I - Suscitada a inimputabilidade do arguido durante o seu interrogatório judicial, impõe-se ao Mº JIC a realização de perícia psiquiátrica.
II - A medida de coação da prisão preventiva, pode ser substituída pelo internamento preventivo de arguido que sofra de anomalia psíquica se julgado conveniente, nos termos do artº 202º 2 CPP
III - O prazo de dois meses para realização da perícia psiquiátrica não é excessivo e não compete ao STJ interferir nessa decisão no âmbito da providencia de Habeas corpus
IV - Se ainda não foi decidida por ausência de perícia que determine a anomalia psíquica de que o arguido padecerá e se a mesma determinará ou não a sua inimputabilidade, a sujeição do arguido, à medida de coação da prisão preventiva ordenada pelo Mº JIC, em face dos fortes indícios da prática de crime de furto qualificado punido com a pena de 2 a 8 anos de prisão, cujo prazo ainda não decorreu, não se mostra ilegal.
V - A providencia de habeas corpus não constitui o meio processual adequado para decidir se a privação da liberdade, situação em que se encontra o arguido, deve executar-se em Estabelecimento prisional normal ou em Estabelecimento de outra espécie.
Acordam em audiência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. No Inquérito n.º 30/25.0 PBVCD do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos - Juiz 1, em que é arguido AA, preso preventivamente, através do seu advogado defensor apresentou petição de Habeas Corpus, que se transcreve na parte pertinente:
“ (…) 15º A presenta situação afigura-se algo complexa, porque se tentará relatar os factos de uma forma sequencial.
16º Nessa medida, no dia 21 de Agosto de 2025, em sede de interrogatório judicial, o tribunal, perante as evidências de que o arguido padece de grave condição psicológica, conforme resulta da gravação das suas declarações (“Eu já morri há muitos anos”), decidiu o seguinte:
“Assim, atenta a alta probabilidade de ao arguido vir a ser aplicada pena de prisão efetiva e, bem assim, revogada a liberdade condicional, é nosso entender ser de lhe aplicar medida de prisão preventiva, sendo esta a única que cabalmente acautelará os perigos enunciados.
Quanto a uma eventual inimputabilidade do arguido, e que foi suscitada neste interrogatório, é nosso entender que a mesma deve ser aferida em concreto (artigo 20º, nº1, do CP), pelo que é necessário apurar tal circunstância no decurso do inquérito e, caso tal se confirme, poderá ser ponderada a convolação desta decisão em eventual internamento preventivo.”
17º O Digno Magistrado do Ministério Público promoveu que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva.
18º Por seu turno, o defensor signatário requereu a aplicação de medida de internamento preventivo.
19º Contudo, o Digno Magistrado do Ministério Público, reconhecendo o que parecia evidente para todos que se encontravam na sala, onde decorria a diligência, solicitou a palavra, para ditar, de imediato, os quesitos da perícia, o que lhe foi concedido:
“O Digno Magistrado do Ministério Publico, no uso da palavra, e em síntese, foi dito haver necessidade de documentação que comprove a existência de anomalia psíquica e por outro lado a perigosidade do arguido.
Além do mais, indicou para a perícia os seguintes quesitos:
1.º se o arguido AA padece de algum tipo de anomalia psíquica;
2. º se essa anomalia psiquiátrica é consubstanciadora de inimputabilidade em Direito Penal;
3.º se há perigo de vir a cometer factos idênticos pelos quais esta indiciado;
4.º em que consiste esse perigo;”
20º O Meritíssimo Juíz de Turno ordenou que fosse solicitado ao INML, com nota de urgência, a realização de perícia de inimputabilidade ao arguido, tendo por base os quesitos enunciados e com indicação de que se trata de arguido preso preventivamente, mas essa urgência não foi atendida.
21º Porquanto, no passado dia 02 de Setembro de 2025, o DIAP / Vila do Conde enviou ofício, com a referência n.º .......91 , ao Estabelecimento Prisional do Porto, informando que o arguido submetido à perícia requerida, apenas no dia 15 de Outubro de 2025.
