I. Na nulidade por falta de fundamentação, por incumprimento dos requisitos previstos no artº374 nº2 do C.P.Penal, o que a funda será a impossibilidade de compreensão do raciocínio que levou à formação da convicção, designadamente a imperceptibilidade do mesmo e não a sua sem razão, na perspectiva do arguido.
II. Isso é matéria a averiguar em sede do vício previsto no artº 410 nº2 al. c) do C.P.Penal (erro notório), mas não se insere na nulidade de falta de exame crítico da prova. Esta última pressupõe que se mostre impossível perceber-se, entender-se, porque razão foi determinado facto dado como assente, mas já não que se não concorde com essa valoração.
III. Por seu turno, o vício de insuficiência não tem qualquer correlação com a noção de falta ou ausência de prova. Reporta-se a falta ou ausência de factos. Se a prova produzida é ou não suficiente para fundar uma convicção, não é questão que se resolva através da análise prevista na al. a) do nº2 do artº 410 do C.P.Penal, mas antes implica uma reapreciação probatória, apenas alcançável através do instituto da impugnação ampla, cujos requisitos se mostram enunciados no artº 412 nºs 3 e 4 do C.P. Penal.
IV. Se atentarmos às circunstâncias globais da acção, constata-se que o arguido deteve cerca de 37 gramas de cocaína, em grau de pureza e quantidade suficientes para 132 doses individuais, sendo que o seu valor total de revenda ascenderia a 6.600 euros (cerca de 7 vezes o salário mínimo nacional), sem que se mostre provada qualquer circunstância de ordem pessoal, de cariz ponderoso, que possa ajudar a justificar tal comportamento e sem qualquer demonstração de assumpção do desvalor do acto cometido, pelo que se mostra impossível, perante tal conjuntura, poder entender-se que estamos perante uma situação em que se se verifica uma considerável diminuição da ilicitude do facto.
V. A ilicitude do facto não é aqui despicienda, menor, não se tratou de uma detenção de muito pequena monta, esporádica, ocasional, de uma decisão de detenção quase casual ou fortemente determinada por circunstâncias envolventes praticamente irrepetíveis.
VI. Assim, a actuação deste arguido mostra-se enquadrada no artº 21 do Dec. Le nº 15/93, de 22 de Janeiro, inexistindo qualquer circunstância que nos permita concluir que a ilicitude do facto se mostra diminuída e, muito menos, consideravelmente diminuída, como exige o artº 25 do mesmo diploma legal.
Acordam em conferência na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça
1. Por acórdão de 26 de Março de 2025, foi o arguido AA condenado como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21°, n.°1, do Dec. Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, conjugado com as tabelas I-B, como reincidente, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2. Inconformado, veio o arguido apresentar recurso de tal condenação, apresentando, em súmula, as seguintes razões de discórdia:
a. Entende ser nula a decisão, por falta de fundamentação, em conformidade com o disposto nos art.º 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2 do Código Penal.
b. Entende verificarem-se os vícios previstos no artº 410 nº 2, do C.P. Penal (vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bem como o vício de erro notório ) e violação do princípio in dubio pro reo;
c. Considera que a qualificação jurídica dos factos se mostra errada, devendo antes considerar-se que a conduta do arguido se qualifica como crime de consumo de produto estupefacientes ou de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previstos e punidos, respectivamente, pelo artigo 40º e pelo artigo 25º al. a) do D. L. 15/93, de 22.01; e
d. Entende que deve haver lugar a alteração da medida da pena, atenta a alteração da qualificação jurídica que defende, considerando adequada a pena de prisão não superior a dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou regime de prova, ou, a manter-se a qualificação jurídica, pena nunca superior a 5 anos e seis meses de prisão.
3. O recurso foi admitido.
4. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso.
5. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer, no sentido da improcedência do recurso.
II – questões a decidir.
A. Nulidade da sentença, vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; violação do princípio in dubio pro reo.
B. Alteração do enquadramento jurídico do ilícito pelo qual o recorrente foi condenado.
C. Alteração da pena imposta.
iii – fundamentação.
A. Nulidade da sentença, vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; violação do princípio in dubio pro reo.
1. O acórdão alvo de recurso deu como assentes os seguintes factos:
2.1. Factos provados oriundos da acusação:
1. No dia 02.05.2024, cerca das 14h30m, o arguido AA, conhecido da PSP de Vila Nova de Famalicão pela prática dos mais variados ilícitos criminais, encontrava-se no Parque ..., sito na Rua 1, em Vila Nova de Famalicão, local largamente conotado com o tráfico e consumo de estupefacientes.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido trazia consigo uma embalagem em plástico contendo no seu interior vários pedaços de cocaína Cloridrato) com o peso total líquido de 37,044 gramas, com elevado grau de pureza (71,7%) (cfr. Exame pericial de fls. 115).
3. A cocaína apreendida era suficiente para a preparação de 132 doses individuais, de acordo com a Tabela I-B, anexa ao D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
4. O local onde o arguido se encontrava e descrito em 1. – Parque ... – está ladeado por 4 estabelecimentos de ensino, a saber, Escola Secundária ..., Escola Secundária ..., Escola EB 2/3 ... e Centro Escolar ....
5. O referido Parque da Juventude é um parque de lazer, com diversos equipamentos desportivos, sendo o local de encontro privilegiado de centenas de jovens e crianças, nomeadamente nos intervalos do horário letivo e à hora do almoço.
6. O arguido, sem que para tanto, estivesse autorizado, destinava as substâncias estupefacientes que lhe foram apreendidas à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra.
7. O arguido conhecia a natureza e as características das substâncias estupefacientes que detinha e não ignorava que a respetiva detenção lhe estavam legalmente vedada.
8. A atividade de venda de produtos estupefacientes constituía a única fonte de receita do arguido, que fazia da mesma seu modo de vida.
9. A quantidade de estupefaciente que o arguido tinha na sua posse, caso fosse vendida representaria o valor de 6.600€, uma vez que o preço de cada grama é vendida aos consumidores a cerca de 40€/50€.
10. Agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido e criminalmente punível da sua conduta.
11. Entre o mais, no âmbito do processo n.º 222/14.7T8VCD, por decisão datada de 16.12.2015, transitada em julgado em 20.06.2016, o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico na pena única de 14 anos e 6 meses de prisão.
12. Em 22.09.2023, o arguido foi colocado em liberdade condicional, pelo que praticou os factos durante o período da liberdade condicional (cfr. certidão de fls. 138 e seg.), já que o termo da pena está previsto apenas para 12.09.2025.
13. As condenações anteriores por si sofridas não constituíram advertência suficiente nem determinaram o arguido a assumir, a partir de então, um comportamento conforme com a norma.
14. Não se encontram decorridos mais de 5 anos desde a prática dos crimes dolosos, supra identificados, pelos quais fora condenado e o que agora lhe é imputado, descontando o tempo em que esteve preso e submetido a medida privativa da liberdade.
15. O arguido, pelo menos desde Setembro/Outubro de 2023 e até ao dia 02.05.2024, não se conteve em persistir na prática de factos integrativos do mesmo tipo de crime (Tráfico de estupefacientes), assim demonstrando que aquelas condenações não foram suficientes para o demover da atividade de detenção de substâncias estupefacientes.
16. À data a que reportam os factos constantes da presente acusação, AA estava em cumprimento de liberdade condicional, concedida a 22/09/2023 e atingidos os 5/6 de uma pena única de 14 anos e 6 meses de prisão - processo nº 799/12.1TXPRT do Tribunal de Execução das Penas do Porto – Juiz 3. O acompanhamento da medida, cujo termo estava calculado para 24/12/2024, estava a ser efetuado pela Equipa de Reinserção Social (ERS) Ave – Extensão de Santo Tirso, apresentando o arguido comparência irregular às entrevistas agendadas, assim como às restantes injunções.
AA residia sozinho em quarto arrendado, apoiado pela Câmara Municipal de ... no pagamento da renda até ser alojado em habitação social, situação que o mesmo já havia contratualizado em período anterior à reclusão.
O arguido encontrava-se em situação de desemprego, situação que o mesmo justificava com a necessidade em diligenciar o alojamento com a Câmara Municipal. Efetuou inscrição no Instituto de Emprego e Formação Profissional em fevereiro/2024. A sua subsistência era assegurada através do apoio de elementos de família e amigos, nomeadamente uma irmã, BB, e do sobrinho, CC.
AA afirma ter sido nesse período que recaiu no consumo de substâncias estupefacientes, nomeadamente cocaína, condição que contribuiu para a sua desorganização.
Aquando da libertação, em setembro/2023, o arguido integrou o agregado familiar de um sobrinho, residente em ..., que o recebeu também em Licenças de Saída Jurisdicional. Contudo, na sequência de uma oportunidade de trabalho em empresa de construção civil, em ..., optou por fixar residência em ..., em casa de uma irmã, DD, até novembro/2023, altura em que abandonou o posto de trabalho e regressou a ... para tratar do alojamento social.
AA habilitou-se com o 1º ciclo do ensino básico, percurso marcado pelo absentismo e dificuldades de aprendizagem, e nunca exerceu atividade laboral regular. A sua experiência neste campo resume-se ao apoio informal e ocasional que prestava aos seus familiares na venda ambulante em feiras.
O contacto com substâncias estupefacientes surge durante a adolescência, por volta dos 13 anos, nomeadamente o consumo de cocaína e heroína, sem, contudo, aderir a intervenção estruturada de desabituação, inclusive durante o cumprimento da anterior pena de prisão. Refere ter acedido a estado abstémico de forma autónoma, embora os testes de despistagem efetuados revelassem alguma intermitência. Por outro lado, AA registou práticas de automutilação, nomeadamente em situações de maior descontrolo emocional, pelo que, em contexto de liberdade condicional, foi encaminhado para acompanhamento à sua saúde mental e também de controlo da abstinência. Neste âmbito foi efetuada a articulação com os respetivos serviços de saúde e agendada consulta para 18/06/2024, mas à qual não compareceu por se encontrar já sob a medida de coação de prisão preventiva.
