AUGI
ENCARGOS DA CONVERSÃO
RESPONSABILIDADE DOS PROMITENTES COMPRADORES
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário

Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. A Lei nº 70/2015, de 16/07, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, introduziu alterações à Lei n.º 91/95, de 2/09 (estabelece o regime excecional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal – AUGI-), e, por via do nº 5, introduzido ao seu art. 3º, passou a contemplar a responsabilidade solidária dos promitentes compradores das parcelas integradas em AUGI pelo pagamento das comparticipações/encargos da reconversão, nos casos em que tenha ocorrido tradição.
2. O novo regime de solidariedade de devedores é aplicável a relações jurídicas anteriormente constituídas, mas, tão só, e, necessariamente, a partir da sua entrada em vigor (art. 12º, nº 1, nº 2, 2ª parte e 513º, do CC).

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA DO BAIRRO …., na freguesia da …., entidade equiparada a pessoa coletiva, com o NIF …, veio intentar ação declarativa de condenação sob a forma única de processo comum contra:
A…, e mulher, R…, residentes em Rua ….,
V…, casado com M…, residente em Travessa ….;
C… e mulher, M.C…, residentes em Estrada ….; e pediu que, julgada procedente, por provada, a ação, nos termos do  disposto no art. 3º, nº 3, da Lei das AUGI, e, subsidiariamente, nos institutos do abuso de direito e do enriquecimento sem causa, sejam os réus condenados solidariamente a pagar-lhe o montante de comparticipações e juros de € 30.222,82, acrescido da compensação igual aos juros à taxa legal calculados sobre o capital de € 12.769,95 (doze mil setecentos e sessenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos) a partir de 30 de junho de 2022 e até integral pagamento, sempre sem prejuízo do disposto no art. 16º-C nº 5 da Lei das AUGI.
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Os 1ºs Réus apresentaram defesa por exceção e por impugnação, e concluíram, a final, nos seguintes termos:
a) pela sua absolvição da instância, por se verificar a exceção de caso julgado ou, caso assim não se considere, por se verificar a exceção de autoridade de caso julgado;
b) caso assim não se considere, seja considerada procedente, por provada, a exceção de inibição da Autora proceder judicialmente contra ambos, ou, assim não se considerando, seja julgada procedente a exceção de prescrição, com a sua consequente absolvição do pedido em qualquer das circunstâncias;
c) No caso de assim não se entender, sejam os Réus absolvidos, pelo menos parcialmente, do pedido.
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A Autora respondeu à matéria das exceções e pugnou pela sua improcedência.
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Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual as partes foram confrontadas com a possibilidade de prolação de saneador-sentença, por os autos conterem todos os elementos necessários para o efeito, com o que anuíram.
Nesse seguimento, foi proferida decisão final que culminou com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos e por todo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decide-se:
a) Absolver a Ré M.C.. do pedido;
b) Condenar os Réus V…, C…, R… e A… a pagar à Autora, solidariamente, o montante de € 12.769,95 (doze mil, setecentos e sessenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos), a título de comparticipações vencidas, acrescidos dos juros de mora vencidos sobre cada uma delas, à taxa legal supletiva, desde o dia 6 de Julho de 2017, e vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento;
c) Condenar os Réus V…, C… a pagar à Autora, solidariamente, os juros de mora vencidos, à taxa legal supletiva, entre a data fixada no mapa para a entrega de cada comparticipação e o dia 5 de Julho de 2017.
 Custas a cargo dos Réus vencidos, na proporção de 2/3 pelos réus V… e C…, e de 1/3 pelos réus R… e A… (artigo 527.º do Cód. Processo Civil).
Registe e notifique.”
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A Autora veio recorrer de tal decisão e formulou, a final, as seguintes conclusões:
“A)- A situação controvertida resulta da circunstância de, no Bairro …., ao invés do que sucedeu na maioria das restantes AUGI, não terem sido feitas escrituras em compropriedade (“avos indivisos”) após a entrada em vigor do DL 289/73 de 6 de Junho, tendo as parcelas, já na posse dos promitentes-compradores, permanecido no registo predial integradas na área do prédio-mãe e ainda em nome do loteador ilegal, a aguardar pela emissão do alvará de loteamento;
B)- Entretanto, em muitas daquelas referidas parcelas, tal como sucedeu no caso dos autos, os promitentes-compradores edificaram construções de vários andares com unidades separadas, destinadas ao arrendamento, delas retirando vultuosos rendimentos anuais;
C)- Este fenómeno é privativo dos concelhos a norte do Tejo, porquanto na margem sul as construções ilegais foram moradias unifamiliares, destinadas a habitação ou vilegiatura própria e podiam ser executadas e ocupadas num fim-de-semana, dificultando o controlo da legalidade, enquanto nos casos como o dos autos, a construção destes edifícios só pôde ser realizada com a conivência das fiscalizações municipais;
D)- Neste processo ficou ainda demonstrado indiciariamente pela documentação junta, que os RR A.. e esposa tentaram inclusive furtar-se à reconversão, invocando uma inexistente omissão do prédio na conservatória para obterem um registo autónomo em seu nome, como se o prédio não estivesse já descrito na conservatória e inscrito em nome do RR2 (ver doc. 7 da PI);
E)- Estes, por seu turno e ao contrário do referido na douta sentença, desde Abril de 1979 (data do contrato-promessa) deixaram de “beneficiar de todos os direito inerentes à titularidade da coisa”, nomeadamente da posse e usufruição da parcela, sendo que o art. 305º do C. Civil aí invocado, salvo erro e com o devido respeito, nada terá ver com esta matéria;
Foi também no conhecimento destas situações que foi consagrado o regime de comparticipações da Lei 91/95 (Lei das AUGI). Assim:
F)- Dispõe o art. 9º nº 2 da Lei das AUGI que os donos de construções erigidas nas parcelas ilegais e, em geral os promitentes-compradores com a tradição destas, têm assento na Assembleia com preterição dos titulares inscritos, pelo que substituem aqueles na vida interna da administração conjunta, nomeadamente, entenda-se, nos direitos e, para o que aqui interessa, no dever de reconversão previsto no art. 3º do citado diploma;
G)- A “ratio legis” do disposto no nº 3 do art. 3º da Lei das AUGI, não é restringir a legitimidade passiva para a cobrança, mas determinar que a obrigação de comparticipar reveste natureza “propter rem”, ou seja, de que o actual titular inscrito (regra geral) é responsável igualmente pelas comparticipações vencidas antes da sua compra;
H) – E tem igualmente a ver com o disposto no nº 6, o qual determina que os encargos com a operação de reconversão gozam de privilégio imobiliário especial, pelo que o seu pagamento é feito em primeiro lugar à custa da venda do lote (art. 752º nº 1 CPC), que não está inscrito na conservatória em nome do promitente-comprador;
I)- Daí também ser necessariamente aplicável o disposto no art. 3º nº 7 do diploma às construções erigidas pelo possuidor, posto que repugnaria admitir que estas não estivessem sujeitas ao corte do acesso às redes de água, luz e outras, em caso de violação do dever de reconversão;
J)- É por isso que entende respeitosamente o signatário, como integrante da equipa técnica que elaborou as normas em apreço, que a interpretação restritiva dos tribunais que vinham considerando como responsáveis pelas comparticipações apenas os titulares inscritos (aliás, assumida pela maioria das decisões proferidas no período em questão) violava o disposto no art. 9º nº 2 da Lei das AUGI;
Relembre-se que nem o nome destes nem os dos promitentes-compradores constam do título executivo, que é a pública-forma da acta, que contém apenas a deliberação do montante da comparticipação fixada para o lote projectado.
K)- Foi exactamente para pôr termo a esta interpretação restritiva e, no entender do signatário, “contra legem”, que em 2015 foi aditado ao art. 3º a norma que é agora o seu nº 5, na qual se determina que os possuidores de parcelas, que substituem na administração conjunta os titulares inscritos, com sua preterição, são responsáveis, como já não podia antes deixar de ser, pelo pagamento das comparticipações e, por conseguinte, detentores de legitimidade passiva para a sua cobrança;
L)- Não obstante e ainda assim, a douta sentença recorrida estabeleceu que, não obstante ser a responsabilidade em questão SOLIDÁRIA, os RR promitentes-compradores só eram responsáveis pelo capital e pelos juros vencidos após a publicação da norma.
Ora,
M)- Estabelece o C. Civil no seu artigo 12º nº 2 que, quando a lei dispõe sobre o conteúdo das relações jurídicas, a lei nova abrange as próprias relações já à data da sua publicação sendo ainda que o art. 512º do mesmo diploma determina que, quando mais de um devedor concorre na obrigação solidária, cada um está adstrito ao pagamento DE TODA A DÍVIDA, ainda que, como no caso, respondam bens diversos pelo seu pagamento;
N)- Não assiste, portanto, razão à douta sentença recorrida no segmento em que  determina que os RR1, possuidores da parcela desde a data do contrato-promessa (1979), sejam responsáveis apenas pelos juros compensatórios das comparticipações do lote a partir de 1 de Julho de 2017, devendo, antes ser condenados, como responsáveis solidários, na totalidade das comparticipações (capital e juros)
Sem transigir:
O)- A A requereu subsidiariamente que os RR1 fossem condenados no seu  pagamento, com fundamento nas regras do abuso do direito e do enriquecimento sem causa, sendo que a douta decisão sindicada, não tendo considerado totalmente procedente o pedido contra os RR1 com fundamento na sua responsabilidade solidária, não apreciou, devendo, a sua eventual condenação com base no abuso do direito e do enriquecimento sem causa, sendo, por isso, nula, nos termos do disposto no art. 615º nº 1 d), do CPC.
