I. Não tendo o empreiteiro eliminado os defeitos da obra no prazo indicado e adequado à urgência da reparação, tem o dono da obra o poder de recorrer a terceiro para eliminar aqueles defeitos e o direito a ser ressarcido pelos respectivos custos.
II. Estando em causa um crédito de natureza comercial – e tendo, ademais, a parte pedido juros moratórios “nos termos legais” –, os juros de que é titular deverão ser calculados nos termos da lei comercial.
III. Tendo a ré pedido no recurso a procedência da reconvenção – em que venceu – e a improcedência da acção – em que decaiu –, devem as custas do recurso ser repartidas pelas duas partes na proporção do respectivo decaimento.
Recorrente: Structures Steel LESA, Lda.
Recorrida: Embalcer – Equipamentos e Materiais de Embalagem, Lda.
1. Em requerimento de injunção, transmutado para acção declarativa, instaurado por Structures Steel LESA, Lda., contra Embalcer – Equipamentos e Materiais de Embalagem, Lda., pretendia ela obter o pagamento de € 32.751,35, a título de capital e juros moratórios.
Para suporte do pedido, invocou ter-lhe prestado serviços no âmbito duma empreitada, que a ré não pagou.
2. A ré deduziu oposição, impugnando parcialmente a factualidade alegada e invocando o cumprimento defeituoso.
Mais deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe € 28.000,00, acrescidos de juros moratórios.
Fundamentou tal pedido alegando que, realizada a obra, a mesma não foi por si aceite, face a vários defeitos que, comunicados, não foram reparados.
3. Em réplica, a Autora pugnou pela improcedência da excepção e da reconvenção.
4. Instruídos os autos, realizou-se audiência de discussão e julgamento e foi proferida a sentença, em que se decidiu:
“Nestes termos, o Tribunal julga:
1 - Procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, condena a R Embalcer – Equipamentos e Materiais de Embalagem, Lda., a pagar à A. Structures Steel L.E.S.A., Lda:
a) a quantia de 18.450,00€ (dezoito mil, quatrocentos e cinquenta euros), relativos à fatura 27/2022, acrescida de juros de mora comerciais, nos termos definidos nesta decisão, contabilizados desde 4/10/2022, até efetivo e integral pagamento, aplicando-se quaisquer taxas que, de futuro, venham a alterar a taxa relativa aos juros de mora, enquanto tal quantia não se encontrar paga;
b) a quantia de €12.300,00 (doze mil e trezentos euros), relativos à fatura 1/2023, acrescida de juros de mora comerciais, nos termos definidos nesta decisão, contabilizados desde 23/01/2023, até efetivo e integral pagamento, aplicando-se quaisquer taxas que, de futuro, venham a alterar a taxa relativa aos juros de mora, enquanto tal quantia não se encontrar paga;
c) a quantia de 40,00€ (quarenta euros), a título de despesas de contencioso, nos termos do artigo 7º DL nº 62/2013, de 10/05.
2 - Improcedente a reconvenção deduzida, absolvendo a A. do pedido deduzido pela R reconvinte.
Custas da ação e da reconvenção pela R. (art. 527º do C. P. Civil)”.
5. Inconformada com a sentença, dela apelou a ré, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:
“7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em
7.1. - Manter a sentença recorrida no tocante ao pedido da Autora, assim condenando a Ré a pagar à Autora:
a) a quantia de 18.450,00€ (dezoito mil, quatrocentos e cinquenta euros), relativos à fatura 27/2022, acrescida de juros de mora comerciais que vigorarem, devidos desde 4/10/2022 e até efetivo e integral pagamento;
b) a quantia de €12.300,00 (doze mil e trezentos euros), relativos à fatura 1/2023, acrescida de juros de mora comerciais que vigorarem, devidos desde 23/01/2023 e até efetivo e integral pagamento;
c) a quantia de 40,00€ (quarenta euros), a título de despesas de contencioso, nos termos do artigo 7º DL nº 62/2013, de 10/05.
7.2. – Revogar a sentença recorrida no tocante ao pedido reconvencional, condenando-se agora a Autora a pagar à Ré, a título de indemnização pela eliminação dos defeitos, o montante de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), acrescido de juros de mora comerciais que vigorarem, devidos desde 03/07/2023 e até efetivo e integral pagamento.
7.3 – Em face do decaimento, as custas da ação serão suportadas pela Ré, as custas da reconvenção suportadas pela Autora, bem como as deste recurso”.
6. Sendo agora a autora Structures Steel LESA, Lda. quem não se conforma, “vem, interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, conforme disposto nos artigos 671.º, n.º 1, 675.º, n.º 1 e 676.º, todos do CPC”.
Conclui as suas alegações nos seguintes termos:
“1.ª O presente recurso vem interposto do acórdão proferido pelo Tribuna da Relação do Porto, em 08/05/2025, com referência Citius 19272025, que julgou parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença recorrida no tocante ao pedido reconvencional e condenando a ora Recorrente (ali Recorrida) no pagamento da quantia de €28.000,00, a título de indemnização pela eliminação dos defeitos, acrescido de juros de mora comerciais que vigorarem, devidos desde 03/07/2023 e até efetivo e integral pagamento.
2.ª A ora Recorrente entende que o acórdão recorrido padece de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, alterando-a em contradição com a prova documental e testemunhal produzida.
3.ª Entende, igualmente, a ora Recorrente que no acórdão recorrido se faz uma incorreta interpretação das normas aplicáveis ao caso concreto e que, se tivessem sido corretamente analisadas e aplicadas, determinariam a confirmação “in totum” da sentença proferida em 1.ª instância.
4.ª No acórdão sob recurso, o Tribunal da Relação do Porto decidiu alterar a matéria de facto fixada pelo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662.º do CPC.
5.ª Todavia, na referida alteração que levou a efeito, o Tribunal da Relação do Porto desconsiderou, por um lado, parte substancial dos depoimentos prestados que determinaram a decisão de facto de 1.ª instância e que, fruto do princípio da imediação, deveriam ter merecido o acolhimento no sentido dado pela 1.ª instância.
6.ª Por outro lado, o Tribunal a quo deu como provados factos com base em prova documental impugnada e que determinaria, obrigatoriamente, decisão diferente da que foi proferida quanto a tais factos.
7.ª De facto, às instâncias compete apurar a factualidade relevante.
8.ª Com carácter residual, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça destina-se a averiguar da observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes.
9.ª Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça pode censurar o mau uso que o Tribunal da Relação tenha eventualmente feito dos seus poderes sobre a modificação da matéria de facto, bem como pode verificar se foi violada ou feita aplicação errada da lei de processo.
10.ªNos termos do art. 5º, nº 2 do CPC, o julgamento da matéria de facto está limitado aos factos articulados pelas partes.
11.ªSe determinados pontos não foram alegados pelas partes, nem constam do elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença da primeira instância, eles são insuscetíveis de constituir o objeto de impugnação da decisão de facto dirigida a aditá-los à factualidade provada.
12.ªNeste sentido, entende a Recorrente que existem factos que foram julgados provados pelo Tribunal da Relação do Porto que não têm suporte na prova produzida, bem assim factos há que não foram alegados pelas partes e que o Tribunal a quo aditou à factualidade provada.
13.ªAssim, são os seguintes os factos que merecem a reapreciação por parte deste Supremo Tribunal de Justiça: factos 7, 15, 17, 22, 23, 24.
14.ªEntende, ainda, a Recorrente que o Tribunal a quo, ao alterar o facto 10 da sentença de 1.ª instância, retirou-lhe uma parte factual importante e que tem de manter-se como facto provado.
15.ªO Tribunal a quo alterou a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1.ª instância, aditando o facto 7, o qual não consta do elenco da matéria de facto.
16.ªNão tendo as partes alegado determinado facto, nem o mesmo estando elencado na sentença sob recurso, o mesmo não pode, com o devido respeito, ser aditado pelo Tribunal.
17.ªAdemais, como consta da sentença de 1.ª instância, especificamente factos provados 16 e 17, “A obra adjudicada e executada pela A não foi a descrita na notificação judicial avulsa, mas a que decorre do orçamento junto como Doc. n.º 1 e das plantas enviadas pela A à R, aceites por esta”
18.ªPara o efeito, o Tribunal de 1.ª instância considerou a seguinte prova produzida: o orçamento junto a fls. 31, que representa efetivamente o acordo das partes, pois que foi elaborado pela Autora e aceite pela Ré, Emails enviados pela Autora à Ré, de: 22.04.2022, com proposta de adjudicação/orçamento e condições; de 13.09.2022, com comunicação da data de início da obra e plano de trabalhos e trabalhos a implementar, de onde decorre especificamente o tipo de perfis acordado entre as partes.
19.ªO próprio legal representante da Ré, AA, admitiu terem sido efetuadas alterações nos trabalho inicialmente propostos e que foram pela Ré aceites.
20.ªAssim, o Tribunal a quo não poderia ter aditado o facto 7, devendo, antes, manter a factualidade 17 da sentença de 1.ª instância.
21.ªQuanto ao facto 15, o mesmo foi aditado pelo Tribunal a quo em violação do que foi alegado pelas testemunhas Eng.º BB (03/10/2024, 14:21 a 14:50, min. 19:52 a 22:50), Eng.º CC (07/11/2024, 09:41 a 10:26, min. 40.35 a 45.00), que afirmaram, ao contrário do alegado pelo tribunal recorrido, que o Eng. AA, legal representante da Ré, nada disse ou solicitou ao Sr. DD, legal representante da Autora durante a referida reunião de 17/02/2023.
22.ªQuanto ao facto 17, há prova documental que contraria o que consta do mencionado facto.
23.ªAnalisado o documento “e-mail datado de 30.03.2023” verificamos que o remetente do mesmo é aa@embalcer.pt e o destinatário é dd@lesa-group.com e gg@lesa-steel.eu, não obstante constar no cabeçalho da comunicação o nome “EE”.
24.ªJá no que à leitura concerne, jamais poderia o Tribunal dar como provada a mesma em 11/04/2023, uma vez que, no recibo de leitura de 11/04/2023 consta que a mensagem foi lida por geral@lesa-steel.eu quando este endereço de email não era o destinatário da mensagem de 30/03/2023, pelo que, jamais poderia ter-se por lida tal mensagem nessa data.
25.ªAdemais, o endereço de e-mail do Mandatário da Ré não consta como destinatário ou remetente do email, todavia é o seu nome que consta no cabeçalho do recibo de leitura.
26.ªNo facto 22, o Tribunal a quo julgou provado que a Autora não eliminou os defeitos identificados no facto 14, todavia, o Tribunal a quo desconsiderou que a Autora se prontificou, por comunicações de 19/05/2023 e 09/06/2023, a verificar a necessidade de intervenção e a eliminar tais defeitos, caso os mesmos se confirmassem.
27.ªIgnorou igualmente o Tribunal a quo que a eliminação apenas não foi possível devido à resolução do contrato de empreitada pelas Ré em data posterior à comunicação de 19/05/2023 da Autora.
28.ªAcresce que, no facto 14 não foram identificados defeitos na obra realizada pela Autora, mas antes patologias detetadas pela D..., Lda na cobertura do edifício, por referência ao estudo de reforço por si apresentado em 2020.
29.ªNa realidade, desde logo podemos apontar que a intervenção nas madres do edifício 01 - alínea b) do facto 14 - não constitui trabalho proposto, executado e adjudicado pela Ré à Autora, pelo que, não poderia consubstanciar um defeito se não foi adjudicado, nem executado pela Autora.
30.ªAliás, no próprio facto 7 o Tribunal a quo define quais os trabalhos que a Autora se obrigou a executar e nos mesmos não consta qualquer intervenção nas madres do edifício 01.
31.ªAssim, sob pena de clara contradição na decisão de facto, não pode o Tribunal a quo entender como defeito um trabalho que não foi proposto, adjudicado e executado.
32.ªO Tribunal a quo deu como provado o facto 23, apesar da prova testemunhal maioritária acerca desta matéria não ter confirmado a execução dos trabalhos.
33.ªNa realidade, as testemunhas Eng.º CC (07/11/2024, 09:41 a 10:26, min. 39.10 a 40.25) e Eng.º BB (03/10/2024, 14:21 a 14:50, min. 27.00 a 27.52) referiram não ter voltado às instalações da Ré após a elaboração do relatório, desconhecendo se foram ou não feitas as “reparações sugeridas” no seu relatório.
34.ªJá a testemunha FF (03/10/2024, 15:30 a 15:47, min. 10.33 a 11.03, 11.50 a 11.59, 14.14 a 14.57), engenheiro civil que presta serviços para a empresa C..., referiu ter elaborado um relatório relativamente à análise de uma estrutura, onde identificou patologias, mas não acompanhou a obra, nem confirmou se a mesma foi executada.
35.ªTambém a testemunha Eng.º GG (03/10/2024, 16:07 a 16:18, min 2.40 a 11.00) apesar de referir que executou uma obra na Ré a pedido da C..., não soube precisar qual a obra realizada, apesar de referir que executaram a obra a que se propuseram.
36.ªAssim, o facto 23 não poderia ter sido dado como provado, como aliás decidiu a sentença de 1.ª instância.
37.ªNo facto 24, o Tribunal a quo concluiu pelo risco de colapso da cobertura após a execução dos trabalhos por parte da Autora, porém, como referiu a testemunha Eng.º CC (07/11/2024, 09:41 a 10:26, min. 15.37 a 15.48), tal risco apenas existia porque a cobertura não cumpria as normas:
“Eu costumo avaliar estruturas que estão lá há 40 anos e que não cumprem as normas e nunca caíram e se calhar ainda aguentam outros 40. O risco…Existe risco porque não cumpre as normas.”
38.ªDe facto, não se pode concluir, como fez o tribunal a quo, pelo risco de colapso, uma vez que, como resulta dos depoimentos das várias testemunhas, e inclusive das declarações do próprio legal representante da Ré, na data em que a obra foi dada como concluída pela Autora, em 06/02/2023, já os painéis fotovoltaicos estavam instalados na cobertura.
39.ªQuer isto dizer que, a obra realizada pela Autora cumpriu o fim a que se destinava, ou seja, a instalação de painéis fotovoltaicos.
40.ªRelativamente ao facto 10, como se disse, entende a Recorrente que o mesmo foi alterado sem que existisse prova que determinasse tal alteração fixada na sentença de 1.ª instância.
41.ªNa verdade, consta da decisão de 1.ª instância que “10 – Aquando da comunicação, por parte da A, referida no facto 6, da entrega da obra, esta encontrava-se concluída, conforme orçamento referido no facto 2 e plantas enviadas pela A à R e aceites por esta, com instalação dos painéis fotovoltaicos.”
42.ªPara justificar a sua decisão, o Tribunal de 1.ª instância analisou “As declarações de parte do legal representante da R., o qual confirmou ter adjudicado a obra à A, conforme o orçamento apresentado por esta, junto aos autos; que houve, por parte da Ré, acompanhamento permanente da obra; que a obra foi entregue em fevereiro de 2023, estando presente na altura, tendo igualmente recebido o email de 06/02/2023 dando conta de tal; que efetivamente existiram, com acordo seu, alterações à obra relativamente ao estudo realizado pela D..., Ldah, nomeadamente quanto aos perfis utilizados pela A.”
43.ªOra, atento o princípio da imediação, bem assim a prova documental e testemunha existentes, não se vislumbram razões para a apontada alteração de tal facto por parte do Tribunal da Relação do Porto.
44.ªNo acórdão recorrido, decidiu-se pela procedência de reconvenção, condenando-se a ora Recorrente no pagamento do “montante de €28.000,00, acrescido de juros de mora comerciais que vigorarem, devidos desde 03/07/2023 e até efetivo e integral pagamento”.
45.ªEntendeu o Tribunal a quo que existiram defeitos na obra realizada pela Autora que esta não eliminou e, como tal, a Ré socorreu-se de terceiros para a concretização de tais trabalhos.
46.ªNão há dúvidas de que o legal representante da Ré aceitou a obra em 06/02/2023, altura em que foi comunicada a sua entrega pela Autora à Ré.
47.ªÉ igualmente claro, porque reconhecido pelo próprio legal representante da Ré, que, embora alguns dos defeitos fossem visíveis a “olho nu”, optou por nada responder à comunicação escrita de entrega da obra.
48.ªQuer isto dizer que, pelo menos parte dos defeitos alegadamente denunciados nas comunicações de 22/03/2023 e 30/03/2023 já eram do conhecimento da Ré em 06/02/2023, pelo que, o prazo de denúncia já havia sido esgotado na data do envio das ditas comunicações.
49.ªApesar de ter enviado carta datada de 22/03/2023 e email de 30/03/2023 a denunciar defeitos na obra, a realidade é que, a não receção das comunicações não é imputável à Recorrente. Isto porque, a carta registada com aviso de receção foi enviada para morada diferente da sede da Autora e o email foi enviado para endereço diferente do que foi usado pelas partes durante toda a fase extracontratual e durante a execução dos trabalhos, ou seja, geral@lesa-steel.eu.
50.ªEm ambas as situações, a não receção das comunicações não é da responsabilidade da Autora, mas sim da própria Ré.
51.ªSendo a declaração de denúncia dos defeitos uma declaração unilateral reptícia, mediante a qual se comunica os defeitos de que a coisa padece, a mesma apenas é eficaz quando chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida [artigo 224º, nº 1, primeira parte, ex vi artigo 295º, do CC].
52.ªNo caso, apenas em maio de 2023 a Autora/Recorrente teve conhecimento do email que a Ré lhe dirigiu, datado de 30/03/2023.
53.ªDe facto, logo que tomou conhecimento da dita comunicação, por carta de 19/05/2023, a Autora/Recorrente respondeu, explicando todo o processo de negociação, bem assim, disponibilizando-se para reunir e verificar a (in)existência dos ditos defeitos.
54.ªApesar da disponibilidade da Autora, a verdade é que a Ré optou pela resolução do contrato de empreitada sem que previamente permitisse que a Autora analisasse a obra e reparasse os defeitos.
55.ªNo âmbito do contrato de empreitada, o artigo 1222.º do CC torna o exercício dos direitos de resolução ou de redução do preço dependente do facto de não terem sido eliminados os defeitos ou construída de novo a obra.
56.ªPor isso, o dono da obra só poderá exigir a resolução do contrato se, para além de não terem sido eliminados os defeitos ou realizada de novo a obra, tais defeitos tornaram a obra inadequada para o fim a que se destina.
57.ªNo caso em apreço, a Autora/Recorrente, logo que tomou conhecimento da comunicação dos defeitos, disponibilizou-se a verificar a sua (in)existência e a proceder à sua eliminação.
58.ªApesar disso, a Ré/Recorrida resolveu o contrato de empreitada.
59.ªPara que a Ré pudesse substituir-se à Autora na eliminação dos defeitos detetados na obra, por si própria ou por intermédio de terceiro, ficando aquela obrigada a suportar o reembolso dos respetivos custos, exigia-se não só a denúncia dos defeitos, como ainda a não eliminação dos mesmos pela Autora, no prazo para o efeito fixado pela Ré, ou manifestação de recusa daquela em promover tal eliminação.
60.ªCondição que, como se viu acima, no caso, não se mostra preenchida, já que, logo que tomou conhecimento da comunicação dos defeitos, a Autora respondeu disponibilizando-se a verificar a obra.
61.ªOra, não se mostrando comprovada a situação de incumprimento definitivo por parte da Autora quanto à eliminação dos alegados defeitos da obra, a pretensão que judicialmente formula a Ré/Reconvinte, nos termos em que a deduz, não pode ter outro desfecho que não o seu insucesso.
62.ªAcresce que, a obra realizada era adequada ao fim a que se destinava, já que, como se provou, na data da entrega da obra, estavam instalados na cobertura os painéis fotovoltaicos.
63.ª Pelo que, não sendo admissível a resolução do contrato de empreitada, pelas razões acima expostas, não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
64.ª O Tribunal a quo condenou a Autora, ora Recorrente, no pagamento “a título de indemnização pela eliminação dos defeitos, o montante de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), acrescido de juros de mora comerciais que vigorarem, devidos desde 03/07/2023 e até efetivo e integral pagamento.”
65.ª Considerando que estamos perante um valor de indemnização pela não eliminação dos defeitos, não se entende a decisão recorrida quanto a duas vertentes:
i) A fixação dos juros de mora à taxa supletiva comercial;
ii) A fixação da data de 03/07/2023 no início da contagem dos juros de mora.
66.ª De facto, a Ré, ora Recorrida, não pediu a fixação da taxa de juro de mora supletiva nem a contagem de juros a partir 03/07/2023, nem o Tribunal a quo justificou na decisão a razão pela qual a taxa de juro a aplicar ao pedido de indemnização da Ré é a supletiva para as dívidas comerciais, nem por que o início da contagem dos juros se ficou em 03/07/2023.
67.ªNa realidade, o estabelecimento de juros moratórios a créditos de que sejam titulares empresas comerciais nos termos do art. 102.º, n.º 3º do Código Comercial tem como pressuposto a existência de um “ato comercial” gerador desse crédito, não bastando a mera qualidade de “empresa” por parte do titular.
68.ªOra, a quantia a que a Autora foi condenada não resulta do exercício da atividade mercantil da mesma.