22º Isto significa que, datando o interrogatório de 21 de Agosto de 2025 e a diligência designada para dia 15 de Outubro de 2025, tendo ainda de se aguardar pela elaboração e notificação desse mesmo relatório, iria decorrer um prazo de, pelo menos, 2 meses.
23º Ainda que a inimputabilidade tenha de ser aferida no caso concreto, torna-se inadmissível que, para se tomar a decisão definitiva, se um arguido deve aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva ou internamento preventivo, se tenha de aguardar tamanha dilação temporal.
24º Para mais, quando, em sede de promoção, o defensor signatário alertou que existe nos autos prova documental - certificado de registo criminal -, que atesta que o arguido, num passado muito recente, foi declarado inimputável.
25º Na verdade, na data do interrogatório judicial, dia 21 de Agosto de 2025, estava junto aos autos o certificado de registo criminal do arguido, onde constava expressamente, no Boletim n.º 13, que o mesmo havia sido declarado inimputável, no âmbito do Processo n.º 2950/10.7TXPRT-R, que correu termos no Tribunal de Execução de Penas do Porto - J3.
26º Contudo, faltava a certidão judicial que permitisse verificar o seu teor, notificada ao defensor, depois de pedido expresso, apenas em 22/10/2025, conforme se pode ver pela data da sua emissão, que se junta em anexo, pelo que a providência da entrada apenas nesta data.
27º Do seu dispositivo, datado de 28 de Fevereiro de 2023, consta expressamente: “4. DECISÃO Em face do exposto, e considerando todo o supra explanado, decide-se:
a) Declarar que o Recluso AA, se mantém imputável e que lhe sobreveio anomalia psíquica após a prática, em autoria material, dos factos pelos quais se mostra condenado pelo NUIPC 207/11.5PAVLG;
b) Determinar que ao Recluso AA se mostra prejudicial o regime dos estabelecimentos comuns, antes sendo adequado o cumprimento da determinada pena de prisão em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da mesma, sob o regime de internamento;
c) Fixa-se como limite máximo desse internamento a data de 25/11/2027, sem prejuízo da aplicação do art. 104.º, n.º 2 do Código Penal, por força do art. 105.º, n.º 2 do Código Penal;”
28º Daqui resulta, sem margem para dúvidas, a declaração da sua inimputabilidade e a sua afectação a estabelecimento destinado a inimputáveis.
29º Não existe qualquer decisão posterior que declare a sua imputabilidade.
30º O arguido encontra-se no Estabelecimento Prisional do Porto, destinado a indivíduos imputáveis.
31º Segundo o raciocínio que se estabeleceu, em sede de primeiro interrogatório judicial, o arguido nunca pode ser internado preventivamente, pois tem de se aguardar que se venha a aferir da sua eventual inimputabilidade no caso concreto.
32º O que sabemos não suceder, em tantos tribunais de instrução criminal deste país, pois que estes, em caso de declaração prévia de inimputabilidade, como no caso dos presentes autos, optam, sempre que se justifique, pela medida de internamento preventivo.
33º É, assim inconstitucional a interpretação normativa do art.º 202º n.º 2 do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que, ainda que decretada a inimputabilidade prévia de arguido, a sua sujeição a internamento preventivo, depende sempre, no caso concreto, da renovação da sua declaração de inimputabilidade, por violação do art.º 27º n.º 3 h) da Constituição da República Portuguesa.
34º Pelo que, repetimos, torna-se inadmissível a manutenção do estatuto processual coactivo deste arguido.
35º Razão pela qual se veem postas em causa as suas garantias processuais.
36º Em especial, o direito a ver o seu estatuto processual totalmente definido,em tempo útil, de acordo com a sua capacidade de querer e entender, o que fundamenta a ilegalidade da sua prisão, nos termos em que foi decretada, devendo ser convertida em internamento preventivo.
37º O artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), ratificada por Portugal e com força vinculativa no ordenamento jurídico interno (artigo 8.º da CRP), estabelece as garantias fundamentais relativas ao direito à liberdade e segurança.
38º O §3 deste artigo dispõe que: “Toda a pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), deve ser conduzida com prontidão à presença de um juiz e tem o direito de ser julgada num prazo razoável ou libertada durante o processo.”
39º O §4 acrescenta que “Toda a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem o direito de intentar um processo para que um tribunal decida, com prontidão, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação se a detenção for ilegal.”
40º Estes preceitos consagram, cumulativamente:
- A obrigação de conduzir o arguido perante autoridade judicial logo após a detenção (garantia de controlo inicial);
- A exigência de que a prisão preventiva não se prolongue indefinidamente e seja substituída por libertação se o julgamento não ocorrer em prazo razoável;
- O direito a um controlo judicial contínuo da legalidade da prisão preventiva.
41º O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tem interpretado de forma exigente estes dispositivos, impondo aos Estados uma atuação atciva e diligente.
42º No caso emblemático *Letellier v. France*, o TEDH decidiu que “a continuidade da detenção preventiva deve basear-se em razões concretas, suficientes e relevantes. A gravidade dos factos imputados, por si só, não justifica a prorrogação contínua da detenção.”
43º Na jurisprudência mais recente, casos como *Idalov v. Russia* (2012) e *Buzadji v. Moldova* (2016), reforçam que:
- O ónus de justificar a prisão preventiva é sempre do Estado;
- Deve existir uma análise individualizada, periódica e actual do perigo que justifica a manutenção da medida;
- O decurso de prazos sem acusação ou sem julgamento é, salvo justificação muito concreta, motivo suficiente para determinar a libertação.
44º Em harmonia com esta jurisprudência, o caso em apreço - alheamento à inimputabilidade previamente decretada - configura uma tal violação que, para além de comprometer as garantias constitucionais portuguesas, coloca o Estado Português em incumprimento das suas obrigações internacionais, sujeitando-o a eventual condenação pelo TEDH.
45º Ora, no caso em apreço, a prisão preventiva sido decretada, sem que o arguido, de acordo com o art.º 202º n.º 2 do Código de Processo Penal, fosse sujeito a internamento preventivo,
46º Consubstancia uma privação da liberdade, em violação do disposto nos artigos 27.º n.º 3 h) e 31.º da Constituição da República Portuguesa, sendo a manutenção da medida de coação de prisão preventiva, nas presentes circunstâncias, claramente ilegal e inconstitucional, o que justifica a intervenção urgente, por via da presente providência de Habeas Corpus, para que o mesmo seja internado preventivamente em estabelecimento adequado.
CONCLUSÕES A RETIRAR:
47º Conclui-se que a actual prisão preventiva do arguido é manifestamente ilegal, violadora do princípio da legalidade (artigos 27º n.º 3 h) CRP e 202º n.º 2 do Código de Processo Penal).
48º Nestes termos, requer-se seja deferida a presente providência de Habeas Corpus, com o consequente internamento preventivo do arguido, em estabelecimento adequado para o efeito.
49º Requerendo-se, para o caso sub iudice, nos termos e para os efeitos do art.º 223º n.º 4 b) do Código de Processo Penal, seja declarada a prisão ilegal
TERMOS EM QUE,
Se requer a V. Ex.ª, nos termos da conjugação dos artigos 222º n.º 1, 222º n.º 2 b), 223º n.º 4 b) e 223º n.º 5, todos do Código de Processo Penal, seja a prisão do arguido declarada ilegal, ordenando-se o seu imediato internamento preventivo.”
2. Da informação enviada, nos termos do artº 223º1 CPP consta como relevante (transcrição):
“O arguido AA veio formular petição de habeas corpus nos termos do artigo 222.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal.
O arguido foi detido em 20 de agosto de 2025, conforme auto de notícia por detenção registado em 21-08-2025.
Em 21-08-2025, o arguido foi sujeito a primeiro interrogatório judicial, neste Juízo de Instrução Criminal, tendo sido nessa mesma data proferido despacho judicial, julgando observadas todas as formalidades legais, designadamente as previstas no artigo 254.º e seguintes do CPP, e declarando legais a detenção e apreensões, determinando ainda a prisão preventiva do arguido pelos fortes indícios da prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelo artigo 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. a), do Código Penal.