AA deu entrada no Estabelecimento Prisional do Porto (EPP) a D/M/2024, à ordem dos presentes autos, transferido do Estabelecimento Prisional de Braga, onde deu entrada a D/M/2024. Regista anteriores condenações por crimes de condução sem habilitação legal, furto, roubo, coação e tráfico de menor gravidade.
Quando confrontado com o impacto do presente processo, o arguido refere essencialmente as repercussões que o mesmo trouxe sobre a sua vida pessoal, nomeadamente o facto novamente privado da liberdade após o curto período de tempo passado em meio livre. Diz-se tranquilo relativamente à acusação que sobre si pende, acreditando num desfecho positivo.
Refere um projeto de vida centrado na emigração para Espanha, onde refere ter familiares, e organizar-se pela empregabilidade.
No E.P.P., AA não tem ocupação. Em D/M/2024 foi integrado no setor escolar para frequentar o 2º ciclo, mas foi excluído por faltas a D/M/2025. O seu comportamento tem sido de normal adequação ao normativo disciplinar vigente.
De acordo com a informação recolhida junto dos Serviços Clínicos, está a ser acompanhado em consultas de psiquiatria e psicologia.
Atualmente, AA não recebe visitas dos seus familiares, nomeadamente do sobrinho CC e irmãs, DD e BB, uma vez que estes expressam sentimentos de desilusão relativamente ao seu comportamento, embora se mantenham disponíveis para voltar a apoiar em meio livre.
A única visita que recebe é de um amigo de longa data, EE.
O percurso de vida de AA apresenta vulnerabilidades, essencialmente relacionadas com o desinvestimento escolar e profissional, o contacto com substâncias estupefacientes em idade precoce e os vários contactos com o Sistema de Administração da Justiça Penal, que deram origem a anterior pena de prisão.
No período anterior à atual reclusão, estava em cumprimento de liberdade condicional, registando alguma instabilidade habitacional e dificuldades em aproveitar as oportunidades que lhe foram proporcionadas e facilitadoras do seu processo de reinserção social, acabando por recair no consumo de substâncias estupefacientes.
Atualmente, os seus familiares mais próximos mostram-se críticos relativamente às suas escolhas, pese embora não lhe neguem apoio e enquadramento familiar em meio livre.
Em caso de condenação, e não tendo as anteriores penas aplicadas surtido efeito ressocializador e dissuasor da prática criminal, consideramos que o processo de reinserção social de AA estará dependente da devida interiorização da ilicitude dos atos praticados, sendo essencial uma intervenção especializada no âmbito da problemática aditiva, assim como o desenvolvimento de competências pessoais e sociais de forma a estruturar e consolidar um projeto de vida orientado no sentido pró-social.
2.3. FACTOS ORIUNDOS DO CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
17. Por acórdão cumulatório proferido no processo nº 222/14.7T8VCD, do JC Criminal de Vila do Conde, J3, foi o arguido condenado por decisão de
16/12/2015, transitada em 20/06/2016, na pena única de 14 anos e 6 meses de prisão, que envolveu 3 ciclos de crimes:
1º ciclo de crimes, que engloba as penas sofridas:
- no processo Sumário nº 121/09.4PAVNF, datada de 06/03/2009, transitada em 30/03/2009, foi o arguido condenado pela prática em 20/02/2009, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D.L 2/98 de 3/01, na pena parcelar de 80 dias de multa à taxa de 5,00 euros, num total de 400, 00 euros;
- no processo nº 908/08.5 GAVNF, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, em que, por decisão de 18/11/2009, transitada em julgado em 09/12/2009, foi o arguido condenado pela prática em 14/08/2008, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 203º e 204º/1 f) do C.P., na pena parcelar de 15 meses de prisão suspensa por igual período;
- no processo abreviado nº 116/09.8PAVNF, datada de 27/06/2011, transitada em 14/07/2009, foi o arguido condenado pela prática em 07/02/2009, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D.L 2/98 de 3/01, na pena parcelar de 70 dias de multa à taxa de 6,00 euros, num total de 420, 00 euros;
- no processo nº 478/09.7PAVNF, do 1º Juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, foi o arguido condenado por decisão de 04/01/2012, transitada em 24/01/2012, pela prática em 23/04/2008, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 203º e 204º/ 2 e) do C.P., e de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º do C.P., nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão e 2 anos e 4 meses de prisão.
2º ciclo de crimes, que engloba as seguintes penas:
- no processo comum coletivo nº 781/06.9PAVNF, do 1º juízo criminal de Vila Nova de Famalicão, foi o arguido condenado por decisão datada de 25/05/2010, transitada em 14/06/2010, pela prática em 21/09/2009, de 5 crimes de roubo agravado p. e p. pelo art. 210º71 e 2 do C.P., por referencia ao art. 204º/1 h) do C.P., nas penas parcelares de 10 meses por cada um; e pela prática de 4 crimes de roubo p. e p. pelo art. 210º/1 e 2 b), por referencia ao art. 204º/1 h), com aplicação do art. 204º/4 do C.P., nas penas parcelares de 10 meses cada;
- no processo comum singular nº 722/09.0PAVNF, do 2º juízo criminal de Vila Nova de Famalicão, foi o arguido condenado pela prática em 06/06/2012, transitada em 26/06/2012, pela pratica em 09/08/2009, de um crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º do C.P., numa pena de 1 mês de prisão, substituída por 40 dias de multa, á taxa de 5,00 euros, num total de 200,00 euros;
3º ciclo de crimes que engloba as seguintes penas:
- no processo comum coletivo nº 45/11.5PEBRG, por decisão de 08/03/2012, transitada em 28/03/2012, foi o arguido condenado pela pratica em 27/07/2011, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º/1 do C.P., na pena de 20 meses de prisão;
- no processo comum coletivo nº 713/11.1PAVNF, do 2º juízo do tribunal de Vila Nova de Famalicão, foi o arguido condenado por decisão de 23/05/2012, transitado em 14/06/2012, pela pratica em 21/09/2011, de 5 crimes de coação p. e p. pelo art. 154º/1 do C.P., um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º/1 do C.P., 2 crimes de roubo na forma tentada, p. e p. pelos art. 22º, 23º, 73º, 210º/1 do C.P., um crime de detenção de arma proibida p. e p. pel art. 86º
da Lei nº 5/2006 de 23/02, um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 143º, 145º/1 a) e 2 h) do C.P. na pena única de 6 anos de prisão;
- no processo nº 583/11.0PAVCD, no processo comum singular do 1º juízo criminal de Vila do Conde, foi o arguido condenado por decisão datada de 13/03/2014, transitada em 22/04/2014, pela prática em 25/08/2011, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º/1 do C.P., numa pena de 1 ano de prisão;
- no processo nº 29/11.3PFBRG, do 2º juízo criminal de Braga, foi o arguido condenado por decisão de 18/06/2012, transitada em 03/09/2012, pela prática em 23/04/2011, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 25º a) do D.L. 15/93, de 22 de janeiro, com referencia à tabela 1-C anexa ao mesmo diploma legal, numa pena de 13 meses de prisão;
O arguido foi ainda condenado:
- no processo comum coletivo nº 1329/08.5PAVNF, foi o arguido condenado no 2º juízo criminal de vila nova de Famalicão, foi o arguido condenado por decisão de 25/11/2009, transitada em 15/12/2009, pela pratica em 11/11/2008, de um crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º/1 do C.P., numa pena de 1º meses de prisão suspensa sujeita a regime de prova, pena extinta em 27/07/2011;
- no processo comum singular nº 856/15.2PHMTS, do Juízo Local Criminal de Matosinhos, J3, por decisão de 17/11/2016, transitada em 29/12/2016, foi o arguido condenado pela pratica em 14/07/2015, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 25º a) do D.L. 15/93, de 22 de janeiro, numa pena de 2 anos de prisão, pena extinta em 23/09/2020;
2. E deu como não provados os seguintes factos:
Não se provou que:
18. Que o arguido destinasse as substâncias que lhe foram apreendidas exclusivamente ao seu consumo.
3. O tribunal “a quo” motivou tal decisão nos seguintes termos:
O Tribunal fundou a sua convicção na análise critica do teor do Relatório de exame pericial do LPC a fls. 115, que permitiu identificar a substancia apreendida ( cocaína - cloridrato), o peso (37,044 (L), o número de doses que poderiam ser preparadas com a substancia apreendida (132 doses) e o grau de pureza (71,8), bem como no teor da prova documental, designadamente no teor do Auto de Notícia (detenção em flagrante delito), (cfr. fls. 5 e 6); Auto de apreensão de uma embalagem em plástico contendo no seu interior vários pedaços de produto (cfr. fls. 8); Teste Rápido que resultou positivo para a substancia cocaína (cfr. fls.9); - Certidões de fls. 138 a a 162 e fls. 167 e seg.
Os factos provados resultaram ainda da confissão parcial do arguido, que admitiu estar na posse do produto estupefaciente no Porto, explicando que tinha saído há 7 meses do Estabelecimento Prisional em liberdade condicional, dirigiu-se ao Cerco no Porto, onde comprou 10 ou 20 euros de cocaína, quando lá chegou viram-no a fumar, alguém o reconheceu pela sua alcunha, do estabelecimento prisional e entregaram-lhe “à consignação” o produto estupefaciente que veio a ser apreendido, explicando que, com isso, pretende significar que lhe confiaram a entrega daquela quantidade de produto, pelo valor de 30 euros cada grama, com a condição do mesmo pagar posteriormente, desconhecendo o arguido o grau de pureza, negando o arguido que tivesse intenção de pagar, até porque não intentava proceder à venda do mesmo mas de o consumir.
Segundo o arguido, deu o “mico” aos fornecedores, pretendendo significar que os enganou, fazendo-lhes crer que iria vender a droga e que lhes iria pagar, não tendo intenção e o fazer.
O Tribunal não acolheu as declarações do arguido, no segmento em que o mesmo procurou sustentar que destinava as substancias estupefacientes que lhe foram apreendidas exclusivamente ao seu consumo, convencendo-se que destinava tais substancias à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra e que a venda constituía a sua única fonte de receita.
