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EMBARGOS DE TERCEIRO
FUNDAMENTO DOS EMBARGOS
EXECUÇÃO
INSOLVÊNCIA
Sumário
Nos embargos de terceiro cumpre avaliar tão só se o terceiro embargante é titular de uma posição jurídica que seja oponível ao exequente. Donde ficam arredadas do âmbito da sua discussão e julgamento embargos questões relacionadas com a legalidade do título executivo ou com o processo executivo ou com o processo de insolvência onde o título dado à execução se formou. Todas estas questões são estranhas aos presente autos, não sendo o presente recurso a sede própria para a sua discussão e decisão. Tão pouco tem o embargante/apelante legitimidade para suscitar tais questões porque não foi parte no processo de insolvência e não é parte no processo executivo. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Apelação n.º 244/24.0T8PSR-A.E1
(2.ª Secção)
Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntas: Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO I.1.
(…), requerente no apenso de embargos de terceiro que moveu contra (…), Lda. e (…) no âmbito dos autos de execução que foram movidos pela segunda contra (…) Love, Lda., interpôs recurso do despacho de indeferimento liminar dos embargos de terceiro proferido naquele apenso pelo Juízo de Competência Genérica de Ponte de Sor, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre.
O despacho sob recurso tem o seguinte teor[1]:
«(…), solteira, titular do NIF (…), residente na Rua (…), n.º 23, 1.º-Esq., 2700-650 Amadora, veio deduzir embargos de terceiro contra (…), Lda., titular do NIPC (…), com sede na Rua (…), (…), 2490-733 Ourém, (…), titular do NIF (…), residente na Estrada Nacional n.º (…), (…), 2490-733 Ourém, e (…) Love, Lda., titular do NIPC (…), com sede na Quinta da (…), Rua do (…), 7400-605 Tramaga, dizendo para o efeito, e em síntese, o seguinte:
a) Em junho de 2022, celebrou contrato verbal com (…), relativo à fração onde reside, correspondente ao 1.º andar esquerdo do n.º 23 da Rua (…), na Amadora, nos termos do qual aquele cedeu-lhe “a posição contratual que detinha no andar em causa desde 2004”;
b) Ficou então prometida a celebração da escritura de compra e venda da fração com os respetivos proprietários, (…) e outros, pelo preço de € 5.000,00, incumbindo àqueles a obrigação de contactarem a embargante logo que fosse possível celebrar a escritura de compra e venda;
c) As chaves da fração foram de imediato entregues à embargante, que nela passou a residir desde então, ali realizando diversas obras, cujo preço suportou, e pagando ainda diversas despesas relacionadas com a manutenção de partes comuns do prédio;
d) Desde 2022 tem vindo a sofrer danos não patrimoniais, nomeadamente por ter vindo a ter receio de “ser posta na rua”;
e) Adquiriu o direito de propriedade sobre a fração autónoma em causa.
Em resultado do ora exposto, pretende a embargante que os embargos sejam recebidos com efeito suspensivo e com dispensa de prestação de caução, e que, simultaneamente, seja declarado o seu direito de propriedade sobre a fração autónoma acima indicada, que alega ter adquirido por usucapião, sendo ainda declarado o seu direito a uma indemnização, correspondente ao valor das obras e despesas suportadas (€ 47.570,00) e aos danos não patrimoniais que sofreu (€ 3.000,00), acrescida de juros legais vencidos e vincendos a contar da notificação dos embargados até efetivo e integral pagamento.
Supletivamente, e por considerar verificar-se uma situação de enriquecimento sem causa, exige dos embargados o pagamento da quantia de € 50.570,00, acrescida de juros legais vincendos a contar da sua notificação.
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Ao abrigo do disposto no artigo 345.º do Código de Processo Civil, foram tomadas declarações à embargante e inquiriu-se as testemunhas arroladas pela mesma.
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Com base na prova produzida nestes autos considera-se indiciada a seguinte factualidade:
1) O direito de propriedade sobre a fração autónoma correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio sito no n.º 23 da Rua (…), na freguesia da (…), do concelho da Amadora, descrita na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Amadora sob o n.º (…), encontra-se inscrito a favor dos embargados, na proporção de 9/10 para a primeira embargada e de 1/10 para o segundo embargado.
2) Em junho de 2022, as chaves da fração autónoma indicada em 1) antecedente foram entregues à embargante por (…).
3) A embargante reside na fração autónoma indicada em 1) antecedente desde a data referida em 2) antecedente.
4) Atualmente, para além da embargante e do seu companheiro, residem na mesma fração autónoma três filhos de ambos, todos menores de idade.
5) Desde a data referida em 2) antecedente, a embargante realizou diversas obras na fração, de valor concretamente não apurado.
6) Desde a data referida em 2) antecedente, a embargante pagou despesas de manutenção do prédio, de valor concretamente não apurado.
*
Mais se indicia a seguinte factualidade (cfr. artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil):
7) O referido em 2) e 3) ocorreu sem o conhecimento e consentimento dos proprietários da fração naquela data.
*
A indicação dos factos supra elencados resultou, desde logo, das declarações de parte da embargante e do depoimento das duas testemunhas inquiridas, ambas vizinhas da primeira. Contudo, tais declarações e depoimentos não demonstram que a embargante tenha pago o preço indicado para as obras realizadas na fração ou as despesas indicadas, decorrentes da manutenção do prédio; tão pouco permitem inferir com segurança em que qualidade (…) se encontrava a residir na fração (embora a embargante tenha declarado que aquele arrendava a fração há vários anos) e/ou garantir que existiu qualquer promessa de venda da fração à embargante por parte dos seus proprietários, tanto mais que tanto a embargante como as testemunhas afirmaram não ter tido qualquer contacto com os proprietários da fração, cujo paradeiro desconheciam por completo.
Também não se demonstrou que desde 2022 a embargante tenha receio de ser forçada a sair da fração que habita e que, por esse facto, tenha pesadelos e dificuldade em dormir.
Note-se que a prova de tais factos, alegados pela embargante, competiria à mesma.
É consabido que a convicção exigida ao julgador para a demonstração dos factos é uma convicção que, para além de dever respeitar as leis da ciência e do raciocínio, assenta em muitas situações numa regra máxima da experiência, baseada na normalidade das coisas, as quais são aptas a servir de argumento justificativo dessa convicção; de outro passo, as provas são qualificadas a partir de um critério funcional, como deflui do disposto no artigo 341.º do Código Civil. Ora, os depoimentos das testemunhas inquiridas foram indiretos e muito lacunosos, limitando-se a afirmar terem presenciado uma promessa de entrega das chaves da fração à embargante por parte de (…) e o facto deste ter referido que iria tentar contactar a proprietária para que a mesma vendesse a fração à embargante. Por outro lado, afirmaram saber o valor das obras e despesas suportadas pela embargante com a fração apenas porque a mesma as havia informado de tal valor. Quanto à embargante, dispensou-se de juntar qualquer documento relativo ao pagamento das obras e/ou despesas, designadamente com a aquisição de materiais aplicados no imóvel, não tendo também arrolado como testemunhas as pessoas que as realizaram e a quem pagou o respetivo preço. Sublinha-se ainda o facto de a embargante se considerar proprietária da fração onde reside, mas não ter alegado, e muito menos demonstrado, ter pago a suas expensas o IMI anual, eventuais quotizações do condomínio da fração e/ou a realização de qualquer obra de vulto no prédio.
A indicação de prova testemunhal credível e, portanto, segura, quanto aos factos relevantes para a decisão estava na inteira disponibilidade da embargante e não se tratava de provar factos negativos.
Tais limitações da prova realizada levaram a que apenas se desse por provados os factos acima indicados, tendo-se ainda considerado para o efeito o teor da certidão com a referência 34344245.
*
Apreciação liminar:
Dispõe o artigo 345.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe de “fase introdutória dos embargos”, que, “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
Desdobra-se, assim, o incidente dos embargos de terceiro em duas fases, sendo uma de feição introdutória (e que vai desde a sua dedução ao despacho de recebimento ou de rejeição dos embargos), e uma outra já de estrutura predominantemente contraditória (a qual segue-se à prolação do despacho de recebimento, e assume a natureza de uma verdadeira ação declarativa, a tramitar segundo os termos do processo comum – cfr. artigos 347.º/348.º, ambos do Código de Processo Civil). Ora, no âmbito da primeira fase, aquela em que nos encontramos, tem lugar tão só uma avaliação de probabilidade - a efetuar em função dos termos da petição inicial e cabendo ao embargante o ónus de alegar matéria de facto favorável à sua legitimidade, à viabilidade e à tempestividade da ação –, utilizando o legislador no artigo 345.º, in fine, do Código de Processo Civil, a mesma fórmula que utiliza outrossim em sede de procedência das providências cautelares (cfr. artigo 368.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Tal equivale a dizer que o tribunal receberá os embargos de terceiro desde que, perante os termos do requerimento inicial e da prova informatória (baseando-se, portanto, o elemento estruturante do juízo sobre o direito invocado pelo embargante em mero fumus boni juris) que o juiz julgue oportuna e necessário produzir, não sejam de rejeitar; rejeitá-los-á, por outro lado, se do referido articulado inicial e da prova produzida não resultar a probabilidade séria da existência do direito do embargante.
Como explica Rui Pinto, os embargos de terceiro são o incidente pelo qual quem não é parte no processo pede a extinção de penhora, apreensão ou entrega judiciais ofensivas de posse ou direito seus (in A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, pág. 700).
Os embargos de terceiro podem assentar, assim, em dois fundamentos: ofensa do exercício da posse e/ou ofensa da titularidade de um direito incompatível com a diligência executiva.
Relativamente ao conceito de posse de terceiro incompatível com o ato de apreensão da coisa, há-de o mesmo aferir-se forçosamente nos termos do artigo 1251.º do Código Civil, ou seja, por via dos elementos do corpus e do animus. Assim, a posse de terceiro incompatível com o ato de penhora ou outro ato dela ofensivo que justifica a dedução de embargos de terceiro é a que é exercida em nome próprio, ou seja, a geradora da presunção de titularidade do direito incompatível com o ato judicial ofensivo, nos termos do artigo 1268.º, n.º 1, do Código Civil.
