ADMISSIBILIDADE
RECURSO DE REVISTA
REJEIÇÃO
RECURSO DE APELAÇÃO
RECLAMAÇÃO
INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário


I - A nulidade substancial ou de conteúdo da decisão por falta de fundamentação só se verifica no caso de falta absoluta, completa, de motivação, a insuficiência ou mediocridade da fundamentação ou motivação é espécie diferente: afecta o valor persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.
II - O acórdão da conferência da Relação que julgue improcedente a reclamação deduzida contra o despacho do relator que, por sua vez, confirme a decisão de rejeição do recurso de apelação da 1.ª instância, não é passível de recurso de revista, a não ser nos casos em que o recurso, em atenção a um fundamento específico, é sempre admissível (art. 629.º, n.º 2, do CPC).

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório.

AA propôs, por apenso ao processo de inventário que corre termos no Juízo Local Cível de Vila Real, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, contra BB, acção declarativa, pedindo se declare a nulidade, ou a anulabilidade, por erro vício, de várias cláusulas da transacção concluída no incidente de reclamação contra a relação de bens, e a suspensão do processo de inventário.

Sobre a petição inicial da acção, recaiu, no dia de 18 de Novembro de 2024, despacho com o conteúdo seguinte:

No âmbito dos presentes autos, a Autora pede a nulidade das cláusulas 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da transacção alcançada no incidente de reclamação à relação de bens, a qual foi homologada por sentença.

Alega ainda que se trata de uma acção declarativa que corre termos por apenso. Cumpre, pois, apreciar.

Dispõe o artigo 291.º do Código de Processo Civil que «1- A confissão, a desistência e a transacção podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros actos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no nº 2 do artigo 359.º do Código Civil. 2- O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transacção não obsta a que se intente a acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação. ( )».

No caso sub iudice, a transacção em crise foi homologada por sentença datada de 19-01-2023, pelo que tem aplicação o disposto no n.º 2 do normativo acabado de citar.

Assim sendo, querendo alegar vício gerador de nulidade ou anulabilidade da sentença homologatória, a Autora poderia optar por uma de duas vias: intentar uma acção declarativa autónoma ou formular um recurso de revisão.

Como esclarecem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 4ª edição, Almedina, 2018, página 590) «Estando a acção ainda pendente (o que não é o caso, pois a sentença homologatória findou o incidente de reclamação à relação de bens), compadece-se com o regime da nulidade a sua invocação no processo perante o juiz da causa se este ainda não tiver homologado o acto da parte ou em recurso da sentença homologatória. Mas, em caso de anulabilidade, o direito potestativo de anulação só pode ser feito valer através de acção judicial.»

Por seu turno, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, página 337) escrevem que «perante uma decisão homologatória de confissão, desistência ou transacção é legítimo, desde logo, reagir através de interposição de recurso, embora este expediente esteja reservado para a parte vencida ou para as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão. Transitada em julgado a sentença homologatória, é legítimo aceder ao recurso extraordinário de revisão, invocando o vício gerador da nulidade ou da anulabilidade. Fica ainda salvaguardada a instauração de acção autónoma em que os vícios geradores da invalidade sejam alegados».

Tendo a Autora optado pela primeira via e considerando que a transacção impugnada já foi homologada por sentença, entendemos que inexiste fundamento legal apara que a acção corra por apenso.

Ante o exposto, determino que remeta os presentes autos à distribuição como acção comum.

Sem custas, atenta a manifesta simplicidade do incidente.

O autor interpôs deste despacho recurso ordinário de apelação que, porém, por despacho da Sra. Juíza de Direito, com fundamento em que o despacho que mandou remeter os autos à distribuição é de mero expediente, e como tal insusceptível de recurso, nem se integra em nenhuma das previsões normativas contidas nos artigos 629.º e 644.º do CPC, não foi admitido.

O autor impugnou este despacho através de reclamação para o Tribunal da Relação de Guimarães, reclamação que, logo por despacho do Sr. Juiz Desembargador Relator foi julgada improcedente, decisão da qual o recorrente reclamou para a conferência. Esta, porém, por acórdão proferido no dia 20 de Abril de 2024, com fundamento em que o despacho atacado é um despacho de mero expediente, julgou a reclamação improcedente e manteve o despacho que não admitiu o recurso.

O recorrente interpôs deste acórdão recurso ordinário de revista – no qual pede a sua revogação – tendo rematado a sua alegação com as conclusões seguintes:

i. O recorrente não se conforma com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães-ref. citius: ......94 de 30-04-2025-, por omissão de pronúncia e fundamentação sobre a matéria supra em MOTIVAÇÃO em A-, 1) e 2) e em relação ao vertido supra em A- 3) e B-, veio anuir ao entendimento de que foi proferido despacho de expediente, ocorrendo a violação das normas jurídicas 291.º, n.º 2 e 267.º, todas do CPC, e/ou outro sentido com que as normas supra que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e/ou ocorreu erro na determinação das normas aplicáveis, porque deveriam ter sido aplicadas as normas 291.º, n.º 2 e 267.º, todas do CPC, nos termos do art.º 639.º, n.º 2, alínea c), do CPC.

ii. Da factualidade relevante para esta sede, temos que foi homologada por sentença no Tribunal de 1.ª Instância, uma transacção “inter partes”, mas o A. entendeu que determinadas cláusulas ali consignadas padecem de nulidade, pelo que foi interposta a acção prevista no artigo 291.º do CPC, já que a mesma visa este objecto (nulidade parcial) e a lei previne a garantia de acesso aos tribunais, de acordo com o previsto no n.º 2 do art.º 2 do CPC.