Na verdade, como é sabido, a prova pode ser direta ou indireta/indiciária. Enquanto a prova direta se refere diretamente ao tema da prova, a prova indireta ou indiciária refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
A prova indireta (ou indiciária) não é um “minus” relativamente à prova direta. Pelo contrário, pois se é certo que na prova indireta intervêm a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova direta intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho. No entanto, a prova indireta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, de forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis.
Como refere a doutrina especializada, a valoração da prova por presunção natural, em processo penal exige determinadas características relativas aos factos instrumentais ou indícios – Cfr., a este respeito, Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, 2.ª Edição, págs. 378 e 379, e Patrícia Silva Pereira, Prova Indiciária no âmbito do Processo Penal – Admissibilidade e Valoração, Almedina, 2016, págs. 128 a 139.
De acordo com essa doutrina, os indícios devem ser certos, o que significa que, em princípio, os factos que servem de base à presunção devem estar demonstrados por prova direta; os indícios devem ser independentes, não podendo ser considerados como diferentes aqueles que apenas constituam momentos ou partes sucessivas de um mesmo facto.
Por outro lado, quando não implicam a aplicabilidade de leis naturais, os indícios devem ser vários e, por fim, os indícios devem ser concordantes, ou seja, conjugar-se entre si de maneira a produzir um todo coerente e natural, e devem ser convergentes, ou seja, não devem conduzir a conclusões diversas.
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objetivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.
Dito isto, mister é saber se a prova indireta produzida nos autos, presta algum contributo decisivo à formação da convicção do tribunal, no que tange à finalidade a que o arguido destinava as substâncias estupefacientes que detinha na sua posse.
Na verdade, como se verá, a par das referidas circunstâncias indiciadoras, outros indícios existem que, conjugados entre si, são concordantes e convergentes no sentido de que o arguido destinasse as substancias estupefacientes à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra e que a atividade de venda constituísse a sua única fonte de rendimento.
Em primeiro lugar, constituí um indício seguro, retirado das declarações do arguido, que as substâncias que lhe foram apreendidas foram adquiridas no Bairro do Cerco, no Porto.
Assente este facto, temos muitas duvidas em aceitar que algum fornecedor, só porque conhecia a alcunha do arguido e alegadamente sabia que o mesmo teria cumprido pena no estabelecimento prisional, lhe confiasse 37,044 gramas de cocaína, com elevado grau de pureza ( 71,7%), que era suficiente para a preparação de 132 doses individuais, sem que o arguido tivesse pago o respetivo valor, tanto mais que, se não vendesse ao arguido, certamente venderia a outro cliente qualquer, pelo que nesta parte não mereceram credibilidade as declarações do arguido, sendo razoável supor que o mesmo teve de pagar, no todo ou em parte, a substancia estupefaciente que lhe foi entregue.
Por outro lado, constituí igualmente um indicio seguro que o arguido tinha saído em liberdade condicional há poucos meses, encontrava-se desempregado, não lhe era conhecida atividade laboral, não teria apoio financeiro dos familiares, a avaliar pelo que consta do relatório social, pelo que, é difícil configurar como teria meios financeiros até para se deslocar ao Porto e para comprar o produto estupefaciente que estaria a consumir, a menos que se admita que o mesmo se vinha dedicando à venda de produtos estupefacientes.
Acresce que, mesmo que fosse credível a tese do arguido, que sustenta que o produto estupefaciente lhe foi entregue com o compromisso de pagar posteriormente - impõe-se concluir, em termos indiciários que, quem lhe entregou aquela quantidade expressiva de produto estupefaciente, com aquele grau de pureza, seguramente tinha a expetativa de que o produto fosse vendido pelo arguido, pois que só dessa forma era expetável que o arguido pudesse honrar o compromisso assumido de pagar posteriormente o produto entregue com o produto da venda, expetativa que, por certo, só poderia resultar do facto do arguido já ser conhecido dos fornecedores como alguém que se dedicasse à venda de produtos estupefacientes.
Por outro lado, constituí ainda um indício seguro que, o preço de cada grama poderia ser vendida aos consumidores a cerca de 40/50 Euros, atento o grau de pureza e que a quantidade de droga que o arguido tinha na sua posse, caso fosse vendida, representaria o valor de 6 600 Euros.
Perante esta circunstância, não é razoável supor que o arguido tivesse optado por consumir uma tão expressiva quantidade de produto estupefaciente, dando o “mico” aos fornecedores, arriscando represálias destes, abdicando de vender o produto que lhe foi entregue, fazer dinheiro e, com o respetivo lucro, garantir futuros consumos.
Constituí um indicio seguro que, depois de sair em liberdade condicional em 22/09/2023, o arguido recaiu no consumo de substancias estupefacientes, nomeadamente cocaína, pelo que, mesmo não se tendo apurado a quantidade exata que o mesmo consumia diariamente, não podemos olvidar que a quantidade apreendida, excede largamente a quantidade necessária para o consumo individual de 10 dias, de qualquer consumidor médio, o que indicia que o produto estupefaciente não se destinasse ao consumo exclusivo do arguido.
Por outro lado, embora tenha resultado da prova produzida, designadamente do depoimento da testemunha FF, agente autuante, que, aquando da apreensão, o arguido não tinha navalha, papeis, plásticos e que estava apenas na posse de 62 cêntimos, tal apenas permite concluir com a necessária segurança que, pelo menos naquele dia, o arguido não teria intenção de vender o produto estupefaciente, tanto mais que a testemunha afirma que não presenciou vendas.
Em suma, as circunstancias indiciadoras acima enunciadas, designadamente a quantidade expressiva de droga apreendida - que era suficiente para a preparação de 132 doses individuais - que excede largamente a quantidade necessária para o consumo médio individual de 10 dias, o local onde arguido se encontrava à data da apreensão - Parque ... - que é efetivamente um local conotado com o tráfico de estupefacientes, a condição de desempregado do arguido, não se lhe conhecendo outra fonte de receita, são convergentes e concordantes, concorrendo para a formação da convicção de que arguido destinava as substancias estupefacientes que lhe foram apreendidas à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra e que a atividade de venda de produtos estupefacientes constituía a única fonte de receita do arguido, que fazia da mesma, seu modo de vida e, por isso, não as destinava exclusivamente ao seu consumo como procurou sustentar.
Por fim, o tribunal ateve-se ainda ao teor do CRC de fls. 317 verso a 328 verso e relatório social de fls. 329 a 330 verso.
4. Em sede de conclusões, alega o recorrente o seguinte, a propósito desta questão:
1. O tribunal a quo não acolheu as declarações do arguido, convencendo-se que o mesmo destinava a substância estupefaciente apreendida à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra e que a venda constituía a sua única fonte de receita.
2. O arguido para além do produto estupefaciente que detinha, não possuía qualquer outro objeto, instrumento (navalha, papeis, plásticos) ou quantia monetária que permitisse concluir que o produto estupefaciente se destinava à venda a terceiros.
3. Se o arguido destinasse a substância estupefaciente à venda a terceiros a mesma estaria embalada em dose individuais ou teria consigo objetos adequados à pesagem e embalamento de doses individuais e quantias monetárias inequivocamente superiores a sessenta e dois cêntimos.
4. Todavia, o tribunal a quo entendeu que semelhantes indícios apenas permitiam concluir que o arguido não tinha intenção de vender naquele dia, valorando, assim, no sentido da acusação, a simples detenção do produto estupefaciente, extraindo da mesma, presunção de que o arguido o destinava à venda a terceiros consumidores, violando o princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, ainda que indiretamente, uma vez que o non liquet que, à partida, poderia existir no fim da audiência de julgamento, atendendo às provas aí produzidas e aos argumentos aí expendidos não existiu, por força dos referidos “pré-juízos” orientados no sentido da tese da acusação.
5. Extrair da detenção do estupefaciente a intenção inequívoca de o transacionar, sem qualquer outro elemento de prova que permitisse aferir essa mesma intenção, reconduz-se a inequívoco erro na apreciação da prova, que incidiu sobre os factos, dado que não têm suporte na prova produzida em audiência de julgamento, nem nos elementos de prova constantes dos autos.
6. O que se reconduz ao vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP e omissão de fundamentação quanto ao facto supra aludido, o que determina a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto nos art.º 379.º, n.º 1, als. a) e b) e 374.º, n.º 2 do C.P. Penal, que expressamente invoca, com todas as consequências legais.
7. O tribunal a quo não dispunha de elementos probatórios que lhe permitisse extrair as conclusões que extraiu. Pelo que, ao considerar que o arguido/recorrente praticou o crime matricial de tráfico de estupefacientes excedeu também os limites imposto pelo artigo 127.º do C.P.P.
8. O tribunal a quo entendeu que o facto de o arguido se encontrar desempregado permite presumir que a única fonte de rendimento seria a venda de produtos estupefacientes, tendo, no entanto, dúvidas sobre a possibilidade de algum traficante lhe confiasse cerca de 37 gramas de cocaína sem receber de imediato o respetivo preço. Ora, salvo melhor entendimento afigura-se-nos que, se o arguido se vinha dedicando ao tráfico de estupefacientes como foi o entendimento sufragado no acórdão ora posto em crise, outros objetos, instrumentos e quantias monetárias ter-lhe-iam sido apreendidos.
5. Apreciando.
Alega o recorrente ser a decisão nula, por falta de fundamentação no que toca ao facto de o tribunal “a quo” ter dado como assente que o arguido tinha intenção de vender, com base, tão somente, na mera posse.
Resta-nos assim averiguar se a motivação do acórdão cumpre ou não os requisitos previstos no artº374 nº2 do C.P.Penal.
Na parte que nos importa, estabelece tal norma que o tribunal “a quo” deverá realizar uma exposição, completa e concisa, dos motivos que fundamentaram a decisão de facto, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Temos assim que, se é verdade que a fundamentação da convicção do tribunal não pode ser entendida como um resumo alargado de tudo o que cada testemunha disse ou fez, seguido de um exaustivo debate sobre tal conteúdo, a realidade é que a lei exige que através da sua leitura, seja perceptível a qualquer cidadão (designadamente, a quem não tenha assistido à audiência de julgamento e desconheça os autos), o processo de formação de convicção do tribunal, designadamente no que se reporta à matéria factual que constitui o cerne da integração jurídica do ilícito.