P). Normas violadas: arts. 12º n. 2 e 512º do C. Civil e art. 608º n. 2 do CPC.
Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e provada e, por via dela, revogada a douta decisão em apreço e, em sua vez, condenados os RR1, como responsáveis solidários, no pagamento integral das comparticipações do lote para as despesas de reconversão e, subsidiariamente, na mesma quantia, com base nas regras do abuso do direito e do enriquecimento sem causa, tudo com as legais consequências.”
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Os Réus A… e R… não se conformaram com a sentença e dela vieram igualmente decorrer, tendo alinhado, a final, as seguintes conclusões:
“I. Salvo melhor entendimento, para a boa decisão da causa, importa aditar à alínea m) dos factos julgados como provados a menção à data do trânsito em julgado da sentença que foi proferida no dia 12.12.2013, referente à execução mencionada na alínea k) dos factos provados.
Como tal, na alínea m) dos factos provados, onde consta “Foi proferida uma sentença, em 12 de dezembro de 2013”, deverá ser aditada a expressão: e transitada em julgado no dia 03 de Fevereiro de 2014.
Matéria essa que foi alegada pelos recorrentes no artigo 9 da sua contestação e que resulta provada pela certidão junta aos autos como Doc. 1, no dia 27.01.2023, com o requerimento com a V/ Ref.ª 13319678.
II. Igualmente, deverá constar dos factos provados o seguinte facto: A presente ação foi proposta no dia 30 de Junho de 2022. Matéria esta que resulta provada pela petição inicial e que foi alegada pelos recorrentes, nos artigos 31 e 40 da contestação.
III. Também deverá ser aditada à matéria de facto julgada como provada a seguinte matéria: Na data da propositura da presente ação - 30.06.2022 - eram os 2.ºs RR. proprietários, pelo menos, de vários bens imóveis, livres de quaisquer ónus ou encargos, nomeadamente, os seguintes:
1. Lote de terreno para construção denominado “…”, situado na Rua …, na freguesia de …, concelho de …., descrito sob o n.º 3616 na Conservatória do Registo Predial de ….  e inscrito na matriz predial urbana com o artigo … da referida freguesia, imóvel este que foi registado em nome dos 2.ºs RR. pela ap. … de 09.11.2016;
2. Fração autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao 2.º andar esquerdo do prédio em regime de propriedade horizontal descrito sob o n.º 810 na 1.ª Conservatória do Registo Predial de …, freguesia de …, imóvel este que foi registado em nome dos 2.ºs RR. pela ap. … de 17.01.2018;
3. Prédio urbano sito na Rua…., na …, descrito sob o n.º 1036 na Conservatória do Registo Predial e Comercial da … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 76 da freguesia da …, imóvel este que foi registado em nome dos 2.ºs RR. pela ap. … de 01.09.2010;
4. prédio misto denominado “…” (sic) ou “…”, sito em …, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a descrição n.º 744 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 135 e na matriz predial rústica com o artigo … da referida freguesia, imóvel este que foi registado em nome dos 2.ºs RR. pela ap. … de 01.09.2010;
5. prédio misto denominado “…”, sito em …, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a descrição n.º 743 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 108 e na matriz predial rústica com o artigo … da referida freguesia, imóvel este que foi registado em nome dos 2.ºs RR. pela ap. … de 01.09.2010.
Factualidade essa que resulta provada pelos Docs. 3 a 7 juntos aos autos pelos recorrentes, no dia 17.01.2023, com a peça processual com V/ Ref.ª 13270016.
IV. Mesmo que fosse verdade que os recorrentes eram devedores solidariamente com os 2.ºs RR. dos montantes peticionados pela recorrida nos presentes autos, o que não se admite, ainda assim, não poderia a recorrida propor a presente ação contra os recorrentes.  Pois, tal como acima se referiu, na execução a que corresponde o Processo n.º …., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Execução de Loures – Juiz 2 (extinto 1.º Juízo Cível de Loures), a recorrida peticionou que os 2.ºs RR. procedessem ao pagamento da totalidade das alegadas comparticipações referentes a alegadas despesas de reconversão do lote 118 do Bairro …. e respetivos juros.
Não tendo os 2.ºs RR. deduzido qualquer oposição à execução ou oposição à penhora nessa execução, tal como resulta provado do Doc. 1, junto pelos recorrentes aos autos no dia 27.01.2023. Sendo certo que essa execução estava ainda pendente contra os 2.ºs RR. Quando a presente ação foi proposta, no dia 30.06.2025. Pois, à data da propositura da presente ação, tal execução apenas havida sido declarada extinta relativamente aos recorrentes, através da já referida Sentença, proferida no dia no dia 12.12.2013 e já transitada em julgado.
Assim sendo, a recorrida estava inibida de proceder judicialmente contra os recorrentes para peticionar o pagamento, precisamente, da mesma dívida que estava em causa na referida execução, como a recorrida fez na presente ação.
Tendo a recorrida de prosseguir com a execução contra os 2.ºs RR., caso quisesse fazer valer o seu alegado direito de crédito.
Assim, constata-se, sem margem para qualquer dúvida, que, à data da propositura da presente ação, se encontrava pendente contra os 2.ºs RR. a referida execução destinada à cobrança coerciva da totalidade da dívida correspondente ao crédito reclamado pela recorrida na presente ação contra os recorrentes.
Como tal, estava vedado à recorrida propor esta ou outra ação contra os recorrentes para cobrança do mesmo crédito, porquanto, nem sequer alegou que em relação os 2.ºs RR. se verificava alguma das circunstâncias previstas na parte final do n.º 1 do artigo 519.º do Código Civil, até porque tais circunstâncias, claramente, não se verificavam.
V. A deserção da instância não é automática, carecendo sempre da verificação de alguma conduta negligente do exequente que impossibilite que a instância executiva prossiga os seus trâmites, nomeadamente, com a penhora de bens para pagamento dos montantes devidos pelos executados. Sendo certo que, no presente caso, nada impedia que a Exma. Sra. Agente de Execução prosseguisse com a penhora de todos os bens dos 2.ºs RR. cuja existência foi apurada muito antes da propositura da presente ação, tal como comprovam os Docs. 1 e 3 a 11, juntos aos autos pelos recorrentes nos dias 27.01.2023 (Doc. 1) e 17.01.2023 (Docs. 3 a 11).
Pelo exposto, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo deveria ter absolvido totalmente os recorrentes do pedido.
Tendo a douta decisão recorrida violado o disposto nos artigos 334.º e 519.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
(…)”.
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Os 1ºs Réus contra-alegaram e requereram a ampliação do objeto do recurso, visando a alteração da decisão relativa à matéria de facto em termos exatamente coincidentes com a impugnação efetuada no recurso que os próprios interpuseram da decisão recorrida.
Formularam as seguintes conclusões:
“I. Tal como já referido no recurso interposto pelos 1.ºs RR., no dia 22.04.2025, consideramos que, para a boa decisão da causa, deverá ser aditada à matéria de facto julgada como provada alguns factos, requerendo-se, por cautela de patrocínio, a ampliação do objeto do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do CPC.
Assim, salvo melhor entendimento, para a boa decisão da causa, importa aditar à alínea m) dos factos julgados como provados a menção à data do trânsito em julgado da sentença que foi proferida no dia 12.12.2013, referente à execução mencionada na alínea k) dos factos provados.
Como tal, na alínea m) dos factos provados, onde consta “Foi proferida uma sentença, em 12 de dezembro de 2013”, deverá ser aditada a expressão: e transitada em julgado no dia 03 de Fevereiro de 2014.
Matéria essa que foi alegada pelos recorridos no artigo 9 da sua contestação e que resulta provada pela certidão junta aos autos pelos recorridos como Doc. 1, no dia 27.01.2023, com o requerimento com a V/ Ref.ª 13319678.
II. Igualmente, deverá constar dos factos provados o seguinte facto: A presente ação foi proposta no dia 30 de Junho de 2022.
Matéria esta que resulta provada pela petição inicial e que foi alegada pelos recorridos, nos artigos 31 e 40 da contestação.
III. Também deverá ser aditada à matéria de facto julgada como provada a seguinte matéria: Na data da propositura da presente ação - 30.06.2022 - eram os 2.ºs RR. proprietários, pelo menos, de vários bens imóveis, livres de quaisquer ónus ou encargos, nomeadamente, os seguintes:
1. Lote de terreno para construção denominado “…”, situado na Rua …, na freguesia de …, concelho de …, descrito sob o n.º 3616 na Conservatória do Registo Predial de … e inscrito na matriz predial urbana com o artigo … da referida freguesia, imóvel este que foi registado em nome dos 2.ºs RR. pela ap. … de 09.11.2016;
2. Fração autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao 2.º andar esquerdo do prédio em regime de propriedade horizontal descrito sob o n.º 810 na 1.ª Conservatória do Registo Predial de …, freguesia de …, imóvel este que foi registado em nome dos 2.ºs RR. pela ap. … de 17.01.2018;
3. Prédio urbano sito na Rua …, descrito sob o n.º 1036 na Conservatória do Registo Predial e Comercial da … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 76 da freguesia da …, imóvel este que foi registado em nome dos 2.ºs RR. pela ap. … de 01.09.2010;
4. prédio misto denominado “…” (sic) ou “…”, sito em …, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a descrição n.º 744 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 135 e na matriz predial rústica com o artigo … da referida freguesia, imóvel este que foi registado em nome dos 2.ºs RR. pela ap. … de 01.09.2010;
5. prédio misto denominado “…”, sito em …, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a descrição n.º 743 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 108 e na matriz predial rústica com o artigo … da referida freguesia, imóvel este que foi registado em nome dos 2.ºs RR. pela ap. … de 01.09.2010. Factualidade essa que resulta provada pelos Docs. 3 a 7 juntos aos autos pelos recorridos, no dia 17.01.2023, com a peça processual com V/ Ref.ª 13270016.
IV. No seu recurso, a recorrente alega que o Tribunal recorrido efetuou uma errada interpretação do artigo 3.º, n.º 3 da Lei n.º 91/95, de 02/09.
Todavia, contrariamente ao referido pelos recorrentes, nos artigos 13, 20 e 22 do seu recurso, não corresponde à verdade que o Tribunal recorrido tenha efetuado uma interpretação restritiva dessa norma e violadora da lei ao considerar que antes da entrada em vigor da Lei n.º 70/2015, de 16/07, apenas os titulares inscritos dos imóveis eram responsáveis pelo pagamento das comparticipações.
Pelo que, nesse aspeto, bem andou o Tribunal recorrido, considerando que jamais se poderá julgar que a norma do artigo 3.º, n.º 5 da Lei n.º 91/95, de 02/09, introduzida pela Lei 70/2015, de 16/07 pode ter aplicação retroativa ou que constitui qualquer lei interpretativa do artigo 3.º, n.º 3 da Lei n.º 91/95, contrariamente ao referido no artigo 24 do recurso.
Importa referir que, no presente caso, se o Tribunal recorrido tivesse decidido que os recorridos eram responsáveis pelo pagamento das comparticipações em causa e dos respetivos juros em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 70/2015, de 16/07, estar-se-ia a violar uma decisão judicial transitada em julgado. Pois, no presente caso, foi proferida uma Sentença transitada em julgado, no apenso da execução acima referida, que determinou que, de acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 3 da Lei n.º 91/95, apenas são responsáveis os titulares inscritos – os 2.ºs RR. – pelo pagamento das comparticipações em causa e que, como tal, não são responsáveis por tal pagamento os recorridos. Pelo que, não poderia o Tribunal a quo decidir que com base em tal norma seriam os recorridos responsáveis pelo pagamento das comparticipações e respetivos juros, sob pena de violação do caso julgado e do princípio da confiança, que é um princípio fundamental do Estado de Direito.
Aliás, se a recorrente não concordasse com a Sentença transitada em julgado proferida no apenso da referida execução, deveria ter recorrido dessa decisão, pois a mesma era recorrível.
Porém, a recorrente não recorreu dessa decisão, conformando-se com a mesma, querendo vir agora nos presentes autos defender abusivamente uma posição contrária ao já decidido.
Assim sendo, nunca poderiam os recorridos serem condenados a pagar qualquer comparticipação e respetivos juros antes da entrada em vigor da referida Lei n.º 70/2015, de 16/07, por se verificar a exceção inominada de autoridade de caso julgado.
V. Mesmo que se considerasse que os argumentos invocados pela A. teriam alguma possibilidade de vencimento, o que não se admite, sempre se verificaria uma situação de inibição do exercício do direito de crédito da recorrente, questão esta que foi suscitada na contestação dos recorridos e que foi apreciada pelo Tribunal a quo, na decisão recorrida, em sentido desfavorável aos recorridos.
Como tal, à cautela, também ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do CPC e sem prejuízo do recurso interposto pelos, aqui, recorridos, no dia 22.04.2025, aqui se requer a apreciação dessa questão jurídica.
Ora, ainda que fosse verdade que os recorridos eram devedores solidariamente com os 2.ºs RR. dos montantes peticionados pela recorrente nos presentes autos, o que não se admite, ainda assim, não poderia a recorrente propor a presente ação contra os recorridos.
Pois, tal como acima se referiu, na execução a que corresponde o Processo n.º …, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Execução de Loures – Juiz 2 (extinto 1.º Juízo Cível de Loures), a recorrida peticionou que os 2.ºs RR. procedessem ao pagamento da totalidade das alegadas comparticipações referentes a alegadas despesas de reconversão do lote 118 do Bairro …. e respetivos juros.
Não tendo os 2.ºs RR. deduzido qualquer oposição à execução ou oposição à penhora nessa execução, tal como resulta provado do Doc. 1, junto pelos recorridos aos autos no dia 27.01.2023.
Sendo certo que essa execução estava ainda pendente contra os 2.ºs RR. Quando a presente ação foi proposta, no dia 30.06.2025.
Pois, à data da propositura da presente ação, tal execução apenas havida sido declarada extinta relativamente aos recorridos, através da já referida Sentença, proferida no dia no dia 12.12.2013 e já transitada em julgado.
Assim sendo, a recorrente estava inibida de proceder judicialmente contra os recorridos para peticionar o pagamento, precisamente, da mesma dívida que estava em causa na referida execução, como a recorrente fez na presente ação.
Tendo a recorrente de prosseguir com a execução contra os 2.ºs RR., caso quisesse fazer valer o seu alegado direito de crédito.
Assim, constata-se, sem margem para qualquer dúvida, que, à data da propositura da presente ação, se encontrava pendente contra os 2.ºs RR. a referida execução destinada à cobrança coerciva da totalidade da dívida correspondente ao crédito reclamado pela recorrente na presente ação contra os recorridos.
Como tal, estava vedado à recorrente propor esta ou outra ação contra os recorridos para cobrança do mesmo crédito, porquanto, nem sequer alegou que em relação os 2.ºs RR. se verificava alguma das circunstâncias previstas na parte final do n.º 1 do artigo 519.º do Código Civil, até porque tais circunstâncias, claramente, não se verificavam.
VI. A deserção da instância não é automática, carecendo sempre da verificação de alguma conduta negligente do exequente que impossibilite que a instância executiva prossiga os seus trâmites, nomeadamente, com a penhora de bens para pagamento dos montantes devidos pelos executados.
Sendo certo que, no presente caso, nada impedia que a Exma. Sra. Agente de Execução prosseguisse com a penhora de todos os bens dos 2.ºs RR. cuja existência foi apurada muito antes da propositura da presente ação, tal como comprovam os Docs. 1 e 3 a 11, juntos aos autos pelos recorridos nos dias 27.01.2023 (Doc. 1) e 17.01.2023 (Docs. 3 a 11).
Pelo exposto, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo deveria ter absolvido totalmente os recorridos do pedido.
Ao decidir de modo contrário, a douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 334.º e 519.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
Como tal, deverá ser negado provimento ao recurso, sendo os recorridos totalmente absolvidos do pedido.”
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A Autora não respondeu ao recurso interposto pelos 1ºs Réus, nem ao pedido de ampliação do objeto do recurso que estes formularam nas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, cabe conhecer das seguintes questões:
a) Da nulidade da sentença (art. 615º, nº 1, al. d), 1ª parte, do CPC);
b) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
c) Saber se a Autora estava inibida de proceder judicialmente contra os Réus, exigindo-lhes o pagamento solidário de dívida que reclamava simultaneamente em ação executiva;
d) Determinar se os 1ºs Réus devem ser responsabilizados solidariamente pelo pagamento da totalidade das comparticipações (capital e juros) peticionados pela Autora.
Fundamentação de Facto
Em 1ª instância foi fixado o seguinte quadro factual:
a) Em 04/11/1976, R… e V…, casado com M… no regime de separação de bens, e C…, casado com M.C… no regime de comunhão de adquiridos, adquiriram, por via de dissolução da comunhão conjugal e sucessão, ambas por morte de I…, o direito de propriedade sobre o Lote 118, antiga parcela n.º 19 da Rua … e Bloco …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 3752 da Freguesia da … [documento 4, certidão permanente do registo predial].
b) Em 18 de abril de 1979, V… e C…, também em representação de R…, prometeram vender a R… a parcela …, agora Lote …, (documento 5, “contrato de compra e venda”), casada com A…, a qual entrou de imediato na posse do terreno.
c) Porque o lote em questão fora objeto de uma operação física de parcelamento destinada à construção antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, sem a competente licença prévia de loteamento, foi a área respetiva integrada, ainda pela Câmara Municipal de …, antes da criação do concelho de …, no perímetro da AUGI do Bairro da … [facto admitido por acordo].
d) R… e A… edificaram na parcela uma construção (prédio urbano composto de r/c, 1.º, 2.º e 3.º andar, com direitos e esquerdos, destinados a habitação) que, participada à matriz em 1988, tomou primeiro o n.º 1825 da … e agora o n.º 2977 da União de Freguesias da … e …. [documento 6, caderneta predial urbana].