iii. A qual deu entrada por apenso aos autos principais, por se entender reunir os requisitos previstos no artigo 267.º do CPC e à qual foi junto requerimento com a ref.ª .....98 de 13/11/2024.

iv. Foi proferida a decisão em crise com a Ref. Citius ......64, de 18-11-2024, a qual indeferiu a apensação e ordena a remessa dos autos aos Juízos Centrais Cíveis, da qual o recorrente veio interpor recurso.

v. Tendo sido rejeitado, veio apresentar reclamação nos termos do art. 643º CPC, tendo sido proferido despacho singular - ref Citius .....79-, que julgou a reclamação improcedente, mantendo a decisão reclamada.

vi. O reclamante, não se conformando com o teor da Decisão Singular proferida, pelos mesmos fundamentos invocados na reclamação, veio, ao abrigo do disposto no art. 652º,n.ºs 1 e 3 ex vi do art.º 656º do CPC, requerer que a reclamação e a decisão sejam submetidas a conferência, tendo sido proferido o Acórdão, do qual se recorre.

Como referido em supra i.,

vii. Desde logo, o Tribunal da Relação não aprecia, nem decide sobre o não cumprimento do contraditório pleno pelo Tribunal “ a quo”– art.ºs 195.º, 3.º, n.º 3 e 6.º, do CPC, e, num despacho que consista em decisão final de incidente que tenha a ver com a estrutura de uma causa e/ou vinculado– artigo 152.º, n.ºs 2 e 4, do CPC – e portanto, suscetível de ofender os direitos das partes.

viii. Estamos perante uma excepção dilatória que pode ser qualificada como inominada, a qual se verifica num despacho de natureza puramente processual, assumindo a natureza de despacho discricionário, mas há que assegurar a não oposição da parte, por via da notificação para efeitos de contraditório – art.º 3.º, n.º 3, 6.º e 547.º do CPC.

ix. O cumprimento de tal dever é especialmente exigido quando se trata de apreciar questões de conhecimento oficioso que não foram objeto de discussão, e antes de decidir, o juiz deve facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria, “o que poderá evitar decisões precipitadas ou, no mínimo, decisões que surjam contra acorrente do processo ou contra as expectativas que legitimamente foram criadas contra a sua evolução no sentido da prolação de uma decisão de mérito.” -ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E LUIS FILIPE PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil anotado, Vol.I, 2.ª Ed., Almedina, pag 22. Anotação 15.

X In casu, o recorrente foi confrontado com uma solução jurídica plasmada em decisão inesperada ou surpreendente, a qual não foi objeto de qualquer discussão – A este propósito V. Ac. STJ 15-3-18, 2057 /11, STJ 19-5 -16, 6473/03 e STJ 27-9-11, 2005/03 ; Ac. RC 12-9-17, 444/16 e ainda a fundamentação do AUJ n.º 13/96.

xi. A violação do princípio do contraditório constitui nulidade processual, prevista no n.º 1, do art. 195º, onde se consagra que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

xii. Em boa verdade, o Tribunal “a quo” e o Tribunal da Relação não conheceram esta questão, pelo que a decisão e/ou o Acórdão deve ser anulado, e consequentemente, dever-se-á dar cumprimento ao contraditório com a notificação do A., para querendo, pronunciar-se.

xiii. E tendo em consideração o disposto no artigo 608º, nº 2 do CPC, que se terá de aferir da nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do art. 615º, do CPC.

xiv. Acresce que, verifica-se a falta de pronúncia pelo Tribunal da Relação sobre a apensação e/ou a falta de fundamentação na decisão do Tribunal “ a quo”, é evidente – art.ºs 615º, nº 1, d), 1ª parte, 608º, n.º 2, 1.ª parte, e 615.º, n.º 1, b) e d) ex vi 154.º, CPC e 205.º, n.º 1 CRP, conforme se irá expedir as razões infra.

xv. Em bom rigor, NADA é mencionado sobre a questão a decidir, que é a seguinte: a admissibilidade da apensação desta acção à principal, pelo Tribunal “a quo” e o Tribunal da Relação não apreciou ou se pronunciou sobre esta questão.

xvi. A jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (cfr., entre outros, os acórdãos de 10/3/2022, no proc. n.º 1071/18.9t8tmr.e1.s1, da 2.ª s., de 24/2/2022, proc. n.º 3504/19.8t8lrs.l1.s1, da 2.ª s., e de 22/2/2022, proc. n.º 1276/16.7t8csc.l2.s1, da 4.ª s., cujos relatores são, respetivamente, os senhores CONSELHEIROS CATARINA SERRA, ROSA TCHING E JÚLIO GOMES, in www.dgsi.pt.), refere que não se torna indispensável que o tribunal conheça de todos os argumentos aduzidos pelas partes, sendo necessário que conheça as questões relevantes para a decisão de direito.

xvii. Por outro lado, para se determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a decisão na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão propriamente dita. (cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Ed., Almedina, pg. 764.)

xviii. Acresce que, verifica-se a violação das normas jurídicas 291.º, n.º 2 e 267.º do CPC, e/ou outro sentido com que as normas supra deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e/ou, ocorreu erro na determinação das normas aplicáveis, porque deveriam ter sido aplicadas os arts. 291.º, n.º 2 e 267.º, do CPC, porquanto,

xix. De acordo com o artigo 267.º, do CPC, podem ocorrer nos casos em sejam propostas separadamente ações que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio (32.º CPC), da coligação (36.º CPC), da oposição ou da reconvenção (333.º e 266.º CPC), pudessem ser reunidas num único processo, podendo ser ordenada a junção das ações, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação.

xx. Aliás, quando se trate de processos que pendam perante o mesmo juiz, pode este determinar, mesmo oficiosamente, ouvidas as partes, a apensação.

xxi. A ratio da apensação de ações é a economia da atividade processual e a uniformidade de julgamento que pode proporcionar a apreciação de processos diferente num só- Cfr. Ac. TRG, de 05-04-2018, Rel. Sandra Melo.

xxii. No caso concreto, foi requerido pelo recorrente e verifica-se a identidade das partes e o objecto do processo nesta acção visa o objecto do processo que corre termos no saltos principais, conforme explanado supra em“ factualidade”, a causa foi decidida naquele processo e pelo mesmo tribunal, atribuindo o valor da causa como sendo o da causa principal – V. Ac. RL, de 14.09.2023, Rel. Adeodato Brotas, ao qual aderimos, no ponto 1. do Sumário quando diz:“1-Embora a lei não o diga expressamente, afigura-se-nos que a acção de declaração de nulidade ou anulação da transacção, deve correr por apenso à acção em que foi proferida a sentença homologatória dessa transacção.” e depois, fundamenta na parte que interessa da seguinte forma:

“Este nosso entendimento decorre dos seguintes argumentos. Primeiro.O recurso excepcional de revisão que vise revogar a sentença, corre no tribunal que proferiu a sentença a rever, conforme decorre, expressamente, do artº 697º nº 1 do CPC. E percebe-se que assim seja: estes recursos comportam-se como verdadeiras acções com um duplo objectivo: o primeiro é o de verificar a existência de algum vício na decisão transitada ou no processo a ela conducente (juízo rescindente); o segundo é o de substituir a decisão proferida através da repetição da instrução e julgamento da acção (juízo rescisório). Portanto, o tribunal que está em melhores condições para realizar o juízo rescindente e o juízo rescisório é aquele que proferiu a sentença a rever. Segundo: Trata-se competência por conexão entre causas, baseada na conveniência do tratamento das diferentes causas pelo mesmo tribunal. A razão de ser que manda que o recurso excepcional de revista corra no tribunal que proferiu a decisão a rever é igualmente válida para a acção de nulidade ou anulação de transacção, dado que, materialmente, têm os mesmos objectivos práticos: “desfazer” o trânsito em julgado a sentença impugnanda.” (NEGRITO NOSSO). No mesmo sentido, VAZ SERRA (DIREITOPROBATÓRIOMATERIAL, BMJ111, PÁG.40): “Aimpugnação deveser feita no processo onde a confissão teve lugar …” e No mesmo sentido, parece ir oAc STJ, DE 08/01/2019 (ANAPAULABOULAROT) www.dgsi.pt).”

xxiii. Esta factualidade e consequente qualificação jurídica não foi considerada no referido despacho e Acórdão da Relação, faltando a fundamentação que deve ser talhada pelo seu conteúdo substancial para garantir a boa e justa decisão.

xxiv. Deve ser anulada a decisão do Tribunal “a quo”, mediante apreciação do Tribunal da Relação e proferida nova decisão, de acordo com as normas legais, com o deferimento da apensação da presente acção a este Tribunal e processo que corre nos autos principais.

Verifica-se ainda,

xxv. A omissão de pronúncia do Despacho reclamado - ref.ª citius ......53, de 09-12-2024, porque não se pronunciou sobre duas questões (nulidades) invocadas, da violação do contraditório invocada pelo recorrente – art.ºs 3.º, n.º 3, e o art.º 6.º do CPC - que constitui nulidade processual, prevista no nº1, do art. 195º do CPC, e, a nulidade da falta de pronúncia sobre a apensação e/ou a falta de fundamentação na decisão do Tribunal “ a quo” sobre a questão a decidir, que é a seguinte : A admissibilidade da apensação desta acção à principal.

xxvi. E torna-se indispensável que o tribunal conheça das questões relevantes para a decisão de direito.

Ainda assim,

xxvii. A qualificação da decisão final que tem a ver com a estrutura de uma causa e/ou vinculado– artigo 152.º, n.ºs 2 e 4, do CPC – e portanto, suscetível de ofender os direitos das partes, nunca poderia ser qualificável como sendo de EXPEDIENTE, e, a factualidade a considerar e consequente qualificação jurídica não foi considerada no referido despacho do Tribunal de 1.ª Instância, faltando a fundamentação que deve ser talhada pelo seu conteúdo substancial para garantir a boa e justa decisão.

xxviii. O Tribunal de 1.ª Instancia na decisão faz constar que “cumpre decidir”, fundamenta com as normas legais e no dispositivo, decide “indeferir” e o Despacho de mero expediente é aquele que se destina a prover ao andamento regular do processo 6sem interferir no conflito de interesses entre as partes (n.º 4 do art.º 156º do Código Processo Civil) ou, no corrente entendimento jurisprudencial, aquele que, proferido pelo juiz, não decide qualquer questão de forma ou de fundo, e se destina principalmente a regular o andamento do processo.

xxix. O despacho de mero expediente tem uma finalidade-prover ao andamento regular do processo - e um pressuposto - sem interferir no conflito de interesses entre as partes, mas apenas visa a atuação procedimental que encontra correspondência na regra processualmente prescrita, “…daí se afastando, por exemplo, os despachos que não encontrem cobertura em tal tramitação ou que de algum modo possa interferir no resultado da lide.” (cfr. ANTÓNIO SANTOSABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, cit., página 94), e veja-se que neste caso interfere.