Por seu turno, estabelece o artigo 1253.º do Código Civil, que são havidos como detentores ou possuidores precários:
a) os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito;
b) os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;
c) os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.
Importa ainda convocar na situação em juízo, o disposto no artigo 1263.º do Código Civil, sob a epígrafe aquisição da posse, com o seguinte teor: A posse adquire-se: a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito;
b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor;
c) Por constituto possessório;
d) Por inversão do título da posse.
Do quadro normativo enunciado se infere que para haver posse é preciso que haja por parte do detentor a intenção (animus) de exercer como seu titular um direito real, e não um mero poder de facto sobre ela, sendo interdependentes o corpus e o animus enquanto elementos que a consubstanciam.
A essa conclusão se aporta face ao disposto no artigo 1251.º do Código Civil e também na distinção clara vertida no artigo 1253.º do Código Civil.
Não podem, pois, ser deduzidos embargos de terceiro no caso de o terceiro, em relação à coisa afetada pela diligência judicial, apenas ser mero possuidor precário ou detentor.
Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante (cfr. artigo 344.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
*
Revertendo agora à pretensão deduzida pela embargante nos presentes autos, diremos que a mesma logrou provar a sua qualidade de terceiro, posto que, analisado o processo executivo de que este é um apenso, logo se conclui que não tem nele qualquer intervenção.
Acresce que, atentas as breves considerações acabadas de aduzir quanto ao conceito de posse (efetiva ou jurídica), difícil não é reconhecer que a embargante no articulado inicial dos presentes embargos alegou factualidade suficiente e pertinente suscetível de, a provar-se com base num juízo de probabilidade ou de mera verosimilhança, justificar a conclusão de que, em relação à fração que identifica, dispunha do respetivo corpus, ou seja, exerce realmente um poder de facto sobre a mesma.
E estará também indiciado existir animus da sua parte ?
É certo que no tocante à dificuldade da demonstração da posse em nome próprio, o legislador esteve ciente da sua existência, e por isso consagrou uma presunção de posse por parte daquele que exerce o poder de facto. Ou seja, existindo o corpus, e em caso de dúvida, o seu exercício daquele faz presumir a existência do animus, com base no disposto no artigo 1252.º, n.º 2, do Código Civil.
Sucede que a embargante deixou por demonstrar em juízo quaisquer poderes de facto demonstrativos desse animo dominu, claramente de conteúdo positivo.
Desde logo, porque o poder de facto que a embargante alega exercer sobre o imóvel não o é em nome próprio, mas antes em nome dos verdadeiros proprietários da fração, que bem conhecia quando para ali foi viver. A embargante sabe que vive, aí tendo instalada a sua casa de morada de família, num imóvel que não era nem é seu, pois pertencia às pessoas que logo identificou na petição inicial, e tinha mesmo que suspeitar que aqueles desconheciam por completo a sua permanência no imóvel, já que as respetivas chaves foram-lhe entregues por terceiro.
Acresce não poder deixar de se estranhar que, a existir qualquer promessa de venda do imóvel, a embargante nada tivesse feito tendo em vista definir e formalizar em definitivo a sua posição relativamente à propriedade da fração. Depois, tal promessa, a ter existido, como já se disse, não lhe foi sequer feita por qualquer proprietário da fração, mas antes por um terceiro, como a embargante não deixou de referir. Por outro lado, também se nos afigura altamente questionável que os proprietários registados do imóvel se tivessem desinteressado por completo e se tivessem alheado do seu direito de propriedade, abrindo mão dele em favor da embargante sem uma contrapartida efetiva, materializável e comprovada por documento. Aliás, tanto assim não sucedeu que foram realizados diversos atos de registo relativos ao imóvel dos autos, agora registado em nome dos embargados.
Finalmente, uma eventual inércia ou negligência da embargante em acautelar o invocado direito de aquisição prometido sobre o imóvel, não poderia de forma alguma sobrepor-se in casu à certeza e confiança do registo de propriedade do imóvel.
Por isso, a embargante deve ser considerada como mera detentora ou possuidora precária. Por outras palavras, o quadro circunstancial apurado leva a concluir que não ocorreu qualquer transmissão da posse de (…) para a embargante, e, por conseguinte, não se provou uma posse real/efetiva da embargante, que se consubstancia no mero exercício de poderes de facto sobre a fração.
A embargante não pode, por isso, lançar mão dos meios possessórios.
E o facto de a embargante residir no imóvel há já vários anos poderá implicar que as diligências executivas possam vir a violar um eventual direito seu de uso e habitação do imóvel ?
A este respeito preceitua o artigo 1484.º do Código Civil que:
1. O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respetivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família.
2. Quando este direito se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação.
O direito de uso e habitação constitui um direito real de gozo.
Conforme resulta dos termos conjugados dos artigos 1485.º, 1440.º e 1293.º, alínea b), todos do Código Civil, o direito de uso e habitação pode adquirir-se por contrato, testamento ou disposição legal, mas não por usucapião.
Ora, nada nos autos permite concluir por uma probabilidade séria da existência do direito de uso e habitação da embargante sobre a fração onde reside, isto é, que a mesma tenha adquirido o direito de uso e habitação sobre o referido imóvel por contrato (que, naturalmente, teria de ter sido celebrado com os proprietários da fração e não por terceiro), testamento ou disposição legal. E, como já se referiu, o direito de uso e habitação não pode constituir-se por usucapião.
Pelas razões que se deixaram expostas teremos de concluir pela carência total de fundamento para a dedução dos presentes embargos de terceiro.
Assim, vão os embargos de terceiro deduzidos liminarmente indeferidos, nada obstando ao prosseguimento da execução.
Custas pela embargante (cfr. artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Valor: o indicado na petição de embargos.
Registe e notifique.»
I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1ª
Em primeiro lugar, verifica-se que os embargos foram deduzidos contra duas pessoas coletivas e contra uma pessoa singular, não sendo essa a informação constante da decisão recorrida, pelo que a mesma afigura-se ilegal e deve ser revogada.
2ª
Os Embargos visam salvaguardar a posse, nada têm a ver com o direito de propriedade. No
presente processo, no dia 24 de Março de 2025, a Embargante que sempre teve a posse da casa de morada de família, o presente processo nada tem a ver com os processos judiciais anteriores.
3ª
Assim é manifesto que não só tem legitimidade como terceiro pois que não faz parte da relação jurídica que deu origem à presente execução como a instauração é tempestiva pois que entre a data do conhecimento do propósito da retirada da posse e a instauração dos embargos medeiam menos de 15 dias! Quando a lei confere, pelo menos, um prazo de 15 dias.
4ª
Dispõe o artigo 860.º, n.º 1, do CPCivil que «O executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729.º a 731.º, na parte aplicável, e com fundamento a benfeitorias a que tenha direito.», mas, tratando-se como se trata de uma execução de sentença, esta última parte não é aplicável, por via da ressalva expressa no n.º 3 «A oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas».
5ª
Supletivamente, sempre se dirá que a embargante e ora recorrente é terceira em relação ao julgado em execução, porquanto não figurou como Ré em sede declarativa cuja decisão aqui se executa, sendo-lhe lícito, pois, em tese, usar do meio processual aludido no artigo 342.º do CPCivil, ou seja, o Tribunal recorrido se considerava que nunca deveria ter chamado a Recorrente ao processo sempre deveria ter admitido os embargos como embargos de terceiro visto que sempre esteve excluída a dedução de Oposição.
6ª
No presente caso afigura-se incontornável a existência de conexão objetiva entre as duas ações, sendo que os embargos assemelham-se em tudo ao pedido reconvencional, emergem do fato jurídico que serve de fundamento à defesa.
7ª
A celeridade processual não pode fazer perigar nem o direito de defesa nem o contraditório
tanto mais que a segurança na habitação prevalece sobre o interesse económico relativo ao
despejo.
8ª
Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
9ª
As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada
no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
10ª
A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente.
11ª
Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo embargante, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto.
12º
Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
13ª
Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de
exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível,
redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica.
14ª
Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo n.º 0012472, sumário em dgsi.pt).
15ª
No que respeita ao resumo das declarações prestadas pela embargante e pelas testemunhas, tal como foi dado como assente, nada há que sindicar, sendo certo que o ponto nº. 7 que não teria havido conhecimento dos proprietários da fracção, a verdade é que, quem adquiriu a fração, não contactou a embargante, tal como quem a vendeu também não comunicou o direito de preferência, afigurando-se até inusitado o processo
16ª
No dia 2 de Dezembro de 2024, a ora Recorrente tomou conhecimento de um alegado aviso, da Exma. AE de que iria ser efetuado o despejo no dia 16 de Dezembro de 2024.
17ª
No dia 3 de Dezembro de 2024, foram apresentados, de forma legitima e tempestiva, os competentes embargos de terceiro, com efeito suspensivo, quer automático, quer por ter sido requerido com dispensa de prestação de caução.
18ª
As 6 petições de embargos de terceiro contêm como indicação de valor a quantia de € 50.570,00, o que desde logo, tem efeitos sobre a competência em razão do valor, sendo que o Tribunal não conheceu desta concreta questão quando estava obrigado a fazê-lo antes sequer de realizar qualquer diligência no âmbito dos embargos.
19ª
Assim, as diligências efetuadas padecem de nulidade pois que foram presididas por quem não tinha poderes para tal, sendo certo que, nas várias diligências já levadas a cabo sempre tal questão foi colocada, ou seja, nenhum dos embargantes prescindiu do conhecimento dessa nulidade e muito menos se pronunciou sobre a mesma, no sentido de tal nulidade não ser conhecida.
20ª
O presente processo de insolvência reveste naturalmente interesse e ordem pública na medida em que uma vez requerida a insolvência não pode o requerente desistir e muito menos efetuar qualquer transação pois que quem é insolvente não deixa de o ser de uma hora para a outra, afigurando-se ainda que no processe de insolvência era obrigatória a nomeação de um administrador de insolvência o qual teria de ser nomeado de imediato e a declaração de insolvência devia ter sido objeto de publicação no Diário da República.