e) Em 26 de janeiro de 1992, os proprietários dos lotes de terreno do Bairro da … elegeram uma Comissão de Melhoramentos e decidiram, por via de um documento que intitularam como “Regulamento” que ”1- Os proprietários dos lotes de terreno do Bairro …, com ou sem construção, terão de efectuar os pagamentos necessários para a concretização das infraestruturas a efectuar no Bairro, perspectivando a passagem do alvará do Bairro pela Câmara Municipal de … [documento 8, “Regulamento”].
f) Os proprietários e comproprietários dos prédios integrados na área urbana de génese ilegal denominada Bairro …, deliberaram, em 14 de março de 1999, “a adesão à Lei n.º 91/95, de 2 de setembro”, constituindo a Administração Conjunta. [documento 1, ata n.º1 da assembleia constitutiva, e documento 2, comprovativo de publicação em 22 de Abril de 1999 e em 20 de Junho de 1999].
g) Nessa Assembleia Constitutiva, de 14 de março de 1999, foram aprovadas novas comparticipações mensais, a saber: Esc. 10.000,00 por cada lote de rés- do-chão e primeiro andar com um fogo, acrescidos de Esc. 5.000$00 por cada fogo a mais de construção a legalizar [documento 1, ata n.º1 da assembleia constitutiva].
h) Pela emissão do Alvará de Loteamento nº …, de 19 de setembro de 2006, pela Câmara Municipal de …, foi autorizada a constituição de 270 lotes para construção, destinados a habitação [documento 4, certidão permanente do registo predial, inscrição da Ap. … de 2006/11/16].
i) Em 19 de novembro de 2006, teve lugar a Assembleia de Proprietários da Administração Conjunta do Bairro …, na qual foi apresentada a seguinte proposta: “Propõe-se que sejam ratificadas, para efeitos de cobrança judicial, as deliberações do Bairro …. em matéria de comparticipações, para o processo de reconversão, com o vencimento que nestas deliberações está fixado e a saber: I – Prestação mensal de € 49,88/lote de 1 fogo de rés-do-chão e 1.º andar, acrescidos de mais € 24,99 por cada fogo adicional, durante 24 meses, para o processo de legalização, vencendo-se a primeira entrega em 31 de Maio de 1999; II – Comparticipações fixadas para o pagamento de infraestruturas, aprovadas como Regulamento do Bairro de 1992: 1 – Valores a pagar: a)- Por cada lote de terreno: € 349,16; b)- Por pavimento construído em cave: € 2,49/ m2; c)- Por pavimento construído em r/c e 1º andar: € 4,99/ m2; d)- Por pavimento construído em 2º andar e superiores: € 9,98/ m2; e) construções com solo ocupado acima de 100 m: € 4,99/ m2; 2 – Construções com mais de um fogo: a)- Por cada fogo: € 249,40; b)- Por cada fogo em 2º andar ou superior: € 498,80. Considera-se para efeito do cálculo dos valores a área construída de cada piso, tudo a pagar da forma seguinte: a) o valor por lote de € 349,16 a pagar até 30 de Abril de 1992; b) o restante em dezoito mensalidades sucessivas em valor não inferior a € 74,82, vencendo-se a primeira em 30 de Junho de 1992 [documento 11, acta n.º 6, e documento 12, comprovativo de publicação em 25 de Novembro de 2006].
j) Em 09/02/2010, V…, casado com M… no regime de separação de bens, e C…, casado com M.C… no regime de comunhão de adquiridos, adquiriram, por via de sucessão por morte de R…, o direito de propriedade sobre o Lote 118, antiga parcela n.º …, da Rua … e Bloco …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 3752 da Freguesia da … [documento 4, certidão permanente do registo predial].
k) Em 7 de junho de 2012, a Autora intentou uma execução contra os aqui réus, que tomou o n.º … do (então) 1º Juízo Cível de Loures. [documento 13, informação processual, e consulta directa do processo pelo julgador, via sistema Citius].
l) No requerimento executivo respeitante à referida execução, a autora alegou:
«20.º - Sucede, porém, que os executados titulares inscritos e/ou os possuidores do Lote 118 não procederam, de acordo com a dita conta corrente, ao pagamento das comparticipações abaixo discriminadas: I – Despesas administrativas, técnicas e de projecto: € 4.189,90 II – Comparticipação para a realização de infraestruturas: € 8.280,05.».
m) No âmbito da referida execução, os 1.ºs RR, deduziram oposição à execução.
n) Foi proferida uma sentença, em 12 de dezembro de 2013, no processo de  embargos, autuada como apenso A daqueles autos de execução, com o seguinte teor: “No caso dos presentes autos será título executivo “a fotocópia certificada da acta que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão”, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 10º nº 5 da Lei 91/95, de 2 de Setembro, na redação dada pela Lei 64/2003, de 23 de Agosto e 46º d) do Código de Processo Civil. Sendo no caso o título omisso quanto à pessoa/pessoas que assumem a posição de devedor/devedores, importa integrar a interpretação do título com as demais disposições legais aplicáveis.
De acordo com o artigo 3º nº 1 da Lei 91/95, de 2 de Setembro, na redação em vigor “A reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI constituem dever dos respetivos proprietários ou comproprietários”, por seu turno, estabelece o nº 4 do mesmo preceito legal: “os encargos com a operação de reconversão impendem sobre os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa”. Ora, em face destes preceitos legais e estando em causa a propriedade de imóveis, entendemos que o legislador ao referir-se a titulares, se estava efetivamente a referir aos titulares inscritos no âmbito do respetivo registo predial, tal como alega a exequente no seu requerimento executivo, atenta a certeza jurídica que advém dessa mesma inscrição. A isto acresce o facto de o legislador ter-se referido efetivamente no nº 2 do artigo 9º do diploma em apreço, “aos promitentes-compradores de parcelas, desde que tenha havido tradição”, dizendo que estes têm assento na assembleia de proprietários ou comproprietários, com preterição dos respetivos titulares inscritos. Salvo opinião em contrário, se o legislador quisesse estender aos promitentes-compradores com traditio, isto é aos possuidores, a obrigação de participação nos encargos com a operação de reconversão, tê-lo-ia feito de forma expressa e, naturalmente, com exclusão dos titulares dos prédios dessa obrigação.
Sendo que não tomou essa opção legislativa. Posto isto, resulta do alegado pela exequente que os executados A… e R… serão quanto muito (dado que tal facto foi impugnado) promitentes-compradores e possuidores do lote que identificam, advindo-lhe daí a sua legitimidade para a execução, juntamente com os titulares inscritos, naquilo que podemos entender como uma obrigação solidária. Pelo que viemos dizendo, não podemos concordar com a posição da exequente. Com efeito, partes legítimas passivas para a execução fundada na ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão de uma AUGI, serão os titulares inscritos na respetiva descrição predial. No entender do Tribunal é esta a única interpretação que se compadece com a letra da lei e com a certeza e segurança das posições jurídicas das partes no âmbito de uma ação executiva.
Concluindo diremos que, ficando por demonstrar a qualidade de devedores dos executados A… e R… em face do título dado à execução, carecem estes de legitimidade para serem demandados nos termos em que o foram na ação executiva. Termos em que, julgada verificada a exceção dilatória da ilegitimidade dos executados, serão os mesmos absolvidos da instância executiva e a mesma julgada extinta no que a estes respeita, tudo nos termos do disposto nos artigos 55º nº 1, 817º nº 4, 288º nº 1 d), 493º nº 2, 494º e) e 495º todos do Código de Processo Civil, os últimos aplicados aos presentes autos por força do disposto no artigo 466º nº 1 do mesmo diploma legal. Pelo exposto, julgo os executados A… e R… parte ilegítima para a execução de que os presentes autos são apenso e, consequentemente, absolvo os mesmos da instância executiva, julgando a mesma extinta no que a estes respeita.” [documento 1 juntado com a contestação, certidão do processo] – itálico nosso.
o) Em 6 de maio de 2017, a Assembleia de Proprietários da Administração Conjunta do Bairro … deliberou por maioria a aprovação da proposta de que: «1 – Seja aprovado o mapa integral das comparticipações que vai constituir anexo a esta acta e dela faz parte integrante; 2 – Seja mandatada a Comissão de Administração para, se o entender, apresentar em tribunal acções declarativas para obter sentença que condene os devedores a pagar todos os montantes em falta e, nomeadamente, juros vencidos que se julguem não estar abrangidos por esta deliberação; 3 – Sejam debitados aos ainda faltosos, nos termos do art. 16º C nº 3 da Lei das AUGI, todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a AUGI tenha gasto ou haja ainda que gastar para cobrar aquelas.» [documento 16, acta n.º 10 e mapa anexo, e documento 17, comprovativo de publicação em 30 de Maio de 2017].
p) Naquele mapa, consta que as despesas de reconversão do Lote 118 são as seguintes: «LOTE 118: Valor construção 1992 - € 8.280,05; Valor legalização 1999 - € 4.189,90; Total – € 12.469,95; Construção Juros - € 11.857,79; Legalização juros: € 2.921,50; Valor Dívida Total; € 27.249,24».
q) Em 29/08/2017, a senhora agente de execução nomeada no âmbito do processo de execução n.º … procedeu à notificação da exequente nos seguintes termos: «A. G…, Agente de Execução nos autos supra identificados, vem pelo presente solicitar a V.Exa, atento o lapso de tempo decorrido, e considerando a notificação remetida no processo nº…, se digne pronunciar sobre o que entender por conveniente, nomeadamente sobre se concorda com que seja efectuado o pedido de registo sobre os avos indivisos.» [documento 1 juntado com a réplica].
r) Em 09/08/2021, a senhora agente de execução procedeu à notificação da exequente nos seguintes termos: «Fica v.ª Exa. notificado na qualidade de mandatário do Exequente para solicitar resposta à notificação realizada no dia 29/08/2017, conforme se anexa.».
s) Em 25/08/2023, a senhora agente de execução declarou o processo de execução n.º … extinto por deserção da instância por parte da exequente [informação prestada pelo Juízo de Execução em 26/02/2024 a estes autos].