xxx. Será de admitir a recorribilidade de tais despachos se tal se fundar no facto de o despacho admitir atos ou termos que a lei não prevê, sendo previstos, se forem praticados com um condicionalismo diferente do legalmente previsto, o despacho recorrido e em crise, a pretexto de dar andamento ao processo, o faz de forma não regular e não pode preencher tal conceito de despacho de expediente, mas estamos perante uma decisão sobre uma matéria de direito controvertida o sobre uma questão colocada em dúvida suscitada no processo e ainda que possamos entender o fundamento ali expedido, a necessidade de fundamentar aquela decisão retira a qualificação de despacho de expediente e assume a qualificação como decisão/sentença – arts. 152.º e 154.º do CPC.

xxxi. Face a isto, entendemos que o Acórdão do Tribunal da Relação, deve ser REVOGADA porque padece de nulidade da decisão, por omissão de pronúncia e fundamentação- arts. 615º, nº 1, d), 1ª parte, e 608º, n.º 2, 1.ª parte, e art.ºs 615º, nº 1, d), 1ª parte, e 608º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC e 615.º, n.º 1, b) e d) ex vi 154.º, CPC e 205.º, n.º 1 CRP do CPC, e,

xxxii. a violação das normas jurídicas 291.º, n.º 2 e 267.º, todas do CPC, nos termos do art.º 639.º, n.º 2, al. a) do CPC, e/ou outro sentido com que as normas supra que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, nos termos do art.º 639.º, n.º 2, alínea b) do CPC, e/ou ocorreu erro na determinação das normas aplicáveis, porque deveriam ter sido aplicadas as normas 291.º, n.º 2 e 267.º, todas do CPC, nos termos do art.º 639.º, n.º 2, alínea c), do CPC

Sobre o requerimento de interposição do recurso de revista, recaiu o despacho do Sr. Juiz Desembargador Relator seguinte:

AA, recorrente nos autos, notificado do Acórdão desta Relação que confirmou a decisão singular do Relator de confirmar a decisão da primeira instância que não admitiu o recurso de apelação, veio pretender interpor RECURSO DE REVISTA, nos termos do art. 671º,4 CPC).

Porém, tal acórdão não admite recurso de revista, e bem se compreende porquê: a intenção de apresentar recurso de apelação da decisão interlocutória da primeira instância foi, num primeiro passo, apreciada pela própria primeira instância, que entendeu tal recurso inadmissível.

Essa decisão que não admitiu o recurso de apelação (que incidia sobre uma decisão interlocutória que se prende com a tramitação dos autos, não concedendo ou retirando qualquer direito às partes) foi depois impugnada, num segundo passo, pela via da reclamação (art. 643º CPC).

Que confirmou a decisão de não admissão do recurso.

Depois, num terceiro passo, o recorrente suscitou a intervenção da conferência (art. 652º,3 CPC), da qual saiu acórdão que manteve a não admissibilidade do recurso de apelação.

Permitir agora ainda um quarto passo de impugnar tal decisão, que é uma decisão, recordemos, sobre se a acção corre por apenso a outra ou não, remetendo a questão ao STJ, seria um desperdício de tempo e recursos humanos.

Entendemos que o art. 671º CPC não permite recurso de revista na situação descrita.

E por isso aderimos por completo à interpretação da lei feita por Abrantes Geraldes, quando escreve: “já o Acórdão da Relação proferido em conferência que confirme o despacho de não admissão do recurso de apelação não admite, em regra, recurso de revista, a não ser nos casos previstos nos artigos 629º,2 e 671º,2”.

E o recorrente não invoca, para a admissibilidade do recurso de revista, nenhuma das situações previstas nessas duas normas.

Pelo exposto, não admito o recurso de revista.

É este despacho que o recorrente impugna através de reclamação, no qual pede a sua revogação e a admissão do recurso de revista rejeitado.

Os fundamentos da reclamação são os seguintes:

1- Em súmula, na Douta decisão ora reclamada, foi expedida a seguinte factualidade:

a) o recurso de apelação da decisão interlocutória da primeira instância foi, num primeiro passo, apreciada pela própria primeira instância, que entendeu tal recurso inadmissível, foi depois impugnada, num segundo passo, pela via da reclamação(art.643º CPC), a qual confirmou a decisão de não admissão do recurso.

b) Foi suscitada a intervenção da conferência (art. 652º,3 CPC), da qual saiu acórdão que manteve a não admissibilidade do recurso de apelação.

2- Depois, foi fundamentada a decisão da seguinte forma: “Permitir agora ainda um quarto passo de impugnar tal decisão, que é uma decisão, recordemos, sobre se a acção corre por apenso a outra ou não, remetendo a questão ao STJ, seria um desperdício de tempo e recursos humanos.

Entendemos que o art. 671º CPC não permite recurso de revista na situação descrita.” (negrito nosso)

3- E conclui, dizendo que: ”…por isso aderimos por completo à interpretação da lei feita por Abrantes Geraldes, quando escreve: “já o Acórdão da Relação proferido em conferência que confirme o despacho de não admissão do recurso de apelação não admite, em regra, recurso de revista, a não ser nos casos previstos nos artigos 629º,2 e 671º,2,. E o recorrente não invoca, para a admissibilidade do recurso de revista, nenhuma das situações previstas nessas duas normas.

