INJUNÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário


1) Os casos de indeferimento liminar correspondem a situações em que a petição apresenta vícios substanciais ou formais de tal modo graves que permitem antever, logo nesta fase, a improcedência inequívoca da pretensão apresentada pelo autor ou a verificação evidente de exceções dilatórias insupríveis, incluindo a ineptidão da petição;
2) Representando o fundamento fáctico da pretensão de tutela jurisdicional formulada, a causa de pedir tem de ser indicada na petição, sem o que faltará a base, isto é, o suporte da própria ação;
3) A possibilidade de procedimento de injunção que abstraísse de qualquer menção fáctica à causa de pedir só seria compreensível e viável se não se transmutasse na ação declarativa de condenação no seguimento de oposição; desde que haja oposição, para que o tribunal não se veja na contingência de não poder decidir de mérito, por verificar a existência da exceção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção por falta de causa de pedir, tem o requerente de assegurar que nesse requerimento se encontram os elementos factuais necessários a preencher a mesma, isto é, que o mesmo individualiza o contrato invocado.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

A) EMP01..., SA, apresentou requerimento de injunção contra EMP02..., Unipessoal, Lda, pedindo a condenação da requerida a pagar-lhe a quantia global de €37.253,67, correspondendo a €34.194,47 de capital, €2.806,20, de juros de mora, €100,00 a outras quantias e €153,00 de taxa de justiça paga.
Para tanto alega, em síntese que, no desenvolvimento da sua atividade, forneceu bens e prestou serviços à requerida, no âmbito de um contrato de empreitada, encontrando-se em dívida, os relacionados nas faturas que indica no requerimento inicial, tendo a requerida sido interpelada para regularizar a dívida, o que não fez.

*
Pela requerida EMP02..., Unipessoal, Lda, foi deduzida oposição à injunção, tendo o processo passado a seguir os termos do processo comum e foi deduzido pedido reconvencional, onde conclui entendendo que:
a) Devem as invocadas exceções dilatórias ser julgadas procedentes e, consequente, ser a requerida absolvida da instância;

Se ainda assim não se entender,
b) Deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, com os devidos e legais efeitos;
c) Deve o pedido reconvencional ser julgado totalmente procedente, por provado, e ser a requerida condenada ao pagamento da quantia nunca inferior a €53.916,27, e bem assim dos danos/prejuízos que se venham a apurar ulteriormente, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, contados desde a data de citação até efetivo e integral pagamento, e bem como nas demais custas judiciais e de procuradoria.
*
As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a ineptidão do requerimento inicial, o que fizeram nos termos constantes nas refs. ...60 e ...71.
*
B) Foi proferido despacho (ref. ...68), com o seguinte teor:
“EMP01..., SA, com sede na rua ..., ..., ..., apresentou requerimento de injunção contra EMP02..., Unipessoal, Lda., com sede na Praça ..., ..., ..., pedindo a condenação da requerida a pagar-lhe a quantia global de €37.253,67, correspondendo a €34.194,47 de capital, €2.806,20,30 de juros de mora, €100,00 a outras quantias e €153,00 de taxa de justiça paga.
Invocou, para tanto e em síntese, que, no desenvolvimento da sua atividade, forneceu bens e prestou serviços à requerida, no âmbito de um contrato de empreitada, encontrando-se em dívida, os relacionados nas faturas que indica no requerimento inicial. Mais alegou que a requerida foi interpelada para regularizar a dívida, não o tendo feito.
*
Nos termos do disposto no artigo 16º, nº 1, do Decreto-Lei nº 269/98, de 01 de setembro foram os presentes autos apresentados à distribuição, em virtude da oposição deduzida pela requerida.
*
As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a ineptidão do requerimento inicial, o que fizeram nos termos constantes a refs. ...60 e ...71.
*
Cumpre decidir:

Compulsado o requerimento de injunção apresentado pela requerente, constata-se que esta peticionou o pagamento das importâncias tituladas nas faturas aí identificadas, correspondente ao preço de bens e serviços prestados à requerida, referente a um alegado contrato de empreitada celebrado com entre as partes.
Mais concretamente, do requerimento inicial apresentado pela requerente constam os seguintes factos:

“1. A requerente exerce a atividade de promoção imobiliária, compra e venda e arrendamento de bens imobiliários, construção e engenharia civil, promoção e investimentos turísticos e hoteleiros, prestação de serviços de consultadoria e gestão às empresas.
2. Por sua vez, a sociedade ora requerida tem por objeto a compra e venda de bens imóveis e revenda dos mesmos adquiridos para esse fim, arrendamento de imóveis próprios e atividades de mediação e avaliação imobiliária.
3. A requerente, no desenvolvimento da sua atividade, forneceu bens e prestou serviços à requerida, no âmbito de um contrato de empreitada entre ambas celebrado, encontrando-se em dívida, na presente data, os relacionados nas faturas que aqui se consideram inteiramente reproduzidas, a saber:
a) Fatura ...9, emitida em 03/05/2023 e vencida em 31/05/2023, com o valor de 30.814,00€ (trinta mil, oitocentos e catorze euros), correspondente aos serviços de construção civil melhor detalhados no auto e fatura emitida de acordo com o clausulado entre as partes a 18.04.2023;
b) Fatura ...0, emitida em 19/05/2023 e vencida em 03/06/2023, com o valor de 2.376,79€ (dois mil, trezentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos), correspondente a material aplicado em obra;
c) Fatura ...1, emitida em 19/05/2023 e vencida em 03/06/2023, com o valor de 1.003,68€ (mil e três euros e sessenta e oito cêntimos), concernente a horas debitadas à requerida para descarregar um camião de tijolo em 12 de maio de 2023 (4h x 4 trabalhadores x custo hora) e pela paragem dos trabalhos e, inerentemente, dos trabalhadores (pelo período de 7h x 5 trabalhadores x custo hora), por responsabilidade da requerida conforme resulta do correio eletrónico datado de 15 de maio de 2023, durante o decurso do mesmo dia.
4. Faturas que vieram a ser devidamente apresentadas à requerida que, apesar de interpelada, não as pagou.
5. Assim, por reporte às citadas faturas, encontra-se em dívida o montante global de 34.194,47€ (trinta e quatro mil, cento e noventa e quatro euros e quarenta e sete cêntimos), a título de capital.
6. Ora, não obstante ter sido instada para regularizar o valor em dívida e sabendo-o que o deve, a requerida veio sempre protelar o seu pagamento, reportando-se, até à presente data, gorados os esforços empregues nesse sentido e "sine die" a respetiva observância.
7. Não restando, pois, outra alternativa à requerente senão o recurso a juízo.
8. Neste alcance, além do aludido crédito, assistirá à requerente o direito à perceção de juros moratórios calculados desde a data de vencimento de cada uma das faturas, até ao presente dia, nos termos do artigo 105º, n.º 5 do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, que nesta data (09.02.2024) se liquidam em 2.806,20€ (dois mil, oitocentos e seis euros e vinte cêntimos).
9. Acresce a estes valores a quantia de 153,00€ (cento e cinquenta e três euros) a título de taxa de justiça devida para instauração do presente requerimento de injunção.
10. Mais, tem a requerente direito a receber o montante de 100,00€ (cem euros) a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013 de 10 de maio.
11. O valor, global, em dívida perfaz, assim, o montante de 37.253,67€ (trinta e sete mil, duzentos e cinquenta e três euros e sessenta e sete cêntimos) para além dos juros que se vencerem até efetiva e integral liquidação”.
Ora, assim sendo, verifica-se que do requerimento inicial não consta a causa de pedir, ou seja, dele não consta a alegação dos factos necessários à sustentação do pedido deduzido.
Neste sentido, pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.06.2019, processo nº 30491/18.7YIPRT.G1, disponível in http://www.dgsi.pt, o qual, com a devida vénia, se transcreve:
“Efetivamente, nos termos do nº1 alínea d) do artº 552º do CPC, intitulado “Requisitos da petição inicial”, “Na petição com que propõe a ação deve o Autor (…) expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”.
(…).
Já José Alberto dos Reis se referia ao conceito de “causa de pedir” (Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª ed., 309), como “o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido…”
Também Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 234-235), ensinam que “causa de pedir” é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, pelo que, se o autor não mencionar esse facto concreto, a petição será inepta.
(…)
E compreende-se a exigência legal, porquanto não só o juiz tem de saber o que está em causa nos autos, isto é, o que as partes pretendem que seja dirimido na ação, como ainda tal alegação é de manifesta importância para a definição da causa de pedir e do pedido, elementos estes de primordial importância à delimitação do âmbito do caso julgado e também à arguição de uma possível litispendência (arts. 580º e 581º do CPC).
A relevância da indicação da causa de pedir e do pedido na petição inicial é de tal ordem e tão manifesta, que o legislador sanciona (como já sancionava no anterior código) a sua omissão com a nulidade de todo o processado, por ineptidão da petição inicial (artº 186º nº1 e 2 al. a) do CPC), nulidade essa que é de conhecimento oficioso (artº 196 do CPC), a ser proferida no despacho saneador, se não tiver sido apreciada em momento anterior (artº 200 nº 2 do CPC), ou na sentença final.
Trata-se além disso de uma exceção dilatória nominada (artº 577 al. b) do CPC), que conduz à absolvição do Réu da instância (artº 576 nº 2 do CPC).
*
Claro que todos os preceitos legais citados se reportam à petição inicial, como o articulado principal do processo de declaração, e o que temos em apreciação é um requerimento de injunção, relativamente ao qual rege o artº 10º do DL. 269/98 de 1 de setembro (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 32/03 de 17/02, pela Lei 14/06 de 26/04 e pelo Dec. Lei 107/2005 de 1/07) no qual se prevê, no seu nº 1, que o requerimento de injunção deve constar de impresso aprovado por portaria do Ministro da Justiça, estabelecendo o seu nº 2 que o requerente deve nele expor sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão (alínea d)), devendo formular o pedido, com discriminação do capital, juros vencidos e outras quantias devidas (alínea e)), divergindo ele, de certa forma, da petição inicial do processo declarativo.
O processo de injunção, instituído pelo citado DL nº 269/98, de 1 de setembro, tem por fim conferir força executiva a requerimento formulado pela parte, que se pode, no entanto, transmutar em processo comum, em face da dedução de oposição por parte do requerido.
O mencionado diploma legal, como do seu art. 1º resulta, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de junho, e insere-se na luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, aplicando-se, nos termos do seu art. 2º, a todos os pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais, nas quais se inclui a prestação de serviços contra remunerações – cfr. art. 3º al. a).
Ora, este diploma legal, não estabelecendo um regime processual próprio, determina, todavia, o recurso a um regime processual específico, como seja o da injunção (art. 7º nº 1), em manifesta consonância com os objetivos de simplificação e eficácia pretendidos com a introdução do processo injuntivo.
Como consta do Preâmbulo do citado DL 269/98, avança-se “…no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1ª instância, com medida legislativa que, baseada no modelo da ação sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de ações, em que é frequente a não oposição do demandado. Paralelamente (…) no intuito de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo (…), o legislador consagrou um menor grau de exigibilidade na indicação da causa de pedir neste tipo de processo, bastando-se com uma exposição sucinta dos fundamentos…”
E de facto no artº 10º nº2 do diploma legal em análise dispõe-se que no requerimento o requerente deve “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”.
Cumprirá então averiguar o que se deve entender por “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão” e a relevância desta norma na exposição dos fundamentos do requerimento de injunção.
Podemos avançar desde já que em nosso entendimento tal significa que, embora de forma sucinta, também neste tipo de processos, tal como se prevê para o processo comum (artº 552º nº1 alínea d) do CPC), o requerente não está dispensado de indicar a causa de pedir em que fundamenta o pedido formulado.
Aliás, em situações como a presente, em que houve oposição da requerida (como poderá sempre ocorrer perante um requerimento injuntivo), a exposição sucinta dos factos que à pretensão processual do requerente servem de fundamento, assume particular relevância, porque se trata de causa de pedir suscetível de apreciação jurisdicional, dado que o procedimento de injunção se transmutou em ação declarativa pela dedução da oposição por parte da requerida.