Fundamentação de Direito
a) Da nulidade da sentença
A Autora/recorrente diz que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, sintetizando, assim, a sua pretensão:
“N)- Não assiste, portanto, razão à douta sentença recorrida no segmento em que  determina que os RR1, possuidores da parcela desde a data do contrato-promessa (1979), sejam responsáveis apenas pelos juros compensatórios das comparticipações do lote a partir de 1 de Julho de 2017, devendo, antes ser condenados, como responsáveis solidários, na totalidade das comparticipações (capital e juros).
(…)
“ O)- A A requereu subsidiariamente que os RR1 fossem condenados no seu  pagamento, com fundamento nas regras do abuso do direito e do enriquecimento sem causa, sendo que a douta decisão sindicada, não tendo considerado totalmente procedente o pedido contra os RR1 com fundamento na sua responsabilidade solidária, não apreciou, devendo, a sua eventual condenação com base no abuso do direito e do enriquecimento sem causa, sendo, por isso, nula, nos termos do disposto no art. 615º nº 1 d), do CPC.”
As nulidades da sentença constituem um vício da própria decisão. São únicas e típicas, encontrando-se descriminadas nas alíneas a), a e), do nº 1 do art. 615º, do Código de Processo Civil, que sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, e na parte que ora importa, dispõe:
1-É nula a sentença quando:
 (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”
A nulidade prevista nesta disposição legal encontra-se estritamente conexionada  com o disposto no art. 608º, nº 2, do CPC, nos termos o qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
“As questões previstas no nº 2 reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em  defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir. Deste modo, não constitui nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, a circunstância de não se apreciar ou fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocaram tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas, tanto mais que, com muita frequência, as partes são prolíficas num argumentário cuja medida é inversamente proporcional à pertinência das questões”.[1]
Neste mesmo sentido, diz, também, Ferreira de Almeida[2] que “… integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos, ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes”.
Trata-se de questão igualmente pacífica na jurisprudência. A título de exemplo , veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3/11/2020 (proferido no processo nº 2057/16.3T8PNF.P1S1), no qual se afirma que apenas “… existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, mas já não quando deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da posição por si sustentada, não sendo de confundir o conceito de “questões” com o de “argumentos” ou “razões”.
Retomando o caso dos autos, verifica-se que a decisão final está ancorada no regime jurídico contido na Lei nº 91/95, de 2 de setembro, que veio estabelecer o regime excecional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), à luz do qual foi delineada, aliás, e em “primeira linha”, a pretensão da Autora relativamente a todos os Réus, e que o tribunal recorrido entendeu ser, efetivamente, aquele que acomodava os o(s) direito(s) que aquela aqui pretendia fazer valer, ainda que não em toda a extensão preconizada na petição inicial, por razões de cariz meramente interpretativo das normas que foram expressamente convocadas e discutidas a propósito da responsabilidade pelo pagamento das comparticipações reclamadas.
A sentença apreciou e julgou de facto e de direito todas as questões que constituíam o objeto do processo, pelo que independentemente de nada ali ter sido dito a propósito dos fundamentos invocados a título subsidiário pela Autora, é manifesto que em consequência do julgamento realizado, resultou naturalmente prejudicado o conhecimento da causa à luz de qualquer outro dos institutos jurídicos (abuso de direito e enriquecimento sem causa), razão pela qual a sentença não enferma de omissão de pronúncia.
Analisadas, aliás, as conclusões da recorrente, é manifesto que o cerne da sua discordância ante a decisão recorrida reside na interpretação jurídica das normas ao abrigo das quais foi indeferida parcialmente a sua pretensão no que diz respeito aos primeiros Réus, o que se prende com o mérito da decisão, com um eventual erro de julgamento (que em tempo oportuno abordaremos), e que não se pode confundir com o regime das nulidades da sentença.
Improcede, por conseguinte, e nesta parte, a apelação.
*
b) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto (recurso dos Réus/recorrentes).
 Segundo o art. 662º, nº 1, do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
O nosso sistema processual civil garante um duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão de facto e os ónus a cargo do recorrente que a impugne encontram-se enunciados no art. 640º, do CPC. No nº 1 estão especificados os ónus ditos primários, que se traduzem na indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (al. a); na concretização dos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b); na designação da decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c). Já o nº 2 do mesmo preceito legal, nomeadamente, a sua alínea a), e por referência à al. b), do nº 1, enuncia o ónus denominado secundário, e que diz respeito ao modo como o recorrente deve indicar os meios probatórios em que funda a impugnação, impondo, no caso em que os meios invocados como fundamento do erro de julgamento tenham sido gravados, a indicação exata das passagens da gravação em que funda o recurso, sem prejuízo de transcrever os excertos que considere relevantes.
Relativamente ao recurso que envolva impugnação da decisão da matéria de facto, salienta António Abrantes Geraldes, que[3]:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)”.
No caso, mostram-se cumpridos os referidos ónus que impendem sobre os Réus/recorrentes, que pugnam pelo aditamento dos factos infra indicados à matéria de facto julgada como provada e que entendem revestir interesse para a decisão.
Cumpre, ainda, e desde já, ainda que muito sucintamente, esclarecer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando em face das circunstâncias próprias do caso, a mesma não tenha relevância jurídica para a decisão, porque sempre redundaria na prática de um ato inútil, vedado por lei (cfr. artº 130º CPC).
“(…) A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que nada impede o Tribunal da Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil. Assim, “Não viola o dever de reapreciação da matéria de facto a decisão do Tribunal da Relação que não conheceu a matéria fáctica que o Apelante pretendia que fosse aditada ao factualismo provado (…) tendo subjacente a sua irrelevância para o conhecimento do mérito da causa (…)”. Na verdade, “se os factos cujo julgamento é impugnado não forem susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância”[4]
Vejamos.
No ponto I das conclusões recursivas os recorrentes deixam expressa a necessidade de ser aditada à matéria de facto descrita sob a alínea m), e reportada ao processo executivo referenciado na alínea K), a seguinte factualidade: … e transitada em julgado no dia 03 de fevereiro de 2014.  
Dizem, para tanto, que tal matéria foi alegada no art. 9º da contestação e está provada pela certidão junta aos autos como Doc. 1, no dia 27.01.2023, com o requerimento com a Ref.ª 13319678.
A dita impugnação contém um manifesto lapso de escrita, pois que se reporta, inequivocamente, à matéria que ficou assente sob a alínea n) e não na alínea m) da decisão de facto.
Ora, da matéria que resultou provada na alínea n), para além de constar a data da prolação da sentença, consta um extrato da própria decisão, e a final, o documento que sustenta tal factualidade, nomeadamente, o documento nº 1, apresentado com a contestação, e que constitui certidão extraída dos autos da execução a que se alude na alínea K). Trata-se, na realidade, de documento que os Réus protestaram juntar aquando da apresentação da contestação, e que vieram a concretizar em 27 de janeiro de 2023. Consta, efetivamente, do referido documento que a sentença em causa transitou em julgado em 3 de fevereiro de 2014, mas constando tal informação fáctica do documento que foi expressamente convocado no próprio facto e que, nessa medida, o integra, trata-se de elemento que a revelar-se necessário, sempre poderá ser ponderado por este tribunal de recurso, não existindo, por isso, necessidade de o aditar à matéria factual provada naquela alínea n).
*
Na conclusão II, os Réus/recorrentes pedem que seja aditada à decisão de facto a seguinte matéria:
A presente ação foi proposta no dia 30 de junho de 2022.
Dizem que estamos perante matéria que resulta provada pela petição inicial e que foi alegada pelos recorrentes, nos artigos 31 e 40 da contestação.
A data da entrada da ação em juízo é evidenciada pela simples consulta dos autos e está certificada pelo sistema informático de apoio aos tribunais (citius), não carecendo de constar da decisão de facto para, sendo necessário, ser utilizada por este tribunal de recurso na reapreciação da decisão de mérito, à semelhança, aliás, do que sucedeu em 1ª instância quando decidiu de direito.
*
Por último, os Réus/recorrentes pedem o aditamento da seguinte factualidade:
Na data da propositura da presente ação - 30.06.2022 - eram os 2.ºs RR. proprietários, pelo menos, de vários bens imóveis, livres de quaisquer ónus ou encargos, nomeadamente, os seguintes:
(…)
Fundamentam o pedido na circunstância de se tratar de matéria que está provada pelos documentos nºs 3 a 7, que juntaram no dia 17.01.2023, com a peça processual com a Ref.ª 13270016.
