OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DE CONTRATO
CLÁUSULA PENAL
USO INDEVIDO
TÍTULO EXECUTIVO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA NOMINADA
Sumário

Sumário (artº 663º nº 7 do CPC)
1-Quando o legislador do DL 269/98, em matéria de injunção, usa a expressão “…obrigações pecuniárias emergentes de contratos…” está a referir-se aos tipos contratuais cuja prestação principal, a cargo do devedor, consiste numa obrigação pecuniária de quantidade (ou de soma) isto é, dívidas em dinheiro.
2-Se pela estipulação da cláusula penal se visa assegurar que o cliente cumpra todo o período de duração do contrato (período de fidelização) e não a fixação antecipada do quantum indemnizatório de um dano, trata-se de estipulação de cláusula penal compulsória em sentido estrito: fixação de uma pena que substitui o cumprimento compulsoriamente.
3- Através da cláusula penal em sentido estrito constitui-se uma obrigação com faculdade alternativa a parte creditoris: o credor adquire a faculdade de exigir a prestação substitutiva do cumprimento.
4- Por isso, as cláusulas penais não encerram a estipulação de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, antes constituem cláusulas acessórias que determinam o pagamento de obrigações de valor, substitutivas da prestação principal ainda que estabelecidas em quantidade.
5-A esta luz, o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para cobrança de quantias resultantes da fixação de cláusulas penais, sejam de índole indemnizatório ou tenham natureza compulsória.
6- O legislador da Lei 117/2019, em matéria de regime jurídico da injunção, com a introdução do artº 14º-A do DL 268/89 e a alteração ao artº 857º nº 1 do CPC, optou, conscientemente e, pressupõe-se que adequadamente (artº 9º do CC), pela implementação da excepção dilatória nominada, de conhecimento oficioso: uso indevido do procedimento de injunção, em vez do erro na forma de processo de injunção.
7- O uso indevido do procedimento de injunção implica a inexequibilidade do título. Essa inexequibilidade do título decorre da circunstância de não estarem preenchidos os requisitos de que depende a possibilidade de aposição da fórmula executória, na medida em que o procedimento de injunção foi usado para um fim indevido, portanto contrário ao que a lei permite, rectius, para um fim ilegal.
8- A inexequibilidade do título é autónoma da inexequibilidade da pretensão. A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que o documento possa servir de título executivo; a inexequibilidade da prestação baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar.
9- E se o título apresentado é inexequível, essa inexequibilidade afecta a exequibilidade de toda a pretensão material e não apenas parte dela.
10- Salvo o devido respeito, a posição jurisprudencial que defende que o uso indevido do procedimento de injunção apenas afecta a parte do pedido que foi indevidamente exercido e permite que a execução da injunção possa prosseguir na “parte não afectada”, não tem em conta a necessidade de distinguir entre inexequibilidade do título e inexequibilidade da prestação e, tem como pressuposto o entendimento, implícito, ou pelo menos como resultado prático, que o vício de uso indevido do procedimento de injunção se traduz em erro na forma de processo. Daí, o aproveitamento de parte dos actos…
11- Não se pode confundir o vício de erro na forma de processo com o vício do uso indevido do procedimento de injunção.
12-Se entre a forma errada e a forma adequada existe uma incompatibilidade absoluta, não é possível aplicar o disposto no nº 1 do artº 193º do CPC; e, o nº 2 do artº 193º do CPC, proíbe o aproveitamento dos actos se disso resultar uma diminuição de garantias do réu.
13- Do que se expôs podemos concluir que o uso indevido do procedimento de injunção implica a inexequibilidade do título executivo, vício que afecta a exequibilidade de toda a pretensão material e não apenas parte dela.

Texto Integral

Acordam, por maioria, os desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
1-Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA, instaurou execução para pagamento de quantia certa, contra AA, visando a cobrança coerciva da quantia de 611,53€, acrescida de juros vincendos, à taxa comercial e, dos juros referidos pelo artº 13º nº 1 do diploma anexo ao DL 269/98, de 01/09, à taxa de 5%.