Por isso consideramos que o requerente da injunção não está dispensado (nunca) de invocar no seu requerimento os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, embora a lei flexibilize a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves (conforme artº 10º nº 2 do DL 269/98).
Assim, como a pretensão do requerente (neste tipo de procedimento) só é suscetível de derivar de um contrato, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respetivas declarações negociais, assim como os factos positivos e negativos consubstanciadores do seu incumprimento por parte da requerida.
Como refere Salvador da Costa (A Injunção e as Conexas Ação e Execução, pág. 163), a possibilidade de procedimento de injunção que abstraísse de qualquer menção fáctica à causa de pedir só seria compreensível e viável se não se transmutasse na ação declarativa de condenação no seguimento de oposição. Desde que haja oposição, para que o tribunal não se veja na contingência de não poder decidir de mérito, por verificar a existência da exceção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção por falta de causa de pedir, tem o requerente de assegurar que nesse requerimento se encontram os elementos factuais necessários a preencher a mesma, isto é, que o mesmo individualiza o contrato invocado.
*
Transpondo agora os ensinamentos mencionados para o caso dos autos, haverá então que averiguar se o requerimento de injunção em causa, no que se refere aos fundamentos da providência, nos termos em que foi preenchido pela requerente, integra suficiente explanação da causa de pedir, sendo certo que esta, como se disse, quando venha a existir oposição, se torna mais exigente, visto que a providência passa a ação declarativa, vindo a ser sindicada pelo juiz, e sendo sujeita à produção de prova em julgamento (art. 17º/1 do DL 269/98).
E como já fomos adiantando, analisado o requerimento inicial apresentado pela Autora, verificamos que do mesmo não consta a causa de pedir, ou seja, dele não consta a alegação dos factos necessários à sustentação do pedido por ela deduzido.
Efetivamente, do requerimento inicial apresentado pela A consta apenas – no que à causa de pedir respeita –, que a requerida encomendou à requerente vários fornecimentos de bens, sem especificar quais e em que circunstâncias. Mais acrescenta a requerente que emitiu três faturas em nome da requerida, que juntou mais tarde aos autos, delas constando apenas o seu valor (não coincidente, aliás, com o inicialmente alegado), a data da sua emissão e a data do seu vencimento.
Ora, a simples alusão à encomenda de vários fornecimentos de bens pela requerida à requerente, sem os concretizar, ou a simples alusão ao contrato de fornecimento, não se revela suficiente em termos de causa de pedir, por se tratar de mera qualificação jurídica do contrato, sem individualização do negócio concreto entre as partes celebrado (como se decidiu no Ac RP de 30.3.2006, disponível em www.dgsi.pt).
Acresce que mesmo as faturas aludidas no requerimento de injunção - juntas mais tarde aos autos pela requerente -, não contêm a discriminação dos alegados bens fornecidos, pelo que, ainda aí há uma manifesta falta de concretização do negócio celebrado e dos seus termos (a causa de pedir da ação).
Pertinente é nesta matéria o que refere José Alberto dos Reis (ob citada, III, 3ª ed., 121) - dissertando sobre a identidade da causa de pedir no âmbito mais lato das excepções de litispendência e de caso julgado, e referindo-se a Baudry e Barde (Traité de droit civil, 15.º, 359) - que não se deve confundir a causa de pedir com os meios (de prova) de que a parte se serve para a sustentar ou demonstrar, constituindo estes as provas e os argumentos por via dos quais se procura estabelecer a existência do facto jurídico que serve de fundamento à ação, o que leva a que se se apresentaram testemunhas para provar a existência dum empréstimo e se decair, não se pode propor nova ação com base no mesmo empréstimo, embora se pretenda, agora, fazer a prova dele mediante documento, porque a segunda ação teria a mesma causa de pedir que a primeira: o contrato de empréstimo, apenas mudando o meio de prova do contrato.
É certo, porém - como se decidiu no Ac RP de 30 de maio de 2006 (disponível em www.dgsi.pt), aderindo a uma corrente mais tolerante -, que se poderá admitir a simples remissão do requerimento injuntivo para os factos que constem de documentos que o autor junte, considerando-se os mesmos como ali reproduzidos (no mesmo sentido já havia decidido a Relação de Lisboa, por Ac de 21/4/81, C.J., 1981, 2º, 194).
Os defensores dessa corrente entendem que a causa de pedir da ação é (apenas) o contrato específico de que emerge a obrigação a pagar. E que “há petições em que se alega o tipo de atividade exercido pelo autor e o fornecimento de determinadas mercadorias ou serviços no exercício dessa atividade, durante certo tempo ou na execução de certa encomendas, que se demonstram devidamente com faturas ou guias de remessa, ou numa conta-corrente, que assim completam a petição, em consequência das quais se invoca a existência de um crédito de certo montante, correspondente ao preço ou saldo existente, cujo pagamento se pede. Nesses casos não pode haver dúvidas quanto à relação concreta de que se trata, ou seja, quanto ao facto jurídico concreto invocado para obter o efeito pretendido”.
Daí que exista ineptidão apenas quando o autor se limita a indicar vagamente uma transação comercial ou serviço, como fonte do seu direito. Já não existirá ineptidão, por desconhecimento da causa de pedir, quando na petição inicial se pede o pagamento de determinada quantia proveniente de vendas contabilizadas em forma de conta-corrente de mercadorias e outros artigos, entendendo-se que em tal caso é nítida a causa de pedir, pois consiste nas referidas vendas (Ac. do S.T.J. de 12/3/63, B.M.J. n.º 125º, 405).
Segundo esta corrente, o documento junto com a petição deve considerar-se parte integrante dela, suprindo as lacunas de que possa enfermar; a mesma virtualidade deve ser atribuída ao que for junto ulteriormente, mas a tempo de surtir o efeito que a concomitante junção produz (Ac. da R. de Évora de 25/6/86, B.M.J. n.º 368.º, 632), sendo legal a remissão, feita na petição inicial, para documentos a ela juntos, desde que a causa de pedir fique bem concretizada (Acs. da R. de Lisboa de 15712/87, B.M.J. n.º 372.º, 464; R. de Évora de 9/3/89, B.M.J. n.º 385.º, 627; e R. de Coimbra de 27/6/89, B.M.J. n.º 388.º, 612).
