CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ESCOLARES
REVOGAÇÃO
REGULAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. Estando em causa um contrato de prestação de serviços escolares ao qual são aplicáveis as disposições do contrato de mandato com as devidas adaptações, por não dispor de regime legal próprio, assiste ao beneficiário dos serviços escolares o direito à sua revogação independentemente da apresentação de qualquer motivo justificativo, nos termos do nº 1 do art.º 1170º do Código Civil
2. Não sendo aplicável ao beneficiário dos serviços escolares o regulamento aprovado pelo prestador dos serviços, uma vez que se apresenta como um conjunto de cláusulas que não foram objecto de prévia negociação individual e não está demonstrado terem sido comunicadas pelo prestador de serviços ao beneficiário dos mesmos, a estipulação de prazo para o exercício do direito de revogação por este último que consta desse regulamento não faz surgir o direito do prestador a ser indemnizado do prejuízo sofrido pela inobservância de tal prazo, por força do disposto no art.º 1172º do Código Civil.
3. Respeitando a revogação, além disso, à prestação de serviços escolares num ano lectivo que só se iniciava mais de um mês após a comunicação da revogação, foi a mesma feita com a antecedência conveniente à protecção dos interesses do prestador dos serviços escolares, inexistindo assim qualquer direito do mesmo à indemnização a que alude o art.º 1172º do Código Civil.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

V., S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação com forma comum contra C., pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de € 6.804,15, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa convencional de 10%, e perfazendo os vencidos até à propositura da acção a quantia de € 1.493,18.
Alega para tanto, e em síntese, que:
• No âmbito da sua actividade celebrou com a R. dois contratos de prestação de serviços escolares para os dois filhos desta, constando do regulamento da A. as condições de pagamento e de denúncia dos contratos em questão;
• Em Março de 2019 a R. pagou a renovação das duas matrículas para o ano lectivo 2019/2020 e, nos termos do referido regulamento, em 1/7/2019 venceram‑se as propinas devidas pelo primeiro trimestre desse ano lectivo, no valor de € 6.804,15;
• Do referido regulamento consta que o cancelamento das inscrições deve ser efectuado com antecedência de um período completo (90 dias) e as propinas e taxas não são reembolsáveis;
• A R. cancelou as inscrições para o ano lectivo 2019/2020 já depois de 1/7/2019 e não pagou o valor de € 6.804,15, mesmo depois de interpelada para tanto.
A R. contestou, alegando que quando celebrou o contrato não lhe foi comunicada a existência de um regulamento interno nem o mesmo lhe foi entregue ou facultado, não tendo igualmente sido comunicadas, de modo adequado ou com a antecedência necessária, o sentido e o alcance de quaisquer condições de denúncia dos contratos, ou sequer quaisquer outras, como aquelas referentes à não restituição de taxas de matrícula e pagamento obrigatório de propinas, na ausência de pré-aviso de 90 dias quanto ao cancelamento da inscrição. Conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Pela A. foi exercido o contraditório quanto à matéria de excepção.
Com dispensa de audiência prévia foi proferido despacho saneador, mais se dispensando a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença pela qual a acção foi julgada improcedente e a R. foi absolvida do pedido.
A A. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida no dia 29 de Novembro de 2024, que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, decidindo o Tribunal absolver a Recorrida do pedido, doravante designada por «decisão recorrida».
2. A Recorrente considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto não provado 1.; os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa, é o depoimento da testemunha Maria M. (depoimento gravado na aplicação informática "H@bilus Média Studio", 00:05:31 às 00:08:54, e 00:16:02 a 00:17:52 da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Outubro de 2024); o depoimento da testemunha Maria N. (depoimento gravado na aplicação informática "H@bilus Média Studio", 00:06:01 às 00:07:33 da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Outubro de 2024); o doc.º n.º 3, junto com a petição inicial e o documento denominado «formulário electrónico de submissão – pedido de renovação de matrícula para o ano lectivo 2019/2020», junto aos autos através do requerimento com a referência citius 49890148; a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida é a de «provado».
3. Por se encontrar provado pelo depoimento da testemunha Maria M. (depoimento gravado na aplicação informática "H@bilus Média Studio", 00:05:31 às 00:08:54, e 00:16:02 a 00:17:52 da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Outubro de 2024); pelo depoimento da testemunha Maria N. (depoimento gravado na aplicação informática "H@bilus Média Studio", 00:06:01 às 00:07:33 da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Outubro de 2024); pelo doc.º n.º 3, junto com a petição inicial e pelo documento denominado «formulário electrónico de submissão – pedido de renovação de matrícula para o ano lectivo 2019/2020», junto aos autos através do requerimento com a referência citius 49890148; requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que o facto não provado 1. seja aditado aos factos provados.
4. Sendo julgada totalmente procedente a alteração da matéria de facto, e tendo em consideração a matéria de facto que já está, e bem, dada como provada, ficará provado que entre Recorrente e Recorrida foi convencionado prazo para o exercício do direito potestativo de denúncia, devendo esse facto ser precedido de um aviso prévio, o que significa que a denúncia deveria ser comunicada pela Recorrida à Recorrente com, pelo menos, 90 dias de antecedência relativamente à data em que a cessação produziria efeitos, servindo tal antecedência para a Recorrente se precaver quanto à extinção do vínculo; e ficará provado que o mandato em discussão neste autos é oneroso e foi conferido pela Recorrida à Recorrente por certo tempo (ano lectivo de 2019/2020 – que, grosso modo, compreende o período de Setembro de 2019 a Junho de 2020) e para determinado assunto (prestação de serviços escolares durante o ano lectivo de 2019/2020 – que, grosso modo, compreende o período de Setembro de 2019 a Junho de 2020).
5. Nestes termos, o facto que ficará provado, sendo julgada totalmente procedente a alteração da matéria de facto, e os factos que já estão, e bem, dados como provados, são manifestamente suficientes para concluir pela existência de uma obrigação da Recorrida em indemnizar a Recorrente, por ter sido convencionado para o exercício do direito potestativo de denúncia pela Recorrida (pelo menos 90 dias de antecedência em relação à data de cessação dos efeitos do contrato), e por ter sido conferido mandato por certo tempo (ano lectivo de 2019/2020 – que, grosso modo, compreende o período de Setembro de 2019 a Junho de 2020)e para determinado assunto (prestação de serviços escolares durante o ano lectivo de 2019/2020 – que, grosso modo, compreende o período de Setembro de 2019 a Junho de 2020), pelo que a decisão recorrida, ao julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a Recorrida do pagamento à Recorrente da quantia de global de 8.297,33 € e dos juros de mora peticionados, concluindo que a Recorrente não alegou os factos constitutivos do seu direito, padece de erro de julgamento da matéria de direito por violação do disposto nos artigos 342.º, n.º 1, e 1172.º, alíneas a) e c), do Código Civil.
6. Encontra-se provado nos autos que a Recorrida, que em Março de 2019 renovou a matrícula dos menores (…) e (…) para o ano lectivo de 2019/2020, REVOGOU o contrato de prestação de serviço celebrado com a Recorrente em 13 de Julho de 2019, isto é, posteriormente à data de vencimento (ocorrida em 01 de Julho de 2019) da obrigação de pagamento do valor das propinas devido pelos serviços escolares prestados pela Recorrente aos menores (…) e (…) no primeiro trimestre do ano lectivo de 2019/2020 – facto provado G.
7. A quantia reclamada pela Recorrente estava vencida desde o dia 01 de Julho de 2019, o que significa que quando a Recorrida revogou o contrato de prestação de serviço celebrado com a Recorrente (13 de Julho de 2019), a sua obrigação já se tinha vencido e era exigível, sendo certo que a figura da revogação, ao contrário da resolução, não tem eficácia retroactiva, o que equivale à afirmação de que a extinção do contrato de prestação de serviços operada pela Recorrida só operou no dia da comunicação de revogação, isto é, só operou a partir do dia 13 de Julho de 2019, razão pela qual o direito de crédito da Recorrente, constituído e vencido antes da mencionada data mantem a sua existência e deve ser, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, integralmente cumprido, encontrando‑se a Recorrida em mora.
8. O efeito jurídico que a Recorrente pretende obter com a presente acção é o pagamento, pela Recorrida, da quantia global de 8.297,33 €, sendo 6.804,15 € o montante do capital em dívida, e 1.493,18 € o montante dos juros de mora vencidos desde o dia 02 de Julho de 2019 até à data de entrada da acção em juízo, à taxa contratualizada de 10 %, acrescido dos juros de mora que se vencerem até integral e efectivo pagamento, razão pela qual o simples facto de a acção poder proceder com fundamento no vencimento da obrigação da Recorrida em momento anterior (01 de Julho de 2019) ao da revogação do contrato de prestação de serviço celebrado com a Recorrente (13 de Julho de 2019), ao invés de proceder com fundamento na violação pela Recorrida do prazo de pré-aviso para denúncia, não constitui o conhecimento de uma causa de pedir distinta da invocada pela Recorrente, uma vez que esta concreta reconfiguração normativa do pedido não implica a atribuição à Recorrente de bens ou direitos substantivamente diversos do que a mesma procurava obter através da pretensão formulada.
9. Nestes termos, a decisão recorrida, ao julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a Recorrida do pagamento à Recorrente da quantia global de 8.297,33 €, sendo 6.804,15 € o montante do capital em dívida, e 1.493,18 € o montante dos juros de mora vencidos desde o dia 02 de Julho de 2019 até à data de entrada da acção em juízo, à taxa contratualizada de 10 %, acrescido dos juros de mora que se vencerem até integral e efectivo pagamento, padece de erro de julgamento da matéria de direito por violação do disposto no artigo 1172.º, alínea c), do Código Civil, por violação do convencionado pelas partes no contrato de prestação de serviços, e por violação do disposto no artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil.