2- Como título executivo apresentou requerimento de injunção com aposição de fórmula executória, na qual havia pedido a condenação do requerido no pagamento da quantia de 522,87€ de capital, acrescida de 12,16€ de juros vencidos e, 76,50€ de taxa de justiça. Como causa de pedir invocou a celebração, com o requerido, de contrato de prestação de serviços de telecomunicações e, um contrato de venda de equipamento a prestações, obrigando-se o requerido a pagar, durante determinado prazo, o pagamento do preço; porque o requerido deixou de pagar, verificou-se o vencimento antecipado do contrato, tendo sido estipulado que a requerente tinha direito a ser ressarcida pelo valor correspondente às vantagens e ofertas vencidas.
E, no contrato de compra e venda, ficou estipulado que a falta de pagamento de qualquer das prestações implicava o vencimento de todas podendo a requerente exigir o pagamento de todas as prestações. A requerente emitiu facturas correspondentes ao vencimento antecipado do contrato.
Indica as facturas que emitiu.
3- Por despacho da 1ª instância, proferido a 22/10/2024, foi advertida a requerente/exequente, que era intenção do tribunal conhecer da excepção de uso indevido do procedimento de execução, facultando-lhe oportunidade para se pronunciar.
4- A exequente veio responder defendendo a possibilidade de exigir o pagamento das quantias peticionadas por meio de requerimento de injunção e, à cautela, declarou desistir da instância quanto à factura no valor de 237,56€, requerendo o prosseguimento da execução quanto ao restante.
5- Por despacho de 10/11/2024, a 1ª instância decidiu:
Decisão:
Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória inominada do uso
indevido do procedimento de injunção e consequente falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução – cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC).
6- Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Sentença recorrida deve ser revogada pois nela se fez, salvo o devido respeito, errada aplicação do Direito.
2. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção e consequente falta de título executivo, rejeitando deste modo a presente execução.
3. Por a ora Recorrente ter apresentado ação executiva com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva, onde incluiu valores em dívida relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato.
4. No caso em apreço a ora Recorrente veio dar à execução um requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento de valores correspondentes a faturas de serviço de telecomunicações (mensalidades, consumos) e ainda montante de € 237,56 referente a “Penalização por incumprimento contratual”.
5. Por Despacho datado de 22/10/2024 a ora Recorrente foi notificada pelo Tribunal a quo para, ao abrigo do argo 3.º do CPC, se pronunciar quanto à eventual rejeição da execução por força da ineficácia do documento junto como tulo executivo, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção e para proceder à junção aos autos as faturas a que alude no requerimento de injunção.
6. Na sequência a ora Recorrente, procedeu à desistência parcial da instância na parte relava à indemnização por incumprimento contratual, requerendo o prosseguimento quanto ao remanescente de € 373,97, o que não foi aceite pelo Tribunal a quo, rejeitando
assim a presente execução.
7. Ora, o entendimento de que a cláusula penal ou indemnização não pode integrar o procedimento injuntivo não pode conduzir, salvo o devido respeito, à recusa do tulo no seu todo, mas apenas em relação à parte que integra tais valores.
8. Devendo assim ser afirmada a exequibilidade parcial do título dado à execução e determinada a continuação da execução para cobrança das obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato celebrado entre as partes.
9. Estipula o nº 1 do argo 734º do CPC que “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do argo 726º, o indeferimento liminar ou o
aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
10. Nos termos do disposto do art. 726º, nº3 CPC, “É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do tulo executivo (…)”.
11. O propósito da instituição do procedimento especial de injunção foi o de agilizar a vida económica (agilizar cobranças) e simultaneamente o de libertar os tribunais das ações declaravas subjacentes.
12. Ora, no caso sub judice, tendo a Recorrente procedido à desistência parcial da instância na parte respeitante à indemnização por incumprimento contratual, não se
vislumbra razão para o não aproveitamento do processo.
