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PROCESSO DE INVENTÁRIO
PRAZO PARA RECLAMAR DA RELAÇÃO DE BENS
APROVEITAMENTO DO PRAZO DE UM INTERESSADO POR OUTRO INTERESSADO
Sumário
O prazo de 30 dias previsto no nº 1 do art. 1104º do CPC corre autonomamente para cada um dos citados, sendo inaplicável o regime que, para o processo comum declarativo, consta do art. 569º, nº 2 --.
Texto Integral
Processo: 1704/23.5T8VCD-A.P1
Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: José Eusébio Almeida
2º Adjunto: Manuel Fernandes
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Em processo de inventário por óbito de AA e BB, em que é requerente e cabeça-de-casal CC e em que, para além dela, são interessados diretos, como filhos dos inventariados, DD, EE, FF e GG, depois de junta a relação de bens ocorreu o seguinte circunstancialismo pertinente à análise do recurso e plenamente provado pelos dados constantes dos autos:
a) – o interessado DD foi citado em 02.11.2023 e no dia 08.11.2023 deu entrada nos autos de requerimento a solicitar apoio judiciário, para além do mais, na modalidade de nomeação e pagamento de compensação do patrono;
- em 15/11/2023, na sequência de tal requerimento, foi proferido o seguinte despacho:
“Considerando que o interessado DD solicitou apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, tal como se constata do requerimento de apoio judiciário junto aos autos, considera-se interrompido o prazo previsto no art. 1104.º do Código de Processo Civil, nos termos do disposto no art. 24.º, n.º 4 da Lei do Apoio Judiciário”;
- em 14.03.2024 foi-lhe nomeado advogada pela Ordem dos Advogados e, em 24.04.2024, deu entrada de reclamação à relação de bens;
b) – a interessada EE foi citada em 02.11.2023 e, em 04.12.2023, deu entrada de reclamação à relação de bens, subscrita pela própria;
c) – a interessada FF foi citada em 24.10.2023 e, em 23.04.2024, apresentou requerimento de oposição ao inventário e reclamação à relação de bens;
d) – o interessado GG foi citado em 03.11.2023 e, em 22.04.2024, apresentou reclamação à relação de bens.
e) – por requerimento de 31/5/2024, a cabeça-de-casal, delas notificada, defendeu que a reclamação à relação de bens deduzida pelo interessado GG e a reclamação à relação de bens deduzida pela interessada FF eram extemporâneas;
f) – a 23/9/2024 foi proferido o seguinte despacho (do qual, prescindindo-se do relatório, se transcreve a partir da fundamentação que dele consta):
“(…)
Determina o art. 549.º, n. 1 do Código de Processo Civil que «os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum.»
Por sua vez, o n.º 2 do art. 569.º do mesmo código dispõe que «quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.»
Por último, estabelece o art. 24.º, n.º 4 da Lei do Apoio Judiciário que «quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.»
Ora, na situação em apreço, tendo o interessado DD requerido apoio judiciário na modalidade nomeação de Patrono, cujo comprovativo juntou aos autos, o prazo de que o mesmo dispunha foi interrompido (conforme despacho de 15.11.2023), sendo que a sua contagem apenas se reiniciou com a notificação da decisão ao patrono nomeado da sua nomeação nos termos do art. 24., n.º 5, al. a) da Lei do Apoio Judiciário, o que significa que o prazo para apresentar reclamação à relação e bens se iniciou a 19.03.2024 (3.º dia útil após a decisão da Segurança Social) e terminou em 26.04.2024 (atento o período de férias judiciais da Páscoa).
Tendo em consideração tal data, temos que todas as reclamações foram apresentadas antes de terminar o prazo para que o interessado DD apresentasse reclamação à relação de bens.
A questão que se coloca e importa decidir é se tal prazo aproveitava aos demais interessados por força do disposto no art. 569.º, n.º 2, ex vi art. 549.º do Código de Processo Civil, como invocam GG e FF.
A respeito desta questão escrevem Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e P. Pinheiro Torres, in O Novo Regime do Processo de Inventário e …, em anotação ao art. 1104.º, pág. 80 que «O prazo para o exercício do direito de oposição foi fixado em 30 dias (n.º 1 caput), atendendo à pluralidade de fundamentos potencialmente invocáveis no exercício do contraditório. Não sendo o articulado de oposição qualificado legalmente como contestação e existindo frequentemente conflito de interesses entre os vários interessados, não é aplicável – na falta de específica previsão no âmbito do processo de inventário – o regime constante do art. 569.º, n.º 2. O referido prazo corre separadamente para cada um dos interessados citados.»
Ora, considerando os ensinamentos dos citados Autores, aos quais aderimos na íntegra, temos de concluir que não é de aplicar à oposição ao inventário e à reclamação à relação de bens o disposto no art. 569.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo que, o prazo do interessado DD para apresentar reclamação à relação de bens não aproveita aos demais interessados, nomeadamente aos interessados GG e FF.
Tendo a citação dos interessados GG e FF ocorrido, respectivamente, em 03.11.2023 e 24.10.2023 e tendo as reclamações sido apresentadas em 22.04.2024 e 23.04.2024, as mesmas são manifestamente extemporâneas.
Por todo o exposto, e ao abrigo do disposto no art. 1104.º do Código de Processo Civil, a oposição ao inventário e as reclamações à relação de bens apresentadas pelos interessados GG e FