimo de atividade se venha a prolongar para além do período referido no considerando j. supra, pelo que as necessidades de contratação de pessoal navegante decorrentes desse acréscimo de trabalho não se afiguram permanentes mas antes temporárias, justificando-se, por isso, a contratação a termo da Segunda Outorgante.». – cfr. doc. junto com a petição inicial como doc. 1, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
4 – Em 17-11-2023 A. e R celebraram uma adenda ao primitivo CIT por mais 4 meses – cfr. documento junto com a petição inicial como doc. 2, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
5 – A A. auferiu em Junho de 2023 a retribuição base de € 760, 00 acrescida de um subsídio de “alimentação mensal valor fixo” de € 60,00, subsídio de “transporte 2” de € 106, 01, e subsídio de “Parque 2“ € 19,32 – cfr. documento junto com a petição inicial como doc. 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
6 – A A., enviou à R., e-mail, a 05-01-2024, que esta recebeu, a informar que se encontrava grávida, com cópia da parte da frente do boletim de grávida.
7 – Eliminado.
8 -Por carta datada de 12/02/2024, a R. comunicou à A. a não renovação do contrato de trabalho a termo certo datado de 17/03/2023, pelo que cessará os seus efeitos em 16/03/2024.
9 – A R., em 16/04/2024, comunicou à CITE, a não renovação do contrato de trabalho a termo com a A., alegando, como motivo, que se encontra “com um volume de atividade muito diminuído, já tendo sido realizados todos os serviços extraordinários e excecionais para os quais a trabalhadora em causa e outros foram contratados, tornando-se incomportável manter os respetivos contratos, uma vez que a sua razão deixou de existir”.
10 – Eliminado.
11 - Eliminado.
12 - Eliminado.
13 - Eliminado.
14 - A Ré contratou, depois de 16/03/2024, para a mesma função que a A. executava, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ.
Da contestação
14 - A Ré é uma empresa que tem por objeto o transporte por ar de passageiros, correio e carga, por meio de serviços aéreos não regulares e por afretamento, bem como outras atividades conexas que, direta ou indiretamente, se relacionam com o transporte aéreo.
15 - Foi no exercício da sua atividade comercial, predominantemente vocacionada para os voos designados “charter” para operadores turísticos e serviços de fretamento de aeronaves a outras companhias aéreas (comummente designados voos em regime de ACMI/Wet Lease), que a Ré contratou a Autora para exercer as funções de assistente de bordo nas aeronaves para as quais estava qualificada.
16 – A R. é uma companhia maioritariamente afeta à atividade de fretamento de aeronaves para outras companhias e não apenas (nem sequer principalmente) para os voos regulares.
17 – Dependendo da operação, os tripulantes podem ficar alocados a apenas uma única operação durante vários meses, o que implica que não possam realizar mais do que uma em simultâneo, já que podem deixar de se encontrar em Portugal durante um longo período, ou ficarem impossibilitados de prestar mais horas, consoante as distâncias dos voos realizados.
18 – Nestes casos, a Ré necessita de compensar o número de tripulantes, de forma a conseguir dar resposta não só aos voos das operações contratadas, como os seus voos regulares, já que muitos dos seus tripulantes efetivos ficam alocados a outras operações, deixando de poder efetuar os regulares.
19 - Cada operação tem necessidades de tripulação diferentes, como também por vezes são necessários mais do que um “crew set”, ou seja, conjunto de tripulação, para uma só operação.
20 - Eliminado.
21 – Caso a Ré fosse obrigada a ter o mesmo número de tripulantes de cabine a todo o tempo, capazes de dar resposta a todas as possíveis operações, não seria capaz de operar e manter a sua atividade durante muito tempo e já não existiria.
22 – Eliminado.
23 - A adenda ao contrato de trabalho, junta pela Autora como Doc. 2 da Petição Inicial, discrimina de igual modo, os contratos comerciais que haviam sido celebrados e que justificaram a sua renovação pelo período de 4 (quatro) meses:
- Contrato celebrado com a Air France;
- Contrato celebrado com a SirLankan Airlines;
- Contrato celebrado com a Air Partner;
- Contrato celebrado com Air Austral;
- Contrato celebrado com a Cabo Verde Airlines – cfr. documento junto aos autos cujo teor no mais aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
*** O DIREITO:
Deter-nos-emos seguidamente sobre a 1ª questão – As necessidades de tripulantes da R. não são nem transitórias, nem excecionais?