Não foi apresentada alegação de resposta pela R.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem‑se com a alteração da matéria de facto e com a consequente verificação do direito de crédito da A.
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Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais e eliminam-se as referências probatórias):
1. A A. é uma sociedade comercial anónima que explora e é proprietária do estabelecimento de ensino particular denominado «S. School», situado em (…), e com escolaridade desde o berçário até ao 12.º ano.
2. A R. é mãe de (…), que foi aluna no referido estabelecimento de ensino, a partir do ano lectivo de 2014/2015.
3. A R. é mãe de (…), que também foi aluno no referido estabelecimento de ensino, a partir do ano lectivo de 2015/2016.
4. Os menores (…) e (…) permaneceram no referido estabelecimento de ensino durante o ano lectivo de 2018/2019, frequentando, respectivamente, o Grade 5 e o Grade 2.
5. Em Março de 2019, a Ré procedeu ao pagamento da renovação da matrícula dos menores (…) e (…) para o ano lectivo seguinte (2019/2020).
6. A A. aprovou o regulamento junto com a P.I. como documento 3, a vigorar para o ano de 2018/2019 com o seguinte teor (traduzido para língua portuguesa):
PROPINAS ESCOLARES 2018-19 7.1.007

PROPINAS ESCOLARES ANUAIS
Montantes em euros
InscriçãoAno
(não reembolsável)PeríodoPeríodoPeríodoLetivo
Escola Júnior*
Creche/Jardim de Infância9592.8772.8772.8779.590
Pré-Escolar1.1883.5643.5643,56411.880
Níveis 1, 2 e 31.1193.3573.3573.35711.190
Níveis 4 e 51.1703.5103.5103.51011.700
* equivalente aos Ensinos Pré-Escolar e Básico (1º e 2º ciclos).
Escola Sénior**
Níveis 6, 7 e 81.4114.2334.2334.23314.110
Níveis 9 e 101.6735.0195.0195.01916.730
Níveis 11 e 121.7785.3345.3345.33417.780
(as propinas do período não são reembolsáveis - ver fundo da página 2)
** equivalente aos Ensinos Básico (3º ciclo) e Secundário.
Seguro35 Euros/aluno/ano
Associação de Pais35 Euros/família/ano
Livro de Curso35 Euros/família/ano
Serviço de Transportes2.850 Euros/ano (com saída da escola no final das aulas - 15h40)
3.200 Euros/ano (com saída da escola após as Atividades Extracurriculares)
15 Euros/viagem, sujeito a disponibilidade de espaço
Almoços6 Euros/dia para cada aluno inscrito
6,5 Euros/dia para alunos não inscritos
*Creche, Jardim de Infância, Pré-Escolar - Almoço incluído nas propinas
Desconto nas Propinas
5% para o segundo filho.
15% para o terceiro filho.
25% para o quarto filho e seguintes.
3% de desconto nas propinas para o ano letivo quando pagas antecipadamente até ao dia 1 de julho
Taxa de Pré-Inscrição1.000 Euros/aluno (não reembolsável e deduzida no valor da inscrição se a inscrição do aluno for confirmada)
TAXA DE ENTRADA
Joia para Investimento3.700 Euros/aluno (paga uma vez no momento da admissão e não reembolsável)
PROPINAS PARA O PROGRAMA DE BACHARELATO INTERNACIONAL (IB)
As propinas associadas ao programa de Bacharelato Internacional são cobradas adicionalmente da seguinte forma:
      • Programa dos Primeiros Níveis (PYP): da Creche até ao Nível 5
    Não são aplicadas propinas específicas
      • Programa dos Níveis Médios (MYP): Níveis 6 a 10
    O nível 10 será faturado para coordenação e certificação do IB MYP, em conjunto com as propinas do segundo período em novembro.
      • Programa de Diploma (DP): Níveis 11 e 12
    Trata-se de um programa de dois anos. O nível 12 será faturado para os Exames do Diploma do IB em conjunto com as propinas do segundo período em novembro.
ORGANIZAÇÃO INDEPENDENTE PARA ACONSELHAMENTO DE PERCURSOS ESCOLARES (ISCO)
As taxas associadas aos testes de orientação profissional ISCO no nível 10 são faturadas adicionalmente, em conjunto com as propinas do segundo período em novembro.
CALENDÁRIO DE PAGAMENTOS 7.1.007
CALENDÁRIO DE PAGAMENTOS
As inscrições para o novo ano letivo são cobradas separadamente com as propinas do terceiro período e o pagamento é devido até ao dia 1 de março de cada ano.