69.ªAssim, a serem devidos juros de mora, sempre os mesmos seriam liquidados à taxa legal para a generalidade das obrigações civis, ou seja, a 4%, e, jamais, calculados desde 03/07/2023, uma vez que o pedido de pagamento da quantia apenas em outubro lhe foi exigido.
70.ª Já nos que às custas processuais concerne, o Tribunal a quo decidiu que “Em face do decaimento, as custas da ação serão suportadas pela Ré, as custas da reconvenção suportadas pela Autora, bem como as deste recurso”.
71.ª Não obstante a Autora ter tido vencimento na ação e reconvenção em 1.ª instância e ter decaído no recurso apenas na parte da reconvenção, já que a decisão quanto à ação manteve-se, apesar de a Ré ter pedido em alegações que a sentença recorrida fosse revogada “in totum”, o Tribunal a quo decidiu penalizar a Autora quanto a custas condenando-a nas custas do recurso quando, do mesmo, é notório que a Autora apenas decaiu na reconvenção.
72.ª No caso em apreço, entendendo o Tribunal da Relação do Porto pela alteração da decisão de1.ª instância quanto a custas, atenta a decisão do recurso, deveria ter considerado nesta 2.ª instância o decaimento da Ré/Apelante no próprio recurso”.
7. A ré vem apresentar, por sua vez, contra-alegações, pugnando pela rejeição do recurso de revista e, subsidiariamente, pela sua improcedência.
Formula as três conclusões seguintes:
“1.ª O recurso de revista não é admissível, na medida em que se pretende sindicar o acórdão da Relação que alterou a decisão da matéria de facto, com base em prova de livre apreciação,
2.ª O recurso de revista sobre as decisões de juros e de custas não é admissível, por a sucumbência da Recorrente não atingir metade da alçada da Relação,
3.ª Caso assim não se entenda, o recurso não merece provimento, salvo no que respeita ao momento do início da contagem dos juros de mora comerciais”.
8. Foi proferido no Tribunal da Relação do Porto despacho com o seguinte teor:
“Admito o recurso, dado que é admissível, está em tempo e foi interposto por quem tem legitimidade: art.º 671º nº 1, 638º nº 1 e 631º nº 1 do CPC.
O recurso sobe imediatamente, nos próprios autos e tem efeito devolutivo: art.º 675º nº 1 e 676º nº 1 do CPC”.
1.ª) a decisão sobre a matéria de facto podia ser alterada nos termos em que o foi;
2.ª) a autora / ora recorrente deve ser condenada na obrigação de pagar à autora, a título de indemnização pela eliminação dos defeitos, o montante de € 28.000,00;
3.ª) os juros de mora devem ser contabilizados à taxa supletiva comercial e a partir da data de 3.07.2023.
4.ª) as custas devem ser repartidas entre as partes como ficou decidido.
OS FACTOS
São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:
1 - A Ré quis proceder à instalação de painéis fotovoltaicos, os quais seriam instalados na cobertura de dois edifícios localizados na sua sede.
2 – A empresa fornecedora de tais painéis, J..., contratou a elaboração de um estudo de engenharia à empresa D..., Lda-Engineering, Lda, a qual identificou a necessidade de executar um reforço estrutural nas coberturas dos dois edifícios referidos.
3 – Foi nessa sequência, e para proceder ao reforço estrutural nas coberturas dos dois edifícios que a Ré contratou a Autora.
4 – Os trabalhos a realizar pela Autora, apesar de não absolutamente coincidentes, tinham por base o estudo prévio realizado pela empresa D..., Lda.
5 – A requerida contratou a requerente para que esta, na qualidade de empreiteira, realizasse a obra de reforço estrutural nas coberturas dos edifícios 01 e 02, localizados na sede da requerida.
6 – A Autora apresentou-lhe o orçamento n.º 02/.......95, de 22.04.2022, no valor global de €100.000,00 (cem mil euros), acrescido de IVA calculado à taxa legal em vigor, com vista ao reforço da cobertura das duas naves industriais.
7 - A Autora comprometeu-se a executar os seguintes trabalhos:
Cobertura Tipo 1 - Para reduzir a os esforços a que estes elementos se encontram sujeitos de forma a evitar a sua substituição foi proposto a colocação de pórticos intermédios, colocação de pórticos intermédios, constituído por um perfil IPE160 com reforço no cume e na zona de apoio, conforme se pode visualizar na zona figura seguinte. Na zona de apoio o pórtico será fixo a uma viga de betão armado através de ancoragens químicas. No edifício tipo 1 serão necessários 20 pórticos de reforço, no entanto será necessário a confirmação no local da geometria exata dos pórticos e da quantidade de pórticos.
Cobertura Tipo 2 - Não sendo possível resolver o problema existente com a colocação apenas de um pórtico intermédio, propõe-se a colocação de pórtico e com novas madres. Para evitar a desmontagem do telhado existente para a colocação de madres, o novo pórtico deverá ser rebaixado de forma a assegurar que o topo das novas madres seja coincidente com a face inferior do painel sandwich.
8 - No âmbito do orçamento, a Autora e Ré acordaram que esta pagaria àquela o sobredito preço da seguinte forma:
50% aceitação da proposta
25% durante a fabricação
25% antes do final do projeto, montagem quando se aplica.
9 – A Ré aceitou o orçamento e liquidou a fatura n.º FA 2022/12, no valor global de € 61.500,00 (sessenta e um mil e quinhentos euros) emitida pela Autora em 22.04.2022 (50% do preço), bem como, liquidou a fatura n.º FA 2022/20, no valor global de € 30.750,00 (trinta mil, setecentos e cinquenta euros), emitida em 30.08.2022 (25% do preço).
10 – Em 6.02.2023 a requerente comunicou à requerida o “terminus dos trabalhos”.
11 – A Requerente emitiu e enviou à Requerida a fatura n.º FA 2022/27 no valor global de € 18.450,00 (dezoito mil quatrocentos e cinquenta euros), de 04.10.2022, e a fatura n.º FA 2023/1, no valor global de €12.300,00 (doze mil e trezentos euros), de 23.01.2023. A data de vencimento destas faturas é a da respetiva emissão.
12 – A requerida não devolveu à requerente as faturas identificadas no facto anterior.
13 – Já após a entrega da obra, a Ré solicitou à D..., Lda a elaboração dum relatório com vista a verificar se a execução dos trabalhos realizados pela Autora garantia o adequado funcionamento das estruturas.
14 - Nesse relatório, a D..., Lda assinalou as seguintes patologias:
Nos edifícios 01 e 02, foram colocados pórticos na zona de pórticos já existentes. Com a instalação destes novos pórticos, os pórticos antigos sofrem uma diminuição dos esforços atuantes, verificando assim a segurança da estrutura ao nível dos pórticos principais no edifício 01 e edifício 02, sendo que os rácios correspondentes à verificação de segurança encontram-se todos abaixo de 1.00.
Não foi efetuada qualquer intervenção nas madres do edifício 01, pelo que as madres existentes continuam a não verificar a segurança;
A intervenção nas madres do edifício 02 não resolveu o problema existente. A intervenção da Requerida agravou o problema já existente, uma vez que as madres existentes se encontram danificadas. Foram retirados perfis metálicos de forma a permitir a montagem dos pórticos principais; contudo, após a montagem dos referidos pórticos não foi efetuada a reposição dos perfis retirados. Sendo certo que, os perfis retirados das madres existentes apresentam um papel fundamental para o funcionamento das madres, existindo, atualmente, um risco de colapso da estrutura.
