RECURSO DE REVISTA
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ACORDÃO FUNDAMENTO
TRÂNSITO EM JULGADO
CERTIDÃO
Sumário


Sendo o recurso de revista baseado em contradição jurisprudencial, como acontece no fundamento previsto pelo art. 629º, 2, d), do CPC, a junção de certidão do acórdão fundamento com comprovação do respectivo trânsito em julgado é condição para a apreciação da admissibilidade do recurso, sendo ónus do recorrente o cumprimento de tal diligência processual, nomeadamente, em caso de omissão no originário requerimento de interposição, depois de ordenado ao abrigo do mecanismo do “convite ao aperfeiçoamento” proporcionado pelo art. 639º, 3, do CPC, sob pena de rejeição do recurso.

Texto Integral

Acordam em conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1. Na execução para pagamento de quantia certa, intentada por AA, advogando em causa própria, contra «Jardinscópio, Unipessoal, Lda.» e «Exclusiproeza – Gestão e Investimentos, S.A.», dando-se como título executivo confissão de dívida subscrita pela 1.ª Executada, no valor exequendo de € 536.127,12, e no âmbito da Oposição por Embargos da 1.ª Executada, o Exequente-Embargado veio requerer aditamento ao rol das testemunhas, tendo em consideração a aplicação do art. 598º, 2, do CPC.

Sobre tal requerimento incidiu despacho (i) proferido pelo Juiz 2 do Juízo de Execução de Alcobaça (16/4/2024):

“Requerimento de 10-10-2015 (…) – Indefiro o aditamento ao rol de testemunhas requerido pelo exequente, por intempestivo, uma vez que se mostra ultrapassado o prazo a que alude o artigo 598.º, n.º 2, do CPC, tendo a audiência final tido início em 19-10-2023.”

2. Após novo requerimento do Exequente-Embargado, foi proferido um outro despacho (ii) (também de 16/4/2024):

“Requerimento de 12-11-2023 – Veio o exequente:

a) requerer que seja retomada a audiência suspensa em 19-10-2023 com o prosseguimento da inquirição da testemunha BB, interrompida por indisposição da Ilustre Patrona do exequente;

b) requerer a condenação como litigante de má fé da executada em multa e indemnização não inferior a € 5.000, por estar a deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.

Vejamos então.

No que concerne à alínea a), verificamos que, ao contrário do que o exequente refere, o depoimento da testemunha BB já havia sido concluído quando a audiência foi interrompida. Com efeito, resulta claramente da gravação do depoimento da referida testemunha (concretamente do seu minuto 14), que a Ilustre Patrona do exequente referiu expressamente nada mais pretender da testemunha, passando a requerer a acareação.

Quanto à alínea b), remetemos integralmente para as considerações já expendidas no ponto I. do presente despacho, reiterando que não vislumbramos que a executada tenha agido com dolo ou negligência grave, sendo que a condenação como litigante de má fé não se basta com a dedução de pretensão infundada ou que não vem a merecer provimento.

Face ao exposto, indefiro o requerimento [de] 12-11-2023.

3. Inconformado, o Exequente-Embargado interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, incidindo sobre o despacho (i) e o despacho (ii), no segmento correspondente à al. a), que conduziu a ser proferido acórdão (25/3/2025), no qual, identificadas as questões recursivas – a saber: “a) Se é tempestiva a alteração do rol de testemunhas requerida pelo recorrente, ao abrigo do art.º 598 nº2 do Código de Processo Civil; b) Se deve ser retomado o depoimento da testemunha inquirida na primeira sessão da audiência final, com fundamento nas circunstâncias imprevistas que determinaram a interrupção dos trabalhos daquela audiência.” –, se julgou improcedente por não provada a apelação.

4. Sem se resignar, o mesmo Exequente-Embargado veio interpor recurso de revista excepcional para o STJ, tendo por fundamento o art. 672º, 1, c), do CPC, indicando como fundamento de oposição jurisprudencial os Acs. da Relação de Guimarães de 17/12/2015 e da Relação de Évora de 11/5/2023, incidindo sobre a primeira questão decidida pelo acórdão recorrido, sem apresentar, contudo, certidão comprovativa do acórdão fundamento e do seu trânsito em julgado.

5. Remetidos os autos à Formação Especial do STJ, a que alude o art. 672º, 3, do CPC, tendo em conta a dupla conformidade decisória das instâncias no que toca à questão de direito objecto de impugnação e reapreciação pela Relação, relativa a decisão interlocutória com incidência processual sobre a tempestividade e admissibilidade da alteração da prova testemunhal requerida, foi por esta proferido acórdão de não admissão da revista excepcional e de remessa dos autos ao Conselheiro Relator nos termos e para os efeitos previstos no art. 672º, 5, do CPC, tendo em conta a aplicação do art. 671º, 2, do CPC.

6. Recebidos os autos, foram proferidos despachos, sendo que um deles, após convolação da revista para a modalidade normal extraordinária, de acordo com o fundamento contemplado no art. 629º, 2, d), do CPC, por aplicação dos arts. 671º, 3, e 671º, 2, do CPC, dispôs, na sequência do fundamento recursivo:

“No caso da al. d) do art. 629º, 2, o fundamento de admissibilidade do recurso depende, entre outros requisitos, da existência de “contradição jurisprudencial”, sendo ónus do Recorrente a indicação de um e um só acórdão fundamento da Relação em oposição com o acórdão recorrido e, ademais, a junção de certificação do respectivo trânsito em julgado, sob pena de rejeição do recurso depois de convidado ao aperfeiçoamento (arts. 637º, 2, 639º, 3, CPC).