O pagamento de propinas para o 1º Período é devido até ao dia 1 de julho de cada ano.
O pagamento de propinas para o 2º Período é devido até ao dia 1 de dezembro de cada ano.
O pagamento de propinas para o 3º Período é devido até ao dia 1 de março de cada ano.
Os pagamentos para seguro, Associação de Pais e serviço de transportes serão faturados em conjunto com as propinas do 1º período e devidos até ao dia 1 de março de cada ano.
A taxa do Livro de Curso será faturada em conjunto com as propinas do 3º Período e é devida até ao dia 1 de março de cada ano.
O Serviço de Refeições e as Atividades Extracurriculares serão faturadas no início de cada período.
Os pagamentos após a data de vencimento serão penalizados da seguinte forma:
Pagamentos efetuados após as datas de vencimentoTaxa de juro
Entre 30 e 60 dias5%
Entre 60 e 90 dias10%
Mais de 90 dias10%
e possíveis processos judiciais
NOTIFICAÇÃO DE DESISTÊNCIA
A desistência de um aluno deve ser notificada por escrito com um pré-aviso de um período completo (três meses). Não é permitida a desistência de uma inscrição anual para o serviço de transportes. As propinas e as taxas de inscrição não serão reembolsadas.
7. A A. emitiu a factura n.º 2019/2396, no dia 01 de Junho de 2019, com data de vencimento no dia 01 de Julho de 2019, no valor de € 6.804,15, referente às propinas relativas aos menores (…) e (…), pelo primeiro trimestre do ano lectivo de 2019/2020.
8. O regulamento referido em 6 consta também da página web da A.
9. Por e-mail datado de 13/07/2019, a R. comunicou à A. o seguinte:
“Caro Senhor B.,
Tal como deve saber, vamos deixar a escola. Foi uma decisão muito difícil, tomada após uma análise profunda de nossos objetivos, prioridades e expectativas em relação à aprendizagem dos nossos filhos.
Durante os últimos 5 anos, vimos como os nossos filhos cresceram em todas as áreas: académica, social, física, habilidades de comunicação e valores. Também, para mim, tem sido uma experiência pessoal excepcional fazer parte desta comunidade e colaborar com esta equipa internacional de professores, colaboradores e pais.
Por tudo isto, estou extremamente grata a si pessoalmente e à escola em geral.
Agora é a hora de uma nova aventura familiar, e tenho certeza de que nossa experiência aqui nos ajudará a enfrentá-la da melhor maneira possível.
Obrigada mais uma vez por toda a ajuda
Com os melhores cumprimentos”.
***
Na sentença recorrida considerou-se como não provada a seguinte matéria de facto:
a. O regulamento referido em 6 foi comunicado à R.
***
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) afirmam que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º)”, mais afirmando que “relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder apresentar a respectiva transcrição”.
E, do mesmo modo, vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29/10/2015, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas.
É que, face ao disposto no referido art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto apenas tem por objecto os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultam da instrução da causa (para além dos factos notórios e daqueles que o tribunal tem conhecimento em consequência do exercício das suas funções).
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão.
Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721), quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”.
Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso, mas igualmente decorram do confronto entre o elenco de factos provados e não provados, retirados dos factos alegados pelas partes, assim se respeitando o disposto no referido art.º 5º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, e a respeito da enunciação dos factos instrumentais, decorre do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil que os mesmos não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
Isso mesmo explicam igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 718‑719), afirmando a necessidade de enunciação dos “factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, “atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que “o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais”.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, pode-se desde logo afirmar que a A. deu cumprimento ao ónus de especificação a que alude o art.º 640º do Código de Processo Civil, não só porque nas conclusões da sua alegação concretiza o ponto de facto que considera incorrectamente julgado e qual a decisão que o mesmo deve merecer, mas igualmente porque na motivação especifica os meios de prova que conduzem ao resultado pretendido e, no que respeita à prova gravada, identifica as passagens das gravações que entende conduzirem à alteração pretendida (correspondente ao aditamento do ponto único dos factos não provados ao elenco dos factos provados).
Na sentença recorrida ficou assim fundamentada a não verificação da factualidade constante do referido ponto único dos factos não provados:
“(…) entendemos que nenhuma prova foi feita no sentido da sua verosimilhança.
Com efeito, decorre dos depoimentos das testemunhas e das declarações prestadas pelo representante da A. que a inscrição efectuada pela R. relativamente ao ano de 2019/2020 foi feita mediante submissão de formulário pela internet. Não foi junto qualquer documento que ateste que foi enviado o doc. 3 à R. aquando da submissão dos formulários ou o seu equivalente para o ano de 2019/2020, ou seja, o regulamento da A.
Note-se que, mesmo os documentos juntos com o req. ref.ª Citius n.º 26347799 não infirmam esta conclusão, uma vez que dos mesmos não constam quaisquer anexos que tenham sido enviados à R., sendo que o remetente do e-mail é a própria A. e os receptores não são a R. Desconhece-se, por isso, se e de que forma, o referido regulamento foi comunicado à R. (vide artigo 6.º da petição inicial).