13. Este é aliás, o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão datado de 10/10/2024, proferido no
âmbito do Processo nº 4709/23.2T8SNT.L1-6, publicado in www.dgsi.pt no qual se refere o seguinte: “Em suma, entendemos que não se encontra na lei qualquer indício de um propósito sancionatório nem discriminatório dos credores, de modo que, por efectivo e racional princípio de aproveitamento dos actos processuais, por um princípio de utilidade, e porque em sede executiva se prevê realmente esse aproveitamento, com assim resulta claramente do argo 726º nº 3 do Código de Processo Civil, não podemos, em conclusão, concordar com a posição jurisprudencial que defende o indeferimento total.” (sublinhado nosso)
14. Em igual sendo pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa nos Acórdãos datados de 11/07/2024, proferido no âmbito do Processo nº 6121/23.4T8SNT.L1-2 e no Acórdão datado de 24/10/2024, proferido no âmbito do Processo nº 13698/23.2T8SNT.L1-2, publicado in www.dgsi.pt: “Estando-se perante exceção dilatória inominada (uso indevido do procedimento injuntivo), afetadora do processo injuntivo, bem como do consequente tulo executivo que se formou (tendo por base o requerimento injuntivo), o que configura consequente omissão de um pressuposto processual da ação executiva, em que se traduz o próprio título, a repercussão no processo executivo deve ser a de indeferimento liminar total da execução? Ou, impõe-se antes a aproveitabilidade e utilização do título na parte remanescente, relava aos pedidos e valores admissíveis no âmbito injuntivo, atenta a existência, apenas, de uma parcial viciação, decorrente da inclusão de um pedido não admissível, com consequente prolação de um juízo de indeferimento liminar parcial?
Ora, somos sensíveis ao imperativo dos princípios ou regras de economia processual e da proporcionalidade, bem como à adoção de um princípio de aproveitabilidade dos atos processuais, a determinar a manutenção e reconhecimento da validade do título executivo na parte relava ao pedido ou pedidos com legal cabimento no âmbito do procedimento injuntivo.”. (sublinhado nosso)
15. Pelo que o recurso aos referidos princípios da economia processual, da proporcionalidade e do aproveitamento dos atos processuais, exige que se reconheça a validade do tulo executivo, no que respeita ao pedido de pagamento da quantia exequenda de € 373,97, porque relativamente ao mesmo não se verifica qualquer uso indevido do procedimento de injunção onde se formou esse tulo executivo.
16. Assim, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou o disposto nos arts. 726, nº 3 e 734º, ambos do CPC, devendo consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos.
Nestes termos e, nos melhores de Direito, e com o sempre douto suprimento de V. Exas, dever-se-á revogar a Sentença ora recorrida.
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7- Não foram apresentadas contra-alegações.
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II- FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, caso as haja, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
-Se há fundamento para revogar a decisão de indeferimento liminar total da execução e, determinar o prosseguimento da execução para cobrança coerciva das quantias tituladas pelas facturas relativas à prestação de serviços.
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2. Matéria de Facto.
Com relevo para a decisão da questão importa ter presente a factualidade que decorre do RELATÓRIO supra.
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3- A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar a decisão de indeferimento liminar total da execução e, determinar o prosseguimento da execução para cobrança coerciva das quantias tituladas pelas facturas relativas à prestação de serviços.
A apelante funda a sua pretensão de revogação da sentença, nos seguintes argumentos:
-Desistiu parcialmente da instância executiva no que toca à quantia de 237,56€, referente à penalização por incumprimento contratual;
- O princípio do aproveitamento dos actos e da economia processual impõe o aproveitamento do título executivo na parte relativa aos pedidos com cabimento legal no procedimento de injunção e que não consubstanciem uso indevido da injunção.
Vejamos se pode ser dada razão à exequente/apelante.
Pois bem, é conhecida a divergência que existe na jurisprudência relativa à consequência de uso do procedimento de injunção para cobrança de cláusulas penais e despesas administrativas. Aliás, elucidativos desta divergência são os recentes acórdãos prolatados nesta 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, que, no essencial, seguem duas vias divergentes.