No presente caso, embora o recorrente invoque a ocorrência de tal nulidade, a verdade é que a funda não propriamente na impossibilidade de percepção do seu conteúdo mas, isso sim, na sua pessoal discordância em relação ao mesmo.
Tanto assim é que, ao longo do seu recurso, demonstra bem ter compreendido em que razões, provas e argumentos o tribunal “a quo” fundou a sua convicção, pois que impugna os raciocínios utilizados para tal fim.
Na realidade, quando refere que houve falta de exame crítico das provas, no que toca à questão da intenção de venda, funda tal nulidade em leitura perfeitamente desconforme do que consta da motivação, que se debruçou amplamente pela questão, como a mera leitura do que se deixa transcrito e assinalado supra revela, sem necessidade de grande esforço de compreensão.
E se assim é, constata-se que não está aqui em questão a impossibilidade de compreensão do raciocínio que levou à formação da convicção, designadamente a imperceptibilidade do mesmo, mas sim a sua sem razão, na perspectiva do arguido; isto é, entende que os raciocínios expendidos violam as regras de apreciação probatória, porque se mostram erradas.
Ora, isso é matéria a averiguar em sede do vício previsto no artº 410 nº2 al. c) do C.P.Penal (erro notório), mas não se insere na nulidade de falta de exame crítico da prova. Esta última pressupõe que se mostre impossível perceber-se, entender-se, porque razão foi determinado facto dado como assente, mas já não que se não concorde com essa valoração.
Temos pois que, lida a motivação formulada pelo tribunal “a quo”, se tem de concluir que face à mesma se mostram explanados os elementos probatórios e as ilações que o levaram a concluir em termos conviccionais da forma como o fez, sendo assim perceptível de que forma o tribunal de 1ª instância deu cumprimento ao vertido no artº 127 do C.P.Penal.
A fundamentação realizada mostra-se suficiente para permitir a análise e decisão de todas as questões que o arguido suscita no seu recurso, designadamente em sede dos vícios previstos no artº 410 nº2 do C.P.Penal. Na verdade, a apreciação da ocorrência de tais vícios pressupõe, obviamente, que a motivação da decisão de facto seja adequada a permitir tal exame, pois só sendo a mesma perceptível, compreensível, se poderá proceder à apreciação das nulidades que este último mencionado artigo refere.
E, de facto, como adiante melhor se demonstrará, nomeadamente quando este acórdão se tiver de pronunciar sobre as nulidades invocadas, há que constatar que a fundamentação realizada é suficiente para se atingir tal desiderato.
Daqui decorre que, possibilitando a sua mera leitura, sem recurso a outros elementos externos, a compreensão dos caminhos que o tribunal “a quo” percorreu para chegar à sua convicção, se mostra cumprido o dever de fundamentação previsto no artº 374 nº2 do C.P.Penal, pelo que se terá de entender inexistir a invocada nulidade, constante no artº 379 nº1 al. a) do mesmo diploma legal.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto.
6. Debrucemo-nos então sobre os vícios supra-referidos.
O recorrente funda a sua crítica ao decidido no modo como se mostra apreciada a prova pelo tribunal “a quo”, imputando-lhe, no que se refere ao ponto de facto (que, curiosamente, se esquece de enunciar) relativo à questão de intenção de venda, os vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Vejamos então.
7. Para verificação da ocorrência destes vícios, o tribunal de recurso deverá apreciar se do texto da decisão recorrida (ou seja, sem recurso a qualquer outro elemento externo – declarações, depoimentos, etc.), por si só ou conjugada com as regras de experiência comum e de uma forma tão patente que não escape à observação do homem médio, decorre:
a) No caso previsto na al. a) do nº2 do artº 410 do C.P. Penal (insuficiência da matéria de facto para a decisão):
Que os factos dados como assentes na primitiva decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição; ou seja, que os factos provados são escassos para poderem sustentar a decisão recorrida ou que o tribunal recorrido, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, o que determina que a matéria dada como assente não permite, dada a sua insuficiência, a aplicação do direito ao caso;
b) No caso previsto na al. c) do nº2 do artº 410 do C.P. Penal (erro notório na apreciação da prova):
Que se retirou de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum; se deu como assente algo notoriamente errado; se violaram as regras da prova vinculada, as regras da experiência; as legis artis ou o tribunal se afastou, sem fundamento, dos juízos dos peritos.
8. A primeira questão que nos cumpre esclarecer, a propósito de tais críticas, é que, ao inverso do que o recorrente parece entender, o vício de insuficiência não tem qualquer correlação com a noção de falta ou ausência de prova. Reporta-se a falta ou ausência de factos.
Na verdade, se a prova produzida é ou não suficiente para fundar uma convicção, não é questão que se resolva através da análise prevista na mencionada al. a) (que se reconduz à chamada revista alargada), mas antes implica uma reapreciação probatória, apenas alcançável através do instituto da impugnação ampla, cujos requisitos se mostram enunciados no artº 412 nºs 3 e 4 do C.P. Penal e que é mecanismo recursivo que o recorrente não evoca, sendo certo que, se tal fosse a sua pretensão, essa era matéria que caberia no âmbito de competência do Tribunal da Relação, uma vez que este STJ apenas se debruça sobre matéria de direito.
9. Assim, face ao que o recorrente invoca, constata-se que, em sede do vício de insuficiência, o mesmo se mostra manifestamente inexistente, uma vez que em parte alguma o arguido fundamenta essa sua verificação naquilo que realmente o consubstancia; isto é, os factos dados como efectivamente assentes pelo tribunal “a quo” (e não a prova que levou à sua fixação) são manifestamente suficientes para fundarem a asserção de preenchimento do tipo, não sendo igualmente posta em questão a ausência de ponderação de qualquer elemento probatório que, podendo ter sido produzido, o não foi.
Eventualmente, o que poderá fundar a crítica que dirige à decisão, neste contexto, será não a existência de um vício, mas antes a imputação de erro de direito, na integração jurídica dos factos, em sede de enquadramento em sede de dispositivo legal.
Essa é matéria, todavia, para apreciação infra e não configura, seguramente, o vício que o recorrente imputa à decisão.
10. No que respeita ao vício de erro notório na apreciação da prova, já acima referimos quais são as regras para a sua apreciação.
E também neste caso se terá de entender que o recorrente não demonstra a sua verificação.
De facto, é patente que o arguido não está de acordo com a convicção alcançada pelo tribunal “a quo”, no que respeita aos factos que deu como provados terem por si sido cometidos.
Sucede, todavia, que não é fundamento de recurso a mera circunstância de algum dos intervenientes discordar da convicção alcançada pelo julgador, por a sua própria ser diversa. Pese embora seja direito que lhe assiste (ter a sua pessoal convicção a propósito dos factos), a verdade é que só existirá o vício referido se for flagrante, manifesto, que a convicção do julgador se mostra erroneamente alcançada. A circunstância de outra poder ser essa convicção não determina a existência de erro, pois o mesmo só ocorrerá, se for óbvio, patente e inquestionável, que a convicção alcançada se mostra erroneamente fundada, isto é, se não se mostrar cumprido o disposto no artº 127 do C.P. Penal.
11. No caso dos autos, tal não sucede.
De facto, o tribunal “a quo” entendeu que, da conjugação de diversos e objectivos meios probatórios, aliados a inferências decorrentes do normal correr das coisas, podia alcançar a certeza jurídica da prática de determinados actos pelo arguido.
E esses elementos probatórios não se resumem ao salto (i)lógico que o recorrente imputa, quanto à questão da intenção, como tendo a mesma sido alcançada pela mera constatação da detenção de estupefacientes, mas antes à conjugação de uma série de elementos probatórios e considerações que o tribunal “a quo” expressamente consigna.
Senão, vejamos.
Refere-se, na fundamentação da convicção realizada pelo tribunal “a quo”, as razões que levaram à convicção quanto à intenção do arguido, em relação ao estupefaciente que detinha, bem como o motivo pelo qual entendeu que as declarações do arguido, quanto a pretender apenas consumir tal substância, se não revelaram credíveis.
Aí se refere, designadamente:
Em primeiro lugar, constituí um indício seguro, retirado das declarações do arguido, que as substâncias que lhe foram apreendidas foram adquiridas no Bairro do Cerco, no Porto.
Assente este facto, temos muitas dúvidas em aceitar que algum fornecedor, só porque conhecia a alcunha do arguido e alegadamente sabia que o mesmo teria cumprido pena no estabelecimento prisional, lhe confiasse 37,044 gramas de cocaína, com elevado grau de pureza (71,7%), que era suficiente para a preparação de 132 doses individuais, sem que o arguido tivesse pago o respetivo valor, tanto mais que, se não vendesse ao arguido, certamente venderia a outro cliente qualquer, pelo que nesta parte não mereceram credibilidade as declarações do arguido, sendo razoável supor que o mesmo teve de pagar, no todo ou em parte, a substancia estupefaciente que lhe foi entregue.
Por outro lado, constituí igualmente um indicio seguro que o arguido tinha saído em liberdade condicional há poucos meses, encontrava-se desempregado, não lhe era conhecida atividade laboral, não teria apoio financeiro dos familiares, a avaliar pelo que consta do relatório social, pelo que, é difícil configurar como teria meios financeiros até para se deslocar ao Porto e para comprar o produto estupefaciente que estaria a consumir, a menos que se admita que o mesmo se vinha dedicando à venda de produtos estupefacientes.
Acresce que, mesmo que fosse credível a tese do arguido, que sustenta que o produto estupefaciente lhe foi entregue com o compromisso de pagar posteriormente - impõe-se concluir, em termos indiciários que, quem lhe entregou aquela quantidade expressiva de produto estupefaciente, com aquele grau de pureza, seguramente tinha a expetativa de que o produto fosse vendido pelo arguido, pois que só dessa forma era expetável que o arguido pudesse honrar o compromisso assumido de pagar posteriormente o produto entregue com o produto da venda, expetativa que, por certo, só poderia resultar do facto do arguido já ser conhecido dos fornecedores como alguém que se dedicasse à venda de produtos estupefacientes.
Por outro lado, constituí ainda um indicio seguro que, o preço de cada grama poderia ser vendida aos consumidores a cerca de 40/50 Euros, atento o grau de pureza e que a quantidade de droga que o arguido tinha na sua posse, caso fosse vendida, representaria o valor de 6 600 Euros.
Perante esta circunstância, não é razoável supor que o arguido tivesse optado por consumir uma tão expressiva quantidade de produto estupefaciente, dando o “mico” aos fornecedores, arriscando represálias destes, abdicando de vender o produto que lhe foi entregue, fazer dinheiro e, com o respetivo lucro, garantir futuros consumos.
Constituí um indicio seguro que, depois de sair em liberdade condicional em 22/09/2023, o arguido recaiu no consumo de substancias estupefacientes, nomeadamente cocaína, pelo que, mesmo não se tendo apurado a quantidade exata que o mesmo consumia diariamente, não podemos olvidar que a quantidade apreendida, excede largamente a quantidade necessária para o consumo individual de 10 dias, de qualquer consumidor médio, o que indicia que o produto estupefaciente não se destinasse ao consumo exclusivo do arguido.
Por outro lado, embora tenha resultado da prova produzida, designadamente do depoimento da testemunha FF, agente autuante, que, aquando da apreensão, o arguido não tinha navalha, papeis, plásticos e que estava apenas na posse de 62 centimos, tal apenas permite concluir com a necessária segurança que, pelo menos naquele dia, o arguido não teria intenção de vender o produto estupefaciente, tanto mais que a testemunha afirma que não presenciou vendas.
Em suma, as circunstancias indiciadoras acima enunciadas, designadamente a quantidade expressiva de droga apreendida - que era suficiente para a preparação de 132 doses individuais - que excede largamente a quantidade necessária para o consumo médio individual de 10 dias, o local onde arguido se encontrava à data da apreensão - Parque ... - que é efetivamente um local conotado com o tráfico de estupefacientes, a condição de desempregado do arguido, não se lhe conhecendo outra fonte de receita, são convergentes e concordantes, concorrendo para a formação da convicção de que arguido destinava as substancias estupefacientes que lhe foram apreendidas à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra e que a atividade de venda de produtos estupefacientes constituía a única fonte de receita do arguido, que fazia da mesma, seu modo de vida e, por isso, não as destinava exclusivamente ao seu consumo como procurou sustentar.
Salvo o devido respeito, não se vislumbra, do que se deixou exarado, nada de flagrante ou patentemente errado, na perspectiva do homem médio.
E, em bom rigor, nem o próprio recorrente sequer questiona o racional da conjugação de tais elementos probatórios e regras de experiência comum, uma vez que, neste recurso, se limita a ficcionar que o tribunal “a quo” não expôs o que efectivamente deixou consignado; isto é, não apresenta qualquer contra-argumentação ao que, de facto, o tribunal “a quo” deixou exarado.
Não vislumbramos, pois, nada de notoriamente errado na convicção alcançada pelo tribunal “a quo”, de que as substâncias em questão se destinavam a ser pelo arguido vendidas.
12. De igual modo, não se vislumbra a ocorrência de nenhuma violação do princípio in dubio pro reo.
Este princípio tem o seu campo de aplicação limitado às situações em que, no decurso da formação da convicção do julgador, este chegue a um ponto de indecisão inultrapassável quanto à circunstância de o arguido ter ou não praticado um determinado facto. Nesse caso – e apenas nesse caso – deverá o tribunal fazer a aplicação de tal princípio.
Do dito decorre que não basta, para tanto, que a prova produzida seja contraditória ou não uniforme ou que o arguido opte pelo silêncio ou negue a prática dos factos (se assim fosse, salvo nos casos de confissão, qualquer acusação estaria inevitavelmente votada ao insucesso). Necessário se mostra, como se disse, que o acervo probatório, atendido na sua globalidade, não permita que o julgador atinja uma certeza jurídica quanto à ocorrência de um determinado facto.
No caso vertente, o tribunal “a quo” entendeu – e sem razões de censura, como acima já deixámos exposto – que da conjugação dos elementos probatórios enunciados, em conjugação com as regras de experiência comum, lhe foi possível apurar o desenrolar dos factos e imputar a autoria dos mesmos ao arguido.
Isto significa, muito simplesmente, que o tribunal não chegou a nenhuma situação de dúvida inultrapassável, insuperável, no que aos pontos de facto que o arguido critica se refere, alcançando, quanto a estes, a certeza jurídica quanto ao modo como a acção se processou e quem a realizou.
E, revendo as razões que o levaram a assim entender, confrontando-as com as críticas que o recorrente lhe dirige, já concluímos que o fez sem razões de censura.
13. Do que se deixa dito decorre que a decisão factual não padece nem do vício de insuficiência, nem do de erro notório, nem foi alcançada em violação do princípio in dubio pro reo.
B. Alteração do enquadramento jurídico do ilícito pelo qual o recorrente foi condenado.
1. O tribunal “a quo” fundou a sua decisão, quanto a esta matéria, nos seguintes termos:
O arguido AA vem acusado da prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível nos termos do artigo 21º/1, por referência à Tabela I-B anexa, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22¬01.
Dispõe o art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artº 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Constitui ideia aceite pela generalidade da doutrina jurídico-penal contemporânea que o Direito Penal, como ultima ratio na resolução das disfunções e conflitos sociais e pelo seu conteúdo limitador das liberdades individuais, só deve intervir para a tutela de bens jurídicos, mormente os dotados de consagração constitucional através de um catálogo de direitos fundamentais.
Os bens jurídicos, definidos por Figueiredo Dias como “condições sociais básicas necessárias à livre realização da personalidade de cada homem” – Cfr., “Direito Penal e Estado-de-Direito Material”, Revista de Direito Penal, 1982, pág. 43 –, funcionam, assim, como instância legitimadora da intervenção penal, como garantes da sua conformidade constitucional e, num plano dogmático, como critérios teleológicos de interpretação dos concretos tipos penais.
No que se refere à incriminação do tráfico de estupefacientes, o bem jurídico que a lei visa primordialmente tutelar é a saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade ou, mais sinteticamente, a saúde pública, entendida como conjunção e síntese das boas condições físicas e psíquicas dos cidadãos.
Como, a propósito, referiu o Tribunal Constitucional, no seu Ac. nº 426/91, de 6.11.91, publicado no DR, II Série, de 2.04.92, “O tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes e a própria vida em sociedade, na medida em que dificulta a sua inserção social e possui comprovados efeitos criminógenos”.
Tal bem jurídico, porém e como consequência da necessária fragmentariedade do Direito Penal, não é protegido em toda a sua extensão, mas apenas na medida do previsto na concreta norma incriminadora, impondo-se, deste modo, uma análise do tipo legal do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual os arguidos se encontram acusados.
Trata-se de um crime de comissão por ação, de forma vinculada e de perigo abstrato.
Crime comissivo por ação, porquanto é necessária uma conduta ativa do agente para que se possa considerar preenchido o tipo objetivo.
O que é uma conduta ativa diz-nos a doutrina que sob o tema se tem debruçado e que formulou dois tipos de critérios distintivos entre ação e omissão, a saber: o critério naturalístico, segundo o qual se pode falar em ação quando o agente despende energia na realização do crime e de omissão quando, ao invés, a realização do crime não dependeu de tal dispêndio; o critério normativo, de acordo com o qual tudo dependerá de saber se a norma que o agente violou o obrigava a uma abstenção ou a uma ação, só no primeiro caso se podendo falar de uma conduta ativa em sentido jurídico-penal.
Crime de forma vinculada, porquanto só as condutas previstas – aliás, de forma bastante exaustiva –, na norma incriminadora, são suscetíveis de preencher o tipo objetivo e desencadear a reação do sistema penal: é necessário que a conduta do arguido seja uma das que a lei refere – cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, pôr à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, importar, exportar, fazer transitar ou ilicitamente deter.
O objeto dessa ação deverá ser uma – ou mais – das plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I e III, anexas ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Trata-se, por fim, de um crime de perigo abstrato.
De perigo, porquanto não é necessária a verificação de um evento danoso, espacio-temporalmente cindido da ação, para que o crime se tenha como consumado.
E de perigo abstrato porque não é sequer necessário constatar, em concreto, a verificação de uma situação de perigo, ou seja, de uma situação de insegurança existencial para o bem tutelado, em que a não verificação do dano não é explicável por uma especial regra de causalidade.
O legislador, supondo a perigosidade normalmente associada a determinadas condutas, dispensa a concretização dessa perigosidade enquanto resultado típico, permanecendo a mesma ao nível dos motivos da incriminação. Verificada que seja uma das condutas presumidas perigosas, o crime está formalmente consumado – Cfr. José Francisco de Faria Costa, O Perigo em Direito Penal, pág. 620 e ss., Rui Carlos Pereira, O Dolo de Perigo, págs. 24 e 25.
Conforme refere J. Marques Borges, in Dos Crimes de Perigo Comum e dos Crimes Contra a Segurança das Comunicações, pág. 89, “(...) os crimes de perigo abstrato prevêem situações ou comportamentos considerados geradores de perigo potencial para a comunidade, e, de certa forma constituem punições por desobediência a situações fácticas consideradas suscetíveis de gerar o perigo”.
Importa, ainda, considerar que o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é um crime de trato sucessivo ou pluri-subsistente, devendo entender-se que correspondem à prática de um único crime as várias condutas típicas que se prolonguem mais ou menos no tempo – Cfr., neste sentido, Pedro Vaz Patto, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. de Paulo Pinto de Albuquerque e de José Branco, volume 2, pág. 490.
Por fim, o art.º 21.º, n.º 1, supra citado, exige, para o preenchimento da tipicidade, a presença de um requisito negativo: as condutas nele descritas devem ser praticadas “fora dos casos previstos no artº 40ª...”.
A remissão em causa deve ter-se como efetuada, atualmente, para os casos de aquisição e consumo a que alude a Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro.