Na mesma data foi determinada a realização de perícia psiquiátrica ao arguido, nos termos que constam do respetivo auto de primeiro interrogatório judicial, pedido que foi transmitido à Delegação Norte do Instituto de Medicina Legal do Porto.
O exame pericial foi marcado para o passado dia 15-10-2025, não existindo ainda nos autos o correspondente relatório pericial.
O arguido mantém-se em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional do Porto.” e com ela foi junta a pertinente certidão dos autos.
3.Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o advogado / defensor do arguido requerente, procedeu-se à realização da audiência, com o formalismo legal e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.
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4. Finda a audiência o coletivo reuniu para deliberar, o que fez, apreciando o pedido nos termos seguintes:
Os factos relevantes para a decisão mostram-se condensados na petição de Habeas Corpus e na informação do tribunal requerido e documentos com ela juntos que aqui se dão por transcritos e deles resultam que as questões a decidir se prendem com:
- Decretamento da prisão preventiva do arguido
- sua inimputabilidade e anomalia psíquica.
- medida de internamento
- inconstitucionalidade (normativa do “art.º 202º n.º 2 do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que, ainda que decretada a inimputabilidade prévia de arguido, a sua sujeição a internamento preventivo, depende sempre, no caso concreto, da renovação da sua declaração de inimputabilidade, por violação do art.º 27º n.º 3 h) da Constituição da República Portuguesa”)
- inobservância da CEDH
4.1 Conhecendo e apreciando:
O pedido de habeas corpus é uma “providência [judicial] expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada e de caracter extraordinário deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344)”1
O direito à liberdade é um direito fundamental dos cidadãos expresso no artº 27º 1 CRP que dispõe “1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.”, esclarecendo no nº2 que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”. Todavia há exceções também constitucionalmente consagradas, no mesmo normativo, no seu nº32, fora das quais as restrições à liberdade, através da detenção ou prisão, são ilegais, juízo que se tem afirmado em jurisprudência reiterada, quando ocorram fora dos casos previstos neste mesmo normativo (cf. por todos, o ac. de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em 3www.dgsi.pt)4.
4.2 Resulta da petição de habeas corpus e da certidão junta que:
- O arguido/ requerente encontra-se atualmente preso em prisão preventiva, que lhe foi aplicada por decisão do Mº JIC de 21-08-2025 na sequência da sua audição em primeiro interrogatório judicial por fortes indícios da prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelo artigo 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. a), do Código Penal.
- Nessa mesma ocasião (primeiro interrogatório judicial), foi determinada a realização de perícia psiquiátrica ao arguido, nos termos que constam do respetivo auto, ali se ponderando “Quanto a uma eventual inimputabilidade do arguido, e que foi suscitada neste interrogatório, é nosso entender que a mesma deve ser aferida em concreto (artigo 20º, nº1, do CP), pelo que é necessário apurar tal circunstância no decurso do inquérito e, caso tal se confirme, poderá ser ponderada a convolação desta decisão em eventual internamento preventivo.” pedido que foi transmitido à Delegação Norte do Instituto de Medicina Legal do Porto para realização da perícia.
- O exame pericial foi marcado para o passado dia 15-10-2025, não existindo ainda nos autos o correspondente relatório pericial, sobre a inimputabilidade.
- No âmbito do Processo n.º 2950/10.7TXPRT-R, que correu termos no Tribunal de Execução de Penas do Porto - J3. por despacho de 28 de Fevereiro de 2023, foi proferida a seguinte “DECISÃO
Em face do exposto, e considerando todo o supra explanado, decide-se:
a) Declarar que o Recluso AA, se mantém imputável e que lhe sobreveio anomalia psíquica após a prática, em autoria material, dos factos pelos quais se mostra condenado pelo NUIPC 207/11.5PAVLG;
b) Determinar que ao Recluso AA se mostra prejudicial o regime dos estabelecimentos comuns, antes sendo adequado o cumprimento da determinada pena de prisão em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da mesma, sob o regime de internamento;
c) Fixa-se como limite máximo desse internamento a data de 25/11/2027, sem prejuízo da aplicação do art. 104.º, n.º 2 do Código Penal, por força do art. 105.º, n.º 2 do Código Penal;”
Estes os factos relevantes para apreciação da petição.