Ora, é patente a falta de fundamentação e/ou a fundamentação interpreta ou aplica erroneamente a lei, como veremos;

4 - O Tribunal da Relação na Decisão Singular ao proferir a decisão de indeferimento do recurso utilizou argumentos filosóficos, para apresentar uma série de razões ou evidências que sustentam uma determinada afirmação ou conclusão.

5 - As Decisões /Acórdãos como atos jurisdicionais, devem ser fundamentados (cfr.o n.º 1 do artigo 154.º do CPC).

6 - Cumpre então ao juiz apreciar as questões jurídicas ainda carecidas de resolução, obedecendo à ordem lógica que concretamente se revelar mais eficiente. A não ser que a apreciação de alguma questão esteja prejudicada pela resposta dada a outra o juiz deverá conhecer de todas as questões, evitando a nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 615º, nº 1, al. d), 1ª parte.

7- Relativamente a todas as questões jurídicas deve o juiz ponderar que a sua função essencial é a de identificar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que se ajustem ao caso concreto, evitando que se transforme num mero repositório de considerações jurídicas irrelevantes para o caso concreto.

8 - Devendo evitar na excessiva transposição de opiniões alheias, não encontrando qualquer justificação esta dependência argumentativa num sistema, como o nosso, que naturalmente reconhece ao juiz autoridade para identificar, interpretar e aplicar a lei ao caso concreto.

9 - Em boa verdade, a decisão é totalmente omissa na fundamentação legal e enquadramento nas normas jurídicas.

10-Apenas indica que o art.º 671.º do CPC não permite o recurso de revista e nada mais.

Ainda assim, acresce que:

11- De acordo com o referido n.º 4º do artigo 671.º do CPC, se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1 desse artigo, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão.

12- E de acordo com o n.º1, daquela norma: “ Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.”, o que não se verifica no caso concreto.

13-Portanto, importa a análise do artigo 673.º do CPC que diz que:” Os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação apenas podem ser impugnados no recurso de revista que venha a ser interposto nos termos do n.º 1 do artigo 671.º, com exceção: a) Dos acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil; b) Dos demais casos expressamente previstos na lei.”

14-Aliás, a não colocação do n.º 4 do artigo 671.º do CPC na sede própria do artigo 673.º constitui, conforme refere RUI PINTO in Código de Processo Civil, Anotado, Vol. II, Almedina, in pag 388, “má técnica legislativa”, e ainda concretizando que “A contrário, a acessoriedade da impugnação das decisões interlocutórias dita que se não houver ou não for admissível revista das decisões previstas no n.º 1 do artigo 671.º as mesmas não podem ser impugnadas em revista. No entanto, a lei prevê no n.º 4 do artigo 671.º uma salvaguarda, semelhante à que vigora em sede de recurso de apelação, no n.º 4 do artigo 644.º. Efectivamente, da não admissão de revista de decisão interlocutória da Relação por ausência de recurso da decisão final, continuam a ser ressalvados os acórdãos que tenham interesse para o recorrente independentemente dessa decisão final, graças ao n.º 4 do artigo 671.º, (…).”

15- E neste sentido, vejamos o que refere ANTÓNIO S ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E LUIS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina pág.. 841 em anotação ao artigo 673.º do CPC, que em sentido CONTRARIO ao referido na Decisão sobre este autor, refere o seguinte:” A regra aplicável aos acórdãos proferidos na pendência do recurso na Relação é a da irrecorribilidade autónoma, com duas excepções: acórdãos cuja impugnação diferida seria absolutamente inútil e nos demais casos expressamente previstos na lei, maxime quando seja invocada alguma das situações acauteladas pelo artigo 629.º n.º 2.”

16- Discordamos ainda com o vertido sobre a inutilidade da impugnação, por apenas considerar por si só a mesma.

17-O INTERESSE da impugnação deve ser aferido em função do INTERESSE PARAO RECORRENTE e NÃO O INTERESSE DO ESTADO.

18- Decorre da interpretação literal da norma e se atentarmos à finalidade e interpretação teleológica dali decorre a criação desta excepção à regra.

19- Não podemos subverter a previsão legal.

Ainda assim,

20-Considera-se que não pode ser motivo aceitável e bastante para esgotar esta finalidade atribuída à utilidade desta instância e impedir o recurso e reconhecimento de um direito pelo recorrente.

21-Acresce que, atente-se sempre ao vertido no artigo 5.º, n.º 3 do CPC, pelo qual o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito ( a não invocação de normas não corresponde a não ter peticionado ou resultar da pretensão).

Portanto,

22- Distinto será a FALTA de pedido e causa de pedir bastante e o pedido e causa de pedir devidamente deduzida mas com QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DIVERSA do entendimento do Tribunal.

23-Desta forma, entendemos que o recurso de Revista interposto é legalmente admissível nos termos do artigo 671.º, n.º 4 do CPC, o qual deve ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Não foi oferecida resposta.

Neste Tribunal Supremo, o relator, por despacho proferido no dia 2 de Setembro de 2025, negou provimento à reclamação, tendo adiantado, para justificar o indeferimento, a motivação seguinte:

2. Delimitação do âmbito objetivo da reclamação e enunciação das questões concretas controversas que devem ser resolvidas.

São duas as questões concretas controversas que importa decidir. A saber:

- Se a decisão reclamada se encontra ferida com o desvalor da nulidade, por um vício de substância ou conteúdo: a falta de fundamentação;

- Se a decisão que indeferiu in limine o requerimento de interposição do recurso ordinário de revista deve ou não se revogada e logo substituída por outra que o admita.