De um lado, a posição que defende que o uso indevido do procedimento de injunção apenas afecta a parte do pedido que foi indevidamente exercido mediante procedimento de injunção.
Assim, a título de exemplo:
-TRL, de 07/11/2024 (Proc. 5735/24, relator António Santos, com um voto de vencido), com o seguinte sumário:
1. - O uso indevido do procedimento de injunção ocorre designadamente no caso de o respectivo pedido, no todo ou em parte, não se ajustar à respectiva finalidade nos termos previstos no art.º 7º do diploma anexo ao DL 269/98 ;
2. – Ocorrendo a situação referida em 1., verifica-se uma excepção dilatória inominada, a qual é de conhecimento oficioso, desencadeando a inevitável absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º , todos do Código de Processo Civil.
3. - O vício referido em 2., todavia, não afecta em todo o caso todo o título [ por aposição da fórmula executória ] que se haja formado no procedimento de injunção, mas apenas na parte em que o subjacente pedido não se ajuste á finalidade do referido procedimento, nos termos previstos no art.º 7º do diploma anexo ao DL 269/98 ;
4. – Em consonância com o referido em 3., impõe-se portanto apenas o indeferimento parcial do requerimento inicial executivo [ cfr. artº 726º,nº3, do CPC ], quanto á parte do título afectada pelo vício referido em 4.2., devendo a execução prosseguia quanto ao restante;”
- TRL, de 24/10/2024 (Proc. 20009/22, Eduardo Petersen Silva):
I - O conhecimento da excepção inominada de uso indevido do procedimento de injunção é oficioso.
II - O indeferimento liminar e a consequente absolvição por via desse uso indevido podem ser parciais.
De outro lado o entendimento no sentido de o uso indevido do procedimento de injunção afecta todo o processo.
A título de exemplo, ainda da 6ª Secção Cível:
-TRL, de 10/10/2024 (Proc. 5820/24, Maria Teresa Mascarenhas Garcia, com um voto de vencido):
III. O uso indevido do procedimento de injunção (numa concreta situação que não permitia o recurso ao mesmo), sem oposição do requerido, do qual resulta a obtenção de um título executivo, inquina todo o processo, implicando a inaproveitabilidade total do título, justificando assim o indeferimento liminar in totum.
IV. Não obstante a perda de economia processual que tal solução acarreta, a opção por um indeferimento liminar parcial (na dicotomia indeferimento liminar parcial/ indeferimento liminar in totum) apenas contribuiria para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção (quando tal direito não se lhes assistia), aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente.
V. A prolação da decisão de indeferimento liminar da execução sem exercício prévio do contraditório não constitui violação do artigo 3.º do CPC;
O ora relator, relatou dois acórdãos sobre esta questão, que se encontram publicados, um deles com data de 07/04/2022, proferido no Proc. 16709/11, com o seguinte sumário:
“1- Se pela estipulação da cláusula penal se visava assegurar que o cliente cumprisse todo o período de duração do contrato (período de fidelização) e não a fixação antecipada do quantum indemnizatório de um dano, trata-se de estipulação de cláusula penal compulsória em sentido estrito: fixação de uma pena que substitui o cumprimento compulsoriamente.
2- Através da cláusula penal em sentido estrito constitui-se uma obrigação com faculdade alternativa a parte creditoris: o credor adquire a faculdade de exigir a prestação substitutiva do cumprimento.
3-Quando o legislador do DL 269/98, usa a expressão “…obrigações pecuniárias emergentes de contratos…” está a referir-se aos tipos contratuais cuja prestação principal, a cargo do devedor, consiste numa obrigação pecuniária de quantidade (ou de soma) isto é, dívidas em dinheiro. Afastando, assim, as obrigações pecuniárias de valor, sejam a título de prestação principal, sejam enquanto prestação acessória ou como obrigação com faculdade alternativa a parte creditoris.
4- O critério de distinção entre as dívidas de dinheiro e as dívidas de valor reside no seguinte: nas dívidas de dinheiro a prestação pecuniária é a prestação devida; nas dívidas de valor, a prestação pecuniária é uma prestação substitutiva da prestação devida.
5-As cláusulas penais não encerram a estipulação de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, constituem cláusulas acessórias que determinam o pagamento de obrigações de valor, substitutivas da prestação principal ainda que estabelecidas em quantidade.
6-A esta luz, o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para cobrança de quantias resultantes da fixação de cláusulas penais, sejam de índole indemnizatória ou tenha natureza compulsória.
7- O erro na forma do processo implica que, apesar de o autor ter utilizado uma forma de processo errada, haja alguma compatibilidade processual entre a forma errada e a que seria adequada.
8- Se entre a forma errada e a forma adequada existe uma incompatibilidade absoluta, designadamente por implicar uma efectiva diminuição dos meios de defesa do réu, mormente a nível do prazo de contestação (15 dias em vez de 30), não é possível aplicar o disposto no nº 1 do artº 193º do CPC e, desse modo, o erro na forma do processo constitui uma excepção dilatória inominada que leva à absolvição do réu da instância, que não fica suprida pela distribuição da injunção como acção comum.”
Outro, proferido a 06/03/2025, no Proc. 11554/24.6T8SNT.L1-6, com o seguinte sumário:
“1-Quando o legislador do DL 269/98, em matéria de injunção, usa a expressão “…obrigações pecuniárias emergentes de contratos…” está a referir-se aos tipos contratuais cuja prestação principal, a cargo do devedor, consiste numa obrigação pecuniária de quantidade (ou de soma) isto é, dívidas em dinheiro.
2-Se pela estipulação da cláusula penal se visa assegurar que o cliente cumpra todo o período de duração do contrato (período de fidelização) e não a fixação antecipada do quantum indemnizatório de um dano, trata-se de estipulação de cláusula penal compulsória em sentido estrito: fixação de uma pena que substitui o cumprimento compulsoriamente.
3- Através da cláusula penal em sentido estrito constitui-se uma obrigação com faculdade alternativa a parte creditoris: o credor adquire a faculdade de exigir a prestação substitutiva do cumprimento.
4- Por isso, as cláusulas penais não encerram a estipulação de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, antes constituem cláusulas acessórias que determinam o pagamento de obrigações de valor, substitutivas da prestação principal ainda que estabelecidas em quantidade.
5-A esta luz, o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para cobrança de quantias resultantes da fixação de cláusulas penais, sejam de índole indemnizatória ou tenha natureza compulsória.
6- O legislador da Lei 117/2019, em matéria de regime jurídico da injunção, com a introdução do artº 14º-A do DL 268/89 e a alteração ao artº 857º nº 1 do CPC, optou, conscientemente e, pressupõe-se que adequadamente (artº 9º do CC), pela implementação da excepção dilatória nominada, de conhecimento oficioso: uso indevido do procedimento de injunção, em vez do erro na forma de processo de injunção.
7- O uso indevido do procedimento de injunção implica a inexequibilidade do título. Essa inexequibilidade do título decorre da circunstância de não estarem preenchidos os requisitos de que depende a possibilidade de aposição da fórmula executória, na medida em que o procedimento de injunção foi usado para um fim indevido, portanto contrário ao que a lei permite, rectius, para um fim ilegal.
8- E se o título apresentado é inexequível, essa inexequibilidade afecta a exequibilidade de toda a pretensão material e não apenas parte dela.
9- Salvo o devido respeito, a posição jurisprudencial que defende que o uso indevido do procedimento de injunção apenas afecta a parte do pedido que foi indevidamente exercido e permite que a execução da injunção possa prosseguir na “parte não afectada”, tem como pressuposto o entendimento, implícito, ou pelo menos como resultado prático, que o vício de uso indevido do procedimento de injunção se traduz em erro na forma de processo. Daí, o aproveitamento de parte dos actos…
10- Não se pode confundir o vício de erro na forma de processo com o vício do uso indevido do procedimento de injunção.
