ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
FURTO
PENAS PARCELARES
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
Sumário


I. Só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação (dupla conforme) no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico.
II. Essa inadmissibilidade impede que se conheçam de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como vícios da decisão sobre a matéria de facto, violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, qualificação jurídica dos factos, verificação dos pressupostos da continuação criminosa, medida concreta da pena singular aplicada, violação do princípio do ne bis in idem ou quaisquer nulidades.
III. O recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena única e a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, reconhecendo-se uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar .
IV. Sendo evidente que os factos inculcam a ideia de uma marcada tendência criminosa (crimes contra a propriedade praticados ainda no decurso do período de liberdade condicional da anterior pena de 11 anos de prisão genericamente por crimes da mesma natureza), tendência confirmada pelas suas características de personalidade que demonstram incapacidade de manter uma conduta normativa excepto na medida em que o aparente cumprimento das normas facilita a reconquista da liberdade para logo voltar a delinquir, desaproveitando as múltiplas oportunidades que teve na vida, a pena única de 12 anos de prisão não merece censura, mostrando-se equilibrada e justa – adequada, necessária e proporcional.

Texto Integral

Acordam – em conferência – na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia do ..., concelho de Lisboa, nascido a D.M.1980, solteiro, empregado comercial, residente na Rua 1, em Lisboa, actualmente sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem dos presentes autos, foi julgado e a final, por acórdão de 27.3.2025, foi decidido:

“1. Absolver o arguido AA da prática, como autor material e na forma consumada, de dois crimes de furto qualificado (NUIPC´s 2181/23.6 PBLSB e 2785/23.7 PFLSB);

2. Condenar o arguido AA da prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, de:

2.1. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, al. h), ambos do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão (NUIPC nº 1664/23.2 PBLSB);

2.2. um crime de furto simples (desqualificado pelo valor), previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.ºs 1, als. f) e h) e 2, al. a) e 4, ambos do CPenal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (NUIPC nº 2181/23.6 PBLSB);

2.3. um crime de furto simples (desqualificado pelo valor), previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.ºs 1, al. h) e 4, ambos do CPenal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (NUIPC nº 2785/23.7 PFLSB);

2.4. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, als. f) e h), ambos do CPenal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (NUIPC nº 193/24.1 PFLSB);

2.5. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, al. h), ambos do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão (NUIPC nº 2497/23.2 PBLSB);

2.6. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, al. h), ambos do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão (NUIPC nº 5284/23.3 P8LSB);

2.7. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, als. f) e h), ambos do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão (NUIPC nº 150/24.8 PKLSB);

2.8. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, al. h), ambos do CPenal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (NUIPC nº 214/24.8 PBLSB);

2.9. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, al. h), ambos do CPenal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (NUIPC nº 360/24.8 PFLSB);

2.10. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, al. h), ambos do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão (NUIPC nº 384/24.5 PFLSB);

2.11. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, al. h), ambos do CPenal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (NUIPC nº 344/24.6 PBLSB);

2.12. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, als. f) e h), ambos do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão (NUIPC nº 205/24.9 PVLSB);

2.13. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, al. h), ambos do CPenal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (NUIPC nº 716/24.6 PBLSB);

2.14. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, al. h), ambos do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão (NUIPC nº 341/24.1 PWLSB);

2.15. um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, al. h), ambos do CPenal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (NUIPC nº 40/24.4 SHLSB);

3. Operado o cúmulo jurídico das penas em concurso aplicadas em 2. (artº 77º, nºs 1 e 2 do CPenal) condena-se o arguido AA na pena única de 12 (doze) anos de prisão;

4. Condenar o arguido AA a pagar ao Estado Português, nos termos do disposto no artº 110º, nºs 1, als. a) e b), 3 e 4 do CPenal, o valor global de € 13 870 (treze mil oitocentos e setenta euros) correspondente à vantagem da actividade criminosa por si desenvolvida”.


*


Inconformados, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 27.6.2025, acordou “em considerar improcedente o recurso apresentado pelo arguido AA, mantendo integralmente o Acórdão recorrido

Em discordância com o acórdão da Relação vem agora interposto recurso pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

1. O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 432.º, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, visando a revogação parcial do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a condenação do arguido AA na pena única de 12 anos de prisão.

2. O recurso incide sobre a matéria de facto e de direito, impugnando nomeadamente:

• A condenação por crimes cuja prova se baseou exclusivamente em prova indireta (imagens de videovigilância), não corroborada por outros meios de prova admissíveis, em clara violação do princípio in dubio pro reo;

• A errada valoração de elementos probatórios nos NUIPC’s 344/24.6PBLSB (Hotel Browns) e 2497/23.1PBLSB (Confeitaria Nacional), onde as imagens não evidenciam qualquer ato de subtração;

• A qualificação incorreta de factos como furto qualificado, quando o valor dos bens não foi apurado, devendo tais factos ser considerados furto simples ou, na ausência de prova, absolvição.

3. O Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento ao admitir como suficiente a prova exclusivamente circunstancial, sem suporte testemunhal direto ou reconhecimento válido, violando o disposto nos artigos 32.º da Constituição da República Portuguesa, 127.º e 124.º do CPP.

4. O Tribunal da Relação omitiu pronúncia quanto ao pedido do arguido de cumprimento da pena em regime terapêutico (comunidade 1 ou ala hospitalar), nos termos do artigo 90.º-A do Código Penal, violando o dever de pronúncia e o princípio da humanização da pena consagrado nos artigos 1.º e 30.º da CRP.

5. A pena única de 12 anos de prisão é manifestamente desproporcional, não se compatibilizando com penas aplicadas em casos de crimes de violência como roubo agravado ou sequestro, ofendendo os princípios da proporcionalidade e da culpa (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Tomo I, 1993).

6. O arguido é portador de sérias limitações físicas (coluna cervical com sequelas), ex-toxicodependente em recuperação, sem apoio familiar, e apresenta condições concretas para inserção em contexto terapêutico com acolhimento já aceite por entidade certificada.

7. O recurso deve ser julgado procedente, com:

• A revogação da condenação nos segmentos em que não se fez prova bastante;

• A redução da pena única aplicada;

• A substituição da execução da pena por regime compatível com os artigos 58.º, 90.º-A e 40.º do Código Penal, promovendo a reinserção social e respeitando a dignidade humana do condenado.

8. Tal entendimento encontra respaldo em jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, que exige fundamentação objetiva na apreciação da prova indireta e proporcionalidade entre os factos provados e a medida da pena (cfr. Ac. STJ de 09-03-2022, proc. 2407/18.4JAPRT.S1; Ac. STJ de 04-12-2019, proc. 1580/15.7JAPRT.S1).

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado parcialmente o acórdão recorrido, fazendo-se JUSTIÇA.

Termos em que deve o recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, fazendo V. Exas a Acostumada JUSTIÇA!

O recurso foi admitido.

Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso nos seguintes termos:

1- O Acórdão recorrido não incorreu em erro de julgamento no sentido de uma distorção da realidade factual e de desconforme subsunção jurídica dos factos ao direito.

2- O recorrente limita-se a expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal, e tendo, como se verificou, este formado a sua convicção comprovas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formulou o recorrente.

3- Como se constata do teor da decisão recorrida o Tribunal não se encontra na presença de qualquer dúvida razoável relativamente à valoração da prova, logo não havia que apelar para o principio in dúbio pro reo.

4- Não houve violação do disposto do art. 1º, al. f) e art. 379º , nº1 b) do CPP , na condenação do arguido pelo crime de furto simples, uma vez que o arguido não foi condenado por crime diverso porque é exatamente a mesma conduta (a mesma situação de vida) que foi descrita na acusação como furto qualificado, não havendo nenhuma alteração de factos, muito menos substancial, pois apenas não foram provados todos os factos das referidas situações e verificou-se mesmo um desagravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis (a moldura penal quanto aos crimes a que se referem os NUIPC’s 2181/23.6PBLSB e 2785/23.7PFLSB passou a ser de 1 mês a 3 anos de prisão, quando, de acordo com a acusação, lhe correspondia pena entre 2 a 8 anos de prisão).