21ª
Não se compreende como foi possível que o Tribunal não tenha diligenciado pela nomeação do Administrador de Insolvência pois que ficou precludida a elaboração do Apenso de Apreensão de Bens.
22ª
Nalgum momento o processo de insolvência esteve pendente e apesar das graves omissões da falta de nomeação de administrador e da publicitação da insolvência, verificou-se ainda algo mais estranho que corresponde ao facto de o processo de insolvência não ter absorvido todos os outros processos tal como a lei impõe e nem sequer foi decretada a suspensão dos demais processos, tal como deveria ter acontecido no processo de execução nos próprios autos.
23ª
Consultado o processo principal, verifica-se que se trata de um requerimento de execução de decisão judicial condenatória verifica-se que da factualidade alegada, a mesma se baseia numa decisão judicial condenatória e lida a exposição factual, da mesma resulta que a 22/6/2024, foi instaurado um processo de insolvência de pessoa coletiva na qual se peticiona a quantia de € 15.500,00.
24ª
Consta ainda que no dia 16/8/2024 requerente da insolvência, recorde-se dois meses depois de requerida a Insolvência, que é um processo urgente, e que teria de em poucos dias, dar origem à nomeação de um Administrador de Insolvência e à publicação em Diário da República do aviso de Reclamação de Créditos, algo que se encontra completamente omitido.
25ª
Mais, alude-se a uma transação que se afigura como algo proibido uma vez que o interesse
público não permite que numa transação de insolvência passe a constar que para pagar a divida à exequente se faca constar que a executada, que recorde-se, não é proprietária do Imóvel pois que o proprietário é (…), Lda. em 90% e o sr. (…) em 10% e muito menos que dessa transação consta que a executada se compromete a entregar as chaves das frações correspondentes ao R/C Esq., 1º Esq., 2º Esq., 3º Esq., R/C Dto. e 1º Dto. até ao final de Agosto de 2024.
26ª
De facto, para alem da ilegalidade da transação, não é possível que se faça constar que a executada que não tem inscrito a seu favor qualquer direito de propriedade se possa comprometer entregar as chaves das frações em causa. Trata-se de algo bastante obscuro que já deveria ter merecido despacho de indeferimento liminar do Requerimento executivo.
27ª
Igualmente estranho é o facto de só ter sido efetuado o pagamento de uma prestação e ter sido invocado que as chaves não foram entregues e que o acordo não foi cumprido pois que, afinal, não era um acordo por € 15.000,00 mas apenas por uma prestação, visto que as chaves deveriam ser entregues mesmo antes de decorrido o prazo da primeira prestação.
28ª
Para alem da confusão entre exequente e executado, importa ainda esclarecer que a adquirente (…), sempre teve conhecimento que os referidos andares se encontravam a ser habitados, como casa de morada de família, pelas embargantes e respetivos companheiros e número significativo de menores, bem sabendo que não tinha sido efetuada a comunicação do direito de preferência e algumas das situações relativas à cedência da situação contratual tinham na sua origem um contrato de arrendamento por escrito, estando a adquirente obrigada a comunicar no cartório notarial, aquando da compra, que se trata de casas arrendadas e a juntar à respetiva escritura cópia das cartas registadas a comunicar o direito de preferência, mas tal não teve lugar.
29ª
Por sua vez, no que respeita à pretensão de execução da referida sentença que foi peticionado a quantia de € 13.950,00 bem como a entrega das referidas frações, sendo certo que as embargantes não receberam qualquer notificação e se tivesse recebido, teriam exercido o direito de preferência e até tinha solicitado a emissão de guias para pagamento imediato da quantia exequente e extinção da execução, o que, nos termos legais, fazem, com base no presente requerimento, devendo o Tribunal proceder à emissão da guia correspondente a tal valor.
30ª
Lido o alegado título executivo que é constituído pela Sentença de 18/9/2024 e pelo denominado acordo de pagamento em prestações e restituição, desde logo se verifica que nos termos do artigo 21.º do CIRE, era possível a apresentação de procedimento criminal que ao caso couber, independentemente de ainda não ter sido proferida sentença.
31ª
Mais foi declarado que foi homologada a desistência da Instância quanto à (…) Love, que recorde-se não é nem nunca foi proprietária das frações em causa, o que constitui um forte indicio do crime gravíssimo que terá sido praticado com a referida transação, uma vez que se pretende, através de uma transação num processo de insolvência obter a entrega das chaves de frações autónomas que em vez de serem da propriedade da executada, eram isso sim da propriedade da exequente para, por essa forma, eventualmente se alcançar um despejo célere e desprovido de garantias para as embargantes que ai residem há vários anos.
32ª
Por sua vez no que respeita aos termos do acordo de pagamento, temos que a (…) reconhece que tem uma divida de € 13.000,00 para com (…), bem como uma locação de € 2.500,00 celebrando assim um acordo de € 15.5000,00, a ser pago tal valor em 10 prestações. Nunca no referido acordo de pagamento se refere a existência de uma qualquer prestação de facto, nunca se refere a obrigação de entrega de quaisquer chaves pelo que se desconhece como foi possível admitir-se no requerimento de execução o ponto 3 que remete para o ponto 5 da cessão da posição contratual quando, na prática, o que serviria era de a exequente que seria credora que € 15.500,00 cederia, o que apenas se pode depreender, à executada as frações para depois a executada se comprometer a entregar as chaves à exequente que recorde-se na prática, nada cedia e na prática também só teria recebido uma prestação.