11-Se entre a forma errada e a forma adequada existe uma incompatibilidade absoluta, não é possível aplicar o disposto no nº 1 do artº 193º do CPC e, o nº 2 do artº 193º do CPC proíbe o aproveitamento dos actos se disso resultar uma diminuição de garantias do réu.
12- Do que se expôs podemos concluir que o uso indevido do procedimento de i njunção implica a inexequibilidade do título executivo, vício que afecta a exequibilidade de toda a pretensão material e não apenas parte dela.”
Pois bem, não encontramos razões para alterar a nossa posição, remetendo-se para os argumentos usados neste último acórdão (de 06/03/2025, Proc. 11554/24, www.dgsi.pt) e que aqui seguiremos na integra.
Assim, estamos em crer que as “recentes” alterações introduzidas ao CPC e ao DL 269/98, de 01/09, pela Lei 117/19, de 13/09, concretamente o novo artº 14º-A do DL 269/98, reforçam este nosso entendimento.
Efectivamente, como salienta o Grupo de Trabalho que procedeu à preparação do que veio a ser a Lei 117/19 (Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pinheiro Torres), pretendeu-se, com a introdução do preceito (artº 14-A do DL 269/98), “…delinear um regime que, respeitando as exigências relativas ao princípio da tutela jurisdicional efectiva e da proibição de indefesa, assegurasse uma maior eficácia ao procedimento de injunção e ao título executivo que dele resulte.” (O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, 2020, pág. 205).
Como referem os mencionados autores “Ao longo dos últimos anos o legislador tem procurado limitar os meios de defesa invocáveis no processo de execução pelo requerido que, no anterior procedimento de injunção não tenha deduzido, apesar de devidamente citado, qualquer oposição. (…) Este regime restritivo do âmbito dos embargos de executado não logrou sedimentar-se em consequência dos reiterados julgamentos de inconstitucionalidade do TC.” (AA e ob. cit., pág. 210).
Na verdade, pelo acórdão do TC 264/2015, foi declarada “…a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretadano sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.”
Por isso, o artº 14º-A nº 2 do DL 269/98 (redacção dada pela Lei 117/2019) veio excluir o efeito preclusivo decorrente da revelia do requerido que, apesar de regularmente citado e advertido, não tenha deduzido oposição ao requerimento de injunção. Assim, para além do regime geral, a exclusão da preclusão da oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória, não impede “A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou a ocorrência de quaisquer excepções dilatórias de conhecimento oficioso”, como expressamente passou a determinar o artº 14º- A nº 2, al. a) do DL 269/98 (redacção da Lei 117/2019).
Na sequência desta alteração, foi igualmente adaptado o artº 857º do CPC relativo aos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção.
Pois bem, da letra do artº 14º-A nº 2, al. a) do DL 269/98 e do seu espírito, maxime das razões que estiveram na base da sua implementação, decorre que terá sido intenção do legislador enunciar uma “novaexcepção dilatória expressa: uso indevido do procedimento de injunção.
Note-se que o legislador não fala em erro da forma de processo porque, no fundo, se existisse mero erro na forma de processo, bastaria, para sanar o vício, mandar seguir a forma adequada (artº 193º nº 3 do CPC) se isso fosse possível.
Ora, esta “nova” excepção dilatória, agora nominada, uso indevido do procedimento de injunção, traduz um vício que afecta o próprio título executivo, inquinando-o totalmente e não apenas parcialmente.
Com efeito, o título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão material e, portanto, a possibilidade de realização coactiva da prestação e, eventualmente, coerciva da correspondente prestação através de um processo executivo. “A particularidade do título executivo reside em que o documento em que se materializa incorpora um direito à prestação e, ao mesmo tempo, atribui um direito à execução, ou seja, o direito do credor a que o Estado agrida o património do devedor ou de terceiro para lhe facultar o exercício do seu direito de execução contra esse devedor ou terceiro (artº 817º e 818 do CC)” (Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual do Processo Civil, vol. II, AAFDL, 2022, pág. 550).