3. Fundamentos.

3.1. Fundamentos de facto.

Os factos, puramente procedimentais, que relevam para a resolução dos problemas enunciados, relativos aos fundamentos da revista rejeitada, ao conteúdo do despacho reclamado e aos fundamentos da reclamação, são os que, em síntese estreita, o relatório documenta.

3.2. Fundamentos de direito.

3.2.1. Nulidade substancial ou de conteúdo da decisão reclamada.

Como é, aliás, inexplicável e extraordinariamente comum, o primeiro fundamento da reclamação é constituído pela desvalor da nulidade, por falta de fundamentação, da decisão reclamada. É verdade que o reclamante não qualificou como tal a patologia processual que invocou. Mas não se julga necessário que o fizesse. Não pode razoavelmente atribuir-se ao legislador o pensamento de impor à arguição de nulidade uma fórmula sacramental e imprescindível: o que importava e importa é a substância e não a forma. Por outras palavras, o que se torna necessário é que a parte exprima a vontade de reagir contra certa infracção processual, contanto que seja suficiente para manifestar a vontade de protestar contra determinada nulidade, i.e., contra determinada infracção que se cometeu. Portanto, quando se assaca a uma decisão judicial uma falta de fundamentação, outra coisa não se faz que arguir a nulidade substancial ou de conteúdo, por essa causa, dessa mesma decisão (art.º 615.º, n.º 1, b), do CPC). Mas a arguição é exasperadamente infundada.

A falta de motivação ou fundamentação da decisão verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um qualquer pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão (art.º 615.º, n.º 1, b), do CPC). A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais, embora se deva notar que apenas a ausência absoluta de qualquer motivação – e não a fundamentação, avara, insuficiente ou deficiente - conduz à nulidade da decisão. Realmente, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta, completa, de motivação; a insuficiência ou mediocridade da fundamentação é espécie diferente: afecta o valor persuasivo da decisão – mas não produz nulidade1 (art.ºs 208.º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e 154.º, n.º 1, do CPC).

Uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do seu bom fundamento. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes. A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade, sendo exigida para controlar a coerência interna e a correção externa dessa mesma decisão. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.

Ora, no caso, é ostensivamente evidente que a decisão reclamada elucida ou esclarece as partes, com a completude exigível, a respeito dos motivos da sua decisão, dos fundamentos ou das razões em que apoiou a decisão, nele contida, de rejeitar liminarmente o recurso de revista interposto do acórdão que, confirmando a decisão singular do Sr. Juiz Desembargador Relator, concluiu pela inadmissibilidade do recurso de apelação interposto pelo recorrente.

De falta de fundamentação é, portanto, coisa de que, em boa verdade e em boa fé, se não pode falar.

3.2.2. Inadmissibilidade do recurso de revista indeferido in limine.

O recorrente pode reclamar contra o despacho que não admita o recurso de apelação para o Tribunal da Relação que seria competente para dele conhecer, no prazo de 10 dias, contados na notificação da decisão de não admissão (art.º 643.º, n.º 1, do CPC). No Tribunal da Relação o relator profere decisão que admita a apelação ou que mantenha o despacho reclamado (art.º 643.º, n.º 4, do CPC). Caso a decisão de rejeição do recurso seja mantida, o recorrente pode requerer que sobre a matéria recaia um acórdão da conferência (art.º 643.º, n.º 4, in fine, do CPC). Este acórdão da conferência não é, porém, impugnável por via do recurso ordinário de revista, excepto nos casos em que o recurso é sempre admissível (art.º 629.º, n.º 2, do CPC).

Realmente, este Tribunal Supremo tem, consistente e reiteradamente, concluído que do acórdão da conferência da Relação que julgue improcedente a reclamação deduzida contra o despacho do relator que, por sua vez, confirme a decisão de rejeição do recurso de apelação da 1.ª instância, não é passível de recurso de revista, a não ser nos casos em que o recurso, em atenção a um fundamento específico, é sempre admissível (art.º 629.º, n.º 2, do CPC)2.

Desde logo, porque a revista, em geral, só é admissível no tocante a acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos e, patentemente, o acórdão da conferência da Relação que confirme a decisão do relator que mantenha a decisão de rejeição do recurso de apelação da 1.ª instância, não constitui um acórdão que, em recurso de apelação, tenha conhecido do mérito da causa, no todo ou em parte, ou que tenha posto termo ao processo, também no todo ou em parte, através de uma absolvição da instância (art.º 671.º, n.º 1, do CPC).

Depois, porque apesar do artigo 652.º, n.º 5, b), do Código de Processo Civil, prever que os acórdãos da Relação proferidos em conferência, possam ser objeto de recurso, nos termos gerais, o acórdão daquela conferência que, especificamente, indefira a reclamação do despacho do juiz da 1.ª instância que rejeitou o recurso de apelação, não é suscetível de recurso de revista, uma vez que tal possibilidade não se encontra prevista na tramitação especial deste tipo de reclamação que prevê como última ou derradeira instância a intervenção da conferência, estando, assim, completamente afastada a possibilidade de recurso de revista, salvo nos casos excecionais acima referidos. Efectivamente, a remissão da norma reguladora da reclamação contra a decisão de rejeição do recurso – que visou dissipar dúvidas colocadas no domínio do regime imediatamente anterior - sobre a admissibilidade dessa reclamação é feita, apenas para o n.º 3 do art.º 652.º que prevê a impugnação das decisões do relator através de impugnação para a conferência, e não também para o n.º 5, alínea b), daquele preceito na qual se prevê que do acórdão da conferência cabe, nos termos gerais, recurso de revista.