Trata-se de matéria alegada em sede de contestação, a qual, porém, e só por si, não reveste interesse para a (re)apreciação da exceção suscitada pelos Réus/recorrentes, à luz dos argumentos que deixaram expendidos, e/ou de quaisquer outros de natureza jurídica. Efetivamente, de nada importa nestes autos que os sobreditos Réus - que figuravam como executados na execução identificada na alínea K) – fossem, aparentemente, proprietários daqueles bens, porquanto nada foi alegado sobre a suscetibilidade de qualquer um deles poder ser objeto de penhora na execução em causa; e, em caso afirmativo, a partir de que momento temporal; sobre as razões pelas quais não foram penhorados,…, pelo que na ausência, de, pelo menos, estes elementos factuais nunca poderíamos tecer qualquer juízo valorativo sobre o comportamento processual da agente de execução nos termos defendidos pelos recorrentes, qual seja, o da obrigatoriedade daquela ter prosseguido com a ação executiva para a cobrança da dívida aqui reclamada, sempre acrescendo que não cumpre nesta ação avaliar ou formular qualquer  juízo sobre a atuação processual da agente de execução, antes, e unicamente, aferir sobre o estado em que a ação executiva se encontrava à data da propositura da presente ação, para o que também em nada releva a dita factualidade.
Pelo exposto, não se conhece da referida impugnação.
*
c) Estava a Autora inibida de proceder judicialmente contra os Réus, exigindo-lhes o pagamento solidário de dívida que reclamava simultaneamente em ação executiva?
A Autora, estribada nos arts. 3º, nº 3 e 16º-C, nº 5, da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro, veio pedir a condenação solidária dos Réus no pagamento de comparticipações e juros, no valor de € 30.222,82, acrescido da compensação igual aos juros à taxa legal calculados sobre o capital de € 12.769,95, a partir de 30 de junho de 2022 e até integral pagamento.
Os 1ºs Réus, ora recorrentes, invocaram na contestação exceção inominada consubstanciada na alegada inibição da Autora propor a presente ação em virtude de estar a exigir em execução intentada contra os demais Réus o pagamento da totalidade das comparticipações referentes a alegadas despesas de reconversão do lote 118, do Bairro da …, e respetivos juros (ação executiva que relativamente aos 1ºs Réus foi julgada extinta na sequência da procedência da oposição que contra ela intentaram). 
Está provado o seguinte:
i. Em 19 de novembro de 2006, teve lugar a Assembleia de Proprietários da  Administração Conjunta do Bairro …, na qual foi apresentada a seguinte proposta: “Propõe-se que sejam ratificadas, para efeitos de cobrança judicial, as deliberações do Bairro …, em matéria de comparticipações, para o processo de reconversão, com o vencimento que nestas deliberações está fixado e a saber: I – Prestação mensal de € 49,88/lote de 1 fogo de rés-do-chão e 1.º andar, acrescidos de mais € 24,99 por cada fogo adicional, durante 24 meses, para o processo de legalização, vencendo-se a primeira entrega em 31 de Maio de 1999; II – Comparticipações fixadas para o pagamento de infraestruturas, aprovadas como Regulamento do Bairro de 1992: 1 – Valores a pagar: a)- Por cada lote de terreno: € 349,16; b)- Por pavimento construído em cave: € 2,49/ m2; c)- Por pavimento construído em r/c e 1º andar: € 4,99/ m2; d)- Por pavimento construído em 2º andar e superiores: € 9,98/ m2; e) construções com solo ocupado acima de 100 m: € 4,99/ m2; 2 – Construções com mais de um fogo: a)- Por cada fogo: € 249,40;
b)- Por cada fogo em 2º andar ou superior: € 498,80. Considera-se para efeito de
cálculo dos valores a área construída de cada piso, tudo a pagar da forma seguinte: a) o valor por lote de € 349,16 a pagar até 30 de Abril de 1992; b) o restante em dezoito mensalidades sucessivas em valor não inferior a € 74,82, vencendo-se a primeira em 30 de Junho de 1992.
ii. Em 7 de junho de 2012, a Autora intentou uma execução contra os aqui réus, em cujo requerimento executivo alegou: «20.º - Sucede, porém, que os executados titulares inscritos e/ou os possuidores do Lote 118 não procederam, de acordo com a dita conta corrente, ao pagamento das comparticipações abaixo discriminadas: I – Despesas administrativas, técnicas e de projecto: € 4.189,90 II – Comparticipação para a realização de infraestruturas: € 8.280,05.».
iii. Em 6 de Maio de 2017, a Assembleia de Proprietários da Administração Conjunta do Bairro … deliberou por maioria a aprovação da proposta de que: «1 – Seja aprovado o mapa integral das comparticipações que vai constituir anexo a esta acta e dela faz parte integrante; 2 – Seja mandatada a Comissão de Administração para, se o entender, apresentar em tribunal acções declarativas para obter sentença que condene os devedores a pagar todos os montantes em falta e, nomeadamente, juros vencidos que se julguem não estar abrangidos por esta deliberação; 3 – Sejam debitados aos ainda faltosos, nos termos do art. 16º C nº 3 da Lei das AUGI, todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a AUGI tenha gasto ou haja ainda que gastar para cobrar aquelas.»
iv. Naquele mapa, consta que as despesas de reconversão do Lote 118 são as seguintes: «LOTE 118: Valor construção 1992 - € 8.280,05; Valor legalização 1999 - € 4.189,90; Total – € 12.469,95; Construção Juros - € 11.857,79; Legalização juros: € 2.921,50; Valor Dívida Total; € 27.249,24».
v. Em 29/08/2017, a senhora agente de execução nomeada no âmbito do referido processo de execução procedeu à notificação da exequente nos seguintes termos: «A.G…, Agente de Execução nos autos supra identificados, vem pelo presente solicitar a V.Exa, atento o lapso de tempo decorrido, e considerando a notificação remetida no processo nº…, se digne pronunciar sobre o que entender por conveniente, nomeadamente sobre se concorda com que seja efectuado o pedido de registo sobre os avos indivisos.».
vi. Em 09/08/2021, a senhora agente de execução procedeu à notificação da exequente nos seguintes termos: «Fica v.ª Exa. notificado na qualidade de mandatário do Exequente para solicitar resposta à notificação realizada no dia 29/08/2017, conforme se anexa.».
vii. Em 25/08/2023, a senhora agente de execução declarou que o processo de execução n.º … foi extinto por deserção da instância por parte da exequente.
Em 1ª instância a questão foi decidida nos seguintes termos:
 “Os contestantes defendem, ainda, que a Autora não pode agir em juízo contra si, posto que o artigo 519.º, n.º 1, do Cód. Civil estabelece uma inibição de proceder judicialmente contra devedores de obrigações solidárias se já se tiver exigido judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação.
A presente acção deu entrada em juízo em 30/06/2022.
Resulta dos factos que, em 29/08/2017, a senhora agente de execução nomeada no âmbito do processo de execução n.º … havia procedido à notificação da exequente para que se pronunciasse sobre os termos da penhora, na senda da decisão judicial que vimos de tratar, notificação repetida em 09/08/2021.
Nos termos do n.º 5 do artigo 281.º do Cód. Processo Civil, «No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.».
Assim, ainda que se prove que só em 25/08/2023 a senhora agente de execução declarou o processo de execução extinto por deserção da instância, tanto já ocorria, na verdade, e pelo menos, desde Março de 2022, não podendo reconhecer-se a existência de uma instância apta à cobrança da dívida ao tempo da propositura desta acção.
A excepção deve improceder.”
O impulso processual na execução está atribuído ao agente de execução (cf. art. 719º, nº 1, do CPC, nos termos do qual, lhe “…cabe efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamento”.
“Ao agente de execução é cometido um poder geral de direção do processo de execução, tendo uma competência ampla e não tipificada, embora com natural exclusão dos atos que apresentam natureza jurisdicional, nos termos definidos no art. 723º e noutras normas avulsas. Ou seja, compete ao agente de execução a prática da quase totalidade dos atos de execução, com exceção dos materialmente jurisdicionais e especificamente daqueles cuja competência é legalmente deferida ao juiz”.[5]  
Sobre a deserção da instância na ação executiva rege o nº 5, do art. 281º, do CPC, nos termos do qual, a mesma é considerada deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
“O regime da deserção da instância na ação executiva encontrará fortes motivos nos casos em que o exequente negligencie a prática dos atos necessários ao seu prosseguimento, com a única especialidade de que a contagem do prazo não depende de qualquer decisão judicial alusiva ao impulso processual. Em sede de ação executiva, a competência para declarar a extinção por deserção está cometida ao agente de execução (…).
(…) as eventuais omissões do agente de execução não se repercutem na posição processual do exequente, sendo a inércia deste que deve ser valorada para efeitos de declaração de deserção (…).[6]  
A presente ação deu entrada em juízo em 30 de junho de 2022 (cf. referência citius 12524966), isto é, quando estava ainda pendente a dita execução, que visava a cobrança coerciva das quantias que integram o pedido aqui formulado e sem que tenha sido efetivamente alegada qualquer das circunstâncias excecionais previstas na parte final do art. 519º, nº 1, do CPC.
A execução só foi julgada formalmente deserta em 25 de agosto de 2023.