Ainda no edifício 02, a intervenção da Requerida passou pela colocação de dois perfis, em cada água da cobertura, com secção C80x2, soldados na alma do novo pórtico em IPEI8O. Estes novos perfis são insuficientes para resolver o problema existente, visto ser necessário duplicar o número de madres existentes. A Requerida deveria ter colocado nove perfis em cada água da cobertura (ao invés de dois perfis colocados), de forma a reduzir para metade a área de influência das madres. Além do número de perfis colocados ter sido insuficiente, a sua instalação foi efetuada de forma incorreta: o perfil deveria ter sido instalado na vertical, visto corresponder ao seu eixo de maior inércia. Além disso, o perfil não funciona como madre visto que não dá apoio ao painel da cobertura. Estes perfis apenas representam peso adicional para a estrutura.
Em diversos locais existem parafusos/ancoragens que não foram colocadas.
Com a colocação dos novos pórticos, os topos dos pilares de betão armado foram danificados.
15 – Em 17.02.2023, a Autora comunicou verbalmente ao representante em obra da Ré, DD, a existência de vários defeitos.
16 - Em 22.03.2023, a Ré enviou à Autora uma carta registada com aviso de receção, em que lhe comunica que não aceita a obra, em virtude dos defeitos identificados no relatório da D..., Lda, que elencou, concedendo-lhe o prazo de oito dias para os eliminar. A Autora não recebeu essa carta, em virtude de morada incorretamente indicada.
17 - Por e-mail datado de 30.03.2023, o mandatário da Ré enviou ao representante em obra da Ré, DD, a cópia da carta enviada em 22.03.2023. Esse e-mail foi lido em 11.04.2023.
18 – A Ré enviou à Autora, em 27.04.2023, notificação judicial avulsa, a qual correu termos pelo J4, do Juízo Local Cível da Maia, sob o nº8016/23.2T8PRT, em que a interpela da resolução do contrato celebrado entre ambas. A Autora foi dela notificada em 23.05.2023.
19 – Por carta datada de 19.05.2023, enviada pela Autora à Ré, aquela expressou estar a “responder à missiva, obra de reforço de cobertura Embalcer, Lda”, deu a sua versão do relacionamento entre ambas desde a negociação do contrato, referiu não ter recebido a carta da Ré de 22.03.2023, declinou os defeitos apontados e concluiu: “ Foi comunicado pela vossa ROC, os pagamentos que estão em atraso ou litígio da vossa parte em altura muito previa, pressupõe-se que era intenção deliberada o ato, ao qual condenamos veemente, De forma a podermos realizar qualquer tipo de intervenção, sugerimos que se agende uma data conjunta de forma a se poder conferir os elementos necessários a qualquer realização que seja necessária se for o caso,”
20 - Por carta datada de 9 de junho de 2023, a Autora comunica à Ré:
“Acusamos a receção da V. comunicação de resolução do contrato de empreitada, realizada em 23/05/2023, por notificação judicial avulsa, a qual mereceu a nossa melhor atenção.
Face ao teor da mesma, vimos reiterar o conteúdo da nossa carta, datada de 19/05/2023, a qual damos aqui por integralmente reproduzida.
Como tivemos oportunidade de explicar, não recebemos a V. missiva de 22/03/2023, alegadamente enviada por correio registado com A/R. Analisando o documento em causa, é possível constatar que a morada aí mencionada se encontra incorreta, por isso, a não receção de tal carta não nos é imputável.
Já quanto à mensagem de correio eletrónico datada de 30/03/2023, a mesma foi enviada para “Spam”, sendo que, apenas em maio de 2023 foi possível detetar o mencionado correio, que veio a determinar a resposta de 19/05/2023.
Posto isto, cumpre esclarecer que a obra orçamentada, adjudicada e executada nos dois pavilhões sitos na Rua 1, ..., não foi a descrita na notificação judicial avulsa, pelo que, não poderemos aceitar o que aí se encontra alegado. Aliás, tal é perfeitamente visível nos desenhos e demais elementos enviados e que determinaram a adjudicação e execução da obra.
Não obstante, sempre se dirá que, como referem, a obra foi entregue no dia 03/03/2023, sendo certo que, apenas em 22/03/2023 comunicaram a não aceitação da mesma e denunciaram defeitos. Nos termos do art. 1218.º do Código Civil, “a verificação deve ser feita dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer.”. Ora, a obra foi realizada sob o acompanhamento diário do dono da obra - a Embalcer – e entregue em 03/03/2023, estando os pavilhões com a produção em curso e, por isso, em condições de ser imediatamente verificada na data da sua conclusão – 03/03/2023.
Considerando o prazo decorrido desde a entrega e a comunicação (19 dias), terá de entender-se que houve aceitação da obra, com as consequências decorrentes do art. 1219.º do Código Civil.
Todavia, apesar do que acima se referiu, na carta que vos remetemos em 19/05/2023 disponibilizamo-nos a realizar reunião conjunta a fim de analisar a (in)existência de defeitos e, caso os mesmos se confirmassem, a proceder à sua eliminação. Uma vez que optaram por resolver o contrato sem que pudéssemos exercer os direitos que nos são conferidos, não nos poderá ser imputada qualquer indemnização, seja ela a que título for.
Por fim, vimos comunicar que, vencidas que se encontram as faturas FA.2022.27, no montante de €18.450,00, e FA.2023.1, no montante de €12.300,00, assiste-nos o direito a exigir judicialmente a sua cobrança coerciva, o que faremos oportunamente.”
21 – A Ré recebeu as cartas enviadas pela A, datadas de 19.05.2023 e 09.06.2023.
22 - A Autora não eliminou os defeitos identificados no facto 14.
23 – Com vista a suprir as anomalias construtivas levadas a cabo pela Autora, a Ré contratou a C... que executou os seguintes trabalhos, pelo preço global de vinte e oito mil euros, que pagou:
“Reposição dos perfis metálicos removidos nas madres da nave 2;
Fornecimento e montagem de apoios entre as madres existentes e o pórtico novo nas naves 1 e 2.
Inspecionar todos os suportes dos novos pórticos, nos pilares de betão: reforçar os suportes que se apresentem incompletos, que apresentem sinais de instabilidade, que tenham buchas em falta ou incorretamente aplicadas.
Execução dos trabalhos acima descritos”.
24 – Após a execução da obra realizada pela Autora, a cobertura dos edifícios 01 e 02 corria o risco de colapsar.
E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:
a) As faturas aludidas no fato 5 apenas seriam devidas no termo final da empreitada, o qual não ocorreu;
b) A priori ao início da empreitada, a requerente e a sociedade de engenharia D..., Lda, por diversas vezes estiveram presentes nas instalações da requerida a fim de promoverem os trabalhos necessários para levar a cabo o reforço estrutural das respetivas coberturas dos edifícios;
c) Que o estudo da D..., Lda, tenha sido apresentado sem que fossem conferidos valores, cargas de tensão e perfis adequados, sem verificação de betonagem dos pilares e travessas e do estado do edifício;
d) A requerente apenas deu início à execução da obra.
O DIREITO
1. Da alteração da decisão sobre a matéria de facto
Não obstante a presente questão se centrar na decisão sobre a matéria de facto, ela pode e deve ser conhecida pelos fundamentos e nos termos que se exporão de seguida.
Dispõe-se no artigo 662.º do CPC:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
(…)
4 - Das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.
Comentando, em especial, o preceituado no n.º 4, explica Abrantes Geraldes:
“Determina o n.º 4 que as decisões da Relação proferidas ao abrigo dos n.º 1 e 2 são irrecorríveis para oi Supremo, o que se compreende num contexto em que é atribuída a este último tribunal competência privilegiada para apreciar questões de direito, deixando para as instâncias a circunscrição da matéria de facto.
Todavia, esta delimitação não é totalmente rígida. Com efeito, é admissível recurso de revista quando sejam suscitadas questões relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjectivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, maxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art. 674.º, n.º 3, e apreciar criticamente a suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada e não provada em conexão com a matéria de direito aplicável, nos termos do art. 682.º, n.º 3.
Deste modo:
a) Se forem desconsiderados factos que se mostrem necessários para constituir base suficientes para a decisão de direito, o Supremo pode determinar a baixa do processo para o efeito, nos termos do art. 682.º, n.º 3.
b) O Supremo pode intervir quando, na circunscrição dos factos provados ou não provados, as instâncias tenham desatendido disposição expressa da lei que exija certo meio de prova (maxime, documento legalmente necessário para a prova de certo facto) ou tenham desconsiderado disposição igualmente expressa que defina a força de determinado meio de prova (art. 674.º, n.º 3), como ocorre com documentos autênticos, com a confissão ou com o acordo das partes estabelecido no processo e que seja relevante.
c) O Supremo reiteradamente vem assumindo o entendimento de que, embora não possa censurar o uso feito pela Relação dos poderes conferidos pelo art. 662.º, n.ºs 1 e 2, já pode verificar se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites traçados pela lei para os exercer. Por isso, quando, no âmbito da revista em que tal questão seja suscitada, se constate o incumprimento dos deveres legais nessa área, o processo deve ser remetido à Relação, a fim de lhes ser dado cumprimento”1.
A recorrente parece referir-se, implicitamente, a estas hipóteses quando diz:
“8.ª Com carácter residual, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça destina-se a averiguar da observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes.
9.ª Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça pode censurar o mau uso que o Tribunal da Relação tenha eventualmente feito dos seus poderes sobre a modificação da matéria de facto, bem como pode verificar se foi violada ou feita aplicação errada da lei de processo”.
Sucede que, manifestamente, não estão em causa neste recurso nenhuma das hipóteses situações.
Não está em causa a hipótese prevista no artigo 682.º, n.º 3, do CPC, porque não se vêem na decisão sobre a matéria de facto insuficiências ou contradições que careçam de suprimento e que justifiquem a baixa dos autos.
Antecipando o que se dirá sobre os factos impugnados pela recorrente, não se vê, designadamente, a contradição alegada no que respeita ao facto provado 22, em particular na sua relação com os factos provados 7 e 14 (cfr. conclusões 28 a 31).
Tão-pouco está em causa a hipótese prevista no artigo 674.º, n.º 3, do CPC .
As alegações da recorrente não são suficientes nem adequadas a que se equacione e muito menos se constate violação de normas de Direito probatório material.
Se não veja-se.
A recorrente contesta, mais precisamente, os factos provados 7, 15, 17, 22, 23 e 24 bem como o facto provado 10 (cfr. conclusões 13 e 14), dizendo, fundamentalmente, que eles não reflectem a realidade tal como resulta da prova produzida. No essencial, relativamente ao facto provado 7, a recorrente diz que o facto não foi alegado e por isso não podia ter sido aditado e que foi desconsiderada a prova testemunhal (cfr. conclusões 15 a 20), relativamente ao facto provado 15, a recorrente diz que foi desconsiderada a prova testemunhal (cfr. conclusão 21), relativamente ao facto provado 17, a recorrente diz que foi desconsiderada a prova documental (cfr. conclusões 22 a 25), relativamente ao facto provado 22, a recorrente diz que ele origina uma contradição na decisão sobre a matéria de facto (cfr. conclusões 26 a 31), relativamente ao facto provado 23, a recorrente diz que foi desconsiderada a prova testemunhal (cfr. conclusões 32 a 36), relativamente ao facto provado 24, a recorrente diz que foi desconsiderada a prova testemunhal (cfr. conclusões 37 a 39), finalmente, relativamente ao facto provado 10, a recorrente diz que foram desconsiderada a prova testemunhal e a prova documental (cfr. conclusões 40 a 43).
Esclareça-se, desde já, sobre o facto 7, que não há violação do artigo 5.º, n.º 2, do CPC. Este facto refere os trabalhos que a ré pediu à autora para realizar, na sequência e na observância dos resultados do relatório da D..., Lda. A existência deste relatório foi referido expressis verbis pela ré, na sua oposição, e por ela junto aos autos. Quer dizer: o que resulta daquele facto é uma reprodução / síntese do que foi, genericamente, alegado pela ré e está contido naquele documento, não tendo o Tribunal a quo, ao aditar aquele facto, incorrido em violação de regra processual.
Quanto ao demais, a verdade é que a recorrente não indica, como exigiria o artigo 674.º, n.º 3, do CPC, qualquer disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova que possa ter sido violada pelo Tribunal a quo.
Acresce que da alteração (aditamento) dos factos referidos, um a um, logo se verifica que ela resulta da convicção própria que formou o Tribunal recorrido com base em meios sem força probatória plena ou em determinado sentido, portanto, meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal.
Ao Supremo Tribunal está vedado sindicar o acerto ou a correcção das conclusões extraídas das provas sujeitas à livre apreciação do tribunal (isto é, o “mérito” da decisão sobre a matéria de facto), cabendo-lhe somente verificar se aquele Tribunal actuou dentro dos limites dos poderes que lhe são atribuídos.
Quanto à hipotética violação, pelo Tribunal a quo, do artigo 662.º do CPC, lembre-se o disposto no n.º 4 da mesma norma (atrás reproduzido).
Quer isto dizer que, sendo a razão do inconformismo da recorrente o que o Tribunal recorrido fez, pela positiva, no exercício dos seus poderes-deveres de alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente do poder-dever de, por sua iniciativa, aditar factos à decisão, com fundamento naquela sua liberdade de apreciação, não podem ser conhecidas as alegações correspondentes.
Inclui-se neste grupo a outra parte da alegação respeitante ao facto provado 7 – de que não estando o mesmo estando elencado na sentença não podia ser aditado pelo Tribunal (cfr. conclusão 16).
De qualquer forma, recupere-se, porque verdadeiro e muito oportuno, o que observou o Tribunal da Relação na nota de rodapé 8 do Acórdão recorrido:
“Tendo-se em conta que — seguindo o entendimento de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 3ª edição, anotação 5 ao art.º 662º —, «não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre a factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento.» (…)”.
Em síntese, o Tribunal agiu nos limites dos seus poderes-deveres de apreciação da decisão sobre a matéria de facto, designadamente, os que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, não havendo qualquer o “mau uso”2 (uso indevido, insuficiente ou excessivo) a censurar-lhe.
2. Da condenação em indemnização pela eliminação dos defeitos
Da leitura das conclusões das alegações de revista resulta que, no plano do direito, a autora / ora recorrente contesta a sua condenação na obrigação de indemnização à ré / ora recorrida. Alega ela, fundamentalmente, que a resolução do contrato não era admissível, por isso não há lugar indemnização (cfr., sobretudo, conclusões 44 a 63).
Veja-se o raciocínio do Tribunal recorrido para a decisão de condenação da autora / ora recorrente:
“Perante a existência de defeitos, o regime jurídico específico do contrato de empreitada concede ao dono da obra os seguintes direitos: (i) eliminação dos defeitos ou nova obra (art.º 1221º nº 1 CC); (ii) não sendo eliminados os defeitos ou construída obra nova, a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina (art.º 1222º nº 1 CC); a indemnização (art.º 1223º CC).
Para acionar esse primeiro direito, a lei impõe ao dono da obra a denúncia dos defeitos, no prazo de 30 dias seguintes ao seu descobrimento: art.º 1220º nº 1 do CC (…).
No caso, é de concluir que os defeitos foram denunciados em tempo (…).
A Ré concedeu 8 dias para a eliminação dos defeitos, invocando o receio de colapso das estruturas intervencionadas, tendo-se provado que a cobertura dos edifícios 01 e 02 corria o risco de colapsar.
Face a esse risco, e como por todos explicado em audiência de julgamento, a Ré tinha dezenas de trabalhadores a operar nos pavilhões intervencionados, estamos perante uma situação de urgência, a legitimar a Ré a proceder por si própria à eliminação dos defeitos sem esperar pela Autora (…).
A Ré recorreu aos serviços da C... e pagou-lhe € 28.000,00 pelo trabalho de eliminação dos defeitos.
Tem assim direito a exigir da Autora esse montante, bem como os juros moratórios desde a data da notificação da oposição/contestação: art.º 805º nº 3 do CC”.
Apesar de a recorrente ser parca em indicações sobre o alegado erro de julgamento, nomeadamente quanto às concretas normas que entende terem sido indevidamente interpretadas pelo Tribunal da Relação, encontram-se duas referências relevantes – uma primeira, ao “artigo 224º, nº 1, primeira parte, ex vi artigo 295º, do CC” (cfr. conclusão 51) e, uma segunda, ao “artigo 1222.º do CC” (cfr. conclusão 55).
No artigo 224.º, n.º 1, do CC dispõe-se:
“A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada”.
Alega, nesta parte, recorrente que, tendo a carta de 22.03.2023 sido enviada para morada diferente da sede da autora e tendo o email de 30.03.2023 sido enviado para endereço diferente do que foi usado pelas partes durante a fase extracontratual e a execução dos trabalhos, as comunicações da autora a denunciar defeitos na obra não foram recebidas pela ré e não produziram efeitos, sendo a autora / ora recorrida quem deve suportar as respectivas consequências.
É verdade que, como consta do facto provado 16, a carta de 22.03.2023 não foi recebida pela autora, em virtude de a morada ter sido incorretamente indicada. Mas também é verdade que, tendo a autora comunicado à ré o “terminus dos trabalhos” em 6.02.2023 (cfr. facto provado 10), a ré logo comunicou (em 17.02.2023) verbalmente ao representante da autora em obra, DD, a existência de vários defeitos (cfr. facto provado 15). Acresce que o mandatário da ré enviou em 30.03.2023 uma cópia daquela carta de 22.03.2023 por e-mail ao representante em obra, DD (cfr. facto provado 17).
Estas diligências da ré seriam, em princípio, suficientes para se poder dar por atempada e eficazmente efectuada a denúncia dos defeitos da obra. O facto de, como consta daquele facto provado 17, o e-mail referido por último só ter sido lido em 11.04.2023 (por o mesmo ter sido, conforme se alega na comunicação da autora de 9.06.2023, enviado para “Spam”, de acordo com o facto provado 20), não pode ser imputado à ré.
De qualquer modo, como resulta do artigo 1220.º, n.º 1, do CC, o dono da obra deve denunciar os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento. Pode considerar-se que o descobrimento dos defeitos da obra, em toda a sua extensão e detalhes técnicos, ocorreu apenas com a recepção do relatório efectuado pela D..., Lda pela ré, que foi por esta encomendado após a entrega da obra para verificar se a execução dos trabalhos realizados pela autora tinha realizado seu fim (cfr. facto provado 13). Não se sabendo a data exacta desta “encomenda”, pode concluir-se que ela foi feita em prazo razoável, pois que logo em 22.03.2023, ou seja, cerca de um mês e meio após a entrega da obra, era enviada uma carta à autora com a denúncia dos defeitos (tendo por base aquele relatório e os defeitos nele identificados).
Seja como for, e como bem observa o Tribunal a quo, o prazo de 30 dias previsto no artigo 1220.º, n.º 1, do CC só começa a contar-se depois do descobrimento dos defeitos. Tudo considerado, e seja qual for o sentido que se dê ao descobrimento dos defeitos, não parece que a denúncia dos defeitos, manifestada pela ré de várias formas e efectuada, o mais tardar, na data de 30.03.2023 – que é a data do mail que a autora reconhece como comunicação dos defeitos (cfr. conclusão 52) e cuja leitura com atraso não é, como se viu, imputável à ré –, possa dizer-se extemporânea.
A conclusão a que chegou o Tribunal recorrido é, pois, inteiramente correcta e não viola o disposto no artigo 224.º, n.º 1, do CC nem qualquer disposição legal.
Chama a recorrente ainda a atenção para o artigo 1222.º do CC, dizendo que ele torna o exercício do direito de resolução dependente da não eliminação dos defeitos e da falta de adequação da obra ao fim a que se destina. O raciocínio da recorrente será, fundamentalmente, o seguinte: como não teria sido dada à autora a oportunidade de eliminar os defeitos nem teria ficado provado que os defeitos tornaram a obra desadequada ao fim a que se destinava, a ré não poderia ter resolvido contrato.
Não lhe assiste, visivelmente, razão.
No artigo 1222.º do CC dispõe-se:
“1. Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.
2. A redução do preço é feita nos termos do artigo 884.º”.
A propósito desta norma diz JOÃO CURA MARIANO:
“este artigo não pretende estabelecer consequências específicas do não cumprimento das obrigações de eliminação dos defeitos e de reconstrução, visando apenas conferir ao dono da obra direitos subsidiários, para a hipótese de o direito de eliminação dos defeitos ou de construção de nova obra não terem sido satisfeitos por qualquer motivo”3.
E continua o mesmo autor adiante:
“O dono da obra, tendo-se verificado um incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos ou de reconstrução por parte do empreiteiro que se recusou a realizá-las, não correspondeu a uma interpelação admonitória para o fazer, falhou no seu cumprimento, ou deixou que a realização da sua prestação perdesse interesse, deve poder optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato, nos termos do art.º 1222.º do C.C., ou a efetuar a reparação ou reconstrução da obra pelos seus meios, ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custos desses trabalhos. Na verdade, o incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados pelo incumprimento (art.º 798.º do C.C.), o que, neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efetuadas ou a realizar pelo dono da obra, ou por terceiro contratado por este (…).