No caso, como linearmente decorre das conclusões com a que recorrente rematou a sua alegação da revista rejeitada, esta não assenta em qualquer dos fundamentos de harmonia com os quais o recurso é sempre admissível, sendo certo que o ónus de indicação do fundamento específico da recorribilidade deve ser cumprido – de modo concludente - em todos os casos em que o recorrente pretenda que o recurso seja admitido ao abrigo de uma norma excepcional – v.g., do art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (art.º 637.º, n.º 2, do CPC).

Importa, assim, reiterar a – consistente - orientação deste Tribunal Supremo apontada – que torna infundadas todas as alegações contrárias do reclamante - e da qual decorre, como corolário que não pode ser recusado, a correcção do despacho reclamado e, correspondentemente, a improcedência da reclamação (...).

O reclamante requereu que sobre deste despacho recaísse acórdão dando provimento à sua pretensão.

Os fundamentos da reclamação, expostos no respectivo requerimento, são os seguintes:

1- Em súmula, na Douta Decisão Singular e proferida no TRGuimarães reclamada, foi expedida a seguinte factualidade:

a) o recurso de apelação da decisão interlocutória da primeira instância foi, num primeiro passo, apreciada pela própria primeira instância, que entendeu tal recurso inadmissível, foi depois impugnada, num segundo passo, pela via da reclamação (art. 643º CPC), a qual confirmou a decisão de não admissão do recurso.

b) Foi suscitada a intervenção da conferência (art. 652º,3 CPC), da qual saiu acórdão que manteve a não admissibilidade do recurso de apelação.

2- Depois, foi fundamentada a decisão da seguinte forma:

“Permitir agora ainda um quarto passo de impugnar tal decisão, que é uma decisão, recordemos, sobre se a acção corre por apenso a outra ou não, remetendo a questão ao STJ, seria um desperdício de tempo e recursos humanos. Entendemos que o art. 671º CPC não permite recurso de revista na situação descrita.” (negrito nosso)

3- E conclui, dizendo que: ”…por isso aderimos por completo à interpretação da lei feita por Abrantes Geraldes, quando escreve: “já o Acórdão da Relação proferido em conferência que confirme o despacho de não admissão do recurso de apelação não admite, em regra, recurso de revista, a não ser nos casos previstos nos artigos 629º,2 e 671º,2,. E o recorrente não invoca, para a admissibilidade do recurso de revista, nenhuma das situações previstas nessas duas normas.

4- Da Decisão Singular ora proferida pelo Meritíssimo Juiz Conselheiro deste Tribunal, resultou a análise de duas questões:

- a. a nulidade substancial ou de conteúdo da decisão reclamada e

- b. a inadmissibilidade do recurso de revista indeferido in limine e com base no que ali foi expedido, foi negado a final o provimento à reclamação.

5- Nesta sede, reafirma-se o já invocado na reclamação apresentada e face à análise e ao vertido nesta Decisão, sempre se dirá:

6- No tocante à questão supra em 4- da questão a., temos o seguinte:

7- Invocamos a falta de fundamentação e/ou com base na fundamentação a decisão reclamada interpretou ou aplicou erroneamente porque: apresentou “argumentos filosóficos, para apresentar uma série de razões ou evidências que sustentam uma determinada afirmação ou conclusão.”, sendo a decisão é totalmente omissa na fundamentação legal e enquadramento nas normas jurídicas, violando designadamente as normas previstas no n.º 1 do artigo 154.º e 615º, nº 1, al. d), 1ª parte do CPC.

8- Esta Decisão veio analisar esta questão da seguinte forma, e que ora se transcreve em parte: “A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais, embora se deva notar que apenas a ausência absoluta de qualquer motivação – e não a fundamentação, avara, insuficiente ou deficiente - conduz à nulidade da decisão. Realmente, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta, completa, de motivação; a insuficiência ou mediocridade da

fundamentação é espécie diferente: (…)” e faz uma distinção de fundamentação e motivação.

9- Com o devido respeito, há que considerar que a lei processual civil,1 no tocante a Decisões/ Sentenças utiliza sempre a palavra “fundamentação” ( Cfr. arts 154.º, 607.º, n.ºs 3 e 4 e 615.º, n.º 1 b) do CPC) e define os requisitos para esse efeito, como sendo uma condição sine qua non uma sentença não possa ser proferida.

10- Aliás, tal obrigatoriedade é uma garantia que resulta igualmente dos arts 6.º da CEDH, 10.º da DUDH e 205.º da CRP.

11- Também é utilizado o termo “motivação”, mas a propósito da justificação ou ilações tiradas para concluir da fundamentação de facto ou direito, por ex. na análise critica da prova produzida (se estivermos perante matéria de facto a analisar com base na prova produzida).

In casu

12- Nem sequer tal se verificou, i.e., a fundamentação.

13- Aliás, do que foi invocado não é possível atribuir outra qualificação.

14- Uma decisão NÃO elucida ou esclarece as partes quando consta do dispositivo que rejeita liminarmente o recurso e na parte da fundamentação nem sequer faz constar as premissas que compõem os silogismos foram expostas e o próprio silogismo.

Acresce que,

15- E o vertido no art.º 615.º, n.º 1 b) abrange também a INSUFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO.

1 Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho que aprovou o Código de Processo Civil (com as respectivas

actualizações)

16- No tocante à questão supra em 4- da questão b., mantemos o expedido: De acordo com o referido nos n.ºs 1 e 4º do artigo 671.º e 673.º do CPC, o interesse da impugnação deve ser aferido em função do INTERESSE PARA O RECORRENTE.