Os factos que resultaram demonstrados em audiência, ainda que parcos, evidenciam que a agente de execução fez depender o prosseguimento da execução, mormente, a aparente penhora de bens, da vontade/concordância da exequente, ao direcionar-lhe em 29 de agosto de 2017 uma notificação para que se manifestasse e desse a sua concordância quanto ao pedido de registo sobre “ avos indivisos”.
Ora, e como se extrai do facto supra descrito em vi., em  09/08/2021, a Exequente, aqui Autora, ainda não havia respondido àquela solicitação da agente de execução, como se extrai da notificação que esta lhe dirigiu naquela data: «Fica v.ª Exa. notificado na qualidade de mandatário do Exequente para solicitar resposta à notificação realizada no dia 29/08/2017, conforme se anexa.». Tinham decorrido três anos sobre a anterior notificação! Não se compreendendo, sequer, que a agente de execução não tenha procurado conhecer as razões do silêncio da Exequente volvidos seis meses sobre a notificação efetuada em 29 de agosto de 2017, como se lhe impunha, tanto mais que a notificação subsequentemente realizada em 9 de agosto de 2021 continuava a evidenciar que a mesma entendia não dever prosseguir com a execução sem a informação que entendia dever ser-lhe prestada pela Exequente, ainda menos se compreendendo que a mesma agente de execução, perante a manutenção do silêncio – a evidenciar pura negligência/desinteresse da Exequente no prosseguimento da execução - tenha aguardado mais dois anos para declarar a instância executiva deserta, quando, à luz dos factos apurados, o poderia ter feito muito antes, mas, pelo menos, a partir do momento assinalado na decisão recorrida. Compreendemos, nestes termos, que a Mª juíza de 1ª instância tenha concluído que à data da instauração da presente ação já não havia outra apta à cobrança da dívida, com o que concordamos.
Os recorrentes a propósito desta questão vieram defender que a execução deveria ter prosseguido contra os segundos Réus, com a penhora dos imóveis que identificaram na contestação, juízo que aqui não pode ser efetuado porquanto, sem necessidade de fundamentação acrescida, e pelas razões atrás expostas, o dito entendimento não encontra respaldo na decisão de facto.
*
d) ) Devem os 1ºs Réus ser responsabilizados solidariamente pelo pagamento da totalidade das comparticipações (capital e juros) peticionados pela Autora?
A Lei n.º 91/95, de 2/09 (a que se reportam as disposições legais doravante citadas sem outra indicação expressa) veio estabelecer, como se disse anteriormente, o regime excecional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), abrangendo os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objeto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, e que, nos respetivos planos territoriais, estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável (art.º 1º, nºs 1, e 2).
Estamos perante um diploma que foi já objeto de várias alterações legislativas (foi sucessivamente alterado pelas Leis nºs 165/99, de 14/09; 64/2003, de 23/08; 10/2008, de 20/02; 79/2013, de 26/12; 70/2015, de 17/07; e, recentemente, pela Lei 71/2021, de 4/11, que veio prorrogar o prazo do processo de reconversão e introduziu alteração aos art.ºs 56º-A e 57º).
Atualmente, por via da redação que lhe foi introduzida pela Lei nº 70/2015, de 16/07, o art. 3º, dispõe o seguinte:
“1 - A reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI constituem dever dos respetivos proprietários ou comproprietários.
2 - O dever de reconversão inclui o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela câmara municipal.
3 - O dever de reconversão inclui ainda o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados na presente lei.
4 - São responsáveis pelos encargos com a operação de reconversão os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, sem prejuízo do disposto no número seguinte e do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa.
5 - O dever de reconversão compete, ainda, aos donos das construções erigidas na área da AUGI, devidamente participadas na respetiva matriz, bem como aos promitentes-compradores de parcelas, desde que tenha havido tradição, os quais respondem solidariamente pelo pagamento das comparticipações devidas.
6 - Os encargos com a operação de reconversão gozam do privilégio imobiliário previsto no artigo 743.º do Código Civil, sendo graduados logo após a hipoteca prevista no n.º 3 do artigo 27.º
(…)”
Na redação anteriormente vigente, e na parte que ora importa considerar, o art. 3º tinha a seguinte redação:
“1- A reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI constituem dever dos respectivos proprietários ou comproprietários.
2 - O dever de reconversão inclui o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela câmara municipal.
3 - O dever de reconversão inclui ainda o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados na presente lei.
4 - Os encargos com a operação de reconversão impendem sobre os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa.
(…)”.
Está em causa saber se os 1ºs Réus enquanto promitentes compradores do Lote 118, integrado na dita AUGI, e seus possuidores, em consequência da tradição do imóvel, são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos encargos (e juros) com a operação de reconversão e aqui peticionados pela Autora.
A este propósito decidiu-se em 1º instância, o seguinte:
“(…)
Considere-se o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI constituem um dever dos respectivos proprietários ou comproprietários, e que essa obrigação, de reconversão, inclui o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela câmara municipal, e o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados nessa lei.
Por causa disso, o artigo 8.º, n.º1, do diploma dispõe que o prédio ou prédios integrados na mesma AUGI ficam sujeitos a uma administração conjunta, assegurada pelos respectivos proprietários ou comproprietários.
Ainda, o artigo 10.º, n.º2, alínea f), estatui que compete à assembleia aprovar os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º (compete à comissão de administração elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações e cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projectos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização).
Na presente acção, prova-se que, pela emissão do Alvará de Loteamento nº …, de 19 de Setembro de 2006, pela Câmara Municipal de …, foi autorizada a constituição de 270 lotes para construção, destinados a habitação, no Bairro …. Provando-se, igualmente, que V… e C…, Segundos Réus, são proprietários do “Lote 118” deste Bairro. Por sua vez, a Ré R… apura-se como promitente compradora daquele prédio desde 18 de Abril de 1979; e, ela e seu marido, A…, Primeiros Réus, erigem-se como possuidores do imóvel, onde, aliás, já edificaram um prédio com vários andares e divisões, destinados a habitação, construção que fizeram registar na matriz em 1988.
Nestes termos, a Administração convoca o n.º5 do artigo 3.º da Lei da Reconversão das AUGI e que, por via da Lei n.º 70/2015, de 16 de Julho (que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu artigo 6.º), aditou a seguinte disposição: “5 — O dever de reconversão compete, ainda, aos donos das construções erigidas na área da AUGI, devidamente participadas na respetiva matriz, bem como aos promitentes-compradores de parcelas, desde que tenha havido tradição, os quais respondem solidariamente pelo pagamento das comparticipações devidas.”
 (…)
(…) os Primeiros Réus alertam para a ocorrência da prescrição. De facto, a Autora pretende que estes são devedores dos montantes de comparticipações que se foram vencendo mensalmente, uns, a partir de 30.06.1992, outros, a partir de 31.05.1999, posto que, como se prova, em 6 de Maio de 2017, a Assembleia de Proprietários da Administração Conjunta do Bairro … aprovou o mapa integral das comparticipações onde constava que as despesas de reconversão do Lote 118 eram «Valor construção 1992 - € 8.280,05; Valor legalização 1999 - € 4.189,90; Total – € 12.469,95; Construção Juros - € 11.857,79; Legalização juros: € 2.921,50; Valor Dívida Total; € 27.249,24».
Em seu entendimento, deve aplicar-se o disposto no artigo 310.º, alíneas d) e g), do Cód. Civil, as quais determinam, respectivamente, que prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais e quaisquer prestações periodicamente renováveis.
Ocorre, porém, que o artigo 16.º-C, n.º1, da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, estabelece que as comparticipações nos encargos da reconversão são consideradas provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da administração conjunta.
Não tratamos, por isso, de “prestações renováveis”, mas de uma prestação única, devida por cada proprietário – possibilitando a Lei um seu pagamento fraccionado quando assim se delibere conjuntamente, mas sendo certo que a mesma só se apura, em definitivo, aprovadas que sejam as referidas contas.
E é, por isso, só após o respectivo vencimento definitivo, que poderá começar a correr o prazo prescricional que, em concreto, será o previsto no artigo 309.º do  Cód. Civil, qual seja o de 20 anos.
Se assim é, quid juris, quanto aos juros que a Administração pretende vencidos?
Nos termos do artigo 16.º C, « 2 - As comparticipações mencionadas no número anterior vencem juros à taxa legal a contar da data para a respetiva entrega, fixada nos mapas referidos na alínea f) do n.º 2 do artigo 10.º, mas nunca antes de decorridos 30 dias sobre a publicação, nos termos do n.º 5 do artigo 12.º, da deliberação que os aprovou. (…) 5 - O montante dos juros cobrados é aplicado no processo de reconversão, revertendo, nas contas finais da administração conjunta, em benefício de todos os interessados.».
No que diz respeito aos Primeiros Réus, temos por assente que foi a Lei n.º 70/2015, de 16 de Julho, entrada em vigor em 17 de Julho, que estabeleceu a obrigação solidária (em relação aos proprietários) de pagamento das comparticipações para os donos das construções erigidas na área da AUGI participadas na respetiva matriz, bem como para os promitentes-compradores de parcelas que beneficiem de tradição.
Em momento anterior, a Lei apenas fazia impender a obrigação de pagamento sobre os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI – e, nos termos do número 9 do artigo 3.º do Cód. Civil, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Mas não só.