É ainda absurda a referência à ausência de contraditório, quando todos os factos provados no âmbito referido estavam já descritos na acusação.

5- Os factos dados como provados integram os crimes pelos quais o arguido foi condenado.

6- Apena única, resultante das penas parcelares, aplicada ao arguido não excede a culpa daquele, sendo justa e adequada, respeitando as exigências de prevenção geral e especial, não enfermando a sua fixação de qualquer violação ao disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.

7- O Tribunal da Relação não omitiu pronúncia quanto ao pedido do arguido de cumprimento da pena em regime terapêutico (comunidade 1 ou ala hospitalar), nos termos do artigo 90.º-A do Código Penal, não ocorrendo violação do dever de pronúncia e do princípio da humanização da pena consagrado nos artigos 1.º e 30.º da CRP.

8- Não houve violação do disposto nos art. 51, 58, 90º-A, 40º do Código Penal norma que consta do art. 51.º do Código Penal apenas prevê a possibilidade de estabelecimento de deveres no caso de aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução.

Estando em causa uma pena de prisão superior a 5 anos de prisão, nos termos do disposto no art. 50.º, n. º1, do Código Penal, claramente é proibida a substituição da pena de 12 anos de prisão a que o arguido foi condenado por uma pena de prisão suspensa na sua execução (ou ainda por qualquer outra pena de substituição prevista no direito penal português).

9- O mesmo se diga relativamente à pretensão de aplicação do art. 58.º, n. º 1, do Código Penal (prestação de trabalho a favor da comunidade), cuja pena substitutiva está limitada ao caso da condenação em pena até 2 anos de prisão. Finalmente, quanto à aplicação do disposto no art. 90.º-A do Código Penal, essa norma apenas prevê as penas a aplicar a pessoas coletivas, não sendo aplicável a estes autos.

10-Pelo exposto, o douto acórdão recorrido não se encontra ferido de qualquer nulidade, ou vício, nem merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se nos seus precisos termos, negando-se total provimento ao recurso interposto pelo arguido.

Mas afinal Vossas Excelências, porém, farão, como habitualmente, a melhor JUSTIÇA!


*


Nesta instância, foi cumprido o disposto no art. 417º nº 1 do Código de Processo Penal.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer detalhado sustentando:

«Rejeição parcial do recurso

Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do art. 400.º do Código de Processo Penal (art. 432.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal).

O art. 400.º do Código de Processo Penal, no que ora importa considerar, estabelece que não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância [n.º 1, al. e)] ou que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos [n.º 1, al. f)].

Conforme exposto no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de abril de 2024, processo 850/21.4PAMTJ.L1.S1, relatado pelo conselheiro Jorge Gonçalves, que traduz a jurisprudência pacífica do nosso mais alto Tribunal, «não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância (artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP), pena que tanto é a parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única / conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pela Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º 1, b), do CPP (cf., entre outros, acórdão de 4.07.2019, Proc. 461/17.9GABRR.L1.S1).

Por outro lado, estando em causa penas – parcelares ou resultantes de cúmulo jurídico – superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão, está vedado o recurso para o STJ de acórdão da Relação que haja confirmado – dupla conforme – a decisão da 1.ª instância.

Quer isto dizer que apenas é admissível recurso para o STJ de decisão confirmatória da Relação – casos de "dupla conforme", incluindo a confirmação in mellius – quando a pena aplicada, seja parcelar ou pena única resultante de cúmulo jurídico, for superior a oito anos de prisão (neste sentido, comentário de Pereira Madeira ao artigo 400.º – Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, para além da jurisprudência supra citada).

A irrecorribilidade para o STJ de acórdão proferido em recurso pelo tribunal da Relação, nos termos referidos, abrange todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, respetivas nulidades (artigos 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspetos relacionados com o julgamento dos crimes que constituem o seu objeto, aqui se incluindo as questões atinentes à apreciação da prova, à qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares ou única, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, incluindo nesta determinação a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como questões de inconstitucionalidade suscitadas nesse âmbito (cf. a jurisprudência citada no acórdão de 12.01.2022, Proc. 9/14.5T9LOU.P1.S1).

(…)

Assinale-se que as garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o duplo grau de recurso, bastando-se a Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu artigo 32.º, com o duplo grau de jurisdição, já concretizado (…) através do recurso para a Relação.

O Tribunal Constitucional decidiu, em Plenário, no seu acórdão n.º 186/2013, "não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão".

Tal orientação foi reafirmada pelo Tribunal Constitucional nos acórdãos n.ºs 212/2017, 599/2018.»

Retomando o caso dos autos.

Conforme referido, o arguido foi condenado em 1.ª instância em duas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão (NUIPC 2181/23.6PBLSB e 2785/23.7PFLSB), em seis penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão (NUIPC 193/24.1PFLSB, 214/24.8PBLSB, 360/24.8PFLSB, 344/24.6PBLSB, 716/24.6PBLSB e 40/24.4SHLSB) em sete penas parcelares de 3 anos de prisão (NUIPC 1664/23.2PBLSB, 2497/23.2PBLSB, 5284/23.3P8LSB, 150/24.8PKLSB, 384/24.5PFLSB, 205/24.9PVLSB e 341/24.1PWLSB) e na pena única de 12 anos de prisão.

O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou integralmente o acórdão do Juízo Central Criminal de Lisboa e, contrariamente ao alegado pelo recorrente [conclusão 4.ª do recurso], pronunciou-se expressamente quanto ao inusitado pedido de aplicação do disposto nos arts. 51.º, 58.º e 90.º-A do Código Penal [v. as págs. 46 e 47 do ficheiro pdf do acórdão].

Como nenhum dos crimes foi punido em concreto com pena de prisão superior a 5 anos, é incontroverso, à luz do art. 400.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal, que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não admite recurso no que respeita às penas parcelares, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça, tal como já mencionado, «exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação do recorrente por cada um» dos respetivos ilícitos (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2014, processo 1699/12.0PSLSB.L1.S1, relatado pelo conselheiro Oliveira Mendes), nomeadamente, sobre os invocados erros de apreciação da prova e de julgamento da matéria de facto e a incorreta qualificação jurídica dos factos [conclusões 2.ª e 3.ª].

Donde que, nesta parte, o recurso deva ser rejeitado por inadmissibilidade legal (arts. 414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal), ficando o seu objeto limitado à questão da medida concreta da pena única (superior a 8 anos de prisão).

Medida da pena única

Conclui o recorrente que a pena única «é manifestamente desproporcional, não se compatibilizando com penas aplicadas em casos de crimes de violência como roubo agravado ou sequestro», ofende «os princípios da proporcionalidade e da culpa» [conclusão 5.ª] e deve ser reduzida e substituída «por regime compatível com os arts. 58.º e 90.º-A» do Código Penal [conclusão 7.ª].

Em seu abono alega que «é portador de sérias limitações físicas (coluna cervical com sequelas), ex-toxicodependente em recuperação, sem apoio familiar, e apresenta condições concretas para inserção em contexto terapêutico com acolhimento já aceite por entidade certificada» [conclusão 6.ª].

Por razões de economia expositiva damos por integralmente reproduzida a factualidade provada.

Na determinação da medida da pena única, dentro de uma moldura que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (art. 77.º, n.º 2, do Código Penal), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, parte final, do Có-digo Penal).

Na consideração do conjunto dos factos deve olhar-se para «a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 291-292).

Para além deste critério especial, há que ter igualmente em conta aos critérios gerais da culpa e da prevenção (arts. 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal), «referidos agora à globalidade dos crimes (e porque aqui se atende a tais factores referidos ao conjunto dos factos, enquanto que nas penas parcelares esses factores foram considerados em relação a cada um dos factos singulares, intocado fica o princípio da proibição da dupla valoração)» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de março de 1999, processo 173/99, relatado pelo conselheiro Martins Ramires).

Resumidamente, a medida concreta da pena do concurso «é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico (…): a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido.