O relator determinou que o processo fosse levado à conferência para se decidir a reclamação.

2. Enunciação das questões concretas controversas.

São duas as questões concretas controversas colocadas à atenção da conferência:

- A de saber se a decisão reclamada se encontra ferida com o desvalor da nulidade substancial por falta de fundamentação:

- A de saber se a decisão do relator que negou provimento à reclamação que deduziu contra o despacho do Juiz Relator da Relação de Guimarães que não admitiu o recurso de revista que interpôs do acórdão que julgou improcedente a reclamação que formulou contra o despacho do mesmo Relator que negou provimento à reclamação que apresentou contra o despacho da Sra. Juíza de Direito que lhe rejeitou o recurso de apelação que interpôs de decisão daquela Magistrada, deve ou não ser revogado e logo substituído por acórdão que admita aquele recurso ordinário.

Dado que a reclamação visa, por definição, substituir a opinião singular do relator pela decisão colectiva do tribunal, dada a sua colegialidade, a resolução das questões enunciadas vincula, naturalmente, de um aspecto, ao exame da causa de nulidade substancial da decisão assente na falta de fundamentação, e à aferição da correcção do despacho reclamado no segmento em que concluiu pela inadmissibilidade do recurso de revista rejeitado.

3. Fundamentos.

3.1. Fundamentos de facto.

Os factos, puramente procedimentais, relevantes para a decisão da reclamação, relativos aos fundamentos do recurso de revista rejeitado e ao conteúdo do despacho de rejeição, aos fundamentos da reclamação e ao conteúdo do decisão reclamada são os que o relatório documenta.

3.2. Fundamentos de direito.

A arguição da nulidade por falta de fundamentação da decisão reclamada é exasperadamente infundada: aquela decisão contém e especifica, com a completude exigível, tanto os fundamentos de facto, como os de direito que a justificam, dando a conhecer, por inteiro, as razões determinantes da improcedência da reclamação. Aquela decisão contém, pois, no tocante à fundamentação, tudo o que devia conter.

De outro aspecto, sempre que considere que a decisão singular do relator reclamada é correcta, que as razões que aduziu para justificar a sua decisão são convincentes e sensatas e que não se justifica dizer mais nem melhor, nem o esforço, inglório e deprimente, de repisar e repetir aquilo que o relator escreveu, à conferência é lícito limitar-se, simplesmente, a manifestar a sua adesão ao que foi escrito pelo relator. Realmente, quando a considere exacta, não se vê vantagem alguma em forçar a conferência a repetir a motivação adiantada pelo relator para justificar a sua decisão, em vez de, simplesmente, dar a sua adesão ou exprimir a sua concordância.

As proposições fundamentais - que correspondem a uma orientação consistente deste Tribunal Supremo - de que o relator extraiu a conclusão da improcedência da reclamação deduzida pelo recorrente contra a decisão de rejeição do recurso de revista são, em síntese apertada, as seguintes:

- a nulidade substancial ou de conteúdo da decisão por falta de fundamentação só se verifica no caso de falta absoluta, completa, de motivação; a insuficiência ou mediocridade da fundamentação ou motivação é espécie diferente: afecta o valor persuasivo da decisão – mas não produz nulidade;

- o acórdão da conferência da Relação que julgue improcedente a reclamação deduzida contra o despacho do relator que, por sua vez, confirme a decisão de rejeição do recurso de apelação da 1.ª instância, não é passível de recurso de revista, a não ser nos casos em que o recurso, em atenção a um fundamento específico, é sempre admissível (art.º 629.º, n.º 2, do CPC).

As razões deduzidas pelo reclamante contra estas duas proposições para inculcar a sua incorrecção não são procedentes, pelo que uma e outra se consideram exactas. E, em face dessa exactidão, o conclusum tirado pelo relator, de improcedência da reclamação deduzida pelo reclamante contra a decisão de indeferimento in limine do requerimento de interposição do recurso de revista, e os fundamentos em que assenta, consideram-se correctos.

A reclamação não tem, pois, bom fundamento. Cumpre recusar-lhe provimento.

O recorrente sucumbe na reclamação. Por força dessa sucumbência, o reclamante é objectivamente responsável pelo pagamento das respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Considerado o volume da actividade exigida para o tratamento do objecto da reclamação e a patente falta de razão do reclamante, julga-se adequado fixar a taxa de justiça devida pela reclamação em 3 UC (art.º 7.º, n.º 1, 2.ª parte, do RC Processuais, e Tabela II Anexa).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a reclamação deduzida pela recorrente AA contra o despacho do relator que julgou improcedente a reclamação que deduziu contra o despacho do Juiz Desembargador Relator que rejeitou o recurso de revista e, consequentemente, mantêm-se esse despacho.

Custas pelo reclamante, com 3 UC de taxa de justiça.

2025.09.30

Henrique Antunes (Relator)

Jorge Leal

Maria João Vaz Tomé

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1. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 195, pág. 140; Acs. do STJ de 10.05.2021 (3701/18) e de 08.10.2020 (5243/18).

2. Acs. do STJ de 27.05.2025 (7282/22), 25.02.2021 (12884/19), 05.02.2020 (17/18), 21.02.2019 (27417/16), 29.10.2019 (563/13) e 24.04.2018 (3429/16); no mesmo sentido, Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, , Almedina, 2018, pág. 774, e Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, Almedina, 2020, págs. 227 a 229.