De modo que, foi tal factualidade alegada considerada como não provada”.
A A. contrapõe que a factualidade em questão resulta da conjugação do teor do documento 3 junto com a P.I. com os depoimentos prestados pelas testemunhas Maria M. e Maria N., mais concretamente da circunstância de as testemunhas em questão terem confirmado que a R. procedeu à renovação da matrícula dos seus dois filhos através do formulário electrónico disponibilizado pela A., e sendo do teor desse formulário electrónico que resulta o conhecimento das normas constantes do regulamento, designadamente que a “desistência de um aluno deve ser notificada por escrito com um pré-aviso de um período completo (três meses)”.
O documento 3 junto com a P.I. corresponde ao denominado “Regulamento da Autora” (ponto 5 da P.I.), na versão que vigorou no ano lectivo 2018/2019, e consta do mesmo, não só o valor da inscrição anual e das propinas devidas em cada um dos três períodos do ano lectivo, mas igualmente que as “inscrições para o novo ano letivo são cobradas separadamente com as propinas do terceiro período e o pagamento é devido até ao dia 1 de março de cada ano”, constando ainda que o “pagamento de propinas para o 1º Período é devido até ao dia 1 de julho de cada ano” e bem ainda que a “desistência de um aluno deve ser notificada por escrito com um pré-aviso de um período completo (três meses)”.
Tal como consta do ponto 6 dos factos provados, foi a A. que “aprovou” o regulamento em questão, o que significa que se trata de normas que não foram objecto de negociação individual com a R. (ou com qualquer outro cliente da A.), mas elaboradas unilateralmente pela A.
Assim, e para que se possa afirmar que a R. tomou conhecimento desse conjunto normativo (designadamente as normas respeitantes ao denominado “calendário de pagamentos” e à denominada “notificação de desistência”), importa que se apure a prática de um acto da A. pelo qual as deu conhecer à R., mais lhe dando a conhecer que a relação contratual se regulava pelas mesmas.
Ora, resulta do ponto 5 dos factos provados que em Março de 2019 a R. renovou a matrícula de ambos os filhos para o ano lectivo 2019/2020.
No seu depoimento a testemunha Maria M. afirmou que tal renovação foi feita online, com recurso ao formulário electrónico disponibilizado pela A., e onde constava a “advertência dos 90 dias”, nos mesmos termos constantes do referido regulamento. Todavia, e não obstante a testemunha ter repetido a afirmação de que a R. adoptou o procedimento de renovação da matrícula dos seus filhos com recurso ao identificado formulário electrónico, também referiu que enviavam o formulário para a matrícula por correio electrónico (“e-mail”), juntamente com a factura do segundo período, e constando da informação assim transmitida a advertência relativa à necessidade de observar o prazo de 90 dias de antecedência para a anulação da matrícula. Do mesmo modo, ainda referiu que todos os anos, no momento das matrículas, os “pais recebem, em papel, um pack com toda a informação, onde consta um formulário”, estando explícito no mesmo que “para fins de anulação da matrícula (…) têm de informar a escola com 90 dias de antecedência”.
Já no seu depoimento a testemunha Maria N. não conseguiu identificar o caso concreto da R. e a forma como foi efectuada a renovação das matrículas para o ano lectivo 2019/2020, apenas explicando como é que tudo se deve processar, segundo a organização interna da A.
Ou seja, apenas do primeiro dos depoimentos seria possível retirar a pretendida afirmação de que a R. efectuou as matrículas online e através do preenchimento de um formulário electrónico onde constavam as normas do regulamento, assim tendo conhecimento das mesmas. Mas a circunstância de a testemunha Maria M. também se referir ao envio de e-mails e mesmo ao envio de informação em papel deixa no ar a dúvida sobre a efectiva utilização do referido formulário electrónico.
Tal dúvida podia ser facilmente dissipada com a demonstração da forma de funcionamento do referido sistema de matrículas online e, de forma ainda mais relevante, com a demonstração da sua utilização efectiva pela R., desde logo através da exibição dos registos de utilização desse sistema, que não dispensam, como qualquer sistema dessa natureza (habitualmente a funcionar em ambiente web ou com recurso a uma app), a autenticação do seu utilizador, pelo menos através de username e password (ou, como em sistemas mais recentes, através de factores de dupla autenticação).
Ora, o registo dessa utilização do sistema online da A. pela R. não resulta do teor do documento apresentado com o requerimento de 19/9/2024, porque tal documento apenas espelha duas mensagens electrónicas enviadas em 4/2/2019 pela A. às testemunhas acima referidas (suas funcionárias), fazendo menção à R. e à renovação da matrícula de cada um dos seus filhos, fazendo igualmente menção de que se trata de “um e-mail automático e é enviado por padrão pelo Colégio (…)”, mas sem que daí resulte uma qualquer assinatura digital da R. ou uma qualquer outra forma de identificação do utilizador do “Formulário Electrónico de Submissão – Pedido Renovação Matrícula” indicado em cada uma das mensagens electrónicas.