À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente» (Artur Rodrigues da Costa, O cúmulo jurídico na doutrina e na jurisprudência do STJ», publicado na revista do Centro de Estudos Judiciários, 2016 – I, pág. 71). «[I]lustrando com uma imagem muito simples: veem-se primeiro as árvores e, depois, a floresta no seu conjunto de combinações variadas» (Maria da Conceição Ferreira da Cunha, As reações criminais no direito português», Universidade Católica Editora, 1.ª edição, maio de 2022, pág. 189).

Importa ainda destacar que «por serem as sanções penais aquelas que, em geral, maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais, devem ser evitadas, na existência e na medida, sempre que não se demonstre a sua necessidade» (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2006, relatado pelo conselheiro Mário Torres), o que significa que na fixação da medida da pena o julgador deve fugir à aplicação de penas excessivas e desproporcionadas (v. a título de exemplo os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de novembro de 2020, processo 936/18.2PBSXL.S1, relatado pela conselheira Margarida Blasco, de 6 de outubro de 2021, processo 401/20.8PAVNF.S1, e de 3 de novembro de 2021, processo 99/20.3GGPTG.S1, estes últimos relatados pelo conselheiro Nuno Gonçalves).

No caso em apreço a moldura abstrata do concurso tem um mínimo de 3 anos e um máximo de 25 anos (máximo que, não fora o disposto nos arts. 41.º, n.ºs 2 e 3, e 77.º, n.º 2, do Código Penal, seria de 39 anos).

O ilícito global integra quinze crimes de furto, treze dos quais qualificados pelo modo de vida e, em três episódios, também pela introdução ilegítima em espaços reservados, e dois simples por não se ter apurado o valor dos objetos subtraídos.

O arguido apropriou-se de bens cujo valor total ascende, no mínimo, a (euro) 14.590 e que, na sua esmagadora maioria, não foram recuperados (com as duas únicas exceções assinaladas nos factos provados 21 e 41).

Os crimes em concurso foram cometidos entre 19 de agosto de 2023 e 1 de abril de 2024, tendo o arguido atuado sempre com dolo direto e de forma extremamente audaz (todos os furtos foram cometidos no interior de lojas comerciais, hotéis, escritórios e agências bancárias durante o respetivo horário de funcionamento).

As exigências de prevenção geral, face ao bem jurídico protegido, não são menosprezáveis. Como se lê no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de setembro de 2023, processo 356/16.3PBCTB.S1, relatado pelo conselheiro José Eduardo Sapateiro, numa sociedade em que «a posse e a utilização de bens materiais e de consumo é uma das suas traves mestras, o crime de furto tem múltiplas e diversificadas causas [sociais, dependências várias, criminalidade organizada, etc.] assim como repercussões ao nível da solidez e manutenção saudável e confiante dos diversos planos e níveis de relacionamento social coletivo, caracterizando-se, as mais das vezes, pela facilidade e imediatismo da sua execução e pela frequência (…) com que é cometido. Tais consequências negativas, de índole individual, social e económico derivam, fundamentalmente, da privação, pelas pessoas singulares e coletivas, da detenção e / ou propriedade de coisas móveis ou animais, que as mais das vezes, ao serem ilegitimamente apropriadas por terceiros para não mais retornarem à sua posse, os privam também e, nessa medida, do correspondente valor pecuniário imediato [já para não falar de outro tipo de valores como o profissional, o histórico, o familiar, o sentimental, etc.], sem olvidarmos igualmente os danos por vezes significativos, quando não avultados provocados em outros bens [portas, janelas, fechaduras, vidros, etc.] como meio necessário para praticar aqueles crimes de furto e, finalmente, da inevitável alimentação dos circuitos de recetação, branqueamento e reciclagem de tais coisas móveis e animais que foram criados precisamente com esse propósito. Nessa medida e por tais razões, as exigências de proteção do bem jurídico "propriedade" e de prevenção geral e especial são muito acentuadas neste tipo de infrações contra o património.»

O consumo habitual de substâncias estupefacientes desde os 16 anos de idade com os inerentes efeitos criminógenos, refletidos nas diversas condenações que remontam ao ano de 2011, o percurso laboral «irregular e instável», a «fraca motivação» para alterar o estilo de vida e o progressivo afastamento da família e deterioração dos laços familiares revelam um perfil de personalidade contrário aos valores e princípios socialmente reconhecidos, insensível às anteriores condenações e propenso à prática criminosa e projetam as necessidades de prevenção especial para um patamar elevado.

Na ponderação deste conjunto de circunstâncias e, bem assim, da idade do arguido (nasceu em D de M de 1980), temos por certo que a pena conjunta de 12 anos de prisão, não passível de execução em regime de permanência na habitação (art. 43.º do Código Penal) ou de substituição (arts. 45.º, 50.º e 58.º do Código Penal) e em relação à qual também não se encontram reunidas as condições legais de modificação de execução [arts. 118.º e 122.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro)], situada na primeira metade da moldura abstrata do concurso, ajusta-se equilibradamente ao comportamento criminoso global e à personalidade do arguido, não se vislumbrando em que termos as preexistentes «limitações físicas da coluna cervical» [foram causadas por um acidente de viação ocorrido em maio de 2022 (facto provado 59) e não impediram o arguido de praticar os crimes que emprestam objeto aos autos] podem justificar a sua redução.

E daí que, nesta parte, o recurso deva ser julgado improcedente.

Aqui chegados, emite-se parecer no sentido (i) da rejeição do recurso quanto às questões da errada apreciação da prova e julgamento da matéria de facto e da incorreta qualificação jurídica dos factos e (ii) da sua improcedência relativamente à questão do excesso da medida da pena única.»

Não foi apresentada resposta ao parecer.


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Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (art.s 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal).

II – FUNDAMENTAÇÃO

O recurso, que é circunscrito a matéria de direito (art. 434º do Código de Processo Penal), tem, pois, por objecto, um acórdão da Relação proferido em recurso, que confirmou a decisão de aplicação de uma pena única superior a 8 anos de prisão, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça (artigos 399º, 400º nº 1 al. f) e 432º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal).

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (art.s 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal (acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, no DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379º nº 2 do Código de Processo Penal, na redação da Lei 20/2013, de 21.2).


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Tendo em conta as conclusões da motivação, as questões a decidir são:

1. Nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa por omissão de pronúncia quanto ao pedido de cumprimento da pena em regime terapêutico;

2. Rejeição do recurso sobre as condenações em penas parcelares;

3. Medida da pena única e sua substituição.


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Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada:

” Apenso NUIPC nº 1664/23.2 PBLSB

1. No dia 19 de Agosto de 2023, pelas 14 horas e 55 minutos, o arguido deslocou-se ao estabelecimento comercial Marisqueira Azul, sito na Travessa do Paço, nº70, em Lisboa;

2. Aí chegado, apercebeu-se que DD – que ali exercia funções de gerente – pousou o seu telemóvel, de marca Iphone, modelo 14, com IMEI nº ..............32, no valor de € 1400, junto da caixa registadora e ausentou-se do local;

3. De imediato, o arguido agarrou o telemóvel a que se alude em 2., o qual fez seu e saiu do interior do estabelecimento, abandonando o local;

Apenso NUIPC nº 2181/23.6 PBLSB (Incorporado no NUIPC nº 150/24.8PKLSB)

4. No dia 2 de Novembro de 2023, pelas 11 horas, o arguido deslocou-se ao hotel Altis Avenida, sito na Rua 1º de Dezembro, 120, em Lisboa;

5. Aí chegado, apercebeu-se que a mala de EE se encontrava no hall enquanto este efetuava o check-out e recolheu-a, a qual continha no seu interior no seu interior diversos bens de valor não concretamente apurado;

6. Após, abandonou o local, fazendo sua a referida mala e todo o seu conteúdo;

Apenso NUIPC nº 2785/23.7 PFLSB (Incorporado no NUIPC nº 150/24.8PKLSB)

7. No dia 8 de Novembro de 2023, pelas 8 horas e 45 minutos, o arguido deslocou-se ao hotel “Fenicius”, sito na Rua Andrade-nº 23, em Lisboa;

8. Aí chegado, dirigiu-se à zona de refeições e, aproveitando um momento de distração de FF, recolheu a mala daquela, de valor não concretamente apurado, a qual continha no seu interior diversos bens também eles de valor não concretamente apurado;