Tal ressalva pretende significar que as condutas descritas no tipo não são punidas como tráfico quando as plantas, substâncias ou preparações se destinem exclusivamente ao consumo próprio do agente.
Ora, mesmo considerando que o arguido na data da prática dos factos era consumidor, atenta a quantidade de produto que o mesmo detinha na sua posse, considerada apenas por si e pela sua natureza, assume um relevo que constituiria índice de afastamento dos limites da detenção para consumo, sobretudo se se considerar a inexistência de explicação para tal detenção compaginável com o consumo exclusivo pelo mesmo.
E assim, fácil é concluir que tais quantidades não seriam exclusivamente destinadas ao seu consumo, mesmo que parte o pudesse ser.
Mas ainda se salienta que o arguido não indicou qualquer elemento de prova que sustentasse que as quantidades de produto estupefaciente que detinha se destinavam, no seu todo (como se impunha que sucedesse para se estar perante uma situação de consumo e não de tráfico), ao seu consumo exclusivo, sendo que lhe competia a prova do elemento negativo do tipo de crime pelo qual vinha acusado, ou seja, recaía sobre aquele o ónus de provar que o produto estupefaciente que detinha se destinava ao seu consumo exclusivo e não apenas ao seu consumo - Cf. acórdão do STJ, de 21/06/1989, disponível em www.dgsi.pt.
Aqui chegados estando afastada a aplicação do art. 40º, cumpre analisar, em face do quadro circunstancial de valoração da ilicitude do facto, a conduta do arguido se insere na previsão do artigo 21.º.
Passando ao caso concreto, verifica-se que não se provou qualquer transação a qualquer consumidor, tendo-se provado que o arguido detinha na sua posse, sem ser para seu consumo exclusivo, destinando `venda a terceiros, uma quantidade expressiva de cocaína apreendida na sua posse (37 044 gramas de cocaína).
Uma vez que o arguido não deteve o referido produto estupefaciente ao abrigo de qualquer autorização, preencheu na íntegra o tipo objetivo e subjetivo do crime p. e p. no art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Neste sentido, estabelece o art.º 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que:
“Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI”.
Trata-se de uma clara norma especial: contém todos os elementos do tipo base, acrescentando circunstâncias que tornam o seu âmbito de previsão mais restrito.
Atribui-se relevância a uma imagem global do facto reveladora de uma ilicitude diminuída por referência ao pressuposto pelo tipo base, imagem global que deverá resultar da apreciação e consideração conjunta das circunstâncias referidas no normativo acima transcrito: os meios utilizados; a modalidade ou as circunstâncias da ação; a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações – Cfr., a propósito: Pedro Vaz Patto, op. cit., pág.509; Fernando Gama Lobo, op. cit., pág. 82.
No que concerne aos meios utilizados, há que ter em consideração o nível organizacional e logístico atingido pela atividade desenvolvida, indiciado designadamente pela envolvência de pessoas, viaturas, barcos, aviões, máquinas, imóveis, telefones, telemóveis, escritórios, contas bancárias, lucros, rede de distribuição e número de consumidores.
Quanto à modalidade ou circunstâncias da ação, está em causa a forma de atuação do agente, o seu modus operandi, mais ou menos sofisticado, mais ou menos incipiente, com relevo para o seu âmbito espácio-temporal.
Por fim, importa ponderar a quantidade e qualidade dos produtos, relevando, no que à qualidade diz respeito, o tipo de substância em causa, o seu grau de pureza, o seu poder aditivo ou viciante, os riscos que comporta para a saúde de quem a consome.
Ora, no caso há que ponderar, no que respeita à quantidade e qualidade dos produtos, que ao arguido foi apreendida uma quantidade de cocaína suficiente para 132 doses individuais (37 044 gramas de cocaína), quantia que, quando viesse a ser vendida, representaria o valor de 6 600 Euros, uma vez que o preço de cada grama, atento o grau de pureza (71,7%), era vendida aos consumidores a cerca de 40/50 Euros.
Trata-se, por outro lado, de produto estupefaciente de elevado poder aditivo e que é suscetível de causar danos graves e irreversíveis para a saúde de terceiros.
Tudo ponderado, afigura-se que a ilicitude da conduta do arguido não se situa aquém da gravidade abstratamente suposta pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pelo que não deve a mesma ser subsumida ao disposto no art.º 25.º, al. a), do mesmo diploma legal.
No que se conclui que o arguido AA realizou na íntegra o tipo-de-ilícito próprio do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, suscitando o consequente juízo de danosidade social.
Não se verificam, por outro lado, quaisquer causas dirimentes da referida ilicitude suscetíveis de serem convocadas para o presente caso. A conduta do arguido não visou a realização de um qualquer bem jurídico suscetível, pela sua relevância, de compensar o desvalor associado à conduta ou aos seus resultados.
2. A este título, alega o recorrente o seguinte, em sede conclusiva:
9. O arguido destinava a substância estupefaciente ao seu consumo e não havendo qualquer ato de venda que lhe seja imputável, a sua conduta integraria a previsão contida no artigo 40.º do D. L. 15/93, de 22/01.
10. Caso se entenda que o arguido não destinava exclusivamente ao seu consumo o produto estupefaciente apreendido, a sua conduta não integraria o crime matricial, mas o crime previsto no art. 25.º do referido diploma legal.
11. Pois a quantidade de estupefaciente apreendida que, para o tribunal a quo, constitui quantidade expressiva (cerca de 37 gramas) não pode ser considerada quantidade elevada
integradora da prática do crime matricial previsto e punido nos termos do art. 21.º, do D. L. 15/93, de 22/01, dado que, face às circunstâncias elencadas na matéria de facto provada, as mesmas denotam a inexistência de meios sofisticados e a modalidade e circunstâncias da ação encontram-se efetivamente diminuídas, integrando a conduta do recorrente dada por provada o tipo privilegiado do artigo 25.º, alínea a), do D.L. n.º 15/93, de 22/01.
12. No presente caso, face à matéria de facto provada e às circunstâncias em que o crime foi praticado, afigura-se-nos que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime de tráfico de estupefacientes.
13. O crime de tráfico de menor gravidade contempla, como a própria denominação indica, situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito. A lei, a título exemplificativo, indica no preceito como índices, critérios, exemplos padrão, ou fatores relevantes, de graduação da ilicitude, circunstâncias específicas, mas objetivas e factuais, verificadas na ação concreta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objeto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência, já que há que ter uma visão ou perspetiva global, uma mais ampla e correta perceção das ações desenvolvidas (atividade disseminadora de produtos estupefacientes) pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito justificativa da integração no tipo essencial, na descrição fundamental do artigo 21.º, n.º 1.
14. Numa análise criteriosa pode-se concluir que o desvalor da ação é nitidamente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime previsto no art. 21 .º. E, procedendo à valorização global do episódio, único imputado ao recorrente, mostra que, em abstrato, a conduta do recorrente pode ser qualificada como menos grave ou leve e a medida justa da punição, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do artigo 21.º do mesmo diploma.
15. Os factos provados constantes dos autos permitem considerar a conduta do arguido como integrando a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º a Lei 15/93 de 22 de janeiro, e a pena a aplicar deve ser obtida de acordo com os limites daquele normativo e suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova.
16. Pelo que a conduta do arguido deveria ser punida nos termos previstos no artigo 25.º do D. L. 15/93, de 22/01, em pena de prisão não superior a dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou regime de prova, o que seria suficiente para garantir todas as finalidades da punição.
3. Apreciando.
Como se vê, o recorrente pretende que se entenda que a sua actuação se integra ou no artº 40, ou no artº 25.º do Dec. Lei nº 15/93 de 22.01.
No que toca ao erro de integração jurídica relativo ao artigo 40 do Dec. Lei nº 15/93 de 22.01, para além do que o tribunal “a quo” refere, e se mostra correcto, caberá assinalar que resulta dos factos não provados, que o arguido destinasse as substâncias que lhe foram apreendidas exclusivamente ao seu consumo. Por seu turno, resulta dado como assente que a intenção do arguido era a de vender a terceiros o estupefaciente que detinha.
Ora, salvo o devido respeito, para que este tribunal pudesse sequer cogitar a aplicabilidade do vertido no dito artº 40, necessário seria que tal matéria de facto assente resultasse não provada e a não provada, assente; isto é, teria que resultar da apreciação recursiva, em sede factual, que a intenção do arguido não era vender e que o produto se destinava, em exclusivo, a seu consumo, pois apenas nesse caso se mostrariam preenchidos os elementos do tipo.
Manifestamente, tal não é o caso, pelo que o erro que imputa quanto à integração da sua actuação em sede do disposto no artº 40 do Dec. Lei nº 15/93 de 22.01, se não verifica.
4. Vejamos agora o restante erro por si subsidiariamente invocado.
O artº 25 previne e pune situações em que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, aí se enunciando, a título meramente indicativo, algumas das circunstâncias que podem integrar tal conceito.
Ao inverso do que parece decorrer do arrazoado do recorrente, o artº 25 não contempla uma incriminação diversa e autónoma da previsão do artº 21 do mesmo diploma legal.
Na verdade, o tipo fundamental do crime vem consignado no art. 21.º, em cuja estrutura abrangente se mostram compreendidos comportamentos tão diversos como a mera detenção, a importação, a compra, a exportação ou venda, por exemplo.
Assim, no caso, mostrando-se provada quer a detenção, quer a intenção de venda, esse comportamento enquadra-se, sem dúvida, no âmbito do tipo comum do crime; isto é, no quadro do referido artº 21.
5. Por seu turno, o artº 25 contempla a possibilidade de ocorrência de circunstâncias diminuidoras da ilicitude do tipo; isto é, constatando-se o preenchimento dos elementos do tipo do artº 21 (no qual se inclui a detenção e/ou venda de estupefaciente), atenta a factualidade provada, caberá averiguar se, para além destes, outros ocorrem que permitam entender-se que estamos perante uma actuação cuja ilicitude se mostra objectivamente muito diminuída.
