I - O cabeça de casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega material dos bens que deva administrar e estejam no poder destes desde que essa entrega seja necessária ao exercício de gestão.
II - Tratando-se de um imóvel que o réu/herdeiro passou a habitar no decurso do processo de inventário – sem se saber se como casa de morada de família ou como segunda habitação -, e existindo uma situação de conflito grave entre ele e a cabeça-de-casal, resulta que esta não está habilitada a exercer devidamente a sua função de gestão do património hereditário em que a casa se integra.
III - Nesta medida, pode concluir-se que é necessária e justifica-se a entrega da casa à cabeça-de-casal para a gerir e no devido tempo prestar contas a todos os herdeiros.
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
AA, instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que se declare que o prédio urbano, sito na Rua 1, n.º 56, em Local 1, inscrito na matriz sob o artigo 1583º pertence à herança aberta por óbito de CC, e o réu condenado a entregar o imóvel à autora.
Alega, em síntese, que é cabeça-de-casal da referida herança, da qual faz parte aquele imóvel, o qual vem sendo ocupado pelo réu, que faz dele sua habitação, sem qualquer título para o efeito.
O réu contestou, dizendo que a autora não é herdeira do falecido CC, nem cabeça-de-casal, pelo que não lhe assiste legitimidade para a presente ação.
A autora respondeu, contrapondo que foi nomeada cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do dito CC no processo de inventário para partilha da referida herança, que corre termos no Juízo Local de Cidade 1, Juiz 1, sob o n.º 2312/20.8...
Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa suscitada pelo réu.
Foi de seguida comunicado pela Sr.ª Juíza que pretendia conhecer de imediato do pedido, por entender que os autos continham todos os elementos necessários para o efeito, pelo que foi dada a palavra aos mandatários das partes para, querendo, se pronunciarem de facto e de direito.
Conclusos os autos, foi proferida decisão em cujo dispositivo se consignou:
«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, decido:
1. Declarar que o prédio urbano, sito na Rua 1, n.º 56, em Local 1, freguesia de ..., concelho de Cidade 1, inscrito na matriz sob o artigo 1583º, integra a herança de CC;
2. Julgar improcedente o pedido de restituição do imóvel à autora.
Custas a cargo dos réus.»
Inconformada, a autora apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem1:
«A. A recorrente não se conformando com a sentença proferida que julgou a ação parcialmente procedente veio dela interpor recurso.
B. O Tribunal deu como provados os seguintes factos:
(…).
C. O Tribunal julgou improcedente o pedido de entrega do prédio à recorrente na sua qualidade de cabeça de casal com fundamento em que a aqui recorrente não justificou a necessidade de ter a posse do imóvel para fazer a administração que lhe compete, com o que não concordamos.
D. Da forma como a ora Recorrente/A. estruturou o objeto processual dos autos, extrai-se que estamos perante uma ação com fundamento no artigo 2088º do Código Civil, o que preceitua que o cabeça de casal possa pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de ações possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído.
E. Prevê o artigo 2079º do Código Civil “A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal”, sendo que nos poderes de administração do cabeça de casal cabem não só os poderes e deveres especificamente previstos na lei, mas também os poderes para a prática de atos e negócios jurídicos de conservação e frutificação normal dos bens que constituem o acervo hereditário.
F. Deste enquadramento normativo previsto no artigo 2088º do Código Civil, resulta a possibilidade de o cabeça de casal pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, desde que essa entrega seja realmente necessária ao exercício da gestão.
G. Do referido normativo extrai-se que se assume como essencial que a entrega material dos bens seja realmente necessária ao exercício da gestão dos bens da herança por forma a ser efetivada a administração da herança pelo cabeça de casal.
H. No caso dos autos estamos em presença da ocupação do imóvel por um herdeiro, sendo certo que dispõe o artigo 2074º, n.º1 do Código Civil que o herdeiro conserva em relação à herança, até à sua integral liquidação e partilha, todos os direitos e obrigações que tinha para com o falecido, à exceção dos que se extinguem por efeito da morte deste.
I. O direito dos herdeiros sobre a coisa, este direito cede perante a tarefa temporária e acidental que a lei comete ao cabeça de casal.
J. Os artigos 2079º e 2087º do Código Civil confiam ao cabeça de casal a administração da herança, sendo neste contexto que a lei atribui legitimidade ao cabeça de casal para recorrer às ações possessórias.
K. No caso sub Júdice está provado que o prédio em causa pertence à herança de CC, na qual é cabeça de casal a ora Recorrente/A.
L. Por outro lado, resulta da matéria provada que tal prédio está desde Março de 2023 ocupado pelo Recorrido/Réu que o utiliza para sua habitação, sem autorização ou conhecimento da cabeça de casal, pelo que não subsistem dúvida que o ocupa em proveito próprio, considerando o facto de que não paga qualquer valor, prejudicando desta forma a herança e os demais herdeiros.
M. A Recorrente pretende a entrega do imóvel, porquanto, alega, que a posse dos Recorrido é ilegítima, o que se provou, e que a mesma impede a sua administração da herança, acarretando prejuízos.
N. O Recorrido não apresentou qualquer justificação para estar na posse do imóvel, sendo certo que, em regra, o património não pode ser colocado, antes da partilha, ao serviço ou satisfação dos interesses de qualquer dos herdeiros.
O. A ocupação do aludido prédio pertencente à herança impede desde logo o arrendamento do mesmo, com vista a obtenção de proveitos económicos para a herança.
P. Não se provou, porquanto o Recorrido não o alegou, qualquer causa que justifique tal ocupação, uma vez que o Recorrido/Réu não dispõe de qualquer título válido para residir no imóvel e que lhe permita ocupá-lo com prejuízo para os demais herdeiros.
Q. Da factualidade provada resulta sem sombra de dúvida que o pedido de entrega do imóvel à cabeça de casal para sua administração deveria ter sido julgado procedente, porquanto se mostram observados os respetivos pressupostos.
R. Resulta da matéria provada a ocupação do imóvel pelo Recorrido, do prédio pertencente à herança de CC, e ainda que este explora o prédio para seu proveito, pois nele habita sem qualquer custo, desta forma prejudicando os demais herdeiros, donde resulta a necessidade da entrega peticionada para que se proceda à administração do aludido bem pela cabeça de casal, assim se efetivando o poder dever que a lei comete ao cabeça de casal.
S. Quanto a nós não colhe o argumento aduzido pelo Tribunal para não decretar a restituição, de que a aqui Recorrente não justificou a necessidade de ter a posse do imóvel para fazer a administração que lhe compete.
T. Do facto provado de que o prédio pertence à herança, acrescido de que o mesmo é explorado pelo Recorrido em seu proveito, o que acarreta só por si prejuízo para a herança e para os demais herdeiros, extrai-se a necessidade da entrega, pois que, sem a aludida entrega o cabeça de casal não poderá exercer os poderes de administração sobre o bem da herança.
U. A entrega material do imóvel é realmente necessária ao exercício da gestão económica, desde logo para acautelar os bens do risco de deterioração ou descaminho pelo Recorrido, o que redundará em prejuízo para todos os herdeiros.
V. A entrega possibilitará que o cabeça de casal dê um uso ao bem mais conveniente aos interesses de todos os herdeiros.
W. A ocupação realizada pelo Recorrido, a qual ocorreu sem conhecimento ou autorização da Recorrente na sua qualidade de cabeça de casal, conforme resultou provado, impossibilita a administração criteriosa dos bens da herança assim como a prestação de contas aos demais herdeiros.
X. A Recorrente está impedida de aceder ao bem da referida herança e de prover à sua conservação.
Y. O Recorrido não dispõe de nenhum título que lhe legitime habitar no imóvel, uma vez que a sua qualidade de herdeiro não lhe confere nenhum direito especial à habitar um imóvel da herança durante o período de administração do cabeça de casal.
Z. Atente-se ao douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26/09/2023, proferido no processo 186/20.8T8LRA.C2, em que foi o Exmo. Juiz Desembargador Relator Fernando Monteiro, com o seguinte sumário:
“O cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído.
A entrega dos bens deve estar de alguma forma justificada, nomeadamente pela necessidade do exercício da gestão que os artigos 2079º e 2087º confiam ao cabeça-de-casal, como administrador da herança.Sabendo-se que a posse dos Réus é ilegítima, obtida contra a vontade do “de cujus”, devendo o dinheiro estar em conta bancária da falecida, onde não está, a entrega pedida mostra- se justificada.”
AA. A inercia do cabeça de casal, poderá fazê-lo incorrer em violação dos deveres do cargo, não podendo de forma alguma demitir-se da direção da administração da herança, uma vez que responde perante os restantes interessados pela administração da herança, podendo até constituir fundamento para a sua remoção nos termos do disposto no artigo 2086º, alínea b) do Código Civil caso não administre o património com prudência e zelo.
BB. Donde, e face ao enquadramento jurídico exposto e aos factos dados como provados, conclui-se que tal pedido de entrega deveria ter sido julgado procedente.
CC. Na interpretação preconizada a sentença violou o disposto nos artigos 2079º, 2088º do Código Civil do Código Civil, devendo ser revogada na parte em que julgou improcedente o pedido de restituição à Recorrente.
Nestes termos deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, devendo a sentença ser revogada e substituída por uma outra que a julgue totalmente procedente a ação.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir é a de saber se o réu devia ter sido condenado a entregar à autora, enquanto cabeça-de-casal da herança em causa, o imóvel em discussão nos autos.
III - FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia ... de ... de 1982 faleceu CC, no estado de solteiro, maior, natural que foi da freguesia e concelho de Cidade 1, filho de DD e EE, com ultima residência habitual em Rua 1, n.º56, em Local 1; ( Doc.1 PI)
2. CC não fez testamento nem fez qualquer outra disposição de última vontade; (Doc.2 PI)
3. CC, deixou como únicos herdeiros 5 (cinco) irmãos:
1. FF
2. GG
3. HH
4. II,
5. JJ (doc. junto a 17.3.2023)
4. GG, entretanto falecida deixou como herdeiros
- KK
- CC
- LL
- MM
- NN; (doc. junto a 17.3.2023)
5. HH faleceu a ... de ... de 1996, solteiro, tendo deixado como herdeiros os irmãos e sobrinhos
- FF
- II
- JJ
- Os filhos da irmã pré falecida GG (KK, CC; LL, MM e NN) (doc. junto a 17.3.2023)
6. FF faleceu em ........1997, viúva, deixou como herdeiros o filho OO falecido a ........2017
7. OO, deixou como herdeiros a sua mulher, a aqui autora e dois filhos;
8. O réu é filho de JJ falecida em 2006;
9. A herança deixada por CC integra um único bem o prédio urbano, composto por rés do chão e primeiro andar, destinado a habitação, sito na Rua 1, n.º56, em Local 1, inscrito na matriz sob o artigo 1583 ; ( Doc.3, 4 e 5 PI)
10. CC habitou esse prédio, que era a sua residência, até a data da sua morte; (doc.1 da PI)
11. Na sequência do óbito de CC foi apresentada participação do óbito no Serviço de Finanças de Cidade 1, onde consta relacionado o prédio urbano, sito na Rua 1, n.º 56, em Local 1, inscrito na matriz sob o artigo 1583º; (Doc.3 PI)
12. A 8 de Outubro de 2018, a aqui autora instaurou processo de inventário por morte de CC, para partilha do único bem que integra a herança, o qual se encontra pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Cidade 1, Juízo Local Cível de ..., Juiz 1, sob o n.º 2312/20.8...; (Doc. junto a 17.9.2023)
13. Por despacho proferido a 3 de Janeiro de 2019, a aqui autora foi nomeada cabeça-de-casal no referido processo de inventário;
14. Desde 19.8.2004 e até à data da sua morte em ........2017, foi OO quem recebeu as notificações e pagou o imposto municipal sobre imóveis relativo ao imóvel referido em 9 supra; (Doc.7 PI)