9. De seguida, abandonou o local levando-a consigo e fazendo-a sua;

Apenso NUIPC nº 193/24.1 PFLSB (Incorporado no NUIPC nº 150/24.8PKLSB)

10. No dia 6 de Dezembro de 2023, pelas 14 horas, o arguido deslocou-se ao estabelecimento Loja Toranja, sito no Largo Portas do Sol - nºs 6 a 8, r/c, em Lisboa; 11. Aí chegado, dirigiu-se ao armazém e recolheu o computador portátil de marca HP, com nº de série ...........09, no valor de € 600 e um rato de marca HP, com nº de série ............94, de valor não concretamente apurado, propriedade da sociedade Toranja Criativa, Lda;

12. De seguida, abandonou o local levando-os consigo e fazendo-os seus;

Apenso NUIPC nº 2497/23.1 PBLSB (Incorporado no NUIPC nº 150/24.8PKLSB)

13. No dia 8 de Dezembro de 2023, pelas 14 horas e 24 minutos, o arguido deslocou-se ao estabelecimento comercial Confeitaria Nacional, sito na Praça da Figueira - nº 18, em Lisboa;

14. Aí chegado, dirigiu-se à zona reservada aos funcionários responsáveis pelo takeaway e recolheu o telemóvel, Iphone 14 Pro Max, no valor de € 1200, propriedade de GG;

15. De seguida, abandonou o local fazendo seu o telemóvel a que se alude em 14.;

Apenso NUIPC nº 5284/23.3 P8LSB (Incorporado no NUIPC nº 150/24.8PKLSB)

16. No dia 31 de Dezembro de 2023, pelas 17 horas e 30 minutos, o arguido deslocou-se ao estabelecimento comercial Starbucks, sito na Rua de Santa Justa - nº 79, em Lisboa, e, aproveitando um momento de distração de HH, recolheu o telemóvel pertença deste, de marca Iphone, modelo 14 Pro Max, no valor de € 1000, o qual se encontrava a carregar num ponto de carga ali existente;

17. Na posse do telemóvel a que se alude em 16. o arguido abandonou o interior de tal estabelecimento comercial, fazendo-o seu;

Apenso NUIPC nº 150/24.8 PKLSB

18. No dia 25 de Janeiro de 2024, pelas 19 horas, o arguido deslocou-se ao estabelecimento comercial de bar Ferroviário, sito na Rua Santa Apolónia - nº 59, em Lisboa;

19. Uma vez ali, apercebeu-se que os funcionários se ausentaram da sala de espetáculos para jantarem, acedeu ao interior daquela e recolheu, fazendo seus, os seguintes objectos:

• airpods de cor branca, de valor não concretamente apurado, propriedade de II;

• um telemóvel, de marca Huawei, no valor de € 600, propriedade de II;

• um Macbook M1 Pro 2021, com capa de cor preta, no valor de € 2000, propriedade de JJ;

• um Macbook Pro 2014, de cor cinza, no valor de € 600, propriedade de JJ;

• uma mochila de marca Herschel de cor preta, no valor de € 100, propriedade de KK;

• um Apple Magic Mouse, de cor branca, no valor de € 70, propriedade de KK;

• um Apple Pencil de cor branca, no valor de € 100, propriedade de KK;

• um disco rígido SSD, de marca Samsung, 500 G e um disco rígido SSD, de marca Sandisc 1 TB, de cor azul e laranja, no valor total de € 180, propriedade de KK;

• um Ipad Pro de cor preta, no valor de € 600, propriedade de II;

• uma chave de um veículo alugado, no valor de € 250;

• um carregador de portátil de marca Apple de cor preta, no valor de € 100, propriedade de M..., Lda;

20. De seguida, o arguido abandonou o local levando consigo os objectos a que se alude em 19., os quais fez seus;

21. No dia 26 de Janeiro de 2024, pelas 14 horas e 15 minutos, o arguido foi interceptado pelas autoridades policiais na posse do Ipad de marca Apple, modelo Pro, com número de série DLJY7WKG1W, propriedade de II;

Apenso NUIPC nº 214/24.8 PBLSB (Incorporado no NUIPC nº 150/24.8PKLSB)

22. No dia 28 de Janeiro de 2024, pelas 17 horas e 30 minutos, o arguido deslocou-se ao Hotel Urbano, sito na Rua Madalena - nº 42, em Lisboa;

23. De seguida, aproximou-se da mesa do balcão da recepção e não se encontrando qualquer funcionário ali presente, recolheu o telemóvel de marca Apple, modelo XR, no valor de € 200, propriedade de LL, o qual fez seu e saiu do interior do estabelecimento, abandonando o local e levando-o consigo;

Apenso NUIPC nº 360/24.8 PFLSB (Incorporado no NUIPC nº 150/24.8PKLSB)

24. No dia 30 de Janeiro de 2024, pelas 11 horas e 30 minutos, o arguido deslocou-se ao estabelecimento de hotelaria Evolution Lisboa Hotel, sito na Praça Duque de Saldanha - nº 4, em Lisboa;

25. Aí chegado, aproximou-se da mesa da recepção e, uma vez que nenhum funcionário ali se encontrava, recolheu o computador de marca Lenovo, no valor de € 900, propriedade de Aziparque – Empreendimentos Turísticos, Lda que ali se encontrava, o qual fez seu e, após, saiu do interior de tal estabelecimento, abandonando o local e levando-o consigo;

Apenso NUIPC nº 384/24.5 PFLSB

26. No dia 8 de Fevereiro de 2024, pelas 13 horas e 20 minutos, o arguido deslocou-se à Agência Bancária Millennium BCP, S.A. sita na Rua Palma –nº 2B, em Lisboa;

27. Uma vez ali, apercebeu-se que MM deixara o computador de marca HP, modelo Pro X2, com nº de série 5cg9197fyv, no valor de € 1200, na sua mesa de trabalho;

28. De imediato, o arguido agarrou o computador a que se alude em 27., o qual fez seu, saiu do interior de tal agência bancária, abandonando o local e levando-o consigo;

Apenso NUIPC nº 344/24.6 PBLSB

29. No dia 14 de Fevereiro de 2024, pelas 20 horas, o arguido deslocou-se ao estabelecimento de hotelaria “Brown’s Hotel”, sito na Rua Assunção - nº 75, em Lisboa; 30. Uma vez ali, apercebeu-se que ninguém se encontrava junto do púlpito existente no interior do hotel, colocado à entrada do restaurante e recolheu o telemóvel de marca Oppo, modelo X3 Find lite, com nº de série ..............14, no valor de € 400, pertença de NN, o qual fez seu o referido telefone e, após, abandonou o local levando-o consigo;

Apenso NUIPC nº 205/24.9 PVLSB

31. No dia 15 de Fevereiro de 2024, pelas 14 horas, o arguido deslocou-se à Avenida Duque de Loulé - nº 110, R/C, em Lisboa, onde se localizam os escritórios de Nimbler Europa, Lda;

32. Uma vez ali, apercebendo-se de que ninguém se encontrava no interior da recepção de tais escritórios, entrou e recolheu o computador de marca Apple, com nº de série FVFL60W61WFY, no valor de € 1200 que era utilizado por OO, o qual fez seu e, após, saiu do interior do escritório, abandonando o local e levando-o consigo;

Apenso NUIPC nº 716/24.6 PBLSB

33. No dia 11 de Março de 2024, pelas 18 horas e 3 minutos, o arguido deslocou-se ao quiosque Banana Café, sito no Jardim Guerra Junqueiro, comummente conhecido como Jardim da Estrela, em Lisboa;

34. Uma vez ali, apercebendo-se que PP deixara o seu telemóvel, marca Iphone, modelo 11 Pro Max, no valor € 600 junto da caixa registadora, agarrou-o, fê-lo seu e abandonou o local levando-o consigo;

Apenso NUIPC nº 341/24.1 PWLSB

35. No dia 27 de Março de 2024, pelas 12 horas e 50 minutos, o arguido deslocou- à Agência Bancária Millennium BCP, S.A. sita na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa;

36. Uma vez ali, apercebeu-se que QQ deixara o computador, de marca HP, no valor de € 1000, na sua mesa de trabalho, agarrou-o e fê-lo seu;