E esta afere-se, como determina tal normativo, não pelo facto de o estupefaciente ser detido, transportado, destinado à venda ou ao consumo (isso são elementos de averiguação do preenchimento do tipo comum) mas pela análise de toda a conjuntura da acção.
E, para que tal desagravamento, face ao tipo comum, possa ocorrer, necessário se mostra que, perante a actuação global do agente, se tenha de concluir que o desvalor da acção e do resultado se mostram não apenas diminutos, mas antes, consideravelmente diminutos.
6. No caso que ora nos ocupa, se atentarmos às circunstâncias globais da acção, constata-se que o arguido deteve cerca de 37 gramas de cocaína, em grau de pureza e quantidade suficientes para 132 doses individuais, sendo que o seu valor total de revenda ascenderia a 6.600 euros (cerca de 7 vezes o salário mínimo nacional), sem que se mostre provada qualquer circunstância de ordem pessoal, de cariz ponderoso, que possa ajudar a justificar tal comportamento e sem qualquer demonstração de assumpção do desvalor do acto cometido, pelo que se mostra impossível, perante tal conjuntura, poder entender-se que estamos perante uma situação em que se se verifica uma considerável diminuição da ilicitude do facto.
A ilicitude do facto não é aqui despicienda, menor, não se tratou de uma detenção de muito pequena monta, esporádica, ocasional, de uma decisão de detenção quase casual ou fortemente determinada por circunstâncias envolventes praticamente irrepetíveis.
7. É assim patente que a actuação deste arguido se mostra enquadrada no artº 21 do acima mencionado Dec. Lei, inexistindo qualquer circunstância que nos permita concluir que a ilicitude do facto se mostra diminuída e, muito menos, consideravelmente diminuída, como exige o artº 25.
Sintetizando, e nas palavras constantes no Ac. STJ in Proc. n.º 2076/07:
“O art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados) e, assim, tal como não basta para configurar este tipo privilegiado de crime a constatação de que a detenção era de uma dose diminuta, será suficiente, para que não exista, que tenha ocorrido uma única circunstância especialmente censurável.” (sublinhados nossos).
8. Concluímos, pois, que não assiste razão ao recorrente, na crítica que aponta ao enquadramento jurídico realizado pelo tribunal “a quo”, que se mostra correcto.
C. Alteração da pena imposta.
1. O tribunal “a quo” fundamentou a sua escolha quanto à pena imposta, nos seguintes termos:
Atento o ilícito criminal praticado pelo arguido AA - crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, a pena é de prisão de 4 a 12 anos;
Atenta a moldura penal acabada de referir para o crime praticado pelo arguido, importa agora proceder à determinação concreta da penas a aplicar-lhe. A determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido deverá ser levada a cabo de acordo com os critérios fixados no artigo 71.º, n.º1 e n.º2 do Código Penal. Assim, numa primeira aproximação, a pena deve ser concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento.
A medida concreta da pena há-de encontrar-se no espaço de liberdade fornecido por uma moldura que tem como limite máximo a culpa do agente e como limite mínimo as exigências de prevenção geral positiva1.
Na verdade, importa precisar que:
A culpa do agente assinala o limite máximo da moldura penal, dado que não pode haver pena sem culpa, nem a pena pode ser superior à culpa, de acordo com princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa – artigo 1.º, 13.º, 25.º e 40.º, todos do Código Penal – e no respeito pela dignidade inalienável do agente;
As exigências de prevenção geral (traduzidas na necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, no respeito pelas legítimas expectativas da comunidade) têm uma medida ótima de proteção, que não pode ser excedida, e um limite mínimo, abaixo do qual não se pode descer, sob pena de se pôr em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e os sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nos institutos jurídico-penais; trata-se, aqui, de determinar qual a pena necessária para assegurar o respeito pelos valores violados, pelo que, a pena a aplicar não pode ultrapassar os limites de prevenção geral, uma vez que, como dispõe o artigo 18.º, n.º2 da C.R.P., só razões de prevenção geral podem justificar a aplicação de reações criminais; e
Dentro desses dois limites atuam, na graduação da pena concreta, os critérios de prevenção especial de ressocialização, pois só se protege eficazmente os bens jurídico – penais se a pena concreta servir a reintegração do agente ou não evitar a quebra da sua inserção social.
1 Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências do Crime, Editorial Notícias, pg. 227 e ss.
Em suma, a realização da finalidade de prevenção geral que deve orientar a determinação da medida concreta da pena abaixo do limite máximo fornecido pelo grau de culpa, relaciona-se com a prevenção especial de socialização por forma que seja esta finalidade a fixar, em último termo, a medida final da pena.
Para graduar concretamente a pena há que respeitar ainda, como supra foi dito, o critério fornecido pelo n.º2 do artigo 71.º do Código Penal, ou seja, atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Este critério é fornecido, exemplificativamente, nas suas alíneas e podem e devem ajudar o tribunal a concretizar, no sentido de vir a quantificar, quer a censurabilidade ao facto a título de culpa, quer as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
A exigência de as referidas circunstâncias, favoráveis ou desfavoráveis ao agente (atenuantes ou agravantes), não integrarem o tipo legal de crime, ressalta de já terem sido levadas em conta pelo legislador na determinação da moldura legal, o que, no caso contrário, violaria o princípio ne bis in idem.
Por conjugação com o disposto no art.º 40.º do diploma acabado de citar, é possível retirar a conclusão de que à culpa caberá fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada e para além do qual se estará perante uma instrumentalização da dignidade humana do delinquente, sendo em função de considerações de prevenção – geral de integração e especial de socialização, articuladas pela forma acima descrita – que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena.
Tendo em conta os referidos princípios, consideremos agora as circunstâncias relevantes em termos da medida da pena concreta.
A este respeito e quanto à culpa, há que ponderar que o arguido agiu com dolo direto, quanto ao crime de tráfico, que é o grau mais grave de censura jurídico-penal.
A ilicitude é significativa no crime de tráfico, atenta a concreta quantidade e natureza do produto apreendido – suficiente para 132 doses individuais.
A quantidade e qualidade do produto estupefaciente detido pelo arguido, é de molde a lesar de modo particularmente intenso as expectativas comunitárias de vigência do direito e de proteção dos bens jurídicos.
São, por outro lado, muito elevadas as exigências de prevenção geral associadas ao crime cometido, que geram grande alarme social e que põe em causa de forma particularmente grave a saúde pública, bem como a harmonia e coesão social, dado ser ele próprio potenciador da degradação da vida familiar e profissional dos consumidores, bem como da prática de outros ilícitos criminais. Ainda desfavoravelmente ao arguido, importa considerar que são elevadas as exigências de prevenção especial porque o arguido já sofreu várias condenações, inclusive pela prática do crime em apreço nestes autos;
Encontrava-se em liberdade condicional quando praticou o ilícito; registando alguma instabilidade habitacional, dificuldades em aproveitar as oportunidades que lhe foram proporcionadas e facilitadoras do seu processo de reinserção social, acabando por recair no consumo de estupefacientes.
Á data dos factos não exercia qualquer atividade profissional regular remunerada, nem tinha qualquer projeto de emprego/trabalho; os seus familiares
mais próximos mostram-se críticos relativamente às suas escolhas, embora não lhe neguem apoio e enquadramento familiar em meio livre.
O arguido revela reduzida consciência critica do seu percurso de vida, não valoriza as oportunidades que lhe foram proporcionadas nem demonstra resiliência capaz de mudança assertiva no seu estilo de vida.
Por outro lado, não tem relevo significativo, em benefício do arguido, a circunstância de este, em face da prova abundante no sentido da demonstração dos factos constantes da acusação, no que respeita à posse da droga apreendida, reconhecer em audiência de julgamento que os mesmos ocorreram, já que tal reconhecimento teve escasso relevo para a descoberta da verdade e, nessa medida, não pode ser considerado um sinal inequívoco de arrependimento, tanto mais que, os factos relativamente aos quais, a prova era menos exuberante, designadamente o destino de tais substancias, o arguido não confessou.
4.3. DA REINCIDÊNCIA DO ARGUIDO AA, QUANTO AO CRIME DE TRÁFICO
Ora, o arguido AA vem acusado pela prática do crime de tráfico, como reincidente, nos termos do art. 75º/1 e 2 do C.P.
Importa assinalar que as penas de prisão efetivas anteriormente aplicadas ao arguido são, todas elas, de duração superior a seis meses, sendo certo que em qualquer desses casos e também nos presentes autos está em causa a condenação pela prática de crimes dolosos.
Importa, ainda, considerar o disposto no art.º 75.º, n.º 2, do Código Penal, nos termos do qual “O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativa da liberdade”.
Neste particular provou-se:
“11. Entre o mais, no âmbito do processo n.º 222/14.7T8VCD, por decisão datada de 16.12.2015, transitada em julgado em 20.06.2016, o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico na pena única de 14 anos e 6 meses de prisão.
12. Em 22.09.2023, o arguido foi colocado em liberdade condicional, pelo que praticou os factos durante o período da liberdade condicional (cfr. certidão de fls. 138 e seg.), já que o termo da pena está previsto apenas para 12.09.2025.
13. As condenações anteriores por si sofridas não constituíram advertência suficiente nem determinaram o arguido a assumir, a partir de então, um comportamento conforme com a norma.
14. Não se encontram decorridos mais de 5 anos desde a prática dos crimes dolosos, supra identificados, pelos quais fora condenado e o que agora lhe é imputado, descontando o tempo em que esteve preso e submetido a medida privativa da liberdade.
15. O arguido, pelo menos desde Setembro/Outubro de 2023 e até ao dia 02.05.2024, não se conteve em persistir na prática de factos integrativos do mesmo tipo de crime (Tráfico de estupefacientes), assim demonstrando que aquelas condenações não foram suficientes para o demover da atividade de detenção de substâncias estupefacientes”.
É apodítico que desde a dada da prática do crime pelo qual foi condenado, no âmbito do processo supra identificado, pelo qual cumpriu pena de prisão efetiva e a data dos factos que agora lhe são imputados e descontado o período de tempo em que o mesmo esteve privado da liberdade, decorreram menos de cinco anos, não se mostrando decorrido o lapso de tempo máximo previsto no art.º 75.º, n.º 2, do Código Penal.