Mas podem existir situações excepcionais que justifiquem que o dono da obra possa proceder à reparação ou reconstrução da obra pelos seus meios, ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos, mesmo não se tendo verificado uma situação de incumprimento definitivo da obrigação do empreiteiro de eliminar os defeitos existentes na obra, ou proceder à reconstrução desta. São as situações de urgência, em que o empreiteiro nem sequer foi interpelado para proceder à reparação dos defeitos”4.
Como já se demonstrou, apesar de atempadamente denunciados, os defeitos não foram eliminados pela autora no prazo fixado pela ré.
Na melhor das hipóteses (na óptica da autora), pode dizer-se que perdurou, durante algum tempo, uma situação de mora; porém, esta é uma situação “cujo prolongamento não era compatível com a necessidade de intervenção” e que dá origem a “uma perda de interesse do dono da obra no cumprimento daquela obrigação pelo empreiteiro, numa apreciação objetiva, que transforma a situação de incumprimento temporário em incumprimento definitivo, nos termos do art.º 808.º. n.º 1 e 2, do C.C., permitindo, nos termos já referidos, que o dono da obra proceda à reparação dos defeitos por sua iniciativa”5.
Numa fórmula esclarecedora, afirma JOÃO CURA MARIANO que “este desrespeito pelo ‘direito à eliminação dos defeitos pelo empreiteiro’ encontra-se justificado pela urgência de realização dos trabalhos de reparação”6.
Estas últimas considerações são particularmente adequadas para o caso em apreço, em que os defeitos da obra careciam de reparação urgente, pois, como resulta do facto provado 24, existia o risco de as coberturas dos dois edifícios intervencionados colapsarem.
Depois de tudo, não restará dúvida de que à ré tinha o poder de recorrer a terceiro para eliminar os defeitos e não restará dúvida de que, tendo exercido esse poder, agora tem direito a ser ressarcida pelos custos da operação.
3. Da taxa e do início da contagem dos juros de mora
A recorrente contesta a taxa aplicada aos juros moratórios bem como a data de início da sua contagem (cfr. conclusões 64 a 69).
Relativamente à aplicação da chamada “taxa supletiva comercial”, não assiste razão à recorrente.
Dispõe-se no artigo 102.º, § 3, do CCom:
“Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça”.
Como resulta das respectivas firmas, a ré / ora recorrida, tal como tanto a autora / ora recorrente é uma sociedade comercial (sociedade por quotas) e exerce uma actividade comercial. Sendo a ré / ora recorrida um comerciante e não sendo o crédito estranho à sua actividade comercial, logo, sendo um crédito de natureza comercial – subjectivamente comercial (cfr. artigo 2.º, 2.ª parte, do CCom), os juros moratórios de que é titular deverão ser calculados nos termos daquela norma.
Aproveita-se para destacar o acerto da contra-alegação da ré / ora recorrida quando diz que pedir juros “nos termos legais” não equivale a pedir juros à taxa legal prevista para os juros civis (cfr. contra-alegação 45). Na realidade, tanto esta taxa como a taxa comercial são taxas legais, no sentido de que têm fonte na lei; o que sucede é que a primeira corresponde ao regime geral e a segunda ao regime especial.
Contemplando os casos em que o credor nada diz, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA manifesta diversas reservas à orientação “que entende que, na falta de especificação dos juros pedidos em juízo quanto a uma dívida comercial, se aplicam a esta dívida juros civis”7.
Mas o problema não se põe aqui, uma vez que os juros foram pedidos “nos termos legais”.
Quanto à data de início da contagem dos juros moratórios, decorre do Acórdão recorrido, embora implicitamente, a razão pela qual esta data foi fixada em 3.07.2023: por ser esta a data da notificação da oposição / contestação e ser isto que se determina no artigo 805.º, n.º 3, do CC.
O artigo 805.º, n.º 3, do CC é do seguinte teor:
“Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
Sucede, porém, que o que está em causa é o pedido reconvencional da ré. Adaptando a solução à situação vertente, a data de referência é, não a citação, como, por lapso se disse, mas a data em que aquele pedido chegou ao conhecimento da autora.
Tem razão, pois, a ré quando não se conforma com aquela data (cfr. conclusão 69).
Isto mesmo é, aliás, reconhecido pela ré / ora recorrida nas contra-alegações de revista (cfr. contra-alegação 48), convergindo com a autora / ora recorrente em que a reconvenção só foi conhecida desta em Outubro de 2023, pelo que os juros apenas serão devidos a contar desta data.
4. Da condenação em custas (da sua repartição entre as partes)
Por fim, contesta a autora / ora recorrente a decisão de condenação em custas ou, mais precisamente, os termos da repartição das custas entre as partes (cfr. conclusões 70 a 72).
Do dispositivo do Acórdão consta:
“Em face do decaimento, as custas da ação serão suportadas pela Ré, as custas da reconvenção suportadas pela Autora, bem como as deste recurso”.
Ora, a ré / ora recorrida é parte vencida na acção, a autora / ora recorrente é parte vencida na reconvenção, pelo que as custas estão bem repartidas nesta parte.
Já quanto ao recurso, há que dar destaque à conclusão 66 das alegações de apelação:
“Pelo que deve ser dado provimento ao recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida, in totum, devendo ser proferida decisão que julgue improcedente a ação, absolvendo a Ré do pedido, e que julgue procedente a reconvenção, condenando a Autora a pagar à Ré a quantia de € 28.000,00, acrescida de juros de mora comerciais, desde a data da notificação da reconvenção, até integral pagamento”.
É bem visível através disto que são formulados pela ré / então apelante dois pedidos ao Tribunal da Relação: não só a procedência da reconvenção – em que sai vencedora – e mas também a improcedência da acção – em que decaiu. Por isso é que o seu recurso é (só) parcialmente procedente.
Tem razão, pois, a recorrente quando diz que as custas do recurso de apelação não devem recair exclusivamente sobre ela (cfr. conclusão 71), devendo, isso sim, ser repartidas entre as partes na proporção do respectivo decaimento.
Pelo exposto, concede-se provimento parcialmente à revista, revogando-se o Acórdão recorrido nos seguintes termos:
1.º) juros moratórios devidos desde a data da notificação da reconvenção à autora; e
2.º) custas do recurso de apelação pelas partes na proporção do respectivo decaimento.
No demais, confirma-se o decidido.
Catarina Serra (relatora)
Fernando Baptista
Maria da Graça Trigo
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1. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), pp. 358-359 (itálicos do autor).
2. Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015 (Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1).
3. Cfr. JOÃO CURA MARIANO, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 2020, p. 148.
4. Cfr. IDEM, Ibidem, p. 149, p. 153.
5. Cfr. IDEM, Ibidem, p. 153 (nota 393) (interpolação nossa).
6. Cfr. IDEM, Ibidem, p. 155. Cfr. ainda o que se diz até à p. 157.
7. Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Dívida comercial, juros civis - mas porquê?” (https://blogippc.blogspot.com/2025/03/divida-comercial-juros-civis-mas-porque.html)