37. Após, dirigiu-se à mesa de trabalho de RR e retirou o telemóvel, de marca Xiaomi, modelo Poco X3 NST, no valor de € 170;

38. Na posse dos objectos a que se alude em 36. e 37., os quais fez seus, o arguido abandonou o interior da referida agência bancária e abandonou o local, levando-os consigo;

NUIPC nº 40/24.4 SHLSB

39. No dia 1 de Abril de 2024, pelas 12 horas e 40 minutos, o arguido deslocou-se para o estabelecimento Jeronymo, sito na Avenida D. João II, em Lisboa, junto da Gare do Oriente;

40. Uma vez ali, apercebeu-se que o tablet de marca TCL, 9132G, com IMEI .............97, no valor de € 120, propriedade da Uber Eats, se encontrava colocado no balcão e, aproveitando um momento de distração dos funcionários do mencionado estabelecimento, agarrou-o, colocou-o na zona das suas costas, por dentro das calças e do casaco que trajava e dirigiu-se para o exterior do estabelecimento;

41. Nesse momento, foi abordado pelo Agente da PSP SS que visualizara toda a sua actuação no interior do aludido estabelecimento;

42. Em todas as actuações supra descritas o arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, fazendo seus os objectos supra descritos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, ciente de que actuava contra a vontade dos seus respectivos donos, não se coibindo de assim actuar, ainda que para tal tivesse necessidade de aceder a lugares que se lhe mostravam vedados;

43. Em toda a actuação supra descrita o arguido actuou de forma reiterada, ao longo do tempo, conhecedor da gravidade dos seus comportamentos, introduziu-se em escritórios, hotéis e espaços fechados, com o único propósito de se apoderar de objectos de valor que ali encontrasse e aproveitando-se de momentos de distração ou ausência dos seus proprietários/detentores;

44. Nas datas a que se alude em 1. a 41. o arguido não possuía actividade laboral ou qualquer fonte de rendimento, vivendo do produto da venda dos bens que subtraía, pelo menos, desde Agosto de 2023;

45. O arguido esteve privado da liberdade desde 20 de Maio de 2014 até 12 de Abril de 2021, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional.

46. Tendo em conta o período de prisão imposto ao arguido em cumprimento das penas referidas infra as mesmas não constituíram suficiente motivação para o afastar da prática dos ilícitos criminais a que se alude supra;

47. Ao invés, com a prática dos ilícitos criminais supra elencados o arguido revela personalidade incapacidade de auto-censura e propensa à prática de ilícitos criminais, com especial acuidade para aqueles que atentam contra o património;

48. Após ser restituído à liberdade o arguido incorreu, uma vez mais, na prática de ilícitos criminais contra o património, a saber, os supra referidos, demonstrando que o cumprimento das penas anteriormente aplicadas não se mostrou suficiente para o demover da prática daqueles e para manter uma vida conforme ao direito;

49. Ademais, após ter sido colocado em liberdade o arguido apenas por breves meses esteve laboralmente activo;

50. O arguido sabia que as suas condutas supra elencadas eram proibidas e puníveis por lei penal.

3.1.2. Da contestação (expurgando a matéria considerada irrelevante, conclusiva e/ou de direito):

51. Enquanto habitava no C... 1 o arguido contou com o auxílio de TT o qual o ajudou com habitação e trabalho e ali viveu de acordo com as regras vigentes;

52. Após ter tido alta hospitalar, na sequência do acidente de viação que sofreu, o arguido teve uma convalescença lenta e prolongada, sentiu dores, ficou desnorteado e abandonou a Instituição C... 1, voltando a consumir produtos estupefacientes;

53. Na sequência do acidente de viação que sofreu o arguido ficou com sequelas permanentes, entre as quais, dificuldade de rotação do pescoço;

3.1.3. Quanto à determinação da sanção:

54. Aquando da sua sujeição à medida de coacção de prisão preventiva à ordem dos presentes autos o arguido encontrava-se social e laboralmente desinserido e dependente do consumo de produtos estupefacientes, privilegiando a relação com outros indivíduos toxicodependentes e habitava na rua ou em residências que partilhava com outros toxicodependentes;

55. O arguido evidenciava fraca motivação para alterar o seu estilo de vida, mostrando-se desvinculado da sua família de origem;

56. Após ter sido restituído à liberdade em 2021, aquando da concessão de liberdade condicional, o arguido integrou o C... 1, onde se manteve durante um ano, reintegrando-se quer familiar, quer socialmente, trabalhando como ajudante de eletricista e auferia o ordenado mínimo nacional;

57. Em Dezembro de 2023, AA foi encaminhado para o Centro de Acolhimento ao sem-abrigo ... após ter sido expulso do C... 1;

58. Durante o período em que esteve institucionalizado trabalhou, por dois meses, na área da restauração e, após, ficou desempregado, sem receber qualquer tipo de apoio financeiro, altura em que recaiu no consumo de heroína e cocaína, os quais se intensificaram;

59. Em Maio de 2022 o arguido sofreu um acidente de viação, enquanto tripulava um veículo motorizado de duas rodas, tendo sido internado no Hospital de São José e de onde teve alta clínica em 23.06.2022;

60. O processo de desenvolvimento psicossocial de AA decorreu dentro de parâmetros considerados funcionais e com afectividade, enquadrado numa família de condição socioeconómica equilibrada constituída pelos seus progenitores e dois irmãos;

61. As relações intrafamiliares são avaliadas como gratificantes, com referências a dinâmica de proximidade e de preocupação quanto à transmissão de regras socialmente ajustadas;

62. Contudo, as suas características pessoais como a rebeldia e a dificuldade em antecipar as consequências dos seus actos assumiram papel preponderante nas decisões que tomou;

63. Aos 16 anos de idade desistiu da escola tendo concluído o 9º ano de escolaridade embora lhe fossem atribuídas capacidades intelectuais acima da média;

64. Após o abandono escolar passou a privilegiar o convívio regular com indivíduos conotados com o consumo de estupefacientes e comportamentos pouco convencionais e, bem assim, o ócio;

65. Em contexto de reclusão concluiu o 12º ano de escolaridade através de um curso profissional de jardinagem que frequentou no EP de ...;

66. Aos 18/19 anos de idade, sem objectivos definidos em Portugal, decidiu emigrar para o Reino Unido onde permaneceu por cinco anos ali desempenhando actividade laboral na área da restauração;

67. Contudo, as suas dificuldades para o cumprimento de orientações externas, apesar de ter tido vários empregos bem remunerados, contribuíram para que apresentasse um percurso laboral irregular e instável;

68. Posteriormente, emigrou para os Estados Unidos, onde permaneceu pouco tempo, ali se verificando maior deterioração do seu estilo de vida por força de ter aumentado o consumo de estupefacientes – cocaína e heroína;

69. Regressado a Portugal manteve os consumos de estupefacientes e nunca exerceu actividade profissional com caráter de regularidade;

70. Afectivamente, estabeleceu relações amorosas pouco vinculativas e, as mais das vezes, desestruturadas;

71. Da sua família de origem verificou-se um gradual afastamento e deterioração relacional;

72. Na sequência do acidente de viação sofreu várias fraturas, fratura cervical C2 e C3 e, após intervenção cirúrgica, ficou com limitações nos movimentos da cabeça;

73. O início do consumo de estupefacientes e de bebidas alcoólicas remontam à idade escolar tendo começado a fumar com 15 anos de idade e, aos 16 anos de idade, iniciou o consumo de haxixe sendo que o consumo de cocaína surgiu durante o período em que esteve emigrado nos E.U.A.;

74. No EP tem mantido comportamento adequado e normativo, sem registo de infrações e/ou sanções disciplinares ali tendo feito três sessões de fisioterapia, durante três semanas sendo que, actualmente, apenas faz medicação diária para debelar as dores;

75. Desde que sujeito à medida de coacção de prisão preventiva abandonou o consumo de produtos estupefacientes, com toma diária de metadona e beneficiando de acompanhamento psicológico, tendo consciência de que a sua dependência aditiva não se mostra ultrapassada e mostrando-se receptivo a integrar a ala terapêutica para toxicodependentes existente no EP;