Resta, então, apreciar da verificação do pressuposto material da reincidência, que se traduz no desrespeito ou desatenção do arguido pela advertência resultante das anteriores condenações, em termos merecedores de maior censura jurídico-penal.
Ora, ponderada a natureza dos factos subjacentes a cada uma das condenações, afigura-se manifesta a existência de uma íntima conexão entre os vários crimes reiterados, relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa.
Como ensina Figueiredo Dias, op. cit., pág. 269, “Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a foram da execução”.
E, não se verificam no caso quaisquer circunstâncias que sirvam para excluir essa conexão, evidenciando-se que a condenação por si antes sofrida não constituiu suficiente advertência contra o crime.
Deste modo, encontram-se preenchidos os pressupostos formais e materiais da aplicabilidade do instituto da reincidência, com a consequência prevista no art.º 76.º, n.º 1, do Código Penal: o limite mínimo da pena aplicável é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, ou seja, a moldura abstrata passa a ser de 5 anos e 4 meses de prisão e o máximo de 12 anos de prisão.
Por tudo isto julga-se adequado e a aplicação da seguinte pena:
- a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, como reincidente, do crime de tráfico p. e p. pelo art. 21º do D.L. nº 15/93 de 22.
2. Em sede conclusiva, invoca o recorrente os seguintes argumentos:
17. A aplicação ao arguido/recorrente de uma pena de prisão suspensa na sua execução sujeita a deveres, regras de conduta ou a regime de prova será suficiente não só para evitar que a agente reincida como também realizaria o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica. Sendo ademais certo que o presente ilícito é praticado num contexto de consumo e tráfico de substâncias estupefacientes do recorrente e motivado por essa mesma dependência a qual in casu milita a seu favor como facto ambivalente que contribui para a diminuição da culpa.
18. Os autos fornecem elementos que permitem extrair o convencimento de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada serão suficientes para afastar o arguido/recorrente de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro.
19. No que à medida concreta da pena respeita, entendemos que a mesma é manifestamente exagerada, sendo nítida a violação do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do C. P, pelo menos, em termos de culpa, extraída dos elementos de prova suprarreferidos.
20. Face ao exposto, em nome da justiça e da equidade, a entender-se que o arguido praticou um crime de tráfico de estupefacientes, a pena concreta deverá ser próxima do limite mínimo da moldura abstrata da pena, em dosimetria nunca superior a 5 anos e seis meses de prisão, a qual realizaria as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.
Foram violados os artigos 21.º, 25.º e 40.º do D. L. 15/93, de 22.01; artigos 127.º, 379.º, n.º 1, alíneas a), b); 374, n.º 2 e 410.º n.º 2 al. a), do C.P.P., 40.º, 50.º, 70.º e 71.º do Cód. Penal.
3. Apreciando.
O pedido que o recorrente formula – de imposição de uma pena não superior a dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução - mostra-se, neste contexto (em que improcedeu a pretensão de integração do ilícito no quadro consignado no artº 25), manifestamente impossível, já que a moldura penal prevista no artº 21 do Dec. Lei nº 15/93 tem, como limite mínimo, 4 anos de prisão.
4. Avancemos então para o pedido subsidiário, de imposição de uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
Em primeira sede cabe realçar que, a respeito da determinação da pena, rege o princípio da pessoalidade. Tal princípio impõe que a pena seja aplicada de um modo individualizado, tendo em conta a situação pessoal, económica, social específica da pessoa visada, bem como a apreciação crítica de todo o seu circunstancialismo actuativo. A pessoalidade e individualização da pena são uma consequência do princípio da culpa e valem para qualquer sanção penal.
5. Estabelece ainda o artº 40 do C. Penal que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, bem como que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade
6. Importa pois, desde logo, atender, para além da intensidade da culpa, que delimitará a fronteira máxima punitiva, às exigências de prevenção geral e especial, que regem igualmente os fins das penas.
Na prevenção geral utiliza-se a pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos - prevenção geral negativa – e para incentivar a convicção na sociedade, de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas, – prevenção geral positiva.
Na prevenção especial, a pena é utilizada no intuito de dissuadir o próprio delinquente de praticar novos crimes e com o fim de auxiliar a sua reintegração na sociedade.
7. Apreciemos, então, o caso presente.
Neste tipo de crime as exigências de prevenção geral são fortíssimas, pois o tráfico de estupefacientes é das actividades que mais profundamente corrói e corrompe a sociedade em que vivemos, potenciando o cometimento de numerosos outros tipos de crimes – roubos, furtos, receptações –, tornando um verdadeiro flagelo a vida dos consumidores, das suas famílias, gerando instabilidade social, problemas de saúde pública e de desenquadramento laboral e familiar, que acabam por ser suportados por todos os restantes cidadãos.
Assim, na fixação da pena a impor, em casos como o presente, haverá que sopesar as necessidades de estratégica nacional e internacional de combate a este tipo de crime, que reforçam ainda mais os imperativos de prevenção geral e especial, no sentido de a dosimetria penal não frustrar, não desacreditar, as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada.
As exigências de prevenção geral mostram-se, pois, neste contexto, especialmente prementes.
8. Limita-se o recorrente a alegar que não foi tido em consideração que o presente ilícito é praticado num contexto de consumo e tráfico de substâncias estupefacientes do recorrente e motivado por essa mesma dependência a qual in casu milita a seu favor como facto ambivalente que contribui para a diminuição da culpa.
Do que se deixa dito decorre, como aliás o recorrente reconhece, que o que o mesmo questiona se prende, tão-somente, com a vertente da pena relativa às exigências de prevenção especial que, no seu entender, serão menos prementes do que o tribunal “a quo” considerou.
Daqui resulta, por um lado, que o recorrente aceita a avaliação realizada pelo mesmo tribunal, no que concerne à culpa e às exigências de prevenção geral, apenas criticando a sua avaliação em sede de prevenção especial.
9. Sucede, todavia, que não assiste razão ao recorrente em tal crítica.
Na verdade, o tribunal “a quo” não se eximiu de analisar as circunstâncias que agora o recorrente avança, antes as referindo expressamente, num contexto, todavia, algo diverso daquele que o recorrente apresenta e que se afigura consubstanciado na factualidade apurada.
O arguido, quer à data da prática dos factos, quer em julgamento, não teve uma postura de repúdio e reflexão sobre a sua actuação, mas antes de negação, em grande medida, da sua responsabilidade própria, na decisão que tomou ao enveredar por proceder à venda de produto estupefaciente, pretendendo agora imputá-la à sua toxicodependência, como se também ela não decorresse igualmente de uma decisão por si tomada e mantida; isto é, a sua postura no julgamento realizado, foi de afastamento e desresponsabilização face aos actos por si cometidos.
10. A integração do desvalor de um acto e a determinação em seguir um caminho social e legalmente ajustado, é algo que depende principalmente da vontade e determinação de cada um (embora possa haver lugar a coadjuvação por elementos externos auxiliários).
No caso, e em especial quando nos debruçamos sobre alguém que tem uma adição a substâncias estupefacientes, é um mero truísmo constatar que, por muitos tratamentos terapêuticos que lhe sejam providenciados, nenhum alcançará o seu desígnio, enquanto o arguido não decidir, interiormente, que quer efectivamente superar o seu vício. E a demonstração de tal mudança interna mostra-se aqui por demonstrar.
Ora, é de notar que a dependência de substâncias aditivas comporta uma componente que, para o viciado, se reconduz em alcançar satisfação através do consumo das mesmas; isto é, trata-se de uma dependência de um produto que gera, em quem o consome, um sentimento que lhe aporta satisfação, do qual não quer abdicar, ainda que, para obter os meios para poder proporcionar-se esse consolo, isso signifique fazê-lo através da violação dos direitos dos seus concidadãos e à custa da saúde dos outros.
Salvo o devido respeito, a circunstância de ter retomado consumos após a sua saída em liberdade condicional, é decisão que a si lhe coube e que se não vislumbra como pode acarretar um efeito diminuidor da culpa.
11. Quanto ao demais, o arguido limita-se a adjectivar o excesso da dosimetria, sem, todavia, avançar quaisquer argumentos ou factos, que corroborem tal afirmação.
E, atento o que se mostra provado, não se vislumbra onde tal exagero se ancora, já que a pena imposta se situa no primeiro quarto da moldura penal prevista para este tipo de crimes (bem abaixo da sua culpa, que se mostraria na mediania), estamos perante um arguido que é condenado como reincidente e que praticou o ilícito logo após lhe ter sido concedida liberdade condicional e no período de vigência da mesma.
12. Assim, não só se verificam fortes exigências de prevenção geral como, igualmente, graves necessidades de prevenção especial, pois o arguido agiu movido pela exclusiva procura de obtenção de benefícios económicos rápidos e muito significativos, sendo certo, para além do mais, que, à data, era apoiado pelos seus familiares, já que não desempenhava qualquer actividade laboral.
Diga-se, aliás, que uma das razões que justificam e exigem o cumprimento de uma pena de prisão efectiva e com algum grau de consistência radicam, precisamente, na imperiosa necessidade de se desmotivar o tipo de actuação que o arguido protagonizou, isto é, é absolutamente essencial que seja entendido que o exercício de uma actividade com tão nefastas consequências societárias e que permite obter, com muito pouco esforço, significativas quantias monetárias, não é tolerada.
13. Face a tudo o que se deixa dito, conclui-se que na fixação da pena foram atendidas e sopesadas todas as circunstâncias legalmente previstas, incluindo as de natureza atenuante, mostrando-se a mesma adequada e proporcional, pelo que não nos merece censura o seu quantum, razão pela qual deve ser mantida.
Não ocorreu, pois, violação dos dispositivos legais que o recorrente invoca.
iv – decisão.
Face ao exposto, acorda-se em considerar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se a decisão recorrida.
Condena-se o recorrente no pagamento da taxa de justiça de 4 UC.
Lisboa, 17 de Setembro de 2025
Maria Margarida Almeida (relatora)
Horácio Correia Pinto
José Carreto