33ª
Resulta claro que da leitura da sentença homologatória, do acordo de pagamento e do requerimento executivo que o presente processo não se compadece com o respeito da legalidade; terá tido uma finalidade diversa daquela a que respeita o requerimento executivo, não sendo estranho o prejuízo irreparável para as embargantes pois que os processos judiciais não devem ser utilizados para fins contrários à lei e, no mínimo, o requerimento executivo, por se afigurar contrário à lei, deveria ter sido liminarmente indeferido, o que se requer através do presente requerimento de arguição de nulidade de todo o processado nos termos expostos.
34ª
Com a entrega em juízo dos embargos de terceiro foi ordenada a suspensão do despejo das
habitações correspondentes às casas de morada de família de cada um dos embargantes e ora requerentes.
35ª
Nessa medida, foi revogada a autorização judicial da comparência do OPC que assim ficou sem qualquer efeito. Tal como doc. 2 que se junta.
36ª
No dia 9 de Abril de 2025, teve lugar a realização de diligências relativas à embargante (…) e mais uma vez foram inquiridas testemunhas e prestadas declarações pela embargante tendo igualmente reiterado a questão relativa à incompetência em razão do valor bem como a necessidade de ser salvaguardada a casa de morada de família, sempre no âmbito do processo de Insolvência.
37ª
Efetivamente nunca o Tribunal nessas diligências ordenou a retificação processual por forma a ficar claro que o processo de insolvência já não existia e que estávamos apenas no âmbito de um processo de execução nos próprios autos, sendo que todas as embargantes naturalmente declararam ter a posse da respetiva habitação e as testemunhas também confirmaram quer a posse quer o receio de a sua posse ser afetada.
38ª
Nos termos do disposto no artigo 647.º, n.º 3, alínea b), do CPC b): “Tem efeito suspensivo da decisão a apelação” “b) Da decisão que ponha termo ao processo nas ações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 629.º e nas que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação;”
Termos em que deve o presente Recurso ser admitido, com efeito suspensivo e subindo nos
próprios autos, e julgado procedente por provado, revogando-se o despacho recorrido e
ordenando-se o recebimento e envio para julgamento dos embargos, como embargos de terceiro, se fará Justiça!»
I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
Mediante despacho proferido em 2 de junho de 2025, o julgador a quo proferiu despacho no qual procedeu à retificação do despacho recorrido na parte referente à identificação dos embargados, aditando ao mesmo a embargada (…) Love, Lda..
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).
II.2.
As questões que cumpre decidir são as seguintes:
1 – Questões prévias.
2 – Avaliar se ocorre nulidade processual;
3 – Avaliar se o tribunal recorrido é materialmente competente.
4 – Avaliar se ocorreu erro de julgamento de direito.
II.3. FACTOS
Os factos a considerar são os julgados provados na decisão sob recurso (cfr. supra I.1), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
II.3. Questões prévias
Nas suas conclusões de recurso, a recorrente sustenta a ilegalidade da decisão e que a mesma deve ser revogada pelo facto de «os embargos terem sido deduzidos contra duas pessoas coletivas e contra uma pessoa singular, não sendo essa a informação constante da decisão recorrida».
Sucede que mediante despacho proferido na data de 2 de junho de 2025, e já referido supra, o julgador a quo lançando mão do disposto no artigo 613.º, n.º 2, do CPC em conjugação com o preceituado no artigo 614.º do mesmo diploma normativo, procedeu à retificação da decisão recorrida no sentido de nele fazer constar que os presentes embargos de terceiro também foram instaurados contra a sociedade (…) Love, Lda., a qual ali identificou, pelo que se mostra suprido o vício invocado pela recorrente, nada havendo pois a determinar quanto a tal conclusão de recurso.
*
A apelante vem sustentar a sua legitimidade para deduzir os presentes embargos de terceiro (conclusões 2ª, 3ª, 5ª), bem como a tempestividade dos embargos (conclusão 3ª). Porém, na decisão sob recurso não só é expressamente reconhecida a legitimidade processual da recorrente, como a rejeição dos mesmos não se funda na respetiva intempestividade. Por conseguinte, nada há a determinar quanto a tais conclusões de recurso.
*
Nas suas alegações de recurso a apelante menciona dois documentos que diz ter anexado às primeiras. Porém, não se mostram juntos quaisquer documentos, pelo que este tribunal de segunda instância se dispensa de proferir qualquer decisão sobre a admissibilidade de tais documentos em sede de recurso.
II.4. Do objeto do recurso II.4.1. Nulidade processual
Neste domínio a recorrente alega que «as seis petições de embargos de terceiro contêm como indicação de valor a quantia de € 50.570,00, o que desde logo, tem efeitos sobre a competência em razão do valor, sendo que o tribunal não conheceu desta concreta questão quando estava obrigado a fazê-lo antes sequer de realizar qualquer diligência no âmbito dos embargos» e que «nas várias diligências levadas a cabo sempre que tal questão foi colocada, ou seja, nenhum dos embargantes prescindiu do conhecimento dessa nulidade e muito menos se pronunciou sobre a mesma, no sentido de tal nulidade não ser conhecida».