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4.3 A providencia de Habeas Corpus, como dispõe o artº 223º 4 CPP, visa a libertação imediata do arguido / detido em virtude de uma prisão ilegal em conformidade com a imposição constitucional expressa no artº 31º 1 CRP “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal,”.
Nos termos do artº 222º 2 CPP, a petição a apresentar no Supremo Tribunal de Justiça deve fundar-se em prisão ilegal, por ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente (al. a) ou ser motivada por facto que a lei não permite (al. b), ou manter-se para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial (al. c).
Para fundamentar o seu pedido invoca o arguido o disposto no artº 222º n.ºs 1 e 2 b) CPP ou seja a ilegalidade da prisão “por facto pelo qual a lei não permite.” por em seu entender dever ter sido submetido a internamento preventivo por o mesmo ser inimputável por anomalia psíquica.
4.4.Visto o alegado, em face dos fundamentos do habeas corpus de caracter taxativo (ac. STJ de 19/5/2010 CJ STJ, 2010, T2, pág. 196) e fixados nas alíneas do nº 2 do artº 222º CPP (numerus clausus) que podem ser invocados, estamos perante um pedido formulado em que é manifesta a sem razão do requerente porquanto a situação do arguido não se enquadra em nenhuma daquelas alíneas.
O decretamento da prisão preventiva do arguido foi-o na sequência do primeiro interrogatório judicial do arguido por fortes indícios da prática do crime de furto qualificado p.p. pelos artºs 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, sendo a pena aplicável de 2 a 8 anos de prisão, pelo que cabe na previsão do artº 202º 1 a) CP, e sendo-o por decisão do Mº Juiz de instrução, não padece de qualquer ilegalidade, pois foi-o por facto que a lei permite.
4.4.1 No que à sua inimputabilidade respeita, esta foi suscitada durante o seu interrogatório judicial, determinando o Mº Juiz a realização de perícia psiquiátrica com vista a averiguar da mesma, o que lhe é permitido / imposto como dever de oficio, que foi marcada para 15/10/2025. Contra o que se insurge o arguido por considerar esse prazo excessivo e por já haver, do seu ponto de vista, o arguido sido declarado anteriormente inimputável.
Desde logo cumpre salientar, que o requerente labora em manifesto erro, pois ao contrário do alegado no requerimento, o arguido no processo em causa e por si invocado não só não foi declarado inimputável, como foi declarado imputável, pois a decisão do Mº Juiz de Execução das Penas foi no sentido de “ Declarar que o Recluso AA, se mantém imputável e que lhe sobreveio anomalia psíquica após a prática, em autoria material, dos factos pelos quais se mostra condenado pelo NUIPC 207/11.5PAVLG”5 pelo que não existe declaração de inimputabilidade mas de imputabilidade), e apenas que sobreveio ao arguido após o ilícito que havia praticado uma anomalia psíquica da qual não resultada a sua inimputabilidade, mas em face da qual o Mº Juiz entendeu dever, apesar disso, ser internado no âmbito da pena em execução, pela necessidade de tratamento. Donde importa realçar que não estava nem está demonstrada a sua inimputabilidade.
4.4.2 Nessas circunstâncias mostra-se corretíssima a decisão de realização de perícia psiquiátrica, não apenas por aquele facto, mas também por caber ao Mº Juiz observar o disposto no artº 202º 2 CPP que dispõe: “2 - Mostrando-se que o arguido a sujeitar a prisão preventiva sofre de anomalia psíquica, o juiz pode impor, ouvido o defensor e, sempre que possível, um familiar, que, enquanto a anomalia persistir, em vez da prisão tenha lugar internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado, adoptando as cautelas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento de novos crimes” da qual resulta o dever de averiguar da existência, à data da prática dos factos, da anomalia psíquica (a efetuar por perícia psiquiátrica), e persistindo/ existindo tal anomalia tem o poder / dever de impor esse internamento, em substituição da medida que seria adequada caso não existisse essa anomalia psíquica, a prisão preventiva, depois de devidamente ponderada a situação concreta (ou seja, se se justificar essa substituição).