15. Desde 2017 passou a ser notificada e a pagar esse imposto a aqui autora; (Doc.7 PI)
16. Pelo menos desde 18 de Março de 2023 o réu passou a habitar o referido prédio.
17. O que fez sem conhecimento ou autorização da autora.
O DIREITO
Não se suscitando dúvidas sobre a legitimidade da recorrente e que o prédio urbano supra identificado pertence à herança aberta por óbito de CC, a única questão a resolver é, como se viu, a de saber se devia ter sido ordenada a entrega desse prédio à autora/recorrente, enquanto cabeça-de-casal da referida herança.
Na sentença recorrida respondeu-se negativamente à questão, sustentando, que no caso em apreço, não obstante a autora seja a cabeça-de-casal na herança aberta por óbito de CC e, nessa qualidade, possa pedir a restituição dos bens pertencentes à herança, contra terceiros e os próprios herdeiros, o certo é que não alega qualquer facto de onde resulte que a ocupação do imóvel pelo réu impede o exercício das sua funções de administração da herança, sendo que o réu também é herdeiro, ou seja, não justificou a autora a necessidade de ter a posse do imóvel para fazer a administração que lhe compete.
Insurge-se a autora/recorrente contra a decisão entendendo, em suma, que o réu/recorrido não apresentou qualquer justificação para estar na posse do imóvel pertencente à herança, o que impede, desde logo, o arrendamento do mesmo, com vista a obtenção de proveitos económicos para a herança, não se tendo provado, porquanto o réu não alegou, qualquer causa que justifique tal ocupação, sendo certo que o mesmo não dispõe de qualquer título válido para tal ocupação e que lhe permita ocupá-lo com prejuízo para os demais herdeiros.
Vejamos.
Nos termos do art. 2079º do Código Civil2 a administração da herança até à sua liquidação e partilha pertence ao cabeça-de-casal.
Genericamente os sucessores não têm direitos próprios sobre qualquer dos bens que integram a herança indivisa sendo titulares em comunhão de todo o património hereditário.
Com efeito, na herança indivisa «estamos perante uma universalidade composta por património autónomo, em que os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comunhão de tal património»3.
E, nos termos do nº 1 do art. 2087º do CC, cabe ao cabeça-de-casal a administração dos bens próprios do falecido.
Estabelece o nº 1 do art. 2088º do CC que o cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro, a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder e usar contra eles de ações possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído.
A este respeito explicam Pires de Lima e Antunes Varela4 que «o termo entrega é a designação genérica que cobre toda a acção executiva destinada a obter que alguém coloque a alcance do autor a coisa que o demandado tem em seu poder, qualquer que seja a natureza (real ou obrigacional) ou a duração (temporária ou definitiva) do direito em que o requerente funda a sua pretensão.
Não surpreende, assim, dado o carácter instrumental do poder que o artº 2088º confere ao cabeça-de-casal, que a pretensão formal deste se dirija tanto a terceiros que tenham em seu poder bens pertencentes ao complexo hereditário, como aos próprios herdeiros, cujo direito sobre a coisa que esteja em seu poder, por mais incontestável que seja, não pode deixar de ceder perante a tarefa temporária e acidental do cabeçalato.
Essencial é que, como aliás se depreende do próprio texto da norma, a entrega material dos bens seja realmente necessária ao exercício da gestão que os artigos 2079º e 2087º, confiam ao cabeça-de-casal como administrador da herança.
(…).
É que as funções específicas do cabeçalato interessam de tal modo aos participantes na herança e aos próprios credores dela, que a lei (art 2088º), à imagem e semelhança do que fez no artº 1037º nº 2, não duvidou em facultar ao cabeça-de-casal, apesar de o não considerar como possuidor, o recurso às acções possessórias (artºs 1276º e segs.), para defender o seu poder, contra os próprios herdeiros que tenham posse sobre os bens cuja entrega lhes é pedida».
