PROCEDIMENTO CAUTELAR
PERÍCIA
INQUISITÓRIO
Sumário

Sumário:
1. O exercício do princípio do inquisitório pelo Tribunal pode justificar a admissibilidade de recurso de apelação interlocutório, nos termos do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), CPC.
2. O artigo 367.º, n.º 1, CPC, não exclui dos procedimentos cautelares nenhum dos meios de prova legítimos, como será a perícia.
3. O uso oficioso dos poderes instrutórios previstos no artigo 411.º CPC está sujeito aos requisitos gerais: de admissibilidade do meio de prova; da sua manifestação em momento processualmente adequado; da necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e de a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer.
4. Em regra, a parte não pode substituir-se ao juiz a quo e impor o seu próprio critério de necessidade ou desnecessidade da prova, não sendo a parte que determina se o tribunal necessita ou não de mais esclarecimentos e se estes se poderão obter por determinado meio de prova.

Texto Integral

Apelação n.º 845/25.9T8STR-A.E1
(1.ª Secção)

Relator: Filipe Aveiro Marques
1.º Adjunto: Ricardo Miranda Peixoto
2.ª Adjunta: Susana Ferrão da Costa Cabral

***

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO:
I.A.
“UPACAL – União Panificadora do Cartaxo, Unipessoal, Lda.”, requerida no procedimento cautelar comum que contra ela foi intentado por “A..., Unipessoal, Lda.”, veio interpor recurso do despacho proferido em 7/07/2025, proferido pelo Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., na parte que determinou a realização de perícia.

I.B.
A requerida/apelante apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido nos autos (Refª 88988028) que determinou, oficiosamente, a realização de uma perícia ao locado, com vista à avaliação do estado do telhado, muros, esgotos, tetos, paredes, instalação elétrica e piso, razões para eventuais deficiências ou defeitos que sejam encontrados e as intervenções que se mostrem necessárias para a reparação dessas deficiências ou defeitos.
2. O Tribunal a quo ao determinar oficiosamente a realização da perícia, nos termos em que o fez, excedeu manifestamente o princípio do inquisitório consagrado no artigo 411º do CPC.
3. Apenas é admissível a determinação oficiosa de diligências necessárias, entendendo-se como tais as que são indispensáveis e imprescindíveis para a prova dos factos alegados, com vista ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
4. O poder-dever do Juiz de ordenar a realização de diligências necessárias conhece um limite inultrapassável: só pode ter em vista os factos alegados carecidos de prova ou de que o Tribunal deva conhecer oficiosamente, pois o princípio do inquisitório coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, não se sobrepondo sobre estes.
5. O Tribunal apenas pode determinar oficiosamente a realização de perícia, caso a mesma se destine a demonstrar os factos que tenham sido alegados pelas partes, não podendo pretender fazer uma investigação dos factos deficientemente alegados pela Requerente no respetivo articulado inicial.
6. O Juiz não pode substituir-se à parte, pretendendo através da realização de uma perícia concretizar o estado do imóvel e as obras necessárias, quando a própria Requerente se limita a dizer que as instalações se encontram degradadas, sem nada mais esclarecer ou concretizar.
7. A prova pericial é um meio de prova que visa o apuramento de factos, mas exclusivamente os factos que foram trazidos ao processo pelas partes, não podendo servir para apurar quaisquer outros factos que não tenham sido alegados pelas partes, visando-se suprir eventuais incumprimentos dos ónus alegatórios que incumbiam sobre as partes.
8. No caso em apreço, o Mmº Juiz a quo, excedendo manifestamente os poderes-deveres resultantes do princípio do inquisitório, pretende delimitar o objeto da própria providência, concretizando através da realização da ordenada perícia, os factos essenciais que não foram alegados pela Requerente no seu requerimento inicial, pelo que não é admissível a perícia ordenada, por impertinente, ao não respeitar os factos da causa.
9. Na verdade, as questões que constituem o objeto da perícia ordenada não encontram correspondência com os factos alegados pela Requerente no seu requerimento inicial, pretendendo, assim, o Tribunal que através da perícia e com as respetivas respostas, se obtenha a concretização de factos que a Requerente não alegou – suprindo-se, deste modo, as deficiências de tal articulado.
10. A perícia será, em todo o caso, dilatória se o seu apuramento não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe, não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar ou se o facto já se encontrar provado por qualquer outra forma, pelo que a produção de prova pericial apenas geraria atraso no processo.
11. Estando em causa uma providência cautelar, que se caracteriza pela urgência e valoração do princípio de prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso, verifica-se uma redução do ónus probatório (prova sumária, nos termos do artigo 365º do CPC) e uma diminuição do grau de convicção do julgador (probabilidade séria, nos termos do artigo 366º do CPC).
12. Pese embora não esteja vedada a prova pericial, o juiz, na ponderação a fazer sobre a necessidade, pertinência e carácter dilatório da perícia, não poderá perder de vista tais especificidades do procedimento cautelar, bem como outros importantes princípios do processo civil, mormente os princípios da economia processual e da limitação dos atos.
13. Assim, no âmbito dos procedimentos cautelares, é admissível a produção de prova pericial, mas apenas quando se trate de prova necessária, imprescindível, por incidir sobre factos essenciais (cf. art.º 5.º, n.º 1, do CPC) cuja averiguação exija conhecimentos especiais, em termos técnico-científicos.
14. No caso em concreto, a perícia não é o único meio de prova para demonstrar os factos alegados pela Requente, tanto assim que esta não requereu a sua realização, tendo, ao invés, indicado outros meios de prova para o efeito, designadamente documentos, juntando diversas fotografias, declarações de parte e testemunhas, sendo certo que sempre poderia ser realizada inspeção judicial, prevista no artigo 390º do Código Civil e 490º do CPC.
15. Resulta, assim, evidente que a prova pericial não é, no presente caso, necessária e imprescindível para o apuramento dos factos essenciais para a decisão da causa, não tendo sido efetuada tal ponderação pelo Tribunal a quo.
16. Por outro lado, considerando que prova pericial deverá ser realizada quando seja necessário aquilatar de matérias que exijam conhecimentos técnicos especiais, a constatação dos factos que constituem o objeto da perícia, relativos ao estado do imóvel, salvo melhor entendimento, não exige qualquer conhecimento especializado.
17. Resulta, do exposto, que a perícia ordenada oficiosamente é manifestamente desnecessária, impertinente e dilatória.
18. O Tribunal a quo, ao determinar oficiosamente a realização de prova pericial, violou o disposto no art. 388º do Código Civil e nos artigos 5º, nº 1, 411º, 467º e 476º todos do CPC.
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser proferida decisão que revogue o despacho que ordenou a realização de perícia ao locado, pelos fundamentos supra expostos, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

I.C.
O réu/apelado apresentou resposta onde defende que o recurso não é admissível e, sendo admitido, deve ser negado provimento.

I.D.
O recurso foi recebido pelo Tribunal a quo a subir imediatamente, em separado e efeito devolutivo.
Foi cumprido o contraditório quanto à questão prévia da inadmissibilidade do recurso.
Após os vistos, cumpre decidir.
***

II. QUESTÕES A DECIDIR:
As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
No caso, impõe-se apreciar se:
a) A decisão é imediatamente recorrível;
b) Deve ser admitida a diligência de prova (perícia) determinada.
*

III. FUNDAMENTAÇÃO:
III.A. Questão prévia da admissibilidade do recurso:
Invoca a requerente/recorrida, ao contrário do que defende a requerida/recorrente e o Tribunal a quo (ao admitir o recurso a subir imediatamente e em separado), que o despacho recorrido não admite recurso imediato.
Prescreve o artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil que “Cabe ainda recurso de apelação (…) d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova”.
Nas palavras de Abrantes Geraldes[[1]], “atento o relevo dos meios de prova para a resolução dos litígios, sendo questionada a sua admissão ou a sua rejeição, justifica-se que tal decisão seja objeto de impugnação imediata. A previsão legal abarca designadamente os casos em o juiz admite ou não o depoimento de parte ou a prova por declarações de parte, admite ou rejeita um rol de testemunhas, autoriza ou não o seu aditamento ou substituição, defere ou indefere a realização de uma perícia ou inspeção judicial, admite ou desconsidera determinados documentos ou defere ou indefere a requisição de documentos ou a obtenção de informações em poder da outra parte ou de terceiros”.
Ou seja, a excepcional admissibilidade de recurso imediato com os fundamentos previstos nesta alínea tem como escopo atenuar os efeitos negativos que poderiam produzir-se ao nível da tramitação processual ou da estabilidade das decisões que põem termo ao processo. A sujeição de tais decisões a impugnação diferida para o recurso da decisão final potenciaria o risco de anulação do processado, para ponderação ou não ponderação dos meios de prova que tivessem sido mal rejeitados ou admitidos (neste sentido ver Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/07/2017, processo n.º 1860/15.6T8FAR.E1[[2]]).
Não faz sentido limitar a recorribilidade imediata às decisões sobre provas juntas pelas partes (distinção que não se encontra na letra da lei), já que a letra e o espírito apontam para um sentido mais amplo.
Na verdade, nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[[3]] em anotação ao artigo 411.º do Código de Processo Civil, “a compatibilização do principio do inquisitório com outras regras e princípios pode gerar controvérsia, o que justifica, por um lado, a regime de recorribilidade que consta do art. 630º, nº 2 e, por outro, a admissibilidade de recurso de apelação interlocutório, nos termos do art. 644º, nº 2, al. d), mecanismos que conjugadamente potenciam a resolução da discórdia em tempo oportuno, por forma a não afetar (ou reduzir a afetação) do julgamento que entretanto seja realizado (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 5ª ed., pp. 81-83).”
Entende-se, por isso, ser o recurso admissível ao abrigo do indicado artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.
Sendo o recurso admissível, cumpre conhecer o seu objecto.
*

III.B. Fundamentação de facto:
III.B.1 Factos provados:
Considera-se provada a seguinte factualidade com interesse para a decisão incidental:
1. A requerente “A..., Unipessoal, Lda.” instaurou procedimento cautelar comum contra a requerida “UPACAL – União Panificadora do Cartaxo, Unipessoal, Lda.” pedindo que, pela sua procedência, “seja proferida decisão antecipatória, que determine à requerente a promoção da reparação dos danos e das causas estruturais dos mesmos, por via de obras no edificado e que se deixaram acima, identificados”.
2. Alegou, além do mais, que celebrou com a requerida, em 25 de Novembro de 2021, um contrato de cessão de exploração, com início de vigência na mesma data, pelo prazo de cinco anos, tendo por objecto um estabelecimento comercial e que o imóvel se tem deteriorado de acordo com a seguinte alegação:

A cobertura do imóvel encontra-se gravemente danificada, provocando infiltrações de águas pluviais, as quais escorrem pelas paredes

A infiltração de água pluvial pela cobertura do edificado, afecta praticamente todo o espaço interior, nomeadamente a cozinha, salas de atendimento ao público, zona de armazenamento;

Devido ao referido no ponto anterior, os tectos de praticamente todas as divisões do estabelecimento encontram-se degradados, em muitos casos com bolor e completamente escuros (Fotos em anexo).

A instalação eléctrica encontra-se degradada e com deficiências, devidas em grande parte às infiltrações de água acima referidas. Além de desactualizadas para a utilização a que se propõe.

10º

É evidente a degradação das paredes interiores e exteriores, com pintura das paredes degradadas, conferindo um péssimo aspecto visual às mesmas, com azulejos de revestimento degradados.

11º

Verifica-se a degradação do piso interior do edificado, mas também do

logradouro.

12º

Canalizações e estrutura de esgotos, degradadas pela sua antiguidade,

provocando a saída de esgotos para o exterior da respectiva estrutura.

13º

Portas degradadas.

14º

Degradação de muros exteriores, necessitando de pintura e reconstrução urgente, pois um deles já se fracturou devido a infiltrações e raízes, tendo sido a signatária como gerente da locatária, que o mandou reparar sob pena de ainda hoje se encontrar caído.

15º

Portões de acesso avariados devido a falta de manutenção.

16º

A área exterior, logradouro, encontra-se com vegetação alta e abundante, bem como as árvores com falta de limpeza provocando a queda de troncos e galhos.