Nos termos do n.º 1 desta norma, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Ora, por um lado, como já havia sido entendido pelo Juízo de Execução, nada na Lei nos parece autorizar uma interpretação divergente, verificando-se que o legislador, no âmbito do mesmo diploma, nomeadamente no n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, definiu especificamente que têm assento na assembleia, com preterição dos respetivos titulares inscritos, os donos das construções erigidas na área da AUGI, devidamente participadas na respetiva matriz, bem como os promitentes compradores de parcelas, desde que tivesse havido tradição.
Tal preterição não foi definida, para efeitos de pagamento de comparticipações – o que bem se entende, ante o disposto no artigo 305.º do Cód. Civil, isto é, à circunstância de, em última análise, o proprietário continuar a beneficiar de todos os direitos inerentes à titularidade da coisa, salvas as restrições voluntariamente admitidas e sujeitas às vicissitudes próprias.
Por outro lado, a publicação da Lei n.º 70/2015, de 16 de Julho não se mostra acompanhada de qualquer preâmbulo de onde se possa extrair que a alteração veio apenas consagrar uma qualquer interpretação extensiva que viesse ocorrendo; nem o diploma estabelece, quanto ao “novo” n.º 5, efeitos retroactivos.
Relembre-se, com relevância, que o artigo 513.º do Cód. Civil dispõe que a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
Conclui-se que nunca antes do dia 17 de Julho de 2015 existiu uma obrigação legal (solidária) de pagamento a cargo dos Primeiros Réus.
Aqui chegados, outra ponderação se impõe: saber se a criação abstracta deste regime de solidariedade, por via da lei, dispensa a comunicação concreta ao (novo) devedor dos montantes concretos em dívida e das datas do respectivo vencimento – e a resposta, parece-nos, não pode deixar se ser negativa, ante o disposto no n.º1 do artigo 805.º do Cód. Civil (os “prazos certos” fixados pela Comissão de Melhoramentos, por via do “Regulamento” que criou em 26 de Janeiro de 1992, ou pela Assembleia Constitutiva, em 14 de Março de 1999, depois ratificados na Assembleia de 19 de Novembro de 2006, só poderiam ser válidos para aqueles que, nas respectivas datas, já se encontravam definidos como devedores).
Provando-se, assim, que, após a definição legal de uma obrigação a cargo dos possuidores do imóvel, nomeadamente, em 6 de Maio de 2017, a Assembleia de Proprietários da Administração Conjunta do Bairro … deliberou a aprovação do mapa integral das comparticipações em dívida àquela data e que tal mapa foi publicado em 30 de Maio de 2017, e sabendo-se que o artigo 16.º-C estabelece que «2 - As comparticipações mencionadas no número anterior vencem juros à taxa legal a contar da data para a respetiva entrega, fixada nos mapas referidos na alínea f) do n.º 2 do artigo 10.º, mas nunca antes de decorridos 30 dias sobre a publicação, nos termos do n.º 5 do artigo 12.º, da deliberação que os aprovou.», conclui-se que só no dia 1 de Julho de 2017 se logra iniciar a contagem de juros com respeito a R….
A presente acção foi proposta em 30 de Junho de 2022 – tendo-se qualquer prescrição por interrompida no dia 6 de Julho de 2022 (artigo 323.º, n.º2, do Cód. Civil).
Considerando-se, por fim, que, ao contrário do que estabelece o número 1 do artigo 16.º-C quanto a natureza antecipatória das comparticipações, o número 2 consagra expressamente uma data de vencimento de juros para cada uma dessas comparticipações, parece, efectivamente, aplicável o princípio geral ínsito na alínea d) do artigo 310.º do Cód. Civil, não se vislumbrando que o legislador possa ter pretendido uma exclusão do regime geral (com efeito, a natureza compensatória e/ou compulsiva dos juros é transversal a todas as situações em que se vencem juros, apenas se encontrando a especificidade de estes reverterem a favor da colectividade e não de apenas um dos seus elementos).
Assim, prescreveram os juros vencidos entre os dias 1 de Julho e 5 de Julho de 2017.
(…)”.
Adiantamos que a decisão não nos merece censura, ressalvando-se, desde já, e no entanto, que a mesma enferma de notório lapso de escrita, evidenciado pelo sentido do texto: onde nela se apela ao disposto no art. 305º, do CC, é manifesto que se quis convocar o regime previsto no art. 1305º, do mesmo Código.
Dispõe o art. 12º, do CC:
“1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
E o art. 13º, dispõe, por seu turno, o seguinte.
“1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada (…)”.
Da conclusão K), parece aflorar o entendimento por parte da recorrente de que a alteração introduzida ao art. 3º, com o aditamento da norma constante do nº 5, visou interpretar a lei anterior e, assim, colocar termo à interpretação restritiva do anterior nº 4, que era feita pela jurisprudência, conformando-a, igualmente, com o disposto no art. 9º, nº 2, de acordo com o qual, “Têm assento na assembleia, com preterição dos respetivos titulares inscritos, os donos das construções erigidas na área da AUGI, devidamente participadas na respetiva matriz, bem como os promitentes compradores de parcelas, desde que tenha havido tradição.”
Os arts. 3º e 9º, tratam de situações distintas: o primeiro define os responsáveis pelo pagamento dos encargos da reconversão; o segundo, identifica, no seu nº 2, os sujeitos que integram a assembleia da administração dos prédios integrados na AUGI.
O legislador foi claro na decisão que sufragou e que contemplou na lei, o que se refletiu, necessariamente, na jurisprudência sobre a responsabilidade pelo pagamento dos encargos, que, antes da referida alteração legislativa, impendia apenas sobre os titulares inscritos dos prédios, como resultava de forma cristalina da lei (nº 4, do art. 3º), sufragando-se o que a tal respeito se diz na decisão recorrida, mormente, quanto às razões subjacentes à opção legislativa, ressalvado o lapso dela constante e atrás assinalado e corrigido.
Quanto à questão de saber se uma lei deve ou não ser considerada lei interpretativa, “(…) que é a lei aplicável a factos e situações anteriores conforme decorre do disposto no artigo 13.º do Código Civil, importa atentar nas razões que levam a considerar assim determinada lei. Uma das razões "reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são da sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu conteúdo controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado […]. Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos; que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei"[7] .
As normas interpretativas visam definir o sentido da " lei cujo entendimento suscitou dúvidas ou pode vir a suscitá-las […]. As normas interpretativas implicam uma referência específica ao preceito por elas interpretado […]. A ideia de contradição entre normas é algo que não se concebe a propósito das normas interpretativas que, por natureza, fornecem o sentido (formalmente) verdadeiro da lei interpretada". [8]
Ora, no caso, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a norma hoje contida no nº 5 do art. 3º contempla duas soluções jurídicas novas, face ao regime jurídico anteriormente vigente, desde logo, ao nível dos deveres de reconversão, que agora também recaem sobre os promitentes compradores que entrem na posse do imóvel em consequência de tradição, e, por fim, quanto à responsabilidade pelo pagamento dos encargos de reconversão, que continua a impender sobre os titulares inscritos, mas que pode agora ser exigido, solidariamente, àqueles promitentes compradores, o que a lei anterior não contemplava.
Acresce, e tal como resulta do disposto no art. 513º, do CC, as fontes da solidariedade são a lei ou a vontade das partes.
No caso, a solidariedade de devedores nasceu com a alteração introduzida ao art. 3º, pelo nº 5, sendo de aplicar, por conseguinte, o disposto no art. 12º, nº 1, 1ª parte, do CC, porquanto não foi atribuída eficácia retroativa à nova lei, sendo ainda aplicável, como defende a recorrente o disposto no art. 12º, nº 2, 2ª parte, do CC, mas não com o sentido que atribui à norma. Estamos, inquestionavelmente, perante uma relação jurídica anteriormente constituída e que se perpetuou no tempo. Mas o que resulta de forma inequívoca daquele nº 2, do art. 12º, feita a necessária leitura conjunta, quer com a sua primeira parte, quer com o nº 1, do mesmo artigo, é que o novo regime de solidariedade de devedores é aplicável efetivamente à relação jurídica anteriormente constituída, mas, tão só, e, necessariamente, a partir da sua entrada em vigor.
Improcede, por conseguinte, a apelação.
*
Julga-se prejudicado o conhecimento da ampliação do objeto de recurso formulado pelos Réus/recorrentes nas contra-alegações, por coincidir, na íntegra, com o objeto do recurso que interpuseram da decisão recorrida.

Dispositivo
Pelo exposto, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente cada um dos recursos de apelação e em manter a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes (art. 527º, nº 1, CPC).

Lisboa, 9 de outubro de 2025
Cristina Lourenço
Maria Teresa Lopes Catrola
Carla Figueiredo
_______________________________________________
[1] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “O Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 753.
[2] In, “Direito Processual Civil”, 3ª Edição, pág. 454.
[3] In,“Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/2021, proferido no processo nº 26069/18.3T8PRT.P1S1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, Almedina 2021, pág. 53.
[6] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pies de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2ª Edição, pág. 350.
[7] “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, J. Baptista Machado, Almedina, 1993, pág. 246/247.
[8] “Introdução ao Estudo do Direito”, J. Dias Marques, 1970, pág. 160/161.