RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
ARTIGO 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
IN DUBIO PRO REO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
REINCIDÊNCIA
DOLO DIRETO
CULPA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Sumário


I- O crime de tráfico de estupefacientes é, por um lado, de perigo comum abstrato, preenchendo-se o tipo com a mera detenção de produto estupefaciente e, por outro, de trato sucessivo, de execução permanente, mais comummente denominado de crime exaurido, em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de corresponderem a uma execução completa do facto e em que a imputação dos actos múltiplos é atribuída a uma realização única, sendo a estrutura básica fundamental nestes crimes de empreendimento, a equiparação da tentativa à consumação.
II- A mera aquisição, a nível internacional, de produto estupefaciente, já atenta contra a paz jurídica e o respeito pelo Direito, não podendo deixar de configurar lesão de bens jurídicos independentemente do facto de uma disseminação ulterior se efectuar ou não.
III- O recurso não se destina a proceder a uma nova determinação da pena, mas, apenas, a verificar o respeito pelos critérios legais que presidem à sua determinação, com eventual correção da medida da pena aplicada se o caso a justificar.
IV- Perante 16 deslocações de Beja a Espanha, algumas com batedores, durante cerca de 9 meses, em que o arguido trazia sacos ou mochilas com cannabis, sendo que aquando da última viagem transportou cerca de 40 kg de cannabis, uma pena de 9 anos e 6 meses de prisão, acima do ponto médio da respetiva moldura pena abstracta está aplicada de forma justa, adequada e proporcional.
V- Quer em função da culpa do arguido, de normal intensidade a nível de dolo directo.
VI- Quer das prementes necessidades de prevenção geral, designadamente, a particular ressonância que estes crimes – que ocorrem com cada vez maior, inusitada e assustadora frequência, à escala nacional e global - sempre provocam na comunidade.
VII- Quer, finalmente, das, igualmente, prementes, necessidades de prevenção especial, pois que o arguido foi já julgado e condenado, mormente, em pena de prisão, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova e praticou parte dos factos quando estava a decorrer o período de suspensão da execução da anterior pena por factos da mesma natureza, ainda que de outra dimensão, é certo,

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório.

1. Por acórdão proferido no dia 15 de julho de 2024, após realização de julgamento no âmbito do processo comum colectivo 37/19.6GCEVR do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Central Cível e Criminal de Beja, Juiz 2, no que aqui releva, foi o arguido AA1 condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21.º/1 do Decreto Lei 15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela l-C anexa ao mesmo diploma, na pena de 9 [nove] anos e 6 [seis] meses de prisão.

2. Inconformado recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, suscitando as seguintes questões:

- impugnação da matéria de facto;

- perdimento do veículo automóvel;

- nulidade do acórdão por violação do disposto no artigo 374.º/2 CPPenal;

- violação do princípio in dubio pro reo;

- medida da pena,

tendo por acórdão de 14.1.2025 sido negado provimento ao recurso.

3. Novamente, inconformado, recorre o arguido agora para este Supremo Tribunal, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

1. O Acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP.

2. Este vício resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

3. Com efeito, refere o Tribunal recorrido que os depoimentos dos agentes da autoridade que elaboraram os RDE’s fazem prova das transações do produto estupefaciente.

4. No entanto, refere também o acórdão recorrido que os agentes da “autorizada” – sic. assim no original - não visualizaram nada, e por isso, não puderam verter o que não viram num RDE.

5. A contradição insanável compromete a lógica interna da decisão e impede a sua sustentação jurídica.

6. Se o próprio Tribunal admite que os agentes não viram nada, não pode recorrer-se dos depoimentos dos agentes da autoridade e dos RDE’s para concluir que os arguidos traficaram droga.

7. Tal raciocínio é manifestamente ilógico e contraditório.

8. Por outro lado, refere o acórdão recorrido que nas situações em que não é possível ver as transações, sabe-se que foi transacionado produto estupefaciente porque existem fotografias que o demonstram, referindo-se as fotografias do telemóvel de AA2.

9. No entanto, também o acórdão que “AA2 não tem intervenção nesta situação, pelo que as fotografias não respeitam a esta situação.”

10. Salvo o devido respeito por outro entendimento, as fotografias não podem fazer prova de todas as situações em que não é possível fazer prova das transações pois o arguido não participou nas mesmas e as fotografias não respeitam a essas situações.

11. O Tribunal utiliza estes argumentos relativamente a todas as situações impugnadas pelo arguido (pontos 40 a 43, 44 a 49, 50 e 51, 52 a 55 e 56 e 57).

12. Do texto da decisão constam posições antagónicas/inconciliáveis, que se excluem mutuamente e que não podem ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão.

Por outro lado,

13. Para além das notórias contradições supra explanadas, da decisão recorrida também consta erro notório na apreciação da prova, conforme refere a jurisprudência do STJ, o vício previsto pela al. c) do n.º 2 do art.º 410.º, do CPP.

14. A mera circunstância de existirem RDE’s em que não foi possível percecionar para onde foram os arguidos ou o que fizeram, depoimentos de agentes da autoridade (que como afirma o acórdão recorrido) não viram nada de revelante porque não foram além da fronteira, conjugado com a circunstância de existirem fotografias no telemóvel de um dos arguidos em que é possível ver produto estupefaciente, e ainda, o facto de existirem deslocações à fronteira com carros alugados, não permite concluir (como afirmar o tribunal de forma perentória) que todas as deslocações que foram realizadas até à fronteira se destinavam à compra de haxixe que era depois transportado para beja para casa do micael e da nicole, pois o arguidoAA2 (proprietário do telemóvel onde constam tais fotografias) nem tampouco participa nas deslocações em causa, e existem deslocações em que não são utilizados carros alugados, nem tampouco dois carros (veja-se por exemplo a situação de 17 de dezembro de 2021, factos provados 66 e 67).

15. Por outro lado, da factualidade dada como provada (facto nº29), resulta que a droga foi armazenada na cara de AA3, pelo é contraditória a fundamentação do Tribunal quando refere que todas as deslocações tiveram como intuito adquirir droga que era armazenada na casa de AA1 e AA4.

16. A fundamentação do Acórdão recorrido não só é contraditória entre si, como também é contraditória à factualidade dada como provada.

17. Estes elementos de prova não permitem concluir para lá da dúvida razoável se os arguidos adquiriram droga.

18. Com todo o respeito que é devido, quis o Tribunal recorrido dar como provados toda a factualidade: aquela que pode ser suficientemente provada e a que não pode.

19. O raciocínio utilizado é manifestamente duvidoso, existindo erro notório na apreciação da prova.

Quanto à medida da pena,

20. O arguido foi condenado a 9 anos e 6 meses de pena de prisão.

Este crime é punido com pena de prisão entre os 4 e os 12 anos.

21. Este intervalo (entre 4 e 12 anos) consubstancia um espectro alargado para aplicação a uma infinidade de situações, desde a menos grave à mais severa.

22. Consideramos que são vários os argumentos a ter em linha que conta que diminuem a culpa do arguido e a gravidade da factualidade e que não foram considerados pelo Tribunal.

23. Como é entendimento deste Tribunal, importa a quantidade e a qualidade das drogas em causa.

24. Ora, em todas as situações provadas quanto ao recorrente apurou-se que a substância se tratava de haxixe, uma droga menos nociva em comparação com outras como cocaína e heroína.

25. Por outro lado, em todas as situações dadas como provadas (à exceção de uma) não se conseguiu apurar as quantidades de haxixe que foram transacionadas.

26. Entendemos, por isso, totalmente aplicável a jurisprudência do Supremo Tribunal de justiça: “Na falta de alegação de prova sobre o tipo de droga e das quantidades traficadas em todas e cada transação em que interveio a arguida, há que presumir sempre o mínimo em cada uma delas, assim como o tipo de droga mais leve. É o que resulta do elementar princípio processual in dúbio pro reo, também ele com afloramento constitucional – art.º 32.º, n.º 2, da Constituição.”

27. Por outro lado, o Tribunal não levou em linha de conta para efeitos de aplicação da medida da pena que:

a) Não tem processos pendentes;

b) Está inserido socialmente e familiarmente;

c) Dispõe de apoio familiar (beneficiando de visitas regulares);

d) A morada de família é cedida pela sua irmã, não tendo encargos ou despesas com renda;

e) Tem consciência da gravidade dos factos;

f) Pretende levar uma vida conforme ou direito e ser um exemplo a seguir para as suas filhas.

g) É pai de duas filhas menores, uma delas portadora de deficiência.

h) A reclusão do recorrente durante quase 10 anos, impossibilitará o mesmo de acompanhar o crescimento das suas duas filhas.

i) Até à data dos factos, demonstrou ser uma pessoa socialmente integrada, mantendo uma conduta regular e colaborativa em ambiente prisional.

28. Face a todo o exposto, consideramos que a pena a aplicar ao arguido deve ser diminuída, e fixada (no limite) entre os 6 anos e 6 meses e os 8 anos e 6 meses de prisão.

4. Admitido o recurso e cumprido o disposto no artigo 411.º/5 CPpenal respondeu o Sr. Procurador Geral Adjunto, concluindo que a decisão recorrida não violou qualquer norma jurídica, que, por isso, deve ser mantido e, em consequência, ser negado provimento ao recurso.

5. Remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, em vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º CPPenal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso ser rejeitado na parte em que se funda nos vícios previstos no artigo 410.º/2 alíneas b) e c) CPPenal e ser julgado improcedente quanto à questão da medida da pena.

6. Notificado o arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º/2 CPPenal, defendeu a procedência do recurso, alegando que,

- independente dos argumentos aventados, sempre será de notar que este tribunal pode (ainda que oficiosamente) apreciar os vícios explanados no artigo 410º nº2 do CPP, pois ao contrário do que refere o douto parecer, a matéria de facto provada está efetivamente assente em premissas ilógicas e contraditórias - basta ver que se dão como provadas transações de droga com base em prova testemunhal, no entanto, as testemunhas (OPC’s) nada viram e dizem-no de forma absolutamente expressa e clara, conforme resulta do próprio acórdão recorrido;

- diz o acórdão recorrido que apesar dos OPC’s nada terem visto, foram encontradas fotografias no telemóvel do arguido AA2 que comprovam que foi transacionado estupefaciente naquele dia, logo a seguir acrescentando que “É um facto que AA2 não tem intervenção nesta situação, pelo que as fotografias não respeitam a esta situação”;

- a pena aplicada ao recorrente aproxima-se do limite máximo da moldura penal, não tendo o Tribunal recorrido levado em consideração a quantidade e a qualidade das drogas em causa;

- a comercialização de haxixe, embora penalmente relevante e censurável não deve ser tratada com a mesma severidade aplicável ao tráfico de substâncias com impacto letal, altamente aditivas e associadas a comportamentos socialmente devastadores;

- por outro lado, na medida da pena aplicada ao arguido teve-se em consideração a grande quantidade de droga, quando a quantidade da droga só é apurada em uma única situação – em todas as outras transações, não se provou qual a quantidade de droga traficada, pelo que tem que se presumir a menor quantidade em cada uma delas.

7. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

II. Fundamentação

1. Âmbito do recurso

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente, cfr. artigos 402.º, 403.º e 412.º CPPenal, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, de nulidades não sanadas, n.º 3 do mesmo preceito e de nulidades da sentença, cfr. artigo 379.º/2 CPPenal, na redação da Lei 20/2013.

E, assim, resulta que as questões aqui suscitadas prendem-se com a violação dos artigos 40.º/1 e 71.º CPenal, 32.º/2 da CRP e 127.º e 410.º/2 alíneas b) e c) CPPenal.

2. Delimitação do objecto do recurso.

Estabelece o artigo 400.º/1 alínea e f) CPPenal que,

“1 - Não é admissível recurso:

(…)

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

(…)”.

Por sua vez, dispõe o artigo 432.º CPPenal, sob a epígrafe “Recursos para o Supremo Tribunal de Justiça”, que.

“1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º”.

Finalmente, o artigo 434.º, sob a epígrafe “Poderes de cognição”, dispõe que,

“O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º” – resultando o segmento final da redação dada pela Lei 94/2021.

Da enunciação deste regime resulta, assim, que só é admissível recurso, para o STJ, de acórdãos das Relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, independentemente da existência de dupla conforme.

Tal significa só ser admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico, cfr., entre muitos arestos que estão disponíveis para consulta, os acórdãos do STJ: de 11-03-2021, Proc. 809/19.1...; de 02-12-2021, Proc. 923/09.1...; de 12-01-2022, Proc. 89/14.5...; de 20-10-2022, Proc. 1991/18.0...; de 30-11-2022, Proc. 1052/15.4... e de 15.1.2025, Proc. 687/22.3, todos disponíveis em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação.

No caso em apreço, está em causa o recurso de uma decisão confirmatória da Relação de Évora, relativamente a uma pena superior a 8 anos de prisão, ou seja, uma situação de “dupla conforme”.

Com efeito a pena aplicada ao arguido na 1.ª instância de 9 anos e 6 meses de prisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação.

A decisão recorrida é, pois, recorrível para o STJ quanto às questões relativas a esta pena, nos termos dos artigos 400.º/1 alínea f), a contrario e 432.º/1 alínea b) CPPenal.

O recurso, que é circunscrito a matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º, nos termos do artigo 434.º CPPenal, tem por objeto um acórdão da Relação proferido em recurso, que confirmou a decisão de aplicação de uma pena superior a 8 anos de prisão, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, cfr. artigos 399.º, 400.º/1 alínea f) e 432.º/1 alínea b) CPPenal.

O arguido suscita, ainda, além da questão da medida da pena - traduzida na alegação da violação dos artigos 40.º/1 e 71.º CPenal - ainda, a questão de violação do princípio in dubio pro reu – traduzida na alegação da violação do artigo 32.º/2 da CRP – bem como a questão da existência de erros de julgamento - traduzida na alegação da violação do artigo 127.º CPPenal, que consagra o princípio da livre apreciação da prova - e a existência dos vícios da contradição insanável entre a fundamentação ou entre esta e a decisão e do erro notório na apreciação da prova – traduzidos na alegação da violação do artigo 410.º/2 alíneas b) e c) CPPenal.

Como vimos já, a este Supremo Tribunal, como tribunal de revista, não cabe a apreciação da matéria de facto. Apenas lhe cabe, em regra, aplicar o regime jurídico aos factos materiais fixados pelas instâncias.

Por outro lado, estamos em sede de recurso de acórdão do Tribunal da Relação - perante dupla conformidade decisória – e quer os aludidos vícios da decisão, quer as nulidades, a que se reportam o artigo 410.º/2 e 3 CPPenal só podem constituir fundamento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos taxativamente estabelecidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal.

Ora, se no caso, a legitimação para o recurso assenta na alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal, não é admissível o recurso de acórdão da Relação, tirado em recurso, com fundamento em nulidade não sanada e ou vícios da decisão.

E apenas conhece dos vícios do artigo 410.º/2 CPPenal oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, cfr. artigo 434.º CPPenal.

E, aqui em sede de vício do erro notório na apreciação da prova se insere, como vem sendo uniformemente entendido, o conhecimento da questão da violação do princípio in dubio pro reo.

Vícios, que, como vimos, não podem, contudo, servir de fundamento ao recurso, como foram.

E, assim, subsiste, tão só, para conhecimento por parte deste Supremo Tribunal, a questão da medida da pena – estruturada na violação dos artigos 40.º/1 e 71.º CPenal.

3. Os factos

Se é certo que no caso concreto não está prejudicado o poder de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto, previstos no artigo 410.º/2 CPPenal, quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito, cfr. artigo 434.º CPPenal, não menos certo é que tal se não verifica.

Como igualmente se não identifica qualquer nulidade das enunciadas no artigo 410.º/3 CPPenal.

Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie,

- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;

- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;

- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.

Para proceder a esta enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto provada.

Como vimos, o Tribunal da Relação manteve inalterados os seguintes factos dados como provados no acórdão da 1.ª instância, que, assim, se mostram estabelecidos:

1. Desde data não concretamente apurada, por início de 2021, que os arguidos AA1 e AA4 se dedicam à atividade de aquisição, transporte, guarda e venda de haxixe.

2. No desenvolvimento de tal atividade, os arguidos AA1 e AA4 determinaram os investimentos a fazer na aquisição de haxixe, estabeleceram os contactos com os fornecedores e deslocaram-se a território espanhol, onde adquiriram haxixe e asseguraram o seu transporte até ao Localização 1, em Beja.

3. Para tanto, contaram com a colaboração, por si liderados, em conjugação de esforços e vontades, dos arguidos AA5, AA6, AA3, AA7, AA2, AA8, AA9, AA10, AA11 e AA12, nos momentos e precisos termos da respetiva intervenção infra referidos.

4. No dia 7 de abril de 2021, AA1 dirigiu-se à ponte internacional do Rio Chança – Paymogo, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros, da marca “BMW”, modelo 320, de matrícula V1, a fim de adquirir haxixe, tendo sido acompanhado por um indivíduo de identidade não apurada.

5. Numa estrada de terra batida, junto da referida ponte, AA1 encontrou-se com três indivíduos de identidade não apurada, que se faziam transportar num veículo de marca “VOLKSWAGEN”, de modelo “GOLF”, de matrícula não apurada.

6. Após, AA1, o indivíduo de identidade não apurada que o acompanhava e o condutor do “VOLKSWAGEN” caminharam até à ponte, tendo permanecido junto de umas manilhas que se encontravam no início da ponte, atento o sentido de marcha Portugal – Espanha.

7. Decorrido algum tempo, chegou à ponte, vindo de Espanha, um veículo de marca, modelo e matrícula não apurados, que se imobilizou no início da ponte, atento o sentido de marcha Espanha – Portugal.

8. Após, AA1, através de um walkie-talkie que trazia com ele, conversou com um dos indivíduos que se encontrava no interior do veículo vindo de Espanha.

9. Pouco tempo depois, saíram dois indivíduos do veículo vindo de Espanha, que se dirigiram até às manilhas, local onde entregaram a AA1 dois pacotes com quantidades não apuradas de haxixe.

10. No dia 12 de abril de 2021, AA1 e AA4, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros, de marca “VOLKSWAGEN”, modelo “POLO”, de matrícula V2, dirigiram-se à ponte internacional do Rio Chança – Paymogo, a fim de adquirirem haxixe, tendo sido acompanhados por AA5 e outro indivíduo de identidade não apurada, que se faziam transportar num veículo ligeiro de passageiros, de marca “SEAT”, modelo “IBIZA”, de matrícula V3.

11. Na ponte, um veículo ligeiro de marca, modelo e matrícula não apurados, vindo de Espanha, imobilizou-se junto dos veículos de matrícula V2 e V3.

12. Após, os indivíduos, que se encontrava no interior do veículo que veio de Espanha, entregaram uma mochila com uma quantidade não apurada de haxixe.

13. De seguida, iniciaram o caminho de regresso para o Localização 1, em Beja, tendo AA1 e AA4, que se faziam transportar no veículo de matrícula V2, durante o percurso, conduzido uns metros à frente do veículo de matrícula V3, onde seguiam AA5 e o indivíduo de identidade não apurada, com intenção de avisar estes se encontrassem alguma operação de fiscalização policial.

14. No dia 16 de abril de 2021, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “MERCEDES”, de matrícula V4, alugado e conduzido por AA5, este, AA1, AA4 e AA13 deslocaram-se à ponte internacional do Rio Chança – Paymogo.

15. À frente do veículo de matrícula V4, seguia o veículo ligeiro de passageiros de marca “SEAT”, modelo “IBIZA”, de matrícula V5, em que se faziam transportar AA3 e AA6.

16. Já na ponte, AA1 e AA4 saíram do veículo ligeiro de passageiros de matrícula V4, levando com eles diversos maços de notas de euro, para compra de quantidades não apuradas de haxixe, e caminharam até atravessarem a fronteira, tendo, já em Espanha, entrado num veículo ligeiro de passageiros de marca e modelo não apurados, mas de matrícula espanhola.

17. Após, AA5, AA13, AA3 e AA6 regressaram ao Localização 1, em Beja, fazendo-se transportar nos veículos de matrícula V4 e V5.

18. No dia 19 de abril de 2021, AA1 encontrava-se em Espanha, fazendo-se transportar num veículo ligeiro de passageiros de matrícula espanhola, do qual saiu na ponte internacional Rio Chança - Paymogo, com um ràdio /walkie-talkie na mão, que utilizou para contactar AA5.

19. Decorrido algum tempo, vindos do Localização 1, em Beja, chegaram à ponte internacional Rio Chança – Paymogo, AA5, AA6 e AA7 – que se faziam transportar no veículo de matrícula V4 – e AA3 e um indivíduo de identidade não concretamente apurada – que se faziam transportar num veículo ligeiro de passageiros de marca “RENAULT”, modelo “CLIO”, de matrícula V6.

20. Então, AA1 entregou as quantidades não apuradas de haxixe, que tinha adquirido em Espanha, a AA6.

21. De imediato, AA1 regressou ao veículo de matrícula espanhola, que começou a circular em direção a Espanha.

22. Simultaneamente, AA6 e AA7 colocaram as quantidades não apuradas de haxixe no interior do veículo de matrícula V4.

23. Após, AA5 pôs o veículo de matrícula V4 em funcionamento e começou a conduzir em direção ao Localização 1, em Beja, transportando AA6 e AA7, bem como o produto estupefaciente.

24. Durante o percurso entre a ponte internacional Rio Chança – Paymogo e o Localização 1, em Beja, AA3 e o indivíduo de identidade não apurada fizeram-se transportar no veículo de matrícula V6, que conduziram uns metros à frente do veículo de matrícula V4, onde seguiam AA5, AA6 e AA7, com intenção de avisar estes se encontrassem alguma operação de fiscalização policial.

25. No dia 26 de abril de 2021, pelas 18h13m, AA1 - fazendo-se transportar no veículo ligeiro de matrícula V1, conduzido por AA4 - e AA9 - fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “BMW”, de modelo 1K4, de matrícula V7, conduzido por AA5 - dirigiram-se à ponte internacional sobre o Rio Chança – Paymogo.

26. Já na referida ponte, AA1 e AA9 saíram dos veículos de matrícula V1 e V7 e entraram num veículo de marca e modelo não apurados, mas de matrícula espanhola, conduzido por um indivíduo de identidade não determinada, e dirigiram-se para Espanha, a fim de nesse país adquirirem quantidades não apuradas de haxixe, tendo AA4 e AA5 regressado para o Localização 1.

27. Às 21h25m, AA4 e AA5 regressaram à ponte internacional sobre o Rio Chança – Paymogo, ao volante dos mencionados veículos.

28. Na ponte, AA1 e AA9 saíram do veículo de matrícula espanhola, do qual retiraram quantidades não apuradas de haxixe que tinham adquirido em Espanha, que, de seguida, colocaram no porta bagagens do veículo de matrícula V7, conduzido por AA5.