“O título executivo cumpre uma função constitutiva, dado que nenhuma execução é admissível sem título executivo (nulla executio sine título). (AA e ob. cit. pág. 551).
“…a exequibilidade do título é independente da exequibilidade da pretensão material ou, numa fórmula negativa mais impressiva, a inexequibilidade do título é autónoma da inexequibilidade da pretensão. A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que o documento possa servir de título executivo; a inexequibilidade da prestação baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar. A distinção é clara na própria lei: a inexequibilidade do título é referida, como tal, no artº 729º a); a inexequibilidade da pretensão com fundamento em factos impeditivos, modificativos ou extintivos consta do artº 729º, al. g), 1ª parte.” (AA e ob. cit., pág. 555). * (realce e sublinhado nosso).
O uso indevido do procedimento de injunção implica a inexequibilidade do título. Essa inexequibilidade do título decorre da circunstância de não estarem preenchidos os requisitos de que depende a possibilidade de aposição da fórmula executória, na medida em que a injunção foi usada para o fim indevido, portanto contrário ao que a lei permite, rectius, para um fim ilegal.
E se o título apresentado é inexequível, essa inexequibilidade afecta a exequibilidade de toda a pretensão material e não apenas parte dela.
Saliente-se que o legislador optou, conscientemente e, pressupõe-se que adequadamente (artº 9º do CC), pela excepção de uso indevido do procedimento de injunção em vez de erro na forma de processo de injunção.
E é necessário distinguir o vício de erro na forma de processo do vício de uso indevido de procedimento de injunção.
Com efeito, refere Teixeira de Sousa (CPC online, Livro II, Blog do IPPC, na anotação 7 ao artº 193º)7 (a) O erro na forma do processo implica que, apesar de o autor ter utilizado uma forma de processo errada, há alguma compatibilidade processual entre a forma errada e a forma adequada, pq, de outro modo, não se pode aplicar o disposto no n.o 1. (b) Se entre a forma errada e a forma adequada existir uma incompatibilidade absoluta (como sucede, p. ex. qd se recorre à injunção em vez do processo comum), não é possível aplicar o disposto no n.o 1 e o erro na forma do processo constitui uma excepção dilatória.” * sublinhado e realce nossos)
Também Abrantes Geraldes et alii (CPC anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 246) mencionam que “O erro na forma do processo importa somente a inatendibilidade dos actos que não possam ser aproveitados, praticando-se os necessários a que, tanto quanto possível, o processo se aproxime da forma prevista na lei. O limite a observar é sempre o das garantias de defesa, não podendo aquele aproveitamento traduzir-se numa diminuição dessas garantias.”
É ainda relevante o comentário de Paulo Duarte Teixeira (Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano VII – nº 13 – 2006, pág. 169 a 212, concretamente, pág. 207) “…É certo que o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo aproveitar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, na forma estabelecida na lei (artº 199º nº 1 do CPC). Mas, não devem aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição das garantias do réu (nº 2). Ora …, tendo em conta o menor prazo de apresentação da contestação no procedimento de injunção, não esquecendo a própria diferença de regime do efeito cominatório… (…) …os princípios da celeridade e da economia processual inerentes ao aproveitamento dos actos praticados não podem por em causa as maiores garantias de defesa da contra-parte. (…) Caso assim não fosse estaríamos perante uma situação que favoreceria o demandante que utilizou indevidamente uma forma processual mais gravosa para os direitos abstractos da contra-parte. Ora isso violará o princípio da igualdade processual das partes ou da igualdade de armas, que se encontra consagrado no artigo 3º-A do Código de Processo Civil obriga que as partes gozem de um estatuto processual idêntico sempre que a sua posição no processo seja equiparável, não sendo admissível a introdução de discriminações no uso de diferentes meios processuais em função da natureza subjectiva da parte em causa.