Não resultando do alegado pelo requerente a sua inimputabilidade, nem que persista a anomalia psíquica que justifique a substituição da prisão preventiva por internamento compulsivo, a decisão em causa não se mostra ilegal, nem ofensiva de qualquer norma jurídica.
4.4.3 No que respeita ao prazo para realizar a perícia pelo IML, não compete ao STJ interferir nessa decisão, ela não cabe no âmbito deste habeas corpus, nem se mostra excessivo o prazo para a sua realização, nem por essa via e mostra ilegal a detenção do arguido sujeito a prisão preventiva, cumprindo assinalar que por ser legal a prisão preventiva é que o arguido pode em substituição ser internado preventivamente.
4.4.4 No que respeita à invocada inconstitucionalidade (normativa do “art.º 202º n.º 2 do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que, ainda que decretada a inimputabilidade prévia de arguido, a sua sujeição a internamento preventivo, depende sempre, no caso concreto, da renovação da sua declaração de inimputabilidade, por violação do art.º 27º n.º 3 h) da Constituição da República Portuguesa”) é em concreto manifesta a sua improcedência, pois parte de um pressuposto inverídico: o decretamento da inimputabilidade prévia do arguido. Na verdade nem neste nem no processo supra identificado invocado pelo requerente (Processo n.º 2950/10.7TXPRT-R que correu termos no Tribunal de Execução de Penas do Porto - J3) o arguido foi declarado inimputável, antes pelo contrário, foi declarado imputável apesar de sofrer de anomalia psíquica que lhe sobreveio após a prática dos factos porque estava a cumprir pena de prisão, o que significa que a anomalia psíquica detetada não era geradora de inimputabilidade, e assim sendo o Mº Juiz não aplicou a norma do artº 202º CPP numa interpretação que agora o requerente lhe assaca.
4.4.5 E do mesmo modo e por esta via, em face do alegado quanto às normas invocadas da CEDH, não se mostra que tenha por qualquer meio, decidido em desconformidade com elas, antes pelo contrário todas elas se mostram observadas
De tudo decorre que o arguido não foi declarado inimputável no processo em referencia, e que o internamento preventivo em substituição da medida de coação da prisão preventiva, depende da existência/ permanência de anomalia psíquica no arguido e está dependente de o Mº JIC a julgar adequada (ouvido o defensor e se possível um familiar) e ainda não foi decidida por ausência de perícia que determine a anomalia psíquica de que o arguido padecerá e se a mesma determinará ou não a sua inimputabilidade, e por isso a sujeição do arguido, à medida de coação da prisão preventiva ordenada pelo Mº JIC, em face dos fortes indícios da prática de crime de furto qualificado punido com a pena de 2 a 8 anos de prisão, cujo prazo ainda não decorreu, em arguido que podendo sofrer de anomalia psíquica não determina a sua inimputabilidade, não é ilegal, antes deve o Mº JIC adoptar “as cautelas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento de novos crimes” – artº 202º 2 in fine CPP – que in casu só pode ser a prisão preventiva até essa apreciação.
4.4.6. Por fim, acresce que a providencia de habeas corpus não constitui o meio processual adequado para decidir se a privação da liberdade, situação em que se encontra o arguido, deve executar-se em Estabelecimento prisional normal ou em Estabelecimento de outra espécie, como pretende no seu pedido, por competir ao TEP a fiscalização também a execução da prisão preventiva e ou o internamento preventivo.
- Indeferir a providência de habeas corpus formulada pelo arguido AA por manifesta falta de fundamento.
- Condenar o requerente na taxa de justiça de 4 UC e nas demais custas
Condenar o requerente, por manifesta improcedência no pagamento de 6 UC s (artº 223º, nº 6 CPP)
Notifique
José A. Vaz Carreto (relator)
Maria da Graça Silva
Carlos Campos Lobo
Nuno A. Gonçalves ( Presidente da Secção)
________
1. Cf. ac. STJ 4/6/2024, Proc. 1/22.8KRPRT-K.S1 Cons. Lopes da Mota www.dgsi.pt
2. Artº 27º3 CRP “3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Detenção em flagrante delito;
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
e) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;
h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.