29. Após, AA1, AA4, AA5 e AA9 regressaram ao Localização 1, em Beja, onde descarregaram o haxixe, que adquiriram em Espanha, na residência de AA3, sita na Rua 2

30. No dia 28 de Abril de 2021, AA1 e AA4, fazendo-se transportar no veiculo ligeiro de passageiros, da marca “BMW”, modelo 320, de matrícula V1, deslocaram-se à ponte internacional do Rio Chança – Paymogo, a fim de adquirirem quantidades não determinadas de haxixe, tendo sido acompanhados por AA5 e um indivíduo de identidade não concretamente apurada, que se faziam transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “SEAT”, modelo “IBIZA”, de matrícula V8.

31. Chegado à ponte, AA5 apercebeu-se que o veículo de marca, modelo e matrícula não apurados, que se encontrava do outro lado da ponte, em Espanha, e onde se encontravam os fornecedores do produto estupefaciente, estava a ser fiscalizado por elementos da Guarda Civil.

32. De imediato, AA1, AA4, AA5 e o indivíduo de identidade não apurada abandonaram a ponte, fazendo-se transportar nos veículos de matrícula V1 e V8.

33. Após, AA1 e AA4, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros, da marca “BMW”, modelo 320, de matrícula V1, acompanhados por AA5 e um indivíduo de identidade não concretamente apurada, que se faziam transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “SEAT”, modelo “IBIZA”, de matrícula V8, dirigiram-se à ponte internacional do Pomarão, Mértola - El Granado.

34. Já na ponte, AA1 e o indivíduo de identidade não apurada caminharam até ao outro lado da fronteira, local onde estava imobilizado um veículo de marca, modelo e matrícula não apurados, no qual entraram e, depois, seguiram em direção a Espanha, a fim de adquirirem quantidades não apuradas de haxixe.

35. Entretanto, AA4 e AA5 regressaram ao Localização 1, respetivamente, ao volante dos veículos de matrícula V1 e V8.

36. Já no dia 29 de abril de 2021, AA4 e AA5 dirigiram-se à ponte internacional do Pomarão, Mértola - El Granado, respetivamente, ao volante dos veículos de matrícula V1 e V8.

37. Durante o percurso, AA4 sofreu um acidente de viação, tendo AA5 seguido sozinho para a ponte internacional do Pomarão, Mértola – El Granado, ao volante do veículo de matrícula V8.

38. Já na ponte, AA1 e o indivíduo de identidade não concretamente apurada entraram para o veículo de matrícula V8, conduzido por AA5, levando com eles dois sacos de desporto com quantidades não apuradas de haxixe.

39. De seguida, fazendo-se transportar no veículo de matrícula V8, AA1, AA5 e o indivíduo de identidade não apurada dirigiram-se para o Localização 1, em Beja, tendo seguido por estradas secundàrias.

40. No dia 11 de junho de 2021, AA1 e AA4 deslocaram-se a Espanha, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “PORSCHE”, modelo “PANAMERA”, de matrícula V9, a fim de adquirirem quantidades de haxixe.

41. Depois de adquirirem quantidades não apuradas de haxixe de acordo com o previamente acordado, AA1 e AA4 encontraram-se, em Espanha, com AA5 e AA7, que se faziam transportar no veículo “VOLKSWAGEN”, de modelo “GOLF”, de matrícula V10, e que passaram a ponte internacional do Pomarão - Mértola – El Granado.

42. Em Espanha, AA1 e AA4 colocaram as quantidades não apuradas de haxixe no porta bagagens do veículo de matrícula V10, em que se faziam transportar AA5 e AA7.

43. Após, iniciaram a viagem de regresso para o Localização 1, em Beja, tendo AA1 e AA4, fazendo-se transportar no veículo de matrícula V9, seguido uns metros à frente do veículo de matrícula V10, em que seguiam AA5 e AA7, a fim de avisar estes se encontrassem alguma operação de fiscalização policial.

44. No dia 26 de agosto de 2021, AA1, AA9 e outro indivíduo de identidade não apurada deslocaram-se a Espanha, com a finalidade de adquirirem quantidades não determinadas de haxixe, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “MERCEDES”, de matrícula V11, tendo sido acompanhados por AA5, que conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca “VOLKSWAGEN”, de modelo “GOLF”, de matrícula V10, e que se fazia acompanhar por outro indivíduo de identidade não apurada.

45. Decorrido algum tempo, AA5 e um dos indivíduos de identidade não apurada regressaram a Portugal, fazendo-se transportar no volante do veículo de matrícula V10.

46. Ainda no referido dia, mais tarde, de acordo com o previamente ajustado, AA1, AA9 e outro indivíduo de identidade não apurada, que circulavam no veículo de matrícula V11, encontraram-se com AA5, que conduzia o veículo de matrícula V10, no cruzamento de Moreanes – Pomarão.

47. Nesse cruzamento, AA1, AA9 e outro indivíduo de identidade não apurada retiraram pelo menos três sacos, que continham quantidades não determinadas de haxixe, que adquiriram, do porta bagagens do veículo de matrícula V11 e colocaram-nos na bagageira do veículo de matrícula V10, em que AA5 circulava.

48. Após, iniciaram o percurso de regresso ao Localização 1, em Beja, tendo AA1, AA9 e outro indivíduo de identidade não apurada, fazendo-se transportar no veículo de matrícula V11, seguido uns metros à frente do veículo de matrícula V10, em que seguia AA5, a fim de avisarem este se encontrassem alguma operação de fiscalização policial.

49. Chegados ao Localização 1, em Beja, cerca das 19h39, AA1, AA9, AA5 e os indivíduos de identidade não apurada retiraram os sacos que continham quantidades não apuradas de haxixe do interior do porta bagagens do veículo de matrícula V10 e transportaram-nos para o interior da residência onde habita o primeiro.

50. No dia 01 de novembro de 2021, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “AUDI”, modelo “A 4”, de matrícula V12, AA1 dirigiu-se a Espanha, acompanhado por AA2, que conduzia o veículo, a fim de adquirir quantidades não apuradas de haxixe, tendo atravessado a ponte internacional do Pomarão, Mértola - El Granado.

51. Nesse dia, às 18h03m, já no Localização 1, AA2 imobilizou o veículo de matrícula V12, na Rua 3, junto da residência de AA1, que saiu do veículo com uma caixa de cartão na mão, que continha uma quantidade não apurada de haxixe.

52. No dia 04 de novembro de 2021, AA1 deslocou-se a Espanha, tendo atravessado a ponte internacional do Pomarão, Mértola - El Granado, com a finalidade de adquirir quantidades não determinadas de haxixe, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “FORD”, de matrícula V13, tendo sido acompanhado por AA9 e outro indivíduo de identidade não apurada.

53. Decorrido algum tempo, AA1, AA9 e o outro indivíduo regressaram a Portugal, fazendo-se transportar no veículo de matrícula V13, e dirigiram-se à Mina de São Domingos, local onde, conforme previamente acordado, se encontraram com AA2, que se fazia transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “AUDI”, modelo “A4”, de matrícula V12.

54. Após, iniciaram o percurso de regresso ao Localização 1, em Beja, tendo AA2, fazendo-se transportar no veículo de matrícula V12, seguido uns metros à frente do veículo de matrícula V13, em que seguia AA1, AA9 e o outro indivíduo, a fim de os avisar se encontrasse alguma operação de fiscalização policial.

55. Chegados ao Localização 1, em Beja, AA1, AA9, AA2 e o outro indivíduo retiraram três sacos que continham quantidades não apuradas de haxixe do interior do porta bagagens do veículo de matrícula V13 e transportaram-nos para o interior da residência onde habita o primeiro.

56. No dia 27 de novembro de 2021, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “AUDI”, modelo “A 4”, de matrícula V12, AA1 dirigiu-se a Espanha, acompanhado por AA2, que conduzia o veículo, a fim de adquirir quantidades não apuradas de haxixe, tendo atravessado a ponte internacional do Pomarão, Mértola - El Granado.