Salvo o devido respeito, a posição jurisprudencial que defende que o uso indevido do procedimento de injunção apenas afecta a parte do pedido que foi indevidamente exercido e permite que a execução da injunção possa prosseguir na “parte não afectada”, tem como pressuposto o entendimento, implícito, ou pelo menos como resultado prático, que o vício de uso indevido do procedimento de injunção se traduz em erro na forma de processo. Daí, o aproveitamento de parte dos actos
Não se pode confundir o vício de erro na forma de processo com o vício do uso indevido do procedimento de injunção.
Como vimos acima, entre a forma errada e a forma adequada existe uma incompatibilidade absoluta e, por isso, não é possível aplicar o disposto no nº 1 do artº 193º do CPC.
Saliente-se que o nº 2 do artº 193º do CPC proíbe o aproveitamento dos actos se disso resultar uma diminuição de garantias do réu.
Do que se expôs podemos concluir que o uso indevido do procedimento de injunção implica a inexequibilidade do título executivo, vício que afecta a exequibilidade de toda a pretensão material e não apenas parte dela.
Se assim é, não vislumbramos fundamento para “aproveitar” um título inexequível e, realizar coactivamente parte da pretensão material pretendida exercer ilegalmente.
A circunstância/fundamento, da apelante, de ter desistido parcialmente da instância no que toca à quantia de 237,56€, referente à penalização por incumprimento contratual, não tem qualquer consequência para a pretensão de continuação da execução na parte relativa às quantias em dívida pela prestação de serviço.
Na verdade, como vimos acima, o uso indevido do procedimento de injunção consubstancia um vício que implica a inexequibilidade do título e, por conseguinte, afecta a possibilidade de obtenção coerciva de todas as quantias que a exequente pretendia alcançar. Ou seja, a inexequibilidade do título decorre do não preenchimento dos requisitos para que o documento possa servir de título executivo. O mesmo é dizer: não há título executivo. E se não há título executivo, não pode ser exercida qualquer pretensão na acção executiva. O mesmo é dizer, a exequente não pode desistir de quantia que não pode executar: a inalcançabilidade da quantia decorre do vício de inexequibilidade e não da manifestação de vontade da exequente.
A esta luz, somos a concluir pela improcedência do recurso.
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III- DECISÃO
Em face do exposto, acordam, por maioria, os juízes deste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão sob impugnação.
Custas na instância de recurso pela apelante.

Lisboa, 09/10/2025
Adeodato Brotas (relator por vencimento)
Nuno Gonçalves (2º adjunto)
(João Brasão, relator vencido, com o voto que se anexa)

Declaração de voto de vencido:
Por nossa parte, neste domínio, temos sustentado a posição do indeferimento parcial, em consonância, entre outros, com o Ac. do Tribunal de Lisboa de 24-10-2024 (desta Secção e no qual fomos 2º adjunto), segundo o qual:
O propósito da instituição do procedimento especial de injunção foi o de agilizar a vida económica (agilizar cobranças) e simultaneamente o de libertar os tribunais das acções declarativas subjacentes. Defender a absolvição total, o indeferimento total, é fazer exactamente o contrário, ou seja, estamos perante uma interpretação que se revela contrária ao propósito e à lógica do legislador, (…). Se há credores que têm condições para saber como devem legalmente fazer e se esses credores recorrem massivamente a este tipo de procedimento, em função dos seus negócios e dos volumes de negócio, não quer isto dizer que não haja credores sem essas condições nem nessas condições de volume de negócios, que não tenham interesse em agilizar as suas cobranças.
Em suma, entendemos que não se encontra na lei qualquer indício de um propósito sancionatório nem discriminatório dos credores, de modo que, por efectivo e racional princípio de aproveitamento dos actos processuais, por um princípio de utilidade, e porque em sede executiva se prevê realmente esse aproveitamento, com assim resulta claramente do artigo 726º nº 3 do Código de Processo Civil” (…) (Ac. proferido no proc. 20009/22.2T8SNT.L1-6, versão integral em www.dgsi.pt).
João Brasão.