A apelante parece defender que o tribunal deveria ter fixado o valor dos embargos antes de realizar qualquer diligência no âmbito destes embargos. Ou seja, a apelante invoca a omissão de um ato processual (artigo 195.º, n.º 1, do CPC). Porém, recaía sobre a embargante o ónus de invocar a omissão de ato processual nos termos previstos no artigo 199.º, n.º 1, do CPC, o que não fez, não sendo o recurso interposto do despacho de rejeição dos embargos a sede própria para arguir tal nulidade processual.
Embora sem colocar expressamente em causa a competência material do tribunal recorrido para julgar os presentes embargos, a apelante relaciona a questão do valor dos embargos com a competência do tribunal recorrido. Ora, a competência do tribunal recorrido para o julgamento dos embargos de terceiro não está conexo com o valor da causa. Com efeito, os embargos de terceiros assumem, formalmente, a configuração de um incidente que é apenso à ação ou à execução em cujo âmbito o ato é praticado (artigo 344.º/1, do CPC). Por conseguinte, a competência para o seu julgamento compete ao tribunal da causa principal, como decorre do disposto no artigo 91.º/1, do CPC, sendo o valor do incidente (que tem por referência o valor do bem ou do direito sobre que incide) irrelevante para a aferição da competência do tribunal que o julga. Assim, uma vez assegurada a competência para a ação, a mesma implica a apreciação de todas as questões e incidentes que nela se levantem e, no caso concreto, a competência para apreciar a pretensão da embargante. Em síntese, decorrendo a competência material para o julgamento dos embargos de terceiro da competência para a ação principal, o tribunal recorrido é materialmente competente para o julgamento dos mesmos.
II.4.2. Nulidade da decisão por falta de fundamentação
Alega a recorrente que as decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, não podendo a justificação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, aduzindo que «o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pela embargante, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “n” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto».
Ainda que a alegação da recorrente a este respeito seja feita de forma difusa e genérica, apreciemos.
A nulidade de sentença por falta de fundamentação mostra-se prevista no artigo 615.º,n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil o qual dispõe que é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Tal nulidade éuma decorrência do dever de fundamentação das decisões judiciais com consagração constitucional (artigo 205.º/1, da Constituição da República) e que se encontra refletido no artigo 154.º do Código de Processo Civil, cujo n.º 1 estatui que «As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas».
A fundamentação da decisão judicial é, pois, um elemento essencial da mesma. Explicando as razões dessa essencialidade, escreveu Alberto dos Reis[2] o seguinte: «A sentença deve representar a adaptação da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando geral e abstrato da lei o magistrado substitui um comando particular e concreto. Mas este comando não se pode gerar arbitrariamente; porque o juiz não tem, em princípio, o poder de ditar normas de conduta, de impor a sua vontade às vontades individuais que estão em conflito, porque a sua atribuição é unicamente a de extrair da norma formulada pelo legislador a disciplina que se ajusta ao caso sujeito à sua decisão, cumpre-lhe demonstrar que a solução dada ao caso é legal e justa ou, por outras palavras, que é a emanação correta da lei. É esta a função específica dos fundamentos. As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber quando a sentença admita recurso para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão para as poder apreciar no julgamento do recurso» (negritos nossos). Porém, acrescenta ainda aquele ilustre autor que «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do artigo 668.º».
O preceito legal do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil deve ser concatenado, pois, com o disposto no artigo com o disposto no artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do mesmo diploma legal, o qual, sob a epígrafe Sentença, prescreve que:
«3 – Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. 4 – Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência».
Resulta deste dispositivo legal que a estrutura da sentença, na parte da fundamentação, deve atender aos seguintes parâmetros: exposição dos fundamentos de facto e da análise de crítica dos meios de prova produzidos e subsunção dos factos provados relevantes às normas aplicáveis ao caso. Ora tudo isto foi realizado pelo tribunal a quo: o julgador enunciou a factualidade que julgou suficientemente indiciada, motivou o seu julgamento de facto e enquadrou juridicamente aquela factualidade, concluindo pela «total carência de fundamento para a dedução de embargo de terceiro».
Improcede, pois, a nulidade invocada.
II.4.3.
A (alegada) ilegalidade da transação firmada no âmbito do processo de insolvência e outras (alegadas) ilegalidades cometidas no âmbito do processo de insolvência: omissão de nomeação de um administrador da insolvência e da publicitação da insolvência e a falta de apensação de outros processos ao processo de insolvência; a alegada ilegalidade do requerimento executivo
Nesta sede de recurso a recorrente sustenta que a transação acima referida «se afigura como algo proibido uma vez que o interesse público não permite que numa transação de insolvência passa a constar que para pagar a dívida à exequente se faça constar que a executada, que, recorde-se, não é proprietária do imóvel (…) se compromete a entregar as chaves das frações correspondentes ao r/c esquerdo, 1º esquerdo, 2º esquerdo, 3º esquerdo, r/c direito e 1º dto., até ao final de agosto de 2024». A apelante invoca, ainda, alegadas irregularidades cometidas no âmbito do processo de insolvência, concretamente, a falta de nomeação de administrador da insolvência no âmbito do processo de insolvência, a falta de publicação no Diário da República da insolvência, a falta de apensação ao processo de insolvência «de todos os outros processos tal como a lei impõe» e o facto de não ter sido decretada a suspensão dos demais processos. Por fim, alega, ainda, que o requerimento executivo é contrário à lei porque o acordo de pagamento terá tido uma finalidade diversa daquela a que respeita o requerimento executivo.