57. Nesse dia, já no Localização 1, AA2 imobilizou o veículo de matrícula V12, na Rua 3, junto da residência de AA1, que saiu do veículo com um saco de plàstico, que continha uma quantidade não apurada de haxixe, que tinha adquirido em Espanha.

58. No dia 01 de dezembro de 2021, fazendo-se transportar no veículo de marca “AUDI”, modelo A4, de matrícula V12, AA1 e AA2 dirigiram-se a Espanha, tendo atravessado a ponte internacional do Pomarão, Mértola – El Granado, a fim de adquirirem as quantidades não apuradas de haxixe.

59. Atràs de AA1 e AA2, seguiram AA11, AA12 e AA8, este último à condução do veículo, que se faziam transportar num veículo ligeiro de passageiros de marca “MERCEDES”, de matrícula V14, alugado por AA12.

60. Nesse dia, pelas 19h30m, na Rua 4, AA1, AA2, AA8, AA11 e AA12 saíram dos mencionados veículos, AA2 e AA8 retiraram dois sacos que continham as quantidades de haxixe que tinham adquirido em Espanha, e entraram na residência do primeiro.

61. Ainda no referido dia, pelas 19h37m, AA1 colocou um saco com quantidades não apuradas de haxixe no interior do veículo de matrícula V14, no qual se encontravam AA11 e AA12, que, após, seguiram em direção a Lisboa.

62. No dia 14 de dezembro de 2021, fazendo-se transportar no veículo de marca “AUDI”, modelo A4, de matrícula V12, AA1 e AA2 dirigiram-se ao Pomarão, local onde imobilizaram o veículo num parque de estacionamento existente junto da ponte internacional do Pomarão, Mértola - El Granado.

63. Nesse local, encontrava-se imobilizado o veículo de marca “SKODA”, modelo “FABIA”, de matrícula espanhola 5033GLN, do qual saiu um indivíduo de identidade não apurada, que se deslocou para o veículo de matrícula V12, onde se encontravam AA1 e AA2.

64. Decorrido algum tempo, chegou ao local, onde se imobilizou, o veículo de marca “OPEL”, modelo “VIVARO”, de matrícula 4294KNF, do qual saiu outro indivíduo de identidade não determinada, que retirou do interior desse veículo um saco grande de asas, que continha uma quantidade não apurada de haxixe.

65. Após, o mencionado indivíduo dirigiu-se para o veículo de matrícula V12, onde entregou a AA1 e a AA2 o saco com as quantidades não apuradas de haxixe.

66. No dia 17 de dezembro de 2021, fazendo-se transportar no veículo de marca “CITROEN”, modelo “C3”, de matrícula V15, AA1 e AA4 dirigiram-se a Espanha, tendo sido acompanhados por AA2 e AA8, que se faziam transportar no veículo de marca “AUDI”, modelo A4, de matrícula V12, tendo passado a ponte internacional do Pomarão, Mértola - El Granado, a fim de adquirirem quantidades não apuradas de haxixe.

67. Mais tarde, de regresso a Portugal, no percurso para o Localização 1, em Beja, AA1 e AA4, fazendo-se transportar no veículo de matrícula V15, seguiram à frente do veículo de matrícula V12, em que seguia AA2 e AA8, a fim de avisarem este se encontrassem alguma operação de fiscalização policial.

68. Pelas 18h06m, AA2 imobilizou o veículo de marca “AUDI”, modelo A4, de matrícula V12, que conduzia, junto da residência de AA1, e retirou do interior do mesmo um saco grande e AA8 uma mochila, que continham quantidades não apuradas de haxixe.

69. No dia 25 de janeiro de 2022, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “BMW”, de matrícula V16, AA9 e AA10 dirigiram-se ao Localização 1, em Beja, sendo acompanhados por AA11 e AA12, que seguiam no veículo ligeiro de passageiros de marca “BMW”, de matrícula V17, alugado por esta última.

70. Já no Localização 1, em Beja, AA9, AA10, AA11 e AA12 encontraram-se com AA1, com quem estiveram a conversar. 71. Decorrido algum tempo, AA1, AA2, AA9 e AA10 entraram no veículo ligeiro de passageiros de marca Audi, modelo A4, de matrícula V12, AA11 e AA12 entraram no veículo de matrícula V17 e dirigiram-se todos a Espanha, passando a ponte internacional do Pomarão, Mértola - El Granado, a fim de adquirirem haxixe.

72. Já em El Granado, no parque de estacionamento sito nas imediações do cemitério, depois de os imobilizarem, AA1, AA9, AA10 e AA11 saíram dos veículos em que se faziam transportar e dirigiram-se ao veículo ligeiro de passageiros, de marca “AUDI”, modelo A4, de matrícula espanhola 8515GBG - que nesse local também estava imobilizado - local onde conversaram com dois indivíduos de identidade não apurada.

73. Entretanto, chegou ao local o veículo de marca “OPEL”, modelo “VIVARO”, de matrícula espanhola 4294KNF, conduzido por um indivíduo de identidade não apurada.

74. De imediato, AA1 e AA2 entraram para o veículo de matrícula espanhola 8515GBG, AA9 entrou no veículo de matrícula espanhola 4294KNF e AA10 e AA11 entraram para o veículo de matrícula V17, onde se encontrava AA12, e abandonaram o local, onde deixaram imobilizado o veículo de matrícula V12.

75. Depois de adquirirem 409 placas de canàbis (resina), com um peso total de 40043,850 gramas, com um grau de pureza de 27,5% e equivalente a 220241 (duzentas e vinte mil, duzentas e quarenta e uma) doses, pelas 20h15m, AA1 e AA2 regressaram ao parque de estacionamento, fazendo-se transportar no veículo de matrícula espanhola 8515GBG, onde também seguiam dois indivíduos de identidade não apurada, e AA9, AA10, AA11 e AA12 regressaram a esse local, fazendo-se transportar no veículo de matrícula V17.

76. Já no mencionado parque de estacionamento, AA1, AA2, AA9 e AA10 entraram no veículo de matrícula V12, que aí tinha ficado imobilizado, tendo AA11 e AA12 permanecido no veículo de matrícula V17, no qual se encontravam as 409 placas de canàbis (resina) adquiridas.

77. Depois iniciaram viagem de regresso a Portugal, tendo AA1, AA2, AA9 e AA10, fazendo-se transportar no veículo de matrícula V12, seguido uns metros à frente do veículo de matrícula V17, em que seguiam AA11 e AA12 e onde se encontravam as 409 placas de canàbis (resina), a fim de avisarem estes se encontrassem alguma operação de fiscalização policial.

78. No dia 25 de janeiro de 2022, AA1 tinha consigo a quantia de 580,00 € em notas emitidas pelo Banco Central Europeu.

79. Ainda no dia 25 de janeiro de 2022, no interior da residência onde habitam, sita na Rua da Esperança, n.º 11, no Localização 1, em Beja, AA1

 e AA4 tinham com eles:

- Um ràdio comunicador;

- Uma balança digital;

- Duas màquinas para clonar cartões;

- Dois telemóveis, Samsung;

- 1.290,00 € em notas emitidas pelo Banco Central Europeu.

80. No dia 25 de janeiro de 2022, AA5 tinha consigo, no interior da residência onde habita, sita na Rua 5, em Beja:

- Quatro telemóveis, um WYKKO, dois Huawei, um OPPO;

- 25,293 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza de 21,7 % e equivalendo a 109 doses diàrias;

- Duas navalhas.

81. No dia 25 de janeiro de 2022, AA6 tinha consigo, no interior da residência onde habita, sita na Rua da Esperança, 14, Localização 1, em Beja, um telemóvel XIAOMI.

82. No dia 26 de janeiro de 2022, AA3 tinha consigo, no interior da residência onde habita, sita na Rua da Esperança, 8, Localização 1, em Beja:

- Quatro telemóveis, um IPHONE, um IPHONE 12, um Samsung Note e um Alcatel;

- 1.129,70 € em notas e moedas emitidas pelo Banco Central Europeu.