76. No EP encontra-se não exerce actividade laboral embora tenha já solicitado ocupação laboral que se adapte às suas capacidades de locomoção;

77. O arguido não recebe visitas dos seus familiares embora refira ter o apoio dos mesmos com os quais mantém contactos esporádicos;

78. Por sentença de 25.11.2011, proferida no âmbito do PEAbreviado nº 914/11.2 S5LSB, o qual correu termos no 2º J – 1ª Secção – da PICriminal do TJCLisboa, foi o arguido condenado pela prática, em 12.07.2011, de um crime de coacção, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de furto qualificado, na pena única de 1 ano de prisão, cuja execução foi declarada suspensa por igual período de tempo e sujeita a regime de prova, mormente, tratamento da toxicologia. Por despacho de 26.01.2025 foi revogada a aludida suspensão da execução de tal pena e determinado o cumprimento efectivo da mesma. Tal pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 26.03.2020;

79. Por sentença de 11.06.2012, proferida no âmbito do Sumário nº 695/12.2 PCLSB, o qual correu termos no 1º J – 2ª Secção – da PICriminal do TJCLisboa, foi o arguido condenado pela prática, em 09.06.2012, de um crime de furto simples, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 5. Por despacho de 23.10.2013 foi determinado o cumprimento de 60 dias de prisão subsidiária e, tal pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 20.05.2014;

80. Por Acórdão de 01.02.2013, proferido no âmbito do PCC nº 1339/12.8 PKLSB, o qual correu termos na 3ª VCriminal do TJCLIsboa, foi o arguido condenado pela prática, em 11.09.2011, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos de prisão, cuja execução foi declarada suspensa por igual período de tempo;

81. Por Acórdão de 02.10.2013, proferido no âmbito do PCC nº 1040/11.0 PULSB, o qual correu termos na 2ª VCriminal do TJCLIsboa, foi o arguido condenado pela prática, em 19.05.2011, de três crimes de furto, na forma tentada, três crimes de furto simples, seis crimes de furto qualificado e um crime de ofensa à integridade física grave, na pena única de 7 anos de prisão;

82. Por sentença de 05.06.2014, proferida no âmbito do PCS nº 372/13.7 PJLSB, o qual correu termos no 2º J – 3ª Secção – do TJCLisboa foi o arguido condenado pela prática, em 28.02.2013, de um crime de furto simples, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

83. Por Acórdão de 11.12.2014, proferido no âmbito do PCC nº 8210/14.7 T8LSB, o qual correu termos no JCC – J14 – do TJCLisboa foi efectuado cúmulo jurídico das penas a que se alude em 81. a 83. tendo-lhe sido aplicada a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão;

84. Por Acórdão e 29.01.2013, proferido no âmbito do PCC nº 521/12.2 PBLSB, o qual correu termos no JCCriminal do TJCLisboa, foi o arguido condenado pela prática, em 02.04.2012, de um crime de furto qualificado e dois crimes de furto simples, na pena única de 4 anos de prisão;

85. Por Acórdão de 30.04.2015, proferido no âmbito do PCC nº 521/12.2 PBLSB, o qual correu termos no JCC – J4 – do TJCLIsboa, foi efectuado cúmulo jurídico das penas a que se alude em 81. a 83. e 85. tendo-lhe sido aplicada a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão;

86. Por Acórdão de 27.10.2015, proferido no âmbito do PCC nº 382/13.4 PJLSB, o qual correu termos no JCC – J17 – do TJCLisboa, foi o arguido condenado pela prática, em 03.03.2013, de um crime de furtos simples e dois crimes de furto qualificado, na pena única de 1 ano e 10 meses de prisão e, posteriormente, ali efectuado cúmulo jurídico de tal pena com aqueloutras ali mais bem identificadas, foi o mesmo condenado na pena única de 11 anos de prisão tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional em 12.04.2021”.


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1. Nulidade do acórdão do TRL por omissão de pronúncia

É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Sustenta o Recorrente que “o Tribunal da Relação omitiu pronúncia quanto ao pedido do arguido de cumprimento da pena em regime terapêutico (comunidade 1 ou ala hospitalar), nos termos do artigo 90.º-A do Código Penal, violando o dever de pronúncia e o princípio da humanização da pena consagrado nos artigos 1.º e 30.º da CRP”.

É certo que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão (art. 97º nº 5 do Código de Processo Penal, na decorrência do art. 205º da Constituição da República Portuguesa) e que sobre as sentenças e acórdãos impende um dever de fundamentação acrescido que resulta linearmente do disposto no art. 374º do Código de Processo Penal e da consequência do desrespeito desse dever de fundamentação poder acarretar a nulidade de conhecimento oficioso (art. 379º do Código de Processo Penal).

Por outro lado, de acordo com a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, omitir pronúncia sobre determinada questão é nada dizer sobre a mesma, não tomar sobre essa concreta questão, substantiva ou processual, qualquer posição, expressa ou implícita, mas claramente entendível1.

Porém, in casu, como bem acentuam o Ministério Público na resposta ao recurso e o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a pronúncia é cabal, só se justificando a invocação de uma omissão de pronúncia por uma desatenção do Recorrente. O acórdão recorrido aborda a questão nestes termos:

d) Substituição ou adaptação da execução da pena nos termos dos artigos 51.º, 58.º e 90.º-A do Código Penal

Finalmente, pretende o arguido a substituição da sua pena única de prisão de acordo com o disposto nos arts. 51.º, 58.º e 90.º-A do Código Penal.

A norma que consta do art. 51.º do Código Penal apenas prevê a possibilidade de estabelecimento de deveres no caso de aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução.

Portanto, apenas tem aplicação no caso de aplicação do (não invocado no recurso) art. 50.º do Código Penal.

Estando em causa uma pena de prisão superior a 5 anos de prisão, nos termos do disposto no art. 50.º, n.º1, do Código Penal, claramente é proibida a substituição da pena de 12 anos de prisão a que o arguido foi condenado por uma pena de prisão suspensa na sua execução (ou ainda por qualquer outra pena de substituição prevista no direito penal português).

O mesmo se diga relativamente à pretensão de aplicação do art. 58.º, n.º1, do Código Penal (prestação de trabalho a favor da comunidade), cuja pena substitutiva está limitada ao caso da condenação em pena até 2 anos de prisão.

Finalmente, quanto à aplicação do disposto no art. 90.º-A do Código Penal, essa norma apenas prevê as penas a aplicar a pessoas colectivas, não sendo aplicável a estes autos.

Em conclusão deve ser mantido o Acórdão recorrido nos seus exactos termos.

Não se verifica, pois, a invocada nulidade nem, analisado o acórdão recorrido, qualquer nulidade de conhecimento oficioso.

2. Rejeição do recurso sobre as condenações em penas parcelares

Como se alcança das motivações de recurso e das suas conclusões, o Recorrente coloca novamente em causa a decisão de 1ª instância, pretendendo inclusivamente uma reapreciação da matéria de facto2 e uma reapreciação da qualificação jurídica de alguns dos crimes em que foi condenado3.

O erro de base do Recorrente fica logo patente na conclusão 2ª quando pretende que o recurso também incida sobre a matéria de facto, apesar de decorrer directamente da letra da lei que em caso de recursos “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400º”, “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito” (art.s 434º e 432º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal).

Vejamos.

Nos termos do art. 400º nº 1, al.s e) e f), do Código de Processo Penal, não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, excepto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância (e); nem de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos (f).

Por sua vez, dispõe o artigo 432º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Recursos para o Supremo Tribunal de Justiça”:

«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º».

Finalmente, o art. 434º, sob a epígrafe “poderes de cognição”, preceitua que «o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º», resultando o segmento final da redação dada pela Lei n.º 94/2021.

Do exposto resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem:

• penas superiores a 5 anos de prisão, quando não se verifique dupla conforme;

• penas superiores a 8 anos de prisão, independentemente da existência de dupla conforme.

Tal significa só ser admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico4.