3. Essa alegação foi objecto de impugnação pela requerida que alegou, em suma, que em Outubro de 2024 (artigo 17.º da oposição) “verificou uma falta generalizada de cuidado, limpeza e manutenção por parte da Requerente, designadamente:

a) a cobertura se encontrava danificada por falta de cuidado dos funcionários da empresa de manutenção dos equipamentos de ar condicionado, que percorriam a cobertura sem se assegurarem que não a danificavam;

b) as caleiras e algerozes não eram limpos pela Requerente, há, provavelmente, vários anos, impedindo que quando chovesse, a água da chuva fosse escoada, acumulando-se na cobertura;

c) apesar disso, não havia infiltrações para o interior do imóvel, sendo que este se encontrava com humidades e sujidades, nas paredes e tetos, por falta de limpeza e arejamento, designadamente na zona dos balneários e armazenagem;

d) foi verificada a instalação elétrica, que em nada estava afetada com humidades;

e) pisos e azulejaria dos revestimentos, com sinais evidentes de sujidade e falta de manutenção, mas sem estarem degradados.

4. Mais alegou que efectuou obras no imóvel (artigo 19.º da oposição):
a) Na Cobertura

- limpeza de algerozes;

- lavagem de cobertura com máquina de pressão;

- hidrofugagem de toda a cobertura ;

- isolamento com membrana elástica entre a zona da cobertura e as paredes.

(cfr. Doc. 7 a 17)

No interior:

- Lavagem, com produtos adequados, de paredes e tetos na zona de armazenagem e balneários;

- Pintura desses mesmos espaços;

- Lavagem, com produtos adequados, de paredes e teto na cozinha.
5. Mais alegou (artigo 27.º da oposição) que “tal estado dos tetos resulta da total falta de cuidados, manutenção e limpeza por parte da Requerente, cuja obrigação era garantir o bom estado de conservação e limpeza do estabelecimento”.
6. E ainda alegou:

“28.º

Quanto à instalação elétrica, a Requerida desconhece qual o efetivo problema da mesma, tanto mais que nunca lhe foi expressamente comunicado qualquer problema, nem foi verificado qualquer problema pela empresa por si contratada.

29.º

Na verdade, a instalações elétrica, apesar de antiga, continua a funcionar em condições, não se vislumbrando qualquer efetiva necessidade para a sua integral substituição, como parece pretender a Requerente.

31º.

A degradação das paredes interiores e exteriores resulta, como já se referiu supra, da ausência de limpeza e manutenção por parte da Requerente.

(…)

35.º

Ora, o único problema efetivamente estrutural respeitava alegadamente às infiltrações derivadas do estado do telhado, o qual foi objeto de reparação em Outubro de 2024, como se referiu supra, pelo que quanto às demais deficiências imputadas ao imóvel não se vislumbra qualquer problema estrutural, mas apenas uma deficiente utilização e manutenção por parte da Requerente.

36.º

Quanto à alegada intervenção nos esgotos foi efetuada sem qualquer conhecimento prévio por parte da Requerida, pois a Requerente não comunicou previamente à Requerida a necessidade de intervenção nos esgotos, por forma a que a mesma pudesse apurar se a responsabilidade da reparação lhe era imputável.

(…)

38.º

No entanto, diga-se que, aquando das reparações supra referidas realizadas pela empresa Conflomir foram ainda chumbadas as respetivas caixas de esgotos.

39.º

Quanto à situação dos portões, em nenhum momento a Requerente comunicou à Requerida a existência de qualquer problema, desconhecendo-se a que dizem respeito, em concreto, as faturas em apreço, as quais se deixam expressamente impugnadas para todos os efeitos legais.”.

7. Na audiência de 7/07/2025 ficou consignado o seguinte: “Ouvidas parte das declarações da Legal representante do/a(s) Requerente(s) e estando presente em sala a Legal representante do/a(s) Requerido(s) Upacal – União Panificadora do Cartaxo, Unipessoal, Ld.ª AA e a sócia da mesma BB, pelo Mm.º Juiz de Direito foi tentada a conciliação entre as partes quanto à realização de perícia destinada a apurar as deteriorações e danos existentes no locado, e quais as obras necessárias destinadas à sua reparação.” (…) “Dada a palavra pela Ilustre(s) Mandatária(s) do/a(s) do/a(s) Requerido(s), no seu uso disse, em súmula, opor-se.”.
8. Foi proferido o seguinte despacho:
Após e ouvidas as partes pelo Mm.º Juiz de Direito foi proferido, em súmula, o seguinte, DESPACHO, por se afigurar relevante para a descoberta da verdade material, determina-se a realização de uma perícia ao locado, tendo o seguinte objeto:

Quanto ao telhado:

a) Qual o estado do telhado?

b) Existem infiltrações oriundas do telhado ou com outra causa?