83. No dia 26 de janeiro de 2022, AA14 tinha consigo, no interior da residência onde habita, sita na Rua 6, em Beja:

- quatro telemóveis, dois Samsung, um Sony e um Huawei.

84. No dia 26 de janeiro de 2022, no interior da residência onde habitam, sita na Rua 7, 37, Localização 1, em Beja, AA13, AA7 e AA15 tinham com eles:

- Três telemóveis, um de marca desconhecida, um Alcatel, um IPHONE;

- 1.178,546 gramas de canàbis (resina), com grau de pureza entre os 5,6 % e os 25,2 % e equivalendo a 5312 doses diàrias;

- Uma balança de precisão;

- Um telemóvel ALTICE.

85. No dia 26 de janeiro de 2022, no interior da residência onde habita AA16 sita na Rua da Fonte de Mouro, 31, no Localização 1, em Beja encontrava-se:

- 81,430 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza de 24,3% e equivalendo a 395 doses diàrias;

- Um telemóvel Samsung.

86. No dia 26 de janeiro de 2022, AA17 tinha consigo, no interior da residência onde habita, sita no Largo 8 º 6, Localização 1, em Beja, um telemóvel Samsung.

87. No dia 26 de janeiro de 2022, AA18 tinha consigo, no interior da residência onde habita sita na Rua da Esperança, 50, Localização 1, em Beja:

- Dois telemóveis, um Samsung e um TCL;

- Um revólver preto, com punho em madeira, com as inscrições laterais “JG”;

- Uma munição de 7,65 milímetros;

- 14,605 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza de 26,3 %, e equivalendo a 76 doses diàrias;

- Um colete balístico preto.

88. No dia 26 de janeiro de 2022, AA2 tinha consigo, no interior da residência onde habita, sita na Rua 9, em Beja:

- Quatro telemóveis, um IPHONE, dois Samsung e um Altice;

- 3.150 € em notas emitidas pelo Banco Central Europeu;

- 62,276 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza mínimo de 21,3 % e màximo de 27,1 % e equivalendo a 315 doses diàrias;

- 28,193 gramas de cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 68,3 % e equivalendo a 96 doses diàrias;

- Um revólver de 4,5 milímetros de calibre, marca ASG, com o número de série 18891813;

- Uma balança de precisão;

- Quatro sacos de plàstico para efetuar recortes.

89. No dia 25 de janeiro de 2022, AA9 tinha consigo um telemóvel Samsung.

90. No dia 25 de janeiro de 2022, AA10 tinha consigo a quantia de 230,00 € em notas emitidas pelo Banco Central Europeu e um telemóvel IPHONE.

91. No dia 25 de janeiro de 2022, AA11 e AA12 tinham ainda consigo no interior do veículo consigo, além do mais, uma garrafa de óxido nitroso, dois telemóveis IPHONE e 30,00 € em notas emitidas pelo Banco Central Europeu.

92. Ainda no Localização 1, em Beja, AA1 e AA4 venderam quantidades não apuradas de haxixe a AA19, que, atuando em conjugação de esforços e de vontades com sua esposa, AA20, vendeu tais produtos a consumidores, nomeadamente a AA21 e AA22.

93. No dia 26 de janeiro de 2022, no interior da residência onde habitam, sita na Rua 10, AA20 tinha com ela um telemóvel Samsung A72 e AA19 tinha consigo um telemóvel IPHONE.

94. Mais tinham com eles, nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar:

- uma pen USB;

- um computador portàtil de marca DELL;

- 0,260 gramas de canàbis (fls/sumid), com um grau de pureza de 7,2 % e equivalendo a menos de uma dose diària;

- 1,176 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza de 27,6 % e equivalendo a 6 doses diàrias;

95. No dia 9 de janeiro de 2020, AA23 dirigiu-se à residência onde habita AA24 e comprou a este 0,740 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza de 25,5 % e equivalendo a 3 doses diàrias.

96. No dia 16 de janeiro de 2020, AA25 dirigiu-se à residência onde habita AA24 e comprou a este 3,312 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza de 24,8 % e equivalendo a 16 doses diàrias.

97. No dia 27 de janeiro 2020, AA26 dirigiu-se à residência onde habita AA24 e comprou a este 0,169 gramas de haxixe, com um grau de pureza de 11,8 %, equivalendo a menos de uma dose diària.

98. Ainda no dia 27 de janeiro de 2020, AA27 dirigiu-se a AA24 - que se encontrava no Localização 1 - e adquiriu ao mesmo 0,88 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza de 13,4%, equivalendo a 2 doses diàrias.

99. No dia 4 de fevereiro de 2020, AA28 deslocou-se à residência onde habita AA24 e adquiriu a este 0,667 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza de 13,5 % e equivalendo a 1 dose diària.

100. No dia 7 de fevereiro de 2020, AA29 e AA30 dirigiram-se à residência onde habita AA24, local onde adquiriram ao mesmo, respetivamente, 3,129 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza de 12,9 % e equivalendo a 8 doses diàrias e 4,041 gramas de canàbis (resina), com um grau de pureza de 12,9 % e equivalendo a 10 doses diàrias.

101. No dia 26 de janeiro de 2022, o arguido AA24 tinha consigo, no interior da residência onde habita sita na Praceta 11 º, em Beja:

-45,00 € em notas emitidas pelo Banco Central Europeu;

- 4,741 gramas de haxixe, com um grau de pureza mínimo de 26,3 % e màximo de 27,5 % e equivalendo a 23 doses diàrias;

- Dois telemóveis Samsung.

102. No dia 26 de janeiro de 2022, AA31 tinha consigo, no interior da residência onde habita, sita na Rua 12, em São Bartolomeu do Outeiro, dois telemóveis de marca Huawey (P20 PRO e P9 LITE).

103. Os arguidos conheciam a natureza e efeitos nefastos para a saúde do produto estupefaciente que, nos precisos termos da respetiva intervenção suprarreferidos, adquiriram, transportaram, detiveram e cederam/venderam a terceiros, agindo livre, consciente e deliberadamente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.

104. AA8 circulou nas circunstâncias referidas no ponto 59 sem que fosse titular de carta de condução para conduzir o referido veículo.

105. AA8 conhecia as características do veículo e do local onde conduziu, previu e quis conduzi-lo, sabendo que não era titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir veículos na via pública.

106. AA18 conhecia as características da arma e munição que tinha consigo e que sabia não podia ter, por não ser possuidor de licença de uso e porte de arma ou de licença para detenção no domicílio, e, não obstante, de forma livre, voluntària e consciente, quis tê-las e tinha-as consigo, bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas, reprovàveis e proibidas e punidas por lei.

107. Com as mencionadas quantias monetàrias que receberam com a venda do produto estupefaciente, por determinação de AA1 e AA4 e com dinheiro na disponibilidade destes, AA2 adquiriu em 17/06/2021, o veículo automóvel, da marca Porsche, modelo Panamera, com a matrícula V9, o qual se encontrava na disponibilidade e era utilizado por AA1 e AA4.

108. Pela D.G.R.S.P. foi elaborado relatório social a AA1, donde consta: o arguido AA1 encontrava-se a residir com a companheira, AA32 e com duas filhas, AA33 de 10 anos e AA34, de 5 anos. O agregado residia no Localização 1, em Beja. A habitação propriedade da irmã do arguido detinha as infra-estruturas bàsicas necessàrias e boas condições de habitabilidade. Actualmente, uma vez que ambos se encontram detidos, as menores estão ao cuidado da tia, AA35, irmã do arguido. AA1 tinha um relacionamento gratificante com a companheira. AA1 é o quinto de uma fratria de 7 irmãos, nasceu em Beja e viveu sempre no Localização 1, conhecido pelo seu tecido social vulneràvel e associado a pràticas pró-criminais. O pai, já falecido, era reformado por invalidez e a sua mãe é trabalhadora no Município de Beja. Existia uma dinâmica relacional, instàvel e afectivamente desinvestida no seio familiar. O arguido cresceu num contexto sócio económico carenciado e problemàtico, tendo a mãe e um dos irmãos, cumprido pena de prisão por tràfico de estupefacientes. AA1 frequentou o ensino na idade própria, abandonando o percurso escolar durante o 4º ano de escolaridade, devido à pràtica de condutas desviantes, comportamentos esses que levaram a que o arguido tivesse contacto com o sistema de justiça tutelar, tendo cumprido uma medida de internamento em Centro Educativo (Vila Fernando), durante dois anos. Posteriormente frequentou um curso de formação profissional de carpintaria na CERCI, que lhe deu equivalência ao 9º ano de escolaridade. No plano laboral, começou a trabalhar como servente de pedreiro aos 17 anos, tendo posteriormente feito dois contratos de trabalho como cantoneiro na Câmara Municipal de Beja. O arguido autonomizou-se aos 19/20 anos de idade na sequência do encetar da união afectiva com a mãe dos seus filhos. No Estabelecimento Prisional o arguido já trabalhou no ginásio e na cozinha. Actualmente não está a trabalhar, uma vez que está em prisão preventiva, no entanto o seu comportamento é globalmente adaptado e sem incidentes. Recebe visitas da irmã AA35, seu principal apoio e com quem tem uma forte relação familiar. AA1 iniciou o consumo de produtos estupefacientes muito cedo, situação que o levou a ser acompanhado no CRI de Beja.

109. AA1 sofreu as seguintes condenações:

- Por acórdão transitado em julgado no dia 29/04/2019, nos autos de processo comum coletivo n.º 451/13.0TABJA, pela pràtica do crime de tràfico de quantidades diminutas e de menor gravidade e um crime de detenção de arma proibida na pena única na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova. A pena foi declarada extinta.

- Por sentença transitada em julgado no dia 08/01/2019, nos autos de processo comum singular n.º 111/15.8GGBJA, pela pràtica do crime de ameaça agravada na pena de 110 dias de multa, à razão diària de 6,00 €. A pena foi declarada extinta.

(…)”.

4. A medida da pena

1. A fundamentação da decisão recorrida.

“ (…)

O grau de ilicitude dos factos é muito elevado, estando em causa uma execução dos factos com um acentuado profissionalismo, numa conduta prolongada, com repetição de atos de tráfico transfronteiriço, com vista à aquisição de droga, conjugando sob a sua égide a atuação de várias terceiras pessoas, imune a qualquer obstáculo gerado ao seu negócio, sempre no esforço de um lucro fácil, como fica bem demonstrado pela circunstância de terem prosseguido a sua atividade mesmo em período de restrição mercê da pandemia do coronavírus, adaptando-a simplesmente às necessidades então sentidas, vindo tudo a culminar, na apreensão de mais de quarenta quilos de haxixe, equivalente a duzentas e vinte mil doses, demonstrando-se um elevado nível de tráfico com grande quantidade de droga a ser inserida no território nacional, especificamente numa localidade de província como Beja.

Ainda assim, naturalmente, mesmo que organizado o tráfico em comum, haverá que distinguir a intervenção mais presente de AA1 [em todas as situações] por respeito à, menos intensa, de AA4 [nas situações de 12/04/2021; 26/04/2021; 28/04/2021; 11/06/2021; 17/12/2021].

O dolo tem a maior intensidade – direta.

O arguido AA1 tem antecedentes criminais, incluindo por factos da mesma natureza, o que demonstra uma personalidade desviante, sem interiorização resultante das anteriores condenações. Mais: insistiu na conduta criminosa no período da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada precisamente por crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, o que significa que não só insistiu na conduta como agravou a sua ilicitude, passando a um outro patamar de tráfico.

Não manifestou sentimento de arrependimento ou comportamento posterior que permita juízo de prognose favorável.

As condições de vida são medianas.

Tendo em conta todos estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação, a AA1, de uma pena concreta de 9 anos e 6 meses de prisão”.

2. A isso que contrapõe o arguido?

Discorda o arguido da pena aplicada que considera se aproximar do limite máximo da moldura penal, quando existem vários argumentos a ter em linha que conta que diminuem a sua culpa e a gravidade dos factos que não foram considerados, defendendo, assim, que a pena deve ser reduzida e fixada entre os 6 anos e 6 meses e os 8 anos e 6 meses de prisão.

Desde logo, refere o arguido que importa a quantidade e a qualidade das drogas em causa e em todas as situações provadas quanto a si, apurou-se que a substância se tratava de haxixe - vulgarmente tido como uma “droga leve” - menos nociva, o que se deve refletir na medida da pena - na distinção com "drogas duras", frequentemente mencionada na jurisprudência, como sendo a heroína e a cocaína, consideradas mais perniciosas e viciantes, o que agrava a ilicitude do facto e pode justificar penas mais severas.

Por outro lado, em todas as situações dadas como provadas (à exceção de uma) não se conseguiu apurar as quantidades de haxixe que foram transacionadas, tendo-se utilizado como argumento para manter a pena do arguido fixada em 9 anos e 6 meses, o facto de o grau de ilicitude dos factos ser elevado face à grande quantidade de droga.

Não nos parece que o Tribunal recorrido tenha levado em linha de consideração o entendimento deste Supremo Tribunal, especialmente, no que toca à quantidade do produto estupefaciente.

Finalmente invoca o arguido o facto de,

- estar totalmente inserido socialmente e familiarmente;

- não ter processos pendentes;

- dispor de apoio familiar, beneficiando de visitas regulares;

- a morada de família ser cedida pela sua irmã, não tendo encargos ou despesas com renda;

- ter consciência da gravidade dos factos;

- pretender levar uma vida conforme ou direito e ser um exemplo a seguir para as suas duas filhas menores (10 e 5 anos de idade), uma delas portadora de deficiência,

- as menores dependerem integralmente dos seus cuidados e do seu apoio financeiro e emocional, sendo que a progenitora das mesmas se encontra em cumprimento de pena à ordem destes autos,

- as condições de saúde das filhas do arguido exigirem acompanhamento constante, cuidados especializados e uma presença ativa por parte do progenitor, sendo este um elemento essencial para o bem-estar e desenvolvimento das menores;

- a reclusão do recorrente durante quase 10 anos, o impossibilitar de acompanhar o crescimento das suas duas filhas,

- a ausência do arguido, em virtude do cumprimento de uma pena privativa de liberdade, comprometer gravemente a estabilidade e o suporte necessário às suas filhas, colocando em risco o seu bem-estar físico e emocional;

- até à data dos factos, ter demonstrado ser uma pessoa socialmente integrada, mantendo uma conduta regular e colaborativa em ambiente prisional;

- a condenação do recorrente numa pena tão elevada, implicar que as crianças continuem privadas de ambos os progenitores durante mais tempo.

3. Vejamos.

Como é sabido a questão da medida da pena não é do conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso.

Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71º CPenal - diploma a que pertencerão as disposições legais doravante citadas sem menção de origem - estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

O dever jurídico, substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.

Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada.

Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.

Com efeito, o recurso não se destina a proceder a uma nova determinação da pena, mas, apenas, a verificar o respeito por aqueles critérios que presidem à sua determinação, com eventual correção da medida da pena aplicada se o caso a justificar.

Ultrapassada que está a fase da consideração, como ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena (onde, coincide a aplicada nos autos) o do ponto médio da sua moldura abstracta, bem como o de ser esta a matéria onde transparece e se assume na plenitude, a arte de julgar, como ponto incontornável de partida e de chegada, temos que a operação de determinação da medida da pena, se faz em função dos critérios gerais de medida da pena, seja, a culpa do agente e as exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

Dispõe o artigo 40.º que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, n.º 1 e, que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, n.º 2.

As finalidades da pena são, assim, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas: a formulação da norma reveste a “forma plástica” de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições, cabe ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.

A norma do artigo 40.° condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas:

- protecção de bens jurídicos,

- socialização do agente do crime,

- sendo a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

Por sua vez, nos termos do artigo 71º/1 e 2, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.

Considerando, nomeadamente, nos termos do n.º 2 desta norma:

“a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.

A este processo deve presidir uma preocupação de tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei, que haverá que passar pela escolha de reacção sancionatória com aptidão e eficácia bastantes à ideal/tendencial protecção do bem jurídico violado e à dissuasão da prática de novos crimes, constituindo a retribuição justa do mal praticado, dando satisfação ao sentimento de justiça e segurança da comunidade e contribuindo, na medida do possível, para a reinserção social do delinquente.

A culpa constitui, assim, o limite inultrapassável do quantum da pena, dentro é certo da sub-moldura da prevenção geral e ponderadas as necessidades que o agente apresente em sede de prevenção especial.

Esta medida concreta da pena a aplicar ao arguido, tendo em atenção que a mesma assenta na “moldura de prevenção”, cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum da pena imprescindível, no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, deve ser encontrada dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artigos 40.º/2 e 71.°/1.

Isto é, se a culpa constitui o fundamento e o limite da pena, as suas finalidades são a prevenção geral e especial.

O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, como ensina o Professor Figueiredo Dias, “aquele que comete à culpa a função, única, mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral, de integração, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dento da referida “moldura de prevenção”, que sirva melhor as exigências de socialização ou, em casos particulares, de advertência ou segurança do delinquente” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, 186-187.

Assim, em primeiro lugar, a medida da pena há-de ser aferida pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados.

Teremos que encontrar, como ponto de referência, o limiar mínimo abaixo do qual já não será comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a tutela de tais bens jurídicos, respondendo às expectativas da comunidade na reposição da norma jurídica violada e, este será o limite mínimo da pena concreta.

Está aqui em causa a prática pelo arguido, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º/1 do Decreto Lei 15/93, a que corresponde, em abstrato, a moldura penal de prisão de 4 a 12 anos.

Crime, por um lado, de perigo comum abstrato, preenchendo-se o tipo com a mera detenção de produto estupefaciente e, por outro, de trato sucessivo, de execução permanente, mais comummente denominado de crime exaurido, em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de corresponderem a uma execução completa do facto e em que a imputação dos atos múltiplos é atribuída a uma realização única, sendo a estrutura básica fundamental nestes crimes de empreendimento, a equiparação da tentativa à consumação.

A mera aquisição, a nível internacional, como esta, no sentido de violar a lei e de cometer culposamente crimes, como este, já atenta contra a paz jurídica e o respeito pelo Direito e não pode deixar de configurar lesão de bens jurídicos independentemente do facto de uma disseminação ulterior se efetuar ou não.

No caso de tráfico de substâncias estupefacientes, o bem jurídico mais evidente e mais consensualmente considerado (de consideração óbvia, ao que parece) é a saúde pública, mas também outros, como a estabilidade económica, financeira, cultural e política da sociedade e a segurança e soberania do Estado - dependendo a verificação da sua mais concreta e mais vultuosa lesão dos contornos específicos do caso concreto.

A medida da pena é determinada a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) em relação a cada arguido que tenha cometido um ilícito penal e não a partir de considerações, por si, feitas, que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados.

Tendo, então, presente que a culpa constitui o limite inultrapassável do quantum da pena, dentro é certo da sub-moldura da prevenção geral e ponderadas as necessidades que o agente apresente em sede de prevenção especial, a propósito da fixação e determinação da medida concreta da pena apenas há que ponderar e extrair ilações dos factos provados, que se repercutam na operação de determinação da medida concreta da pena, não podendo este Tribunal imiscuir-se nem nos factos, nem criticar as ilações deles retiradas, porque a sua intervenção está reservada à matéria de direito.

As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infração. E tal proporcionalidade deve atender a todos os contornos da infração.

E, no caso concreto, não se mostra que tenham sido ponderadas circunstâncias que não o devessem ser ou deixado de ponderar outras que o devessem ser.

Vejamos.

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.

Estamos perante a violação de um bem jurídico de grande importância na vida em sociedade, a saúde públicas, fundamental e suporte que alicerça a vida em sociedade, que aqui se materializa, em concreto, em factos com elevado grau de ilicitude, ponderando a forma de actuação - em co-autoria - através do transporte, organizado, por via terrestre desde Espanha para Beja, de uma dimensão não desprezível.

Atente-se no facto de muitas das vezes se fazer deslocar acompanhado de um veículo com batedores, para avisar da presença de autoridades policiais.

Atente-se no facto de em cerca de 9 meses ter efectuado 16 viagens, trazendo sacos ou mochilas com produto estupefaciente.

Atente-se no facto de na última ter adquirido 409 placas de canábis (resina), com um peso total de 40.043,850 gramas, com um grau de pureza de 27,5% e equivalente a 220.241 (duzentas e vinte mil, duzentas e quarenta e uma) doses.

Atente-se no facto de no mesmo dia ter consigo a quantia de 580,00 € em notas emitidas pelo Banco Central Europeu e em casa ter sido encontrado um rádio comunicador, uma balança digital, duas máquinas para clonar cartões, dois telemóveis e 1.290,00 € em notas emitidas pelo Banco Central Europeu.

Atente-se no facto de que com o produto da venda do produto estupefaciente, por determinação do arguido e da companheira e com dinheiro na disponibilidade destes, AA2 adquiriu em 17/06/2021, o veículo automóvel, da marca Porsche, modelo Panamera, com a matrícula V9, o qual se encontrava na disponibilidade e era utilizado pelo arguido e companheira.

É certo, como refere o arguido, estamos perante cannabis - e não perante heroína ou cocaína, acrescentamos nós. Estes produtos constantes das tabelas A e B e o cannabis da tabela C anexa ao Decreto Lei 15/93.

Como é certo que apenas numa situação se apurou a quantidade de haxixe adquirida - 40 kgs.

E daqui defende o arguido que na falta de alegação, de prova sobre o tipo de droga e das quantidades traficadas em todas e cada transação … há que presumir sempre o mínimo em cada uma delas, assim como o tipo de droga mais leve - é o que resulta do elementar princípio processual in dubio pro reo.

A este propósito – numa situação em que o arguido vinha acusado pela prática do crime do artigo 21.º do Decreto Lei 15/93 e veio a ser condenado pelo crime do artigo 25.º do mesmo diploma legal – já este Supremo Tribunal decidiu no acórdão de 18.2.2016, processo 35/14.6GAAMT, consultado, nesta data, no site da dgsi, que, “a imputação genérica de uma actividade de venda de quantidade não determinada de droga e a indefinição sequente nunca poderão ser valoradas num sentido não compreendido pelo objecto do processo, mas apenas dentro dos limites da acusação, e em relação á matéria em relação á qual existiu a possibilidade de exercício do contraditório... Se a determinação da quantidade e qualidade da droga é essencial para a determinação do tipo legal a dúvida sobre tal quantidade e, nomeadamente, sobre as que relevam em termos jurisprudenciais para a transposição dos dois tipos legais em apreço, tem de ser equacionada de acordo com o princípio “in dubio pro reo”.

Naturalmente, acrescentamos nós.

III. Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA1, assim se confirmando a decisão recorrida no segmento impugnado.

Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 5 UC,s, artigos 513.º/1 e 514.º/1 CPP e 8.º/9 e Tab. III RCP.

Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e, assinado eletronicamente por si e pelos Srs. Juízes Conselheiros adjuntos, nos termos do artigo 94.º/2 e 3 CPPenal.

Supremo Tribunal de Justiça, 2025SET25

Ernesto Nascimento - Relator

Jorge Gonçalves - 1.º Adjunto

Jorge dos Reis Bravo – 2.º adjunto