Termos em que se ordena convidar o Recorrente para indicar um dos dois acórdãos da Relação que serve de acórdão fundamento, com nota comprovativa de trânsito, e, atenta a convolação e a necessidade de tornar claras e completas as Conclusões, aperfeiçoar a revista nos termos do art. 639º, 3, com novas Conclusões, com igual cominação, tudo no prazo de cinco dias.”

7. A parte Recorrente juntou requerimento com a indicação do acórdão fundamento – o Ac. da Relação de Évora de 11/5/2023 – e novas Conclusões.

8. Simultaneamente, a parte Recorrente deduziu Reclamação, ao abrigo do art. 652º, 3, do CPC, do despacho referido, no segmento em que ordena a junção aos autos de certidão do acórdão fundamento com certificação do respectivo trânsito em julgado, alegando que o art. 637º, 2, do CPC não comporta tal ónus, nem a cominação de rejeição do recurso pelo respectivo incumprimento, que se encontraria observado com a menção da “hiperligação que remete para a publicação no Diário da República”, sendo que, por fim, “a certificação do trânsito em julgado do acórdão-fundamento poderá sempre ser requerida ao Tribunal da Relação”.

A parte Recorrida não apresentou qualquer pronúncia no prazo concedido para o efeito.


Foram dispensados os vistos nos termos legais.

Cumpre apreciar e decidir em conferência.

II) APRECIAÇÃO E FUNDAMENTOS

1. Serve de factualidade objecto de sindicação o que consta do relatório antes exposto.

2. O tema a decidir contende com o ónus de alegação recursiva nos casos em que o fundamento se baseia em contradição jurisprudencial, como é a situação prevista no art. 629º, 2, d), do CPC.

No caso, o despacho reclamado não é fundamentado apenas no art. 637º, 2, quanto à junção de cópia, «ainda que não certificada», do acórdão fundamento, mas sim, e em complemento decisivo para tutela da parte interessada e com legitimidade, no art. 639º, 3, do CPC, com vista ao aperfeiçoamento das alegações com a indicação de um só dos acórdãos dados como fundamento do recurso e a respectiva junção de certidão comprovativa e certificada com nota de trânsito em julgado.

Por isso se compreende e justifica a cominação feita, resultante directa e expressamente do art. 639º, 3, do CPC – norma que o aqui Reclamante ignora na alegação feita na Reclamação deduzida.

Cominação essa, por outro lado, que não é compatível com o suprimento do incumprimento do ónus solicitado pelo despacho de aperfeiçoamento por via oficiosa do tribunal “ad quem”, onde o recurso se pretende ver decidido, pois a cooperação tutelada pelo art. 7º do CPC não o exige – trata-se de um ónus exclusivo do sujeito a quem aproveita a legitimidade recursiva e de um ónus insuprível por qualquer outra diligência ou medida processual.

3. Trata-se de um ónus – ou parte do ónus complexo nas situações de fundamento assente em oposição de julgados – que se compreende com clareza: o acórdão fundamento susceptível de desencadear este tipo de recurso tem de estar devidamente certificado e transitado em julgado, de acordo com o art. 619º, 1, do CPC, pois só com o seu trânsito é que estará cumprida a condição mínima e imprescindível para se realizar a aferição, numa segunda fase de apreciação da admissibilidade do recurso, da existência de efectiva contradição de acordãos, dependente de uma decisão definitiva sobre o objecto da acção num dos pólos alegados da dissidência.

Tal aferição só pode ser efectuada perante uma certidão comprovativa do acórdão indicado como fundamento, nutrida com a certificação da sua estabilidade e definitividade, na falta de norma que faça presumir em benefício do recorrente esse mesmo trânsito em julgado (como acontece no art. 688º, 2, in fine, para o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência).

Perante o incumprimento de tal faceta do ónus incidente sobre o recorrente, foi isso que se ordenou nos autos tendo por base o art. 639º, 3, do CPC, ainda aplicável extensivamente em nome do princípio da auto-responsabilidade das partes, com um prévio convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso (tal como se tem entendido na jurisprudência do TC), antes de se proceder à sanção letal da rejeição do recurso – v. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, “Artigo 637º”, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º, Artigos 627.º a 877.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, pág. 79, ABRANTES GERALDES, “Artigo 637º”, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, pág. 135 e nt. 225.

Assim, dúvidas não poderão subsistir sobre a bondade do despacho proferido, fazendo sobre ele recair acórdão que o confirma, fazendo decair a pretensão ora apreciada pelo Recorrente e aqui Reclamante.

III) DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente a Reclamação, confirmando-se o despacho proferido e, por esta via, convidando-se processualmente o Recorrente, nos termos do art. 639º, 3, em conjugação com o art. 637º, 2, do CPC, a juntar aos autos certidão do acórdão fundamento identificado no requerimento de 4/7/2025, com nota comprovativa do trânsito em julgado, em novo prazo de cinco dias, a contar do trânsito deste acórdão agora prolatado, sob pena de rejeição do recurso.

Custas da Reclamação a cargo do Reclamante, que se fixa em taxa de justiça correspondente a 3 Ucs.

STJ/Lisboa, 23 de Setembro de 2025

Ricardo Costa (Relator)

Maria Olinda Garcia

Luís Espírito Santo

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)