Cremos que foi esta a corrente - mais tolerante -, seguida pelo tribunal recorrido, ao dar relevância às faturas aludidas pela requerente no seu requerimento de injunção e que veio juntar mais tarde aos autos.
A questão é que dessas faturas não consta também a que tipo de bens ou serviços se refere a requerente no alegado contrato de fornecimento celebrado com a ré, ficando o requerimento apresentado sem qualquer substrato factual, mesmo que se considere que os documentos dele fazem parte integrante.
Temos assim de concluir - com a recorrente -, que no caso em análise o contrato invocado pela requerente não está minimamente individualizado, pelo que é manifesta a falta de causa de pedir da petição inicial (no que foi transmutado o requerimento injuntivo), o que acarreta a sua ineptidão e a nulidade de todo o processado, com a absolvição da ré da instância.
Tal ineptidão só não existiria, como se referiu, se não tivesse havido oposição, uma vez que o requerimento de injunção só pode ser recusado nas hipóteses previstas no art. 11º/1 do DL 269/98, de 1.9, sendo certo que nenhuma delas se prende com os factos que fundamentam a pretensão, passando-se de imediato à aposição da fórmula executória (art. 14º).
Como os autos foram apresentados à distribuição por causa da oposição, não se nos afigura viável outra atitude que não a de declarar inepta a petição inicial, com a absolvição da requerida da instância e com a revogação da decisão proferida no despacho saneador” – neste sentido, cfr., ainda acórdão da RG de 02.03.2023, processo nº 49473/22.8T8YIPRT.G1, in http://www.dgsi.pt.
O Tribunal perfilha o entendimento explanado no citado aresto, o qual é totalmente aplicável ao caso sub iudice.
Com efeito, tanto mais que a falta ou a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir não são passíveis de suprimento, pelo que, não terá lugar a prolação de despacho de aperfeiçoamento – neste sentido, acórdão da Relação de Lisboa de 06.02.2020, processo nº 28975/19.9YIPRT.L1.2; acórdão da RL de 10.11.2022, processo n.º 119177/21.9YIPRT.L1.6, ambos disponíveis em http://www.dgsi,pt.
E nem se diga que o facto de a requerida ter deduzido oposição, é suficiente para que se possa verificar a situação prevista no art. 186º, nº 3, do C.P.C. Note-se que a requerida no requerimento ref. ...60 não deixou de sublinhar que “É precisamente o que ocorreu no caso em apreço, em que as faturas nem sequer foram dadas como reproduzidas nos autos para efeitos de suprir qualquer falta de alegação do conteúdo do alegadamente fornecido (…) Acresce que a futura junção de documentos em sede de instrução e de julgamento não tem a aptidão de suprir a lacuna da falta de alegação dos concretos serviços e/ou bens prestados, as quantidades, preços e datas, como no caso concreto dos autos (…) Factos relevantes para a defesa sobre a relação original com a ré”.
Acresce, ainda, que a réplica não é o meio adequado a suprir as deficiências indicadas do requerimento inicial.
Nestes termos, julga-se procedente a ineptidão do requerimento inicial e consequentemente declara-se nulo todo o processo, determinando-se a absolvição da requerida da instância – arts. 186º, nºs 1 e 2, al. a), 278º, nº 1, al. b), 577º, al. b) e 578º, do C.P.C.
Custas a cargo da requerente – art. 527º, nº 1, do C.P.C.
Registe e notifique.
*
Em face da nulidade de todo o processo, fica prejudicada a apreciação e decisão sobre a admissão da reconvenção deduzida pela requerida e demais questões suscitadas nos presentes autos.
Notifique.”
*
C) Inconformada, a autora EMP01..., SA, veio interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo.
*
Nas alegações de recurso da apelante EMP01..., SA, são formuladas as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da decisão de direito que veio julgar procedente a ineptidão do requerimento inicial e consequentemente declarar nulo todo o processo, determinando a absolvição da ré da instância, ao abrigo do disposto nos artigos 186º, nºs 1 e 2, al. a), 278º, nº 1, al. b), 577º, al. b) e 578º, do CPC,
II. por considerar que “o requerimento de injunção, no que à causa de pedir respeita, alude apenas o fornecimento de bens e serviços pela requerente à requerida, sem especificar quais e em que circunstâncias (...) que esses bens e serviços são aqueles que se encontram relacionados nas faturas identificadas no requerimento inicial, as quais, de resto, não foram juntas com o requerimento inicial, nem posteriormente”, o que, diga-se, não corresponde à realidade, uma vez que as faturas se acham juntas aos autos (Cópia das faturas juntas aos autos pela recorrida com a oposição, em 06/03/2024, referência Citius 189672493).
III. Concluindo que "verifica-se que do requerimento inicial não consta a causa de pedir, ou seja, dele não consta a alegação dos factos necessários à sustentação do pedido deduzido”.
IV. Não pode a recorrente concordar com a decisão recorrida, uma vez que não se pode desde logo olvidar que o requerimento de injunção tem características muito próprias, sendo apresentado através de um formulário disponibilizado na plataforma, com campos de preenchimento previamente existentes e inalteráveis, sendo que a própria exposição dos factos impõe um limite de caracteres, tal como resulta do artigo 10º do Anexo ao DL nº 269/98, de 1 de setembro, nomeadamente das alíneas d) e e) do nº 2.
V. Ora a recorrente, na exposição dos factos, inscreveu na rúbrica destinada à data do contrato: “04/10/2022” e na rubrica destinada ao período a que se refere: “18/04/2023 a 09/02/2024” .
VI. Na parte destinada à exposição dos factos, a recorrente mencionou o seu objeto social, o objeto social da recorrida, mais alegando que, no desenvolvimento da sua atividade, (a qual previamente descreveu), forneceu bens e prestou serviços à recorrida, no âmbito de um contrato de empreitada entre ambas celebrado.
VII. No requerimento de injunção, a recorrente identificou as faturas (juntas aos autos) respeitantes ao fornecimento de bens e aos serviços prestados e identificou, ainda, os serviços prestados e bens fornecidos, respeitantes a cada uma das faturas, sustentados em contrato e auto juntos aos autos, indicando, concretamente, que os serviços concernentes à Fatura ...9, correspondem aos serviços de construção civil melhor detalhados no auto e fatura de acordo com o clausulado entre as partes a 18.04.2023; que os serviços da Fatura ...0, correspondem a material aplicado em obra e que os serviços da Fatura ...1, correspondem a horas debitadas à ré para descarregar um camião de tijolo em 12 de maio de 2023 (4h x 4 trabalhadores x custo hora) e pela paragem dos trabalhos e, inerentemente, dos trabalhadores (pelo período de 7h x 5 trabalhadores x custo hora), por responsabilidade da recorrida conforme resulta do correio eletrónico datado de 15 de maio de 2023, durante o decurso do mesmo dia.
VIII. A recorrente indicou, também, a data de emissão e vencimento de cada uma das faturas, por forma a justificar o vencimento de juros de mora, mais alegando o não pagamento do montante em dívida.
IX. A recorrente cumpriu, assim, todos os procedimentos e requisitos legalmente exigíveis no requerimento de injunção que apresentou e que deu origem aos presentes autos, uma vez que e concretamente: indicou e identificou as partes; indicou clara e expressamente o tipo de relação em causa e data, identificando como fonte do direito de crédito invocado, um contrato de empreitada celebrado, no período compreendido entre 18/04/2023 e 09/02/2024, entre as partes, no exercício da sua atividade comercial, especificou o objeto social de ambas as partes; discriminou, devidamente, os valores devidos a título de capital e juros, com identificação das faturas que titulam a dívida, seu número de identificação, valor, data de emissão e de vencimento e juros vencidos; discriminou os serviços prestados pela recorrente à recorrida concernentes à fatura número ...1, emitida em 19/05/2023 e vencida em 03/06/2023, cuja cópia se acha junta aos autos a fls… (Cópia da fatura junta aos autos pela recorrida com a oposição em 06/03/2024, referência Citius 189672493), discriminou os serviços prestados pela recorrente à recorrida concernentes à Fatura ...9, emitida em 03/05/2023 e vencida em 31/05/2023, correspondente aos serviços de construção civil melhor detalhados no auto e fatura emitida de acordo com o clausulado entre as partes a 18.04.2023 (Cfr. documentos n.ºs 8 e 55 juntos aos autos pela recorrente com a réplica), conforme documentos que se acham juntos aos autos a fls… (Cópia da fatura junta aos autos pela recorrida com a oposição, em 06/03/2024, referência Citius 189672493 e cópia do auto de medição junto aos autos pela recorrente com a réplica, sob documento nº 70), discriminou os bens fornecidos e serviços prestados concernentes à Fatura número ...0, emitida em 19/05/2023 e vencida em 03/06/2023, cuja cópia se acha junta aos autos a fls… (Cópia da fatura junta aos autos pela recorrida com a oposição, em 06/03/2024, referência Citius 189672493), encontrando-se juntos aos autos as faturas, auto de medição e contrato e todos devidamente contraditados; alegou que os bens fornecidos e os serviços discriminados nas mencionadas faturas foram prestados à recorrida e que a recorrida não cumpriu a sua obrigação de pagamento das quantias constantes das citadas faturas.
X. Por conseguinte, a causa de pedir, i.e., o incumprimento pela recorrida da sua obrigação de pagamento do preço que por si era devido por tal fornecimento de bens e prestação de serviços, no âmbito de um contrato de empreitada, e que estão descritos no requerimento de injunção e pormenorizadamente descritos nas faturas identificadas e que se encontram já juntas aos autos, está devidamente formulada, não padecendo o requerimento inicial de qualquer ineptidão.
XI. Acresce que a recorrida, apresentou Oposição à Injunção, aceitando quer as faturas, quer o contrato (Não obstante o contra crédito invocado e peticionado em sede reconvencional), invocando várias exceções, mas não a exceção de ineptidão do requerimento injuntivo, sendo claro que entendeu perfeitamente o pedido e a causa de pedir e que interpretou devida e cabalmente o requerimento de injunção, tendo compreendido perfeitamente qual a fonte do crédito invocado, e, nessa sequência, exercido plena e cabalmente o contraditório quanto ao que ali foi alegado, invocando, como se disse, diversas exceções e impugnando-o expressamente, mostrando-se, por conseguinte, sanada uma qualquer (eventual) ineptidão do requerimento inicial por falta da causa de pedir, nos termos do disposto art.º 186º nº 3 do CPC.
XII. Ora, como bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02-05-2024, Processo número 115603/22.8YIPRT.G1, disponível in www.dgsi.pt: “inexiste o vício de ineptidão por falta de causa de pedir do requerimento injuntivo/petição inicial quando a requerente/autora alegou o núcleo mínimo de factos que permitiram a individualização do contrato e a delimitação do litígio, de forma que permitiu à requerida/ré a sua perfeita compreensão e o pleno exercício do contraditório e do seu direito de defesa”.
XIII. É, assim, objetivo que no requerimento inicial a recorrente cumpriu todos os procedimentos e requisitos legalmente exigidos, como também se verifica que os factos essenciais constitutivos do direito que pretende fazer valer se encontram nele devidamente refletidos.
XIV. Sem prejuízo e não concedendo, ainda que se admitisse que a factualidade pudesse não estar completa ao nível da descrição sucinta dos factos, designadamente no que respeita aos concretos bens ou serviços prestados à recorrida, dado que a recorrente remeteu para o discriminativo constante de duas das três faturas em causa [estando os serviços concernentes à Fatura ...1 detalhados no ponto 3. al c) do requerimento de injunção], faturas estas e contrato subjacente que se encontram já, como se disse, devidamente, juntos aos presentes autos, tendo sido aceites pela recorrida, estando ali devidamente detalhados, tal concretização dos factos integrantes da causa de pedir foi feita pela recorrente na réplica, mediante a qual respondeu às exceções arguidas pela recorrida, de entre as quais, sublinha-se, não foi invocada a exceção de ineptidão.
XV. Além disso, foi a própria recorrida, com a oposição à injunção, que fez juntar aos autos as faturas em questão, que discriminam os bens fornecidos e os serviços prestados, sustentados, reitera-se em contrato notarial outorgado entre as partes, pelo que,  naturalmente, que a recorrente não iria repetir a junção de documentos que já se encontravam juntos aos autos.
XVI. Perante o conteúdo daquilo que foi alegado e tendo presente o conceito de factos essenciais da causa de pedir, enquanto elementos típicos que individualizam a causa e permitem identificar o objeto do litígio, impõe-se concluir que a recorrente alegou os factos bastantes e suficientes para suportar o pedido que formulou, respeitando por isso o ónus de alegação consagrado no art.º 10º, nº 2, d) do Anexo ao DL. n.º 269/98, de 1 de setembro.
XVII. Ainda sem conceder e apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, entendendo-se que o requerimento inicial possa não estar completo ao nível da descrição sumária no que aos concretos bens e serviços prestados concerne, a verdade é que sempre deveria o Tribunal a quo, ter convidado a recorrente a aperfeiçoar a sua peça processual de modo a esclarecer sobre o que este entendesse por conveniente, ao abrigo dos princípios da cooperação e do inquisitório, da economia processual e da celeridade processual com vista à descoberta da verdade material e boa administração da justiça, conforme resulta do nº 3 do artigo 17º do citado Anexo ao DL 269/98, de 1 de setembro.
XVIII. Com efeito, apenas haverá falta de indicação da causa de pedir determinante da ineptidão quando falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir.
XIX. Os factos estruturantes e fundamentadores da pretensão injuntiva deduzida foram suficientemente concretizados e individualizados e cristalinamente compreendidos e contraditados pela recorrida, pelo que o requerimento inicial não é inepto, seja por falta de indicação da causa de pedir, seja por ininteligibilidade da mesma.
XX. Os factos essenciais alegados permitem em abstrato, e permitiram em concreto, a defesa da recorrida, que se defendeu e reconveio sem arguir a ineptidão da petição inicial e que, objetivamente, demonstrou na sua oposição, acompanhada de (201) documentos, que compreendeu perfeitamente o pedido e a causa de pedir da recorrente.
XXI. Por isso, ainda que possa considerar-se que o requerimento injuntivo, o que, insiste-se, não se concede, enferme de falta de causa de pedir ou da respetiva ininteligibilidade, a nulidade daí decorrente mostrar-se-ia ultrapassada, devendo os autos prosseguir.
XXII. Salvo o devido respeito, num tempo em que se pretende uma justiça mais célere e prática, não descurando nunca a defesa das partes e o princípio da segurança jurídica, procedendo a douta decisão do Tribunal recorrido, estamos perante uma situação de absoluto desperdício de tempo e custos para as partes e para o erário público, com a repetição, imediata, de um novo processo em tudo semelhante ao presente, quando a instância está perfeita e inequivocamente compreendida e contraditada quer do lado ativo quer do lado passivo.
XXIII. A decisão recorrida ao julgar nulo todo o processo viola os mais elementares princípios da cooperação, do inquisitório, da economia e da celeridade processual ínsitos na normatividade adjetiva, tendo a Douta Sentença recorrida violado os artigos 5º, 6º, 186º nºs 2 e 3 do CPC e 1º, 10º, e 17º nº 3 do Anexo ao DL nº 269/98, de 1 de setembro.
Termina entendendo que deve considerar-se procedente o presente recurso, revogando-se a Douta Sentença e ordenando-se o prosseguimento dos autos.
*
Pela apelada EMP02..., Unipessoal, Lda, foi apresentada resposta onde entende que deverá a presente apelação ser julgada totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.
*
D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir na apelação é a de saber se a petição inicial é inepta e se a decisão recorrida deve ser revogada.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
*
B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
*
C) O despacho recorrido julgou procedente a ineptidão do requerimento inicial e consequentemente declarou nulo todo o processo e absolveu a requerida da instância – arts. 186º, nºs 1 e 2, al. a), 278º, nº 1, al. b), 577º, al. b) e 578º, do C.P.C.
*
O artigo 186º nºs 1 e 2, alínea a) NCPC estabelece que:
“1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
( … )
3. Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.”
A ineptidão da petição inicial (ou da reconvenção), constitui uma exceção dilatória (artigo 577º b) NCPC) que, sendo geradora da nulidade de todo o processo (artigo 186º nº 1 NCPC), dá lugar à absolvição da instância (artigo 576º nº 2 NCPC).
Os pedidos formulados constituem o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (ou reconvinte), enquanto a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 245).
Conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pereira de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, em anotação ao artigo 6º, a páginas 35, a propósito da insanabilidade das exceções dilatórias que “no que respeita à ineptidão da petição inicial, (com ressalva do caso previsto no artigo 186º nº 3), constituindo uma nulidade absoluta que afeta todo o processo (186º nº 1), é simultaneamente uma exceção dilatória típica [artigo 577º alínea b)], resultando na falta de um verdadeiro pressuposto processual formado pela necessidade de conformação do objeto do processo. Em face da verificação de tais exceções dilatórias, só resta, em linhas muito gerais, a absolvição do réu da instância.”

E acrescentam os mesmos autores (ibidem, página 699) que “os casos de indeferimento liminar correspondem a situações em que a petição apresenta vícios substanciais ou formais de tal modo graves que permitem antever, logo nesta fase, a improcedência inequívoca da pretensão apresentada pelo autor ou a verificação evidente de exceções dilatórias insupríveis, incluindo a ineptidão da petição.”
Referem ainda que há ineptidão da petição inicial “quando falte a indicação da causa de pedir: representando o fundamento fáctico da pretensão de tutela jurisdicional formulada, a causa de pedir tem de ser indicada na petição, sem o que faltará a base, isto é, o suporte da própria ação” (ibidem, página 233).”
Conforme afirma Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, a páginas 269, a propósito do conteúdo formal da petição, “… na narração, o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à ação ( … ). Esta parte da petição inicial contem a exposição dos factos necessários à procedência da ação, isto é, a alegação dos factos principais, bem como dos factos instrumentais para os quais seja oferecida prova documental que deva ser junta à petição inicial ( … ). ( … ) e, se faltar qualquer facto essencial, a petição é inepta, por falta de causa de pedir.”
“Como refere Salvador da Costa (A Injunção e as Conexas Acção e Execução, pág. 163), a possibilidade de procedimento de injunção que abstraísse de qualquer menção fáctica à causa de pedir só seria compreensível e viável se não se transmutasse na ação declarativa de condenação no seguimento de oposição. Desde que haja oposição, para que o tribunal não se veja na contingência de não poder decidir de mérito, por verificar a existência da exceção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção por falta de causa de pedir, tem o requerente de assegurar que nesse requerimento se encontram os elementos factuais necessários a preencher a mesma, isto é, que o mesmo individualiza o contrato invocado (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 27/06/2019, processo 30491/18.7YIPRT.G1, relatado pela Desembargadora Maria Amália Santos, in www.dgsi.pt).
De acordo com o artigo 7º do Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular (que aprova o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00), ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro.
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Évora de 14 de julho de 2021, no processo 23680/19.9YIPRT.E1, relatado pelo Desembargador Sequinho dos Santos, disponível em www.dgsi.pt, “o artigo 10º, nº 2, alínea d), do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00, aprovado pelo Decreto-Lei nº 269/98, de 01.09, estabelece que, no requerimento de injunção, o requerente deve “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”. Não obstante os objetivos de simplificação e celeridade visados por aquele regime jurídico, não se dispensou a indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de injunção, aliás em termos semelhantes aos estabelecidos no artigo 1º, nº 1, do mesmo regime jurídico, segundo o qual, na petição inicial da ação declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00, o autor “exporá sucintamente a sua pretensão e os respetivos fundamentos”.
A decisão recorrida entendeu que “o requerimento de injunção, no que à causa de pedir respeita, alude apenas (a)o fornecimento de bens e serviços pela requerente à requerida, sem especificar quais e em que circunstâncias. Acrescenta que esses bens e serviços são aqueles que se encontram relacionados nas faturas identificadas no requerimento inicial, as quais, de resto, não foram juntas com o requerimento inicial, nem posteriormente.
Deste modo, não se pode deixar de concluir, nos exatos termos pugnados pelo citado acórdão, pela ineptidão do requerimento inicial, nos termos do art. 186º, nº 2, al. a), do C.P.C…”.
No requerimento inicial alega a requerente, nomeadamente, o seguinte:
Data do contrato: 04-10-2022
Período a que se refere: 18-04-2023 a 09-02-2024
“3. A requerente, no desenvolvimento da sua atividade, forneceu bens e prestou serviços à requerida, no âmbito de um contrato de empreitada entre ambas celebrado, encontrando-se em dívida, na presente data, os relacionados nas faturas que aqui se consideram inteiramente reproduzidas, a saber:
a) Fatura ...9, emitida em 03/05/2023 e vencida em 31/05/2023, com o valor de 30.814,00€ (trinta mil, oitocentos e catorze euros), correspondente aos serviços de construção civil melhor detalhados no auto e fatura emitida de acordo com o clausulado entre as partes a 18.04.2023;
b) Fatura ...0, emitida em 19/05/2023 e vencida em 03/06/2023, com o valor de 2.376,79€ (dois mil, trezentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos), correspondente a material aplicado em obra;
c) Fatura ...1, emitida em 19/05/2023 e vencida em 03/06/2023, com o valor de 1.003,68€ (mil e três euros e sessenta e oito cêntimos), concernente a horas debitadas à requerida para descarregar um camião de tijolo em 12 de maio de 2023 (4h x 4 trabalhadores x custo hora) e pela paragem dos trabalhos e, inerentemente, dos trabalhadores (pelo período de 7h x 5 trabalhadores x custo hora), por responsabilidade da requerida conforme resulta do correio eletrónico datado de 15 de maio de 2023, durante o decurso do mesmo dia.
4. Faturas que vieram a ser devidamente apresentadas à requerida que, apesar de interpelada, não as pagou.”
Não deixa de ser verdade que a autora, com a petição de injunção, não juntou as faturas que refere na exposição dos factos (pontos 3, a), b) e c), quanto às alíneas a) e b) não identificou os concretos serviços que lhe foram solicitados, os serviços prestados, nem os bens fornecidos e, quanto à alínea c), como resulta da alegação, estão definidos os serviços prestados e valor total dos mesmos, de €1.003,68.
É importante que se note que uma coisa é a alegação, ainda que sintética, dos factos que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido e que permitem, em abstrato, avaliar a sua suficiência para poder a pretensão proceder, caso se venha a provar a materialidade de tais factos e outra, diferente, a inexistência de tal alegação que determina a ineptidão da petição.
Ora a alegação deve constar no articulado próprio e não ser objeto de remissão para um qualquer documento probatório que tem por função a demonstração (ou infirmação) da realidade de determinados factos (cfr. artigo 341º Código Civil), sendo certo que nem sequer foram juntas as referidas faturas com a petição.
Nem se diga, como o faz a apelante, que, no caso da injunção, a lei (Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09), impõe um limite de carateres, no artigo 10º nº 2, d) e e), dado que apenas se estabelece na alínea d) que o requerente deve expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão e a alínea e) refere-se ao pedido e determina que o requerente deve formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas, pelo que aí não se estabelece qualquer limitação de carateres.
Refere a apelante que as cópias das faturas foram juntas pela recorrida com a oposição, referindo-se, neste articulado, que foram juntos 201 documentos!
Analisando os documentos, verifica-se que, efetivamente, aí constam as três referidas faturas, não se podendo indicar a sua localização através da indicação das respetivas páginas, uma vez que se abandonou a numeração das páginas dos processos, o que, em casos como o presente, com um elevado número de páginas, com três volumes, mais não se pode fazer do que referir que os mesmo estão no I Volume, o que dificulta a sua localização.
Nas faturas em questão, refere-se:
Na Fatura ...9, na descrição, “Obra: Edifício ..., ..., Serviços de Construção Civil, Conforme contrato celebrado em 18/04/2023”, a que se segue o valor líquido - €30.814,00.
Na Fatura ...0 refere-se:
“Obra: Edifício ..., ...
Abobadilha 40x30x33 270 Un.
Abobadilha 32x20x25 180 Un.
Vigotas V5                         1 Un.
Malha em Painel          486 Un.
Arame Queimado             2 Un.
Aço para tarugos   568 Un.”, a que segue a indicação dos valores, no total de €2.376,79.
Por último, no que se refere à Fatura ...1, apenas se refere:
“Obra: Edifício ..., ...
Horas                    16 Un.
Horas                    35 Un.”, a que se segue a indicação do valor no total de €1.003,68”.
Afigura-se que, não tendo a requerente e apelante alegado a factualidade integradora da causa de pedir na petição, tal significa a omissão da mesma quanto às referidas alíneas a) e b), o que determina a ineptidão da petição, com a consequente nulidade de todo o processo, mas já não no que se refere à alínea c), pelo que legitimamente se poderá questionar se é possível a declaração de ineptidão parcial.
Como se refere no acórdão desta Relação de Guimarães de 06/02/2020, no processo 2087/16.5T8CHV-A.G1, relatado pelo Desembargador Jorge Teixeira, disponível em www.dgsi.pt, “embora o CPC não refira expressamente a possibilidade de ineptidão parcial da petição inicial, entende-se que também não há razões para sustentar a inexistência da figura e, logo, considera-se que seja admissível quando inexista causa de pedir para parte do pedido.”
E acrescenta “ora salvo o devido respeito por diversa opinião somos de entender que inexistem obstáculos processuais relevantes que impeçam esta decisão, pois que, como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2016, “Ocorre a ineptidão da petição inicial quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, o que determina a nulidade de todo o processo (art.º 186º 1 do CPC) e conduz à absolvição da instância [art.ºs 576º 1 e 2; 577º al. b); e, 278º 1 al. b), do CPC].
Através da figura da ineptidão da petição inicial pretende-se evitar que o tribunal seja colocado na situação de impossibilidade de julgar corretamente a causa.
Assinala-se, desde já, que embora o CPC não refira expressamente a possibilidade de ineptidão parcial da petição inicial, entende-se que também não há razões para sustentar a inexistência da figura e, logo, considera-se que seja admissível quando inexista causa de pedir para parte do pedido [cfr., Ac. do STJ de 17-03-1998, proc.º nº 213/98, Conselheiro Garcia Marques, disponível em www.dgsi.pt]”.
Afigura-se-nos, assim, que, relativamente à situação em apreço, estamos, precisamente, perante uma situação de ineptidão parcial da petição.
E será que o facto de a requerida e apelada ter apresentado contestação, sem ter invocado a ineptidão da petição, tem o significado de a mesma ter entendido perfeitamente a causa de pedir?
Na sequência da audição da autora e da ré, com vista a pronunciarem-se quanto a uma eventual ineptidão da petição, aquela sustenta que a ré entendeu perfeitamente a causa de pedir e que interpretou devida e cabalmente o requerimento de injunção, tendo compreendido perfeitamente qual a fonte do crédito invocado, sem, no entanto, invocar a ineptidão da petição, não obstante tenha suscitado diversas exceções.
Por sua vez, a ré e apelada, pronunciou-se no sentido de dever ser julgado inepto  o  requerimento inicial, o que não fez por ocasião da dedução da oposição.  
Assim sendo, decorre do exposto e da leitura da extensa oposição deduzida pela requerida e apelada, que esta interpretou convenientemente a petição, não obstante discorde da pretensão deduzida pela requerente e tenha mesmo deduzido reconvenção, no entanto, afigura-se-nos ter interpretado corretamente a petição, não tendo mesmo invocado a ineptidão da petição, podendo fazê-lo, motivo pelo qual, por aplicação do disposto no artigo 186º nº 3 NCPC, não se deverá manter a  decisão que decretou a ineptidão da petição.
Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa no seu Código de Processo Civil anotado online no Blog do IPPC, a páginas 66-67, em anotação ao artigo 186º,
“a) Na contestação, o réu pode arguir, a título principal, a ineptidão da p.i. por falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir (nº 2, al. a)) e, a título subsidiário, contestar a ação.
(b) Nesta hipótese, há que aplicar o disposto no nº 3: o tribunal deve mandar ouvir o autor e, em função da informação prestada por esta parte, verificar se o réu interpretou convenientemente a p.i. O tribunal deve fazer uso efetivo deste poder de controlo, podendo afastar-se da confirmação prestada pelo autor de que o réu interpretou convenientemente o seu articulado. Na hipótese de o tribunal aceitar a confirmação do autor, o objeto do processo passa a ser aquele que resultar da interpretação realizada pelo réu e da confirmação prestada pelo autor.
(c) Habitualmente, vê-se no disposto no nº 3 uma forma de sanar a ineptidão da p.i. (…). Mais correto é entender que não ocorria a ineptidão da p.i. e que, afinal, esta petição era apenas deficiente.
(d) Do disposto no nº 3 resulta que a omissão da arguição da ineptidão da p.i. nada faz presumir quanto à interpretação adequada deste articulado pelo réu.”
Tanto basta para que, sem necessidade de ulteriores considerações, se decida que a apelação deve ser julgada procedente e, em consequência revogada a douta decisão recorrida, determinando-se o prosseguimentos dos autos.
As custas terão de ser suportadas pela apelada, tendo em conta o seu decaimento (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).      
*
D) Em conclusão:
***
III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência revogar a douta decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pelo apelada.
Notifique.
*
Guimarães, 18/09/2025

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares
2º Adjunto: Desembargador Paulo Reis