Os presentes embargos de terceiro foram instaurados por apenso a uma ação executiva para pagamento de quantia certa e entrega de coisa certa, concretamente o 1º andar esquerdo do prédio sito no n.º 23 da Rua (…), na freguesia da (…), do concelho da Amadora, descrita na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Amadora sob o n.º (…). Tal execução foi movida pela sociedade (…), Lda. contra a sociedade (…) Love, Lda., tendo sido apresentado como título executivo uma sentença homologatória de uma transação firmada entre a exequente e a executado no âmbito do processo de insolvência movido pela primeira contra a segunda, o qual findou com uma absolvição da instância por força da desistência da instância apresentada pela (...), Lda. e homologada pelo tribunal.
Os presentes embargos de terceiro têm por finalidade apenas verificar a existência da posse invocada pela embargante relativamente ao imóvel melhor identificado nos autos[3] de molde a que aquela não se veja privada da referida posse por força de uma apreensão/entrega judicial. Dito de outro modo, nos presentes embargos cumpre avaliar tão só se o terceiro embargante é titular de uma posição jurídica que seja oponível ao exequente. Donde ficam arredadas do âmbito da discussão e julgamento dos presentes embargos questões relacionadas com a legalidade do título executivo ou com o processo executivo ou com o processo de insolvência onde o título dado à execução se formou. Todas as questões suscitadas pela apelante e a que supra se aludiu são estranhas aos presente autos, não sendo o presente recurso a sede própria para a sua discussão e decisão. Tão pouco, tem a embargante/apelante legitimidade para suscitar tais questões porque não foi parte no processo de insolvência e não é parte no processo executivo.
Por todo o exposto, improcede este segmento da apelação.
II.4.4. Do mérito da decisão
No presente recurso está em causa uma decisão liminar de não recebimento dos embargos de terceiro apresentados pela ora recorrente no âmbito dos autos de execução para pagamento de quantia certa e para entrega de coisa certa, movidos pela sociedade (…), Lda. contra a sociedade (…) Love, Lda., como meio de defesa contra a apreensão do imóvel melhor identificado nos autos.
O despacho em causa foi proferido após a apreciação da prova oral arrolada pela embargante e o seu segmento decisório teve por fundamento «a carência total de fundamento para a dedução dos mesmos». Com efeito, o tribunal recorrido considerou que o pedido da embargante não era suscetível de vir a ser julgado procedente porquanto «não se provou uma posse real/efetiva da embargante», mas tão só que a embargante exerce poderes de facto sobre a fração melhor identificada nos autos e que, apesar de resultar dos autos que embargante reside no imóvel há já vários anos, «nada nos autos permite concluir por uma probabilidade séria da existência de um direito de uso e habitação a ser favor» porque se trata de direito que não se pode constituir por usucapião e não se provou uma aquisição por contrato, testamento ou disposição legal. Em síntese, o tribunal recorrido julgou e decidiu que a prova produzida não permitia antever uma decisão favorável à embargante que reconhecesse a aquisição por aquela de uma situação possessória relativamente ao prédio melhor identificado nos autos ou de um direito de uso e habitação oponível à exequente.
A apelante não impugnou o julgamento de facto contido no despacho recorrido e se porventura o pretendeu fazer quanto ao ponto n.º 7 dos factos julgados indiciados (conclusão n.º 15) não cumpriu os ónus de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC. No que respeita ao enquadramento jurídico dos factos julgados provados levado a cabo pelo tribunal recorrido, a apelante nada refere, limitando-se a invocar um direito de preferência que não decorre dos factos julgados provados e, de forma difusa e genérica, o instituto do abuso de direito, sem que explique – e não resulta dos factos julgados provados – de que forma é que o pedido de apreensão judicial do imóvel em causa nos autos – contra o qual os presentes autos de embargos de terceiro pretendem reagir – excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito à prestação da coisa, fundado num propriedade da exequente sobre o imóvel em causa, que não é sequer controvertido.
Por todo o exposto, há que julgar improcedente a apelação, mantendo-se, assim, a decisão recorrida.
Sumário: (…)
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar a apelação improcedente, mantendo o despacho recorrido.
As custas na presente instância são da responsabilidade da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.
DN.
Évora, 18 de setembro de 2025
Cristina Dá Mesquita
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
__________________________________________________
[1] Depois de retificado por despacho de 02.06.2025.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3.ª Edição, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 139.
[3] Os presentes embargos de terceiro fundam-se apenas na posse da embargante.