Salientam, assim, aqueles autores, o carácter instrumental do poder que o art. 2088º do CC confere ao cabeça-de-casal, sendo que quanto aos próprios herdeiros por mais incontestável que seja o seu direito sobre a coisa ele não pode deixar de ceder perante a tarefa temporária e acidental do cabeça-de-casal.
Volvendo ao caso concreto, verifica-se que a herança deixada por CC integra um único bem, que é o prédio acima identificado, o qual foi habitado pelo falecido até à data do seu decesso, em ........1982, e que, pelo menos desde 18.03.2023, o réu5 passou a habitar o referido prédio, o que fez sem conhecimento ou autorização da autora, que foi nomeada cabeça-de-casal nos autos de inventário supra identificados.
Ao invés do decidido, entendemos que a entrega do imóvel à autora é necessária.
Com efeito, não resultou provada qualquer relação jurídica anterior (designadamente o arrendamento) que justifique a ocupação do imóvel pelo réu.
Também não se pode dizer que esteja em causa qualquer direito fundamental – designadamente o direito à habitação – pois tudo quanto se provou foi que o réu, desde pelo menos 18.03.2023, passou a habitar o referido prédio, não se sabendo se o faz como casa de morada de família, ou se se trata de uma segunda habitação, sendo significativo que a ocupação tenha ocorrido cerca de 5 anos após a instauração do inventário.
Naturalmente que a indisponibilidade da casa por parte da cabeça-de-casal não permite que ela vele pela sua conservação e eventual frutificação, facto que é legítimo concluir, tanto mais, in casu, com a situação de conflito latente que decorre dos autos, desde logo pelo facto do réu questionar a legitimidade da autora, arrogando-se ele próprio cabeça-de-casal.
Ora, afigura-se-nos que esta situação de conflito grave, encontrando-se o imóvel ocupado pelo réu, impede que a autora, na qualidade de cabeça-decasal do património hereditário, exerça devidamente a sua função, designadamente, no que concerne ao acesso à casa para verificação no que respeita à sua conservação e/ou eventual frutificação (v.g. dando o imóvel de arrendamento), sendo certo que lhe cabe prestar contas do exercício da gestão do património hereditário e concretamente do prédio em discussão6.
Entende-se, pois, que o imóvel em apreço deve ser entregue à autora cabeça-de-casal.
Por conseguinte, o recurso merece provimento.
Vencido no recurso, suportará o réu/recorrido as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
Sumário:
(…)
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, na parcial revogação da decisão recorrida, condena-se o réu a restituir à autora o prédio urbano, sito na Rua 1, n.º 56, em Local 1, freguesia de ..., concelho de Cidade 1, inscrito na matriz sob o artigo 1583º, no mais se mantendo o decidido.
Custas da apelação e da ação a cargo do réu, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
*
Évora, 18 de setembro de 2025
Manuel Bargado (relator)
Ricardo Miranda Peixoto
Filipe Aveiro Marques
(documento com assinaturas eletrónicas)
1. À exceção da conclusão B), na qual se reproduzem os factos dados como provados na decisão recorrida.↩︎
2. Doravante abreviadamente designado CC.↩︎
3. CAPELO DSE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões”, v. II, ps 113/114)↩︎
4. In Código Civil Anotado, Vol. VI, 1998, Coimbra Editora, p. 148.↩︎
5. O réu é filho de JJ, já falecida, que por sua vez era filha de HH, também falecido, que era um dos cinco irmãos e únicos herdeiros do autor da sucessão, CC (cf. pontos 3, 5, 6 e 7 dos factos provados).↩︎
6. Num caso com contornos idênticos, também assim se decidiu no acórdão desta Relação de 10.04.2014, proc. 7/09.2TBODM.E1, in www.dgsi.pt.↩︎