Quanto aos esgotos:

c) Constata-se algum defeito ou deterioração suscetível de gerar entupimentos?

d) Na afirmativa, que intervenções se mostram necessárias para evitar o seu entupimento?

e) Uma vez realizadas tais intervenções, o uso da passagem e parqueamento deve ser condicionado para proteção das tampas do esgoto?

Quanto ao exterior:

f) Qual o estado dos muros e razão de eventuais anomalias?

g) Qual o estado do portão, se o mesmo funciona normalmente, e razão de eventuais anomalias?

Quanto ao interior:

h) Qual o estado dos tetos, paredes, instalação elétrica e piso?

i) Mostra-se necessária a realização de alguma intervenção?

*

Em súmula, a perícia visa a avaliação do estado do telhado, muros, esgotos, tetos, paredes, instalação elétrica e piso, razões para eventuais deficiências ou defeitos que sejam encontrados, e as intervenções que se mostrem necessárias para a reparação dessas deficiências ou defeitos.

*

O prazo para a realização da perícia é de 20 dias face há urgência dos autos.

Tratando-se de diligência probatória relevante para ambas as partes, deverão os preparos da mesma ser pagos por ambas.

A perícia será singular, a realizar por pessoa com reconhecida idoneidade e competência para a matéria em causa, a indicar pela secretaria da lista de peritos existente na secretaria do Tribunal, a qual desde já se nomeia.

A prestação de compromisso de honra será apresentada por escrito, no relatório pericial.

Com o ofício a expedir ao senhor perito, junte cópia da presente ata, da petição inicial e da oposição.



*

III.C. Fundamentação jurídica:
Dispõe o artigo 411.º do Código de Processo Civil que:
“Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.

O princípio do inquisitório aqui descrito permite que o Tribunal actue oficiosamente fora das condições previstas no artigo 423.º, 429.º e 432.º do Código de Processo Civil, quando se torna necessário requisitar documentos ao abrigo do disposto do artigo 436.º do mesmo diploma ou quando se verifica outra situação de carácter análogo que justifique o emprego de diligências pertinentes ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
Em relação à prova pericial, é o próprio artigo 467.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que habilita a sua realização por determinação oficiosa do juiz.
Como defendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[[4]], da confluência destas norma com outras, como o disposto no artigo 139.º do Código de Processo Civil, pode retirar-se que, nos casos em que não haja razões para afirmar a existência de comportamentos processuais abusivos, cumpre ao juiz exercitar o princípio do inquisitório, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.
Importa, no entanto, utilizar um critério objectivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade.
A característica essencial desse poder-dever é a sua exclusiva funcionalização a um interesse ou uma finalidade muito concreta: o juiz deverá providenciar pela obtenção da prova necessária à formação da sua convicção quanto aos factos que lhe é lícito conhecer e que possam ter utilidade para a solução da controvérsia concreta suscitada no processo.
De resto, o princípio do inquisitório não afasta a auto-responsabilidade das partes quanto à obrigação de indicarem, tempestivamente nos momentos processuais próprios, os meios de prova.
O princípio do inquisitório não é, nem pode ser, pretexto para as partes delegarem ou confiarem no Tribunal a realização de diligências probatórias, recaindo, pois, sobre elas o ónus da iniciativa da prova. As competências instrutórias outorgadas ao juiz estão longe de constituir mera faculdade legitimadora de inércia (ver Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[[5]]).
Em regra, se a parte podia ter requerido certa diligência probatória e não o fez, a intervenção do juiz substituindo-se a ela, violará o princípio da preclusão e o da autorresponsabilidade das partes conjugado com o princípio da igualdade das partes no processo, pois estaria a permitir a prática de um acto já precludido, a esvaziar a autorresponsabilidade de uma das partes e eventualmente a favorecer a outra (ver Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/03/2019, processo n.º 141/16.2T8PBL-A.C1[[6]]).
No seguimento do proposto por Nuno de Lemos Jorge[[7]] e tem sido seguido por alguma jurisprudência (ver Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães datados de 15/10/2020, processo n.º 2023/19.7T8VNF-A.G1[[8]], e de 4/05/2020, processo n.º 659/18.2T8GMR-A.G1[[9]], além do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6/06/2024, processo n.º 3211/16.3T8STR-C.E1[[10]]), pode dizer-se que o uso oficioso de poderes instrutórios está sujeito aos seguintes requisitos:
i) a admissibilidade do meio de prova;
ii) a sua manifestação em momento processualmente adequado;
iii) a necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e
iv) a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer.

No caso destes autos, estão preenchidos todos esses requisitos.
I) Desde logo, como não deixa de notar a recorrente, a perícia é, à partida, admissível.
Mesmo que se trate, como é o caso, de um processo de natureza urgente, o artigo 367.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não exclui deste tipo de processos nenhum dos meios de prova legítimos, como será a perícia.

II) Por outro lado, o momento em que se determinou a realização da perícia foi processualmente adequado: na audiência final, prevista no referido artigo 367.º do Código de Processo Civil, onde se devem produzir as provas requeridas ou oficiosamente determinadas.

III) Em terceiro lugar, atenta a divergência entre as partes no tocante à existência de limitações ao uso do imóvel e, sobretudo, às suas eventuais causas (como fica bem expresso na leitura dos articulados e que resulta dos pontos 2 a 6 da factualidade que se considera) não pode dizer-se que a perícia seja desnecessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
Apesar da necessidade, que decorre da natureza dos autos, de acautelar a celeridade e eficácia da providência requerida, também não resulta evidente que a perícia e o modo como foi determinada possa defraudar esses objectivos (atento o cuidado no estabelecimento de um prazo curto para resposta).
Acresce que, em regra, a parte não pode substituir-se ao juiz a quo e impor o seu próprio critério de necessidade ou desnecessidade da prova. Não é a parte que determina se o tribunal necessita ou não de mais esclarecimentos e que estes se poderão obter por determinado meio de prova[[11]].
Ainda no tocante à necessidade da diligência, importa ter presente que em face da divergência entre as partes, a perícia ordenada preenche o requisito imposto pelo artigo 388.º do Código Civil. Na verdade, o apuramento da origem de eventuais infiltrações num prédio (para se saber se, afinal, derivam da falta de cuidado da requerente/apelada, como alegou a requerida/apelante), de deficiências de uma instalação eléctrica ou degradação de canalizações necessitam, em regra, do uso de meios técnicos e conhecimentos específicos que estão muito para além da possibilidade de apreensão da pessoa comum.

IV) Finalmente, parece claro que o Tribunal recorrido determinou a realização de perícia para o apuramento dos factos que foram alegados pelas partes (desde logo os referidos artigos 6.º a 16.º do requerimento inicial e 17.º, 19.º, 27.º a 31.º, 35.º, 36.º, 38.º e 39.º da oposição), pelo que não se pode dizer não ter a diligência pertinência.

Não se vislumbra, por isso, a violação de qualquer norma legal.

Improcedem, consequentemente, as alegações da requerida/recorrente e, por isso, deve manter-se o despacho recorrido.

Custas:
Conforme estabelecido no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a regra geral na condenação em custas é a de condenar a parte vencida no recurso.
No caso, a requerida/apelante ficou vencida e, por isso, deve ser condenada nas custas do recurso.

***

IV. DECISÃO:
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se o despacho recorrido.

Condena-se a requerida/apelante nas custas do recurso.

Notifique.
Évora, 18 de Setembro de 2025
Filipe Aveiro Marques
Ricardo Miranda Peixoto
Susana Ferrão da Costa Cabral





__________________________________________________
[1] Recursos em Processo Civil, 7ª Ed., Almedina, pág. 253.
[2] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/e58f5f386125fbee802581af004648d1.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, pág. 504.
[4] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Ed., pág. 503.
[5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Ed., pág. 528.
[6] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f5dd17791cbbbcbb802583d90053211b.
[7] “Os Poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, Revista Julgar, n.º 3, 2007, pág. 66.
[8] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/05ea3925cbf3ccc68025860e00512bd8.
[9] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/3c067c6868b42a208025857500463cc1.
[10] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7871d860aacbc97d80258b4600303dbb.
[11] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5/12/2024, processo n.º 3128/18.7T8PTM-B.E1, acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/40a1bd80321a988280258c0b005ca609.