A causa de pedir invocada na presente ação assentou única e exclusivamente na falsidade do motivo invocado no contrato. Isso mesmo se extrai muito claramente de quanto se invocou nos Artº 16º/17º e 28º e ss. da PI (estes já em sede de invocação do Direito).
Invocou-se nos Artº 16º e 17º da PI que não só o fundamento do termo aposto aos contratos é falso, pois a R. tem sempre trabalho, logo não há acréscimo sazonal, e daí a sua necessidade de estar sempre a contratar, sendo as suas necessidades regulares porque a R. está sempre com sucessivas operações.
Perante esta causa de pedir, competia à R. provar a veracidade do motivo invocado ao contratar.
Para o efeito, competia à R. convencer que a motivação clausulada teve correspondência com a realidade, de modo a que se pudesse concluir pela excecionalidade invocada.
Ponderou-se na sentença que “no caso em apreço e tendo em consideração a matéria de facto provada atinente que aqui se dá por reproduzida e integrada para todos os efeitos legais, verificamos que a justificação indicada pela empresa para a celebração do contrato a termo e, posteriormente, para a celebração da adenda que justificou a renovação do mesmo contrato de trabalho por mais 4 meses, terá que ser considerada substancialmente verdadeira.”
Defende a Apelante em sede conclusiva que se uma determinada empresa de aviação comercial internacional regular e não-regular, registada em Portugal, opera nas mais diversas rotas no Atlântico Norte (EUA e Canadá), Caraíbas, Américas Central e do Sul, África, Médio Oriente, Pacífico, Austrália e Oceânia. Se a referida empresa foi fundada em 23 de Agosto de 1993 e desde aí opera no mercado. Se a referida empresa providencia serviços charter, lease and Ad-Hoc flights de qualquer lado, desde que tenha aeroporto, para vários pontos da Europa e do mundo. Se esta empresa conta na sua frota com seis (3) B767-300ER e um (3) B777-200ER. Se a referida empresa forma tripulantes há pelo menos 16 anos, cerca de 60 por ano. Se a referida companhia tem pelo menos 80 tripulantes. Se a referida empresa só entre 22/04/2024 e 30/09/2024 contratou 105 tripulantes, as suas necessidades de tripulantes não são nem transitórias nem excecionais.
Não diz a Apelante em que parte do acervo fático se funda para chegar a esta conclusão.
Em sede de motivação afirma, porém, entre outros sem qualquer relevo para a questão, que a Apelada não logrou provar que os factos invocados no contrato correspondem à realidade (Artº 76º), estando a adenda também inquinada.
A Apelada não contra-alegou, tendo, na resposta dada ao parecer emitido pelo Ministério Público vindo contrapor à convicção daquele ali exarada.
Vejamos!
A liberdade contratual inerente à disciplina dos contratos de natureza cível é muito limitada em sede de contratação laboral a termo, desde logo porque o recurso a tal forma de contratação há-de radicar numa razão objetiva e explícita. Como salienta Monteiro Fernandes, “a lei exige não só que exista motivação ou justificação da celebração do contrato a termo; é necessário que ela se integre numa tipologia” legalmente descrita “e ainda que seja indicada no documento escrito de que constarão as estipulações contratuais”1.
O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades (Artº 140º do CT). Por outro lado, a indicação do termo e do respetivo motivo justificativo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (Artº 142º/1).
“É necessário, em suma, que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do Artº 129º2; e a realidade da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato”3.
Será esta atividade que permite ao trabalhador e ao tribunal aferir da subsequente veracidade do motivo. Mas para a aferir tem que o contrato dar corpo a esta formalidade que é uma formalidade ad substantiam.
Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º.”4
Assim, será em presença da motivação constante dos contratos e suas renovações que o Tribunal deverá aferir da veracidade do termo, o mesmo é dizer, que, invocando-se a respetiva falsidade, cumprirá à Empregadora alegar e provar a verificação dos factos que integraram a justificação dos termos apostos aos contratos.