No caso em apreço, não está em causa recurso de decisão da Relação proferida em 1ª instância, nem recurso directo de decisão proferida por tribunal do júri ou coletivo de 1ª instância, mas antes recurso de decisão confirmatória da Relação relativa às penas parcelares e à pena única superior a 8 anos de prisão pelo que tal decisão – na parte relativa à pena única é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 400º nº1 al. f) a contrario e 432º nº1 al. b) do Código de Processo Penal.

De acordo com o referido art. 434º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, porquanto o conhecimento das questões em matéria de facto esgota-se nos tribunais da relação, que conhecem de facto e de direito (artigo 428º do Código de Processo Penal).

Tratando-se de acórdão da Relação proferido em recurso (art. 432º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal), não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça “com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º”, isto é, com fundamento nos vícios da decisão recorrida e em nulidades não sanadas (aditamento do art. 11º da Lei 94/2021 de 21.12), diversamente do que ocorre com os recursos previstos nas alíneas a) e c), sem embargo dos poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correcta decisão de direito5.

É jurisprudência constante e estabilizada deste Supremo Tribunal que, estando em causa acórdão da Relação proferido em recurso, não é admissível recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do Código de Processo Penal e que, julgado pela Relação o recurso interposto da decisão proferida em 1ª instância, o recorrente inconformado com a decisão da 2ª instância, já só pode impugnar esta última decisão e não (re)introduzir no recurso para o STJ a impugnação da decisão da 1.ª instância6.

Não se verifica razão para uma sanação oficiosa, porquanto estão proficuamente explicadas no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, os fundamentos da decisão não sobejando nenhuma nulidade ou vício de conhecimento oficioso. Consequentemente, por inadmissibilidade legal, o recurso tem de ser rejeitado nesta parte, nos termos do disposto nos art.s 414º nºs 2 e 3 e 420º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal.


*


Além disso, como decorre do exposto, existindo dupla conforme, não é admissível o recurso e está vedada ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao conhecimento da matéria respeitante às condenações em penas parcelares não superiores a oito anos de prisão (art. 400º nº 1 al. f) do Código de Processo Penal).

Também por isso, como “tem sido jurisprudência constante deste STJ, … a inadmissibilidade de recurso decorrente da dupla conforme impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como os vícios da decisão sobre a matéria de facto, a violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, da qualificação jurídica dos factos, da medida concreta da pena singular aplicada ou a violação do princípio do ne bis in idem ou de quaisquer nulidades, como as do artigo 379.° do CPP”7.

In casu, observa-se que as penas parcelares aplicadas ao arguido, incluindo as agora referenciadas, foram todas fixadas em medida “não superior a 8 anos”. Consequentemente, o recurso é inadmissível e tem de ser rejeitado também nesta parte.

3. Medida da pena única e sua substituição

Retomando as suas pretensões expostas perante o Tribunal da Relação e aí proficientemente decididas, o Recorrente sustenta que a pena única de 12 anos de prisão é manifestamente desproporcional, face a penas aplicadas em casos de crimes de violência como roubo agravado ou sequestro, ofendendo os princípios da proporcionalidade e da culpa e volta a referir as suas “sérias limitações físicas, (…) ex-toxicodependente em recuperação, sem apoio familiar, e apresenta condições concretas para inserção em contexto terapêutico com acolhimento já aceite por entidade certificada” para apelar novamente à “substituição da execução da pena por regime compatível com os artigos 58.º, 90.º-A e 40.º do Código Penal, promovendo a reinserção social e respeitando a dignidade humana do condenado”.

O acórdão de 1ª instância fundamentou a aplicação da pena única, em cúmulo jurídico, nos seguintes termos:

“5.6. Do cúmulo jurídico de penas

De harmonia com o disposto no artº 77º, nº 1, 1ª parte do CPenal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única.

Cumpre, pois, efectuar cúmulo jurídico das penas de prisão ora vindas de aplicar. Conforme dispõe o artº 77º, nº 2 do C. Penal, a pena aplicável – ou seja, a moldura abstracta do concurso de crimes – tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, acrescentando o seu nº 3 que se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.

Concluindo, verifica-se que a pena aplicável, no caso sub judicio, tem como limite máximo a pena de 39 anos de prisão e como limite mínimo a pena de 3 anos de prisão (correspondente à pena parcelar mais grave aplicada) embora, por força do disposto no artº 41º, nºs 2 e 3 do CPenal, tem tal limite máximo de ser reduzido para 25 anos de prisão.

Na determinação da pena conjunta deverá atender-se a critérios gerais e a um critério especial que entre si se conjugam e interagem.

Na verdade, tal determinação obedece, em primeiro lugar, aos critérios gerais constantes do artº 71º, nº 1 do C. Penal, já supra expostos.

No que concerne ao critério especial alude, por seu turno, o artº 77º, nº 1 in fine do CPenal, na medida em que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

De harmonia com este critério, a conjugar com os demais supra referidos tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.

Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa) ou tão só uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.

Desta forma, no que toca à apreciação conjunta dos factos praticados pelo arguido, salientamos que a visão unitária dos mesmos não neutraliza a aferição da gravidade global dos mesmos pois que actuou por oito meses o que, naturalmente, potencia o alarme social decorrente da sua actuação, incrementando temporalmente o sentimento de insegurança comunitário associado à postergação da propriedade.

Mais se refira que, da consideração global da personalidade do arguido resulta que o mesmo é indivíduo com tendência criminogénea como resulta do seu passado criminal, com diminuta resistência à prática de factos ilícitos, nomeadamente, contra o património, ou sensibilidade às condenações anteriormente sofridas e o mesmo não investe em si no plano laboral o que dificulta possamos efectuar qualquer prognose favorável de ressocialização até porque, familiarmente, o seu apoio é ténue, a raiar o inexistente.

Bem sabemos que o contexto da prática dos factos objecto dos presentes autos se mostra associado a uma adição que aquele ainda não conseguiu debelar.

A conjugação de tudo o que enunciamos aponta para a aplicação da sanção no patamar ainda inferior da moldura penal.

Tudo visto e ponderado, atentas as fortes necessidades de prevenção geral e as igualmente fortes necessidades de prevenção especial, mas sem esquecer o que se acabou de referir, consideramos justa e adequada a imposição ao arguido da pena única de 12 (doze) anos de prisão”.

O acórdão recorrido considerou improcedente a pretensão do Recorrente, com a seguinte fundamentação:

c) Excessividade da pena única de 12 anos de prisão aplicada ao arguido em violação dos artigos 18.º, n.º2, 32.º, n.º 2 e 30.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, e dos artigos 40.º, 71.º, 72.º, do Código Penal

O arguido recorre com o destaque na excessividade ou desproporção da pena única que lhe foi aplicada, importando analisar a questão na perspectiva em que a questão foi questionada.

Invocou o arguido o disposto no art. 30.º, n.º5, da Constituição da República Portuguesa (”os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução”), mas não se percebe que relação possa ter esta norma com a definição da pena única aplicada ao arguido, pois a mesma não inclui qualquer outra limitação de direitos fundamentais do arguido, para além da privação da liberdade que a caracteriza.

Também invocou a este propósito o arguido o disposto no art. 32.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa (“todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”), mas tal norma em nada se relaciona com a determinação das penas aplicáveis, nem tem aplicação às demais questões suscitadas no recurso.

Com relação à determinação da medida concreta das penas pretende o arguido que houve violação do disposto no arts. 40.º, 71.º e 72.º do Código Penal e do art. 18.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa.

Note-se, contudo, que o arguido apenas recorre quanto à fixação de pena única.

Ora tal fixação não é feita rigorosamente de acordo com os critérios elencados nos arts. 40.º, 71.º e 72.º do Código Penal (que orientam a definição das penas concretas singulares), mas antes no (não invocado) art. 77.º, n.º1, 2.ª parte, e n.º2, do Código Penal. Aqui estabelece-se que “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” e que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

A imposta consideração legal conjunta dos factos praticados (a sua gravidade e repetição), bem como a personalidade do agente (que seja nos mesmos manifestada) são os elementos que balizam a medida concreta do cúmulo de penas, dentro da imposta moldura entre o mínimo da pena concreta mais elevada (neste caso 3 anos de prisão) e como limite máximo a soma de todas as penas concretas (neste caso de 25 anos de prisão por via limite legal absoluto, pois a soma daquelas penas atingiria os 39 anos de prisão).