Dito de outra forma, face ao relatado pela testemunha Maria M., no sentido de o pedido de renovação da matrícula poder ter sido feito por outra forma que não o referido formulário electrónico, e não havendo uma evidência digital que o “Formulário Electrónico de Submissão – Pedido Renovação Matrícula” identificado nas mensagens de 4/2/2019 foi preenchido, assinado e enviado pela R., com os elementos escritos constantes dessas mensagens (desde logo a expressão “é necessário um aviso prévio, de um trimestre completo (90 dias), por escrito para a retirada de um aluna da escola”), não é possível afirmar que eram do conhecimento da R. as normas constantes do regulamento da A. referido em 6 dos factos provados, designadamente (mas não só) a forma e momento da “notificação de desistência” de um aluno.
Ou seja, os segmentos dos depoimentos testemunhais identificados pela A., quando conjugados com a globalidade da prova testemunhal e documental produzida, não permitem afirmar a verificação da factualidade constante do ponto único dos factos não provados. Pelo que, na improcedência das conclusões do recurso da A. quanto à impugnação da decisão de facto, é de manter a mesma nos termos constantes da sentença recorrida.
***
Na sentença recorrida ficou assim fundamentada a ausência de verificação do crédito da A. sobre a R.:
“Nos termos do artigo 1154.º do Código Civil, prestação de serviços é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Trata-se pois, de um contrato sinalagmático, na medida em que dele emergem obrigações recíprocas caracterizadas por um nexo de correlatividade; gratuito ou oneroso, conquanto gere sacrifício económico para ambas as partes; comutativo, uma vez que ambas as atribuições patrimoniais se apresentam como certas quanto à sua existência; e, em último lugar, consensual, isto porque o mesmo não está sujeito a forma especial, não dependendo a sua a validade da observância de formalidade legalmente prescrita.
O Código Civil prevê três modalidades típicas de contrato de prestação de serviços, a saber: mandato, depósito e empreitada, sendo que nos casos cujo regime não se encontre expressamente previsto, por aplicação do disposto no artigo 1156.º, é aplicável o regime do mandato, com as necessárias adaptações, como é o caso dos autos.
Assim, da celebração do contrato de mandato nascem diversas obrigações para o mandatário, as quais encontram consagração legal no artigo 1161.º do Código Civil, o qual estabelece que o mandatário é obrigado (...) a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante; (...) a prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão; (...) a comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão porque assim procedeu; (...) a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir; (...) a entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.
Por sua vez, nos termos do artigo 1167.º do referido diploma legal, são obrigações do mandante: fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não for convencionada; pagar a retribuição e fazer provisão por conta dela consoante os usos, no caso de mandato oneroso; reembolsar o mandatário das despesas feitas e que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuados; e, por último, obrigação de indemnizar o mandante do prejuízo sofrido em consequência do mandato.
No que respeita às causas de extinção, os contratos em análise podem extinguir‑se por caducidade, revogação por acordo das partes, resolução por incumprimento e denúncia.
Para o caso que nos ocupa, dispõe o artigo 1172.º do Código Civil que
A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer:
a) Se assim tiver sido convencionado;
b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação;
c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente;
d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente.
Desde logo, não resultou provado que a A. tenha comunicado à R. o teor do seu Regulamento.
Sem prejuízo, resultou provado que a versão do Regulamento referente a 2018/2019 constava da página Web da A. Porém, tal situação não satisfaz o dever de comunicação previsto no artigo 5.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro e, como tal, não se pode concluir que a mesma ou era do conhecimento da R. ou foi por esta aceite.
Assim, está afastada a aplicação da al. a) do referido normativo. Está também afastada a aplicação da al. d) (a que foi feita alusão na petição inicial no seu artigo 24.º, certamente por lapso), uma vez que a revogação proveio da mandante (ora R.) e não do mandatário (ora A.).
Por fim, (não sendo caso de aplicável da al. b)), cumpre averiguar do preenchimento dos pressupostos da al. c).
No nosso caso, a R. inscreveu os seus filhos no estabelecimento de ensino da A. em Março de 2019 para frequentarem o ano escolar de 2019/2020 (facto E). Porém, não alegou a A., nem o demonstrou, quais eram os fees aplicáveis ao ano em causa – 2019/2020 - , sendo que apenas juntou o regulamento respeitante ao ano de 2018/2029. Desconhece o Tribunal, nem foi explicado, quais os valores aplicados e as condições contratuais acordadas relativamente ao ano 2019/2020.
É que, vindo a A., peticionar uma indemnização por revogação unilateral do contrato de prestação de serviços celebrado com a R. a vigorar para o ano de 2019/2020, cabia-lhe o ónus de alegar os factos constitutivos do seu direito: o valor dos lucros cessantes que perdeu em consequência da revogação.
E, neste conspecto, a emissão de uma factura com valores apostos não satisfaz o referido ónus, na medida em que se desconhece o valor dos fees aplicáveis para o referido ano de 2019/2020.
Como tal e inevitavelmente face a pretensão da A., pelo que julga-se totalmente improcedente a presente acção, absolvendo-se a R. do pedido”.
A A. não coloca em crise a qualificação jurídica da relação contratual mantida entre as partes, desde logo porque concorda que se está perante um contrato de prestação de serviços escolares, nos termos do qual se obrigou a dar aulas aos filhos da R. no seu estabelecimento de ensino particular, contra o pagamento das respectivas contrapartidas monetárias por parte da R.
Do mesmo modo, a A. não coloca em crise que, tratando-se de um contrato de prestação de serviços sem regulamentação legal específica (obviamente que não está aqui em causa o quadro normativo de direito público que disciplina a componente pedagógica da actividade desenvolvida por estabelecimentos de ensino particulares), são-lhe aplicáveis as regras do contrato de mandato, designadamente o disposto no nº 1 do art.º 1170º do Código Civil, relativo ao direito à livre revogação do contrato por qualquer uma das partes.
Com efeito, e como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência (como no acórdão de 12/7/2018 do Supremo Tribunal de Justiça, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt), “não dispondo o contrato de prestação de serviço de regime próprio, são-lhe aplicáveis as disposições do contrato de mandato com as devidas adaptações (arts. 1154.º, e 1156.º do CC), designadamente a regra da livre revogabilidade do contrato, i.e., a faculdade de o fazer cessar por vontade unilateral das partes, independentemente da apresentação de qualquer motivo justificativo (art. 1170.º, n.º 1, do CC)”.
Do mesmo modo, Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume II, 3ª edição revista e actualizada, 1986, pág. 730) explicam que a “figura da revogação não corresponde à da resolução do contrato”, limitando-se a “fazer cessar o mandato, com eficácia ex nunc, aproximando-se bastante, neste aspecto, da denúncia (que é, em princípio, uma não renovação do contrato que tenderia a renovar-se ou a prolongar-se no tempo)”.
Ou seja, pode-se afirmar que quando está em causa um contrato de prestação de serviços escolares que perdura por mais de um ano lectivo, o prolongamento do contrato opera, não só por efeito da frequência do aluno durante o ano lectivo, mas pela sua permanência no estabelecimento de ensino em cada um dos anos lectivos seguintes, sem embargo do direito potestativo à revogação desse contrato a todo o tempo.
O que, reconduzido ao caso dos autos, equivale a afirmar que assistia à R. o direito a revogar o contrato de prestação dos serviços escolares que celebrou com a A., nos termos comunicados a esta através da mensagem de correio electrónico de 13/7/2019.
Entende a A., todavia, que, não obstante o exercício desse direito potestativo pela R., recai sobre a mesma a obrigação de indemnizar a que respeita o art.º 1172º do Código Civil, porque foi convencionado prazo para o exercício desse direito potestativo e a R. não respeitou tal prazo.
Todavia, tendo improcedido a impugnação da decisão de facto e mantendo-se a factualidade provada que foi elencada na sentença recorrida, não se pode afirmar que o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes se regule pelo conjunto de normas que constam do regulamento aprovado pela A. É que, tratando-se de normas que não foram objecto de prévia negociação individual entre A. e R., as mesmas só se consideram como integrando o programa contratual se tiverem sido comunicadas pela A. à R., como resulta da conjugação dos art.º 5º e 8º do D.L. 446/85, de 25/10.
E não resultando provada a comunicação das normas em questão à R., não se pode afirmar, como pretende a A., que foi convencionado um prazo para o exercício do direito potestativo da R. à revogação do contrato. Pelo que, do mesmo modo, não se pode concluir pela violação desse prazo, para efeitos de afirmar o direito da A. a ser indemnizada do prejuízo sofrido com a inobservância do prazo em questão.
De todo o modo, e mesmo entendendo-se que não é de aplicar o disposto na al. a) do art.º 1172º do Código Civil, mas antes o disposto na al. c), ainda assim não resulta evidenciado que se estivesse perante uma prestação de serviços escolares conferida por certo tempo, ou que a R. revogou tal prestação de serviços escolares “sem a antecedência conveniente”.
Com efeito, e como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume II, 3ª edição revista e actualizada, 1986, pág. 735), a “antecedência conveniente supõe, como prescrevia o Código de 1867 (…), “o tempo necessário para prover aos seus interesses” (do outro contraente)”. E mais explicam que “destinando‑se a indemnização a ressarcir os danos causados e, portanto, a restabelecer o equilíbrio patrimonial no âmbito do mandato, não devem ser considerados os prejuízos estranhos ao contrato (…)”. Do mesmo modo, ainda, “quando o mandato (oneroso) tiver sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, o prejuízo da revogação calcular-se-á em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente ao mandatário; sendo a revogação feita sem a conveniente antecedência, o prejuízo medir-se-á também em função do tempo que faltou para essa antecedência”.
Regressando ao caso concreto, torna-se manifesto que a revogação comunicada pela R. respeita ao ano lectivo 2019/2020.
Como a A. reconhece, tal ano lectivo teria o seu início em Setembro (de 2019), como é habitual no sistema de ensino nacional (público ou privado).
Pelo que, ainda que admitindo que a própria natureza da prestação de serviços escolares se destinava a “certo tempo”, correspondendo ao ano lectivo 2019/2020, o “tempo” desse ano lectivo ainda não se havia iniciado quando em 13/7/2019 a revogação foi comunicada pela R. à A.
Do mesmo modo, é de afirmar que o período entre 13/7/2019 e o mês de Setembro de 2019 se apresenta como adequado a que a A. pudesse prover aos seus interesses, que mais não representam que o recebimento da contrapartida monetária da frequência do seu estabelecimento de ensino durante (mais) um ano lectivo, pelos dois filhos da R.
Dito de forma mais simples, tendo a A. ficado a saber, mais de um mês antes do início do ano lectivo 2019/2020, que já não iria ter os dois filhos da R. como alunos do seu estabelecimento de ensino nesse ano lectivo, e tendo presente a oferta escolar do mesmo estabelecimento de ensino, desde a creche até ao 12º ano, tal lapso temporal não se pode afirmar como insuficiente para que a A. reorganize a sua estrutura produtiva e “encaixe” na mesma a falta desses dois alunos (e da correspondente contrapartida monetária).
De todo o modo, e sendo as prestações (propinas) a pagar pela R. a contrapartida monetária da frequência do estabelecimento de ensino da A., nem sequer se pode falar da existência de uma expectativa legítima da A. quanto ao recebimento dessas propinas independentemente de os filhos da R. não serem alunos de tal estabelecimento de ensino, dado o necessário sinalagma entre a frequência e as propinas.
É certo que em 1/6/2019 a A. emitiu uma factura no valor de € 6.804,15 e com vencimento a 1/7/2019, referente às propinas que seriam devidas pelo primeiro período do ano lectivo 2019/2020, no que respeita aos filhos da R.
Todavia, essa quantia só seria exigível à R. nesses termos antecipatórios na medida em que a mesma tivesse tomado conhecimento das normas de pagamento de propinas contidas no regulamento da A., o que não está demonstrado.
Pelo que, também por esta via, é de afastar a conclusão da existência da obrigação da R. de indemnizar a A. relativamente a qualquer prejuízo sofrido por esta em consequência da revogação comunicada em 13/7/2019, desde logo porque a R. não era devedora à A. de qualquer valor (para além da renovação da matrícula já paga em Março de 2019, e que não está aqui em causa) a título de contrapartida pela prestação de serviços escolares no estabelecimento de ensino da A. no ano lectivo 2019/2020.
Dito de outra forma, não estando demonstrado que à A. foi dado conhecimento do conjunto normativo constante do regulamento aprovado pela A., quer no momento em que a R. renovou (e pagou) a matrícula dos seus filhos (Março de 2019), quer no momento em que a A. emitiu a factura relativa às propinas do primeiro período do ano lectivo 2019/2020 (1/6/2019), quer ainda no momento em que a R. comunicou à A. a revogação do contrato de prestação de serviços escolares (13/7/2019) para o ano lectivo 2019/2020, o mesmo conjunto de normas não era aplicável ao relacionamento contratual entre A. e R.
Nessa medida, e não obstante estar em causa um contrato de prestação de serviços escolares cujo prolongamento foi ocorrendo por efeito da manutenção dos alunos (filhos da R.) no estabelecimento de ensino da A. durante vários anos lectivos, nada impedia a revogação do contrato pela R. relativamente ao ano lectivo 2019/2020 e antes do início do mesmo, sem necessidade de observar qualquer antecedência superior à que ocorreu, e sem que a onerosidade do contrato e a natureza dos serviços prestados determine que a R. deve pagar à A. o valor constante da factura, seja a título de pagamento (antecipado) das propinas relativas ao primeiro período do ano lectivo 2019/2020, seja a título de indemnização pela revogação do contrato, nos termos do art.º 1172º do Código Civil.
Em suma, na improcedência das conclusões do recurso da A. é de manter a sentença recorrida.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela A.

25 de Setembro de 2025
António Moreira
João Paulo Raposo
Susana Mesquita Gonçalves