A aposição do termo ao contrato no caso sub-júdice, justificou-se nos seguintes termos:
a) A Primeira Outorgante é uma empresa que tem por objeto o transporte por ar de passageiros, correio e carga, por meio de serviços aéreos não regulares e por afretamento, bem como outras atividades conexas que, direta ou indiretamente, se relacionam com o transporte aéreo;
b) No âmbito da sua atividade, a Primeira Outorgante realiza serviços aéreos não regulares, os quais estão dependentes de contratos ocasionais e não duradouros celebrados com clientes (que podem ser outras companhias aéreas ou operadores turísticos);
c) Tais contratos comerciais — que consistem na venda em Charter ou em ACMI da capacidade dos aviões que integram a frota da Primeira Outorgante — têm duração definida e limitada;
d) A atividade regular e normal da Primeira Outorgante engloba a realização de dois voos semanais, um para São Tomé e outro para a Guiné-Bissau;
e) Para além dos voos referidos no Considerando anterior, poderão ser realizados outros serviços aéreos se — e na medida em que — tal seja solicitado pelos clientes da Primeira Outorgante e pelo período previsto nos contratos de transporte aéreo celebrados com os mesmos, sendo que tais solicitações têm carácter imprevisível, incerto e variável;
f) A Primeira Outorgante celebrou recentemente contratos comerciais com um Operador Turístico nacional e, bem assim, com outras companhias aéreas, para a prestação de determinados serviços aéreos não regulares, com duração definida;
g) Em concreto, foram celebrados pela Primeira Outorgante os seguintes contratos comerciais:
(i) contrato celebrado com a AIR CAILIN para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de ACMI, com início em Maio e fim em Junho de 2023 (doravante designado "Contrato AIR CAILIN");
(ii) contrato celebrado com a OMNIBLU a 15 de Dezembro de 2022, para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de ACMI com início a 20 de Maio de 2023 (doravante designado "Contrato OMNIBLU ");
(iii) contrato celebrado com a Sonhando — Organização de Viagens, S.A. para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de charter na rota Lisboa-Dili-Lisboa, com termo previsível em Setembro de 2023, podendo vir a estender-se posteriormente (doravante designado "Contrato Sonhando DIL");
(iv) contrato celebrado a 10 de Março de 2023 com a LINCOLN TRANSPORT LTD., para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de ACMI com início em Abril de 2023 (doravante designado "Contrato LINCOLN TRANSPORT");
(v) contrato celebrado a 12 de Março de 2023 com a ACS SPAIN para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de ACMI com início em Março de 2023 (doravante designado "Contrato ACS SPAIN").
(vi) contrato celebrado a 10 de Março de 2023 com a LINCOLN TRANSPORT LTD., para a prestação de serviço de transporte aéreo em regime de ACMI com início em Abril e fim previsível em Agosto de 2023 (doravante designado "Contrato LINCOLN TRANSPORT").
h) Se estima que a execução dos referidos contratos comerciais determine um acréscimo do volume de atividade da Primeira Outorgante, uma vez que, para além dos voos regulares e daqueles que já estavam a ser assegurados pela Primeira Outorgante, esta passará a ter de realizar — pelo período e nos termos adjudicados, conforme melhor explicitado no Considerando anterior — outros voos que anteriormente não faziam parte da sua operação;
i) Os contratos comerciais referidos no Considerando g. serão previsivelmente executados ao longo dos próximos oito (8) meses, sendo esse, por isso, o período durante o qual se estima se verifique o acréscimo excecional e transitório da atividade da Primeira Outorgante acima referido;
j) A Primeira Outorgante carece de contratar pessoal técnico de voo, com vista a fazer face a esta necessidade transitória e a permitir o cumprimento dos compromissos contratuais assumidos pela Primeira Outorgante no âmbito dos contratos que já se encontravam em vigor e, bem assim, dos novos contratos referidos no Considerando g., em particular no que respeita ao número de tripulações mínimas exigidas para as operações em causa, uma vez que a Primeira Outorgante não dispõe de recursos humanos, designadamente pessoal de voo, disponível e suficiente para o efeito;
l) Não é previsível, neste momento, que o aludido acréscimo de atividade se venha a prolongar para além do período referido no considerando j. supra, pelo que as necessidades de contratação de pessoal navegante decorrentes desse acréscimo de trabalho não se afiguram permanentes mas antes temporárias, justificando-se, por isso, a contratação a termo da Segunda Outorgante.». – cfr. doc. junto com a petição inicial como doc. 1, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
Perante esta justificação, e invocada que foi a falsidade, competia à Apelada, nos termos do disposto no Artº 140º/5 do CT, provar:
- Quais os contratos ocasionais e não duradouros que foram celebrados;
- Que outros serviços aéreos, para além dos regulares, foram realizados e
- Quais os contratos celebrados recentemente para prestação de serviços não regulares, concretamente se foram celebrados os referidos no ponto g) do motivo justificativo.