Assim definidos os termos do que é impugnado, e com o enquadramento do princípio da proporcionalidade que se retira do disposto no art. 18.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa (que exige, nomeadamente, uma ponderação proporcional em todas as medidas restritivas da liberdade, como são as normas penais), há que ponderar decisivamente a personalidade do arguido (mais ou menos desconforme com o Direito)8, e a gravidade dos factos praticados no seu conjunto.

O tribunal recorrido fundamentou a determinação da pena única do seguinte modo: “De harmonia com este critério, a conjugar com os demais supra referidos tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.

Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa) ou tão só uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.

Desta forma, no que toca à apreciação conjunta dos factos praticados pelo arguido, salientamos que a visão unitária dos mesmos não neutraliza a aferição da gravidade global dos mesmos pois que actuou por oito meses o que, naturalmente, potencia o alarme social decorrente da sua actuação, incrementando temporalmente o sentimento de insegurança comunitário associado à postergação da propriedade.

Mais se refira que, da consideração global da personalidade do arguido resulta que o mesmo é indivíduo com tendência criminogénea como resulta do seu passado criminal, com diminuta resistência à prática de factos ilícitos, nomeadamente, contra o património, ou sensibilidade às condenações anteriormente sofridas e o mesmo não investe em si no plano laboral o que dificulta possamos efectuar qualquer prognose favorável de ressocialização até porque, familiarmente, o seu apoio é ténue, a raiar o inexistente.

Bem sabemos que o contexto da prática dos factos objecto dos presentes autos se mostra associado a uma adição que aquele ainda não conseguiu debelar.

A conjugação de tudo o que enunciamos aponta para a aplicação da sanção no patamar ainda inferior da moldura penal”.

Foi, portanto, destacada a tendência criminógena do arguido – que foi já foi anteriormente condenado a outras pesadas penas de prisão, cujo cumprimento não surtiu qualquer efeito prático, “com diminuta resistência à prática de factos ilícitos”.

Apesar da gravidade desta consideração sobre a personalidade do arguido foi determinada uma pena única ainda situada abaixo do meio da moldura abstracta da pena do cúmulo (que seriam os 14 anos de prisão) pela moderação imposta em virtude da gravidade dos ilícitos consumados, ainda que de forma muito insistente.

Os demais elementos que o arguido destaca sobre a situação pessoal, de saúde e de doenças, já tiveram a sua relevância na determinação da medida concreta das penas singulares9.

Por isso, não é possível censurar essa ponderação feita pelo tribunal recorrido, com proporcionalidade entre a liberdade do arguido, a sua propensão para o crime e a gravidade do que ele praticou.


*


O recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena e a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas, de acordo com Figueiredo Dias10 não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se “tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”11 reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar12.

Nesta, como nas anteriores matérias apreciadas, concordamos na íntegra com o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal nos termos do parecer transcrito.

Os critérios para a fixação da pena única devem reflectir uma ponderação das “características da personalidade do agente, em termos de revelar ou não tendência para a prática de crimes ou de determinado tipo de crime, devendo a pena única reflectir essa diferença em termos substanciais”, sendo essencial considerar o tipo de criminalidade em causa e efectuar uma “conveniente avaliação da totalidade dos factos como unidade de sentido, enquanto reportada a um determinado contexto social, familiar e económico e a uma determinada personalidade”.

“Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo «a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.»

Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita” 13.

A pena única fixada no acórdão recorrido corresponde a ¼ entre a pena mínima aplicável e a soma material de todas as penas parcelares (39 anos). Porém, os factos inculcam a ideia de uma marcada tendência criminosa (crimes contra a propriedade praticados ainda no decurso do período de liberdade condicional da anterior pena de 11 anos de prisão genericamente por crimes da mesma natureza). Essa tendência é confirmada pelas suas características de personalidade que demonstram incapacidade de manter uma conduta normativa excepto na medida em que o aparente cumprimento das normas facilita a reconquista da liberdade para logo voltar a delinquir, desaproveitando as múltiplas oportunidades que teve na vida, como resulta dos factos provados 44 a 86. Não deixa de ser impressivo que o Recorrente pretenda esgrimir, como justificação para a redução e substituição da pena, com as «limitações físicas da coluna cervical» causadas por acidente de viação ocorrido em Maio de 2022, que não o impediram de praticar os crimes em causa nestes autos!

Destarte, não merece qualquer censura a pena única fixada que está plenamente fundamentada, mostrando-se justa – proporcional, adequada e necessária – e conforme aos critérios plasmados no art. 71º do Código Penal.

Face à manutenção da pena concreta em medida superior aos cinco anos de prisão, fica prejudicada a possibilidade de ponderação da suspensão da execução da pena ou de qualquer outra forma de substituição da pena de prisão, por inadmissibilidade legal (art. 50º nº 1 do Código Penal). Aliás, ao contrário do pretendido, a pena também não é passível de execução em regime de permanência na habitação (art. 43º do Código Penal) ou de outra forma de substituição (art.s 45º e 58º do Código Penal), bem como também não se encontram reunidas as condições legais de modificação de execução [art.s 118º e 122º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Lei 115/2009, de 12.10)].

III – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em:

A) Rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA na parte respeitante às condenações em penas parcelares;

B) No mais, negar provimento ao recurso e, consequentemente em confirmar na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 6 UC.

Lisboa, 29-10-2025

Jorge Raposo (relator)

Antero Luís

Carlos Campos Lobo

_________


1. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.2.2022, no proc. 333/14.9TELSB.L1-A.S1.

2. Condenação por crimes cuja prova se baseou exclusivamente em prova indirecta (imagens de videovigilância), não corroborada por outros meios de prova admissíveis, em clara violação do princípio in dubio pro reo; errada valoração de elementos probatórios … onde as imagens não evidenciam qualquer acto de subtração; erro de julgamento ao admitir como suficiente a prova exclusivamente circunstancial, sem suporte testemunhal directo ou reconhecimento válido; … na ausência de prova, absolvição.

3. Qualificação incorrecta de factos como furto qualificado, quando o valor dos bens não foi apurado, devendo tais factos ser considerados furto simples.

4. Entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11. 3.2021, no proc. 809/19.1T9VFX.E1.S1; de 2.12.2021, no proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1; de 12.1.2022, no proc. 89/14.5T9LOU.P1.S1; de 20.10.2022, no proc. 1991/18.0GLSNT.L1.S1; de 30.11.2022, no proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1.

5. Entre outros, os acórdãos de 1.3.2023, no proc. 589/15.0JABRG.G2.S1, e de 8.11.2023, no proc. 808/21.3PCOER.L1.S1.

6. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2024, no proc. 127/16.7GCPTM.E3.S1, que seguimos de perto.

7. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.6.2020, no proc. 91/18.8JALRA.E1.S1, de 23.3.2022, no proc. 693/20.2T8AGH.L1.S1, de 11.4.2024, no proc. 522/21.0GBVVD.G1.S1. A conformidade constitucional desta interpretação foi confirmada pelo Tribunal Constitucional (acórdão 399/2021 e jurisprudência constitucional aí citada).

8. Seguindo a posição de Figueiredo Dias, conforme é referido na decisão recorrida, para quem deve ser tido em consideração se, “numa avaliação da personalidade – unitária - do agente”, o seu percurso de delinquência “é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma «carreira») criminosa” e não a uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…)”, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, p. 291.

9. Cfr. Ac do STJ de 30-04-2025, proferido no processo n.º154/18.0JDLSB.L1.S1, incluindo a demais jurisprudência e doutrina aí citada (integral em www.dgsi.pt).

10. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, 2009, §255, pg. 197.

11. Neste sentido também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2008 e 11.7.2024, respectivamente nos proc.s 08P1964 e 491/21.6PDFLSB.L1.S1.

12. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.3.2004, CJ 2004, 1, pg. 220 e de 20.2.2008, proc. 07P4639.

13. Conselheiro António Artur Rodrigues da Costa em “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, texto disponível in http://www.stj.pt/ficheiros/estudos /rodrigues_costa_cumulo_juridico. pdf, pg. 12.