Provou-se que a Ré é uma empresa que tem por objeto o transporte por ar de passageiros, correio e carga, por meio de serviços aéreos não regulares e por afretamento, bem como outras atividades conexas que, direta ou indiretamente, se relacionam com o transporte aéreo. Foi no exercício da sua atividade comercial, predominantemente vocacionada para os voos designados “charter” para operadores turísticos e serviços de fretamento de aeronaves a outras companhias aéreas que a Ré contratou a Autora para exercer as funções de assistente de bordo nas aeronaves para as quais estava qualificada.
A R. é uma companhia maioritariamente afeta à atividade de fretamento de aeronaves para outras companhias e não apenas (nem sequer principalmente) para os voos regulares.
Dependendo da operação, os tripulantes podem ficar alocados a apenas uma única operação durante vários meses, o que implica que não possam realizar mais do que uma em simultâneo, já que podem deixar de se encontrar em Portugal durante um longo período, ou ficarem impossibilitados de prestar mais horas, consoante as distâncias dos voos realizados. Nestes casos, a Ré necessita de compensar o número de tripulantes, de forma a conseguir dar resposta não só aos voos das operações contratadas, como os seus voos regulares, já que muitos dos seus tripulantes efetivos ficam alocados a outras operações, deixando de poder efetuar os regulares. Cada operação tem necessidades de tripulação diferentes, como também por vezes são necessários mais do que um “crew set”, ou seja, conjunto de tripulação, para uma só operação. Caso a Ré fosse obrigada a ter o mesmo número de tripulantes de cabine a todo o tempo, capazes de dar resposta a todas as possíveis operações, não seria capaz de operar e manter a sua atividade durante muito tempo e já não existiria.
Como é bom de ver, não emerge do acervo fático, algo que dê resposta às questões a que importava responder e que certificavam a veracidade do motivo invocado.
Não podemos, pois, sufragar a conclusão ínsita na sentença, de acordo com a qual a justificação apresentada se tem como verdadeira.
Contrariamente ao que é afirmado, o acervo fático não suporta uma tal conclusão.
E, assim, o contrato considera-se sem termo, conforme decorre do disposto nos Artº 147º/1-b) e 140º/1 do CT – não provou a R. a motivação invocada.
Nestes termos, procede a questão em apreciação.
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Como 2ª questão a resolver, a insuficiência do motivo justificativo.
Esta é, porém, uma questão que extravasa a causa de pedir.
Conforme acima dito, a causa de pedir assentou exclusivamente na falsidade do motivo invocado, tendo sido nessa base que a sentença se pronunciou.
Como é sabido, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais (Artº 627º/1 do CPC).
Dito de outra forma, os recursos “são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre”5.
Assim, “a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior”6.
Desta regra, excecionam-se apenas as questões de conhecimento oficioso, o que não é, manifestamente, o caso.
Razão pela qual não conheceremos da questão em referência.
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Resta a 3ª questão – A não renovação de um contrato individual de trabalho de trabalhadora grávida com base no estado de gravidez viola a proteção da parentalidade?
A questão está intimamente conexionada com o invocado despedimento, qualificado de ilícito, motivado pelo facto de estar a A. grávida (Artº 14º da PI). Questão que, em presença do desfecho dado à 1ª questão terá que ser equacionada.
A sentença recorrida, partindo da premissa segundo a qual o contrato a termo é válido, convocando o disposto no Artº 144º/3 do CT, considerou que não havia obrigatoriedade para a R. de suscitar a emissão de parecer pela CITE, apenas existindo obrigação de comunicação da caducidade.
Aqui chegados, cumpre retirar consequências da qualificação do contrato como contrato sem termo acima decidida, considerando o pedido inicialmente formulado e aqui repetido – declaração de ilicitude do despedimento e condenação da apelada em conformidade.
Conforme resultou provado, o contrato cessou em 16/03/2024, na sequência de comunicação à A. de que o mesmo não seria renovado.
Tratando-se de contrato de trabalho sem termo, a comunicação assim efetuada traduz um despedimento ilícito, pois não foi precedido de processo disciplinar, o mesmo se concluindo por força do estado de gravidez da A. e da ausência de prova da solicitação do parecer da CITE (Artº 381º/c do CT e d)).
Na verdade, nestas circunstâncias, o despedimento carece de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, parecer cuja emissão a Apelada não provou conforme lhe competia (Artº 63º/1 e 5 do CT).
Provou-se tão só a comunicação da não renovação do contrato o que, em presença de quanto já expusemos, é inócuo.
O despedimento assim ferido de ilicitude confere ao trabalhador o direito a indemnização por todos os danos (Artº 389º/1-a)), a reintegração (Artº 389º/1-b)) ou indemnização substitutiva (Artº 391º), que no caso é majorada (Artº 63º/8) e a salários intercalares (Artº 390º).
Não obstante a invocação da gravidez para sustentar a ilicitude, a Apelante não retira de tal alegação quaisquer consequências.
Em matéria retributiva provou-se que a A. auferiu em Junho de 2023 a retribuição base de € 760, 00 acrescida de um subsídio de “alimentação mensal valor fixo” de € 60,00, subsídio de “transporte 2” de € 106, 01, e subsídio de “Parque 2“ € 19,32.
Por sua vez, decorre do acervo fático que a cessação do contrato ocorreu em 16/03/2024.
Peticionou a A., no referente a consequências da ilicitude, a condenação da R.:
- No pagamento da compensação do despedimento ilícito, nos termos do artigo 389.º, n.º 1, al. a) e 391º do CT, no valor mínimo de 2280, 00€;
- A reintegrar a Autora no seu posto de trabalho com a categoria profissional e a antiguidade que lhe pertencem; bem como,
- Pagar à Autora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde 30 dias antes da instauração da presente ação até ao trânsito em julgado da presente decisão (incluindo férias, subsídio de férias e de Natal), cuja liquidação se calcula neste momento em € 2280, 00.
Em presença dos normativos citados, concede-se na reintegração, o que afasta qualquer compensação ao abrigo do disposto no Artº 391º do CT.
Quanto aos salários intercalares, tendo o despedimento ocorrido em 16/03/2024, e tendo-se apenas provado a retribuição auferida no ano precedente, relega-se a respetiva liquidação para ulterior execução, desde já se declarando que a retribuição base para efeitos de cálculo não poderá ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida.
Por outro lado, a PI deu entrada em 8/06/2024 e o despedimento ocorreu em 16/03/2024. Assim, por força do disposto no Artº 390º/2-b) do CT os salários intercalares contabilizar-se-ão desde 8/05/2024 até ao trânsito em julgado desta decisão.
Da importância referente às retribuições vencidas desde então, será ainda deduzida a quantia auferida a título de subsídio de desemprego (Artº 390º/2-c) do CT).
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As custas serão suportadas pela Apelada que, não tendo contra-alegado, não deve taxa de justiça (Artº 527º do CPC e 7º/2 do RCP).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em modificar o acervo fático conforme sobredito, julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença, declarando-se a ilicitude do despedimento da A. e condenando a R.:
- A reconhecer que que o contrato a termo certo celebrado entre Autora e Ré, em 17 de Março de 2023, se converteu em contrato sem termo, com efeitos reportados a tal data;
- A reconhecer que a comunicação de caducidade, configura, com efeitos reportados a 16/03/2024, um despedimento ilícito efetuado pela Ré;
– A reintegrar a Autora no seu posto de trabalho com a categoria profissional e a antiguidade que lhe pertencem e
- A pagar à Autora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde 8/05/2024 até ao trânsito em julgado da presente decisão (incluindo férias, subsídio de férias e de Natal), deduzidas do montante relativo a subsídio de desemprego eventualmente auferido, retribuições cuja liquidação se relega para ulterior execução.
Custas pela Apelada.
Notifique.
Lisboa, 22/10/2025
Manuela Fialho
Susana Silveira
Carmencita Quadrado
_______________________________________________________
1. Direito do Trabalho, 12ª ed., Almedina, 312
2. Atual 140º
3. Ob. cit. 314
4. Ac. de 22/02/2017, www.dgsi.pt. E, ainda no mesmo sentido, o Ac. de 17/03/2016, visível no mesmo sítio. Também o nosso Ac. proferido no âmbito do Proc.º 14606/16.2T8LSB. Ou ainda, no âmbito da mesma temática, os Ac. desta RLx. prolatados nos Proc.º 15121/20.5T8LS e 10317/20.2T8LSB.
5. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 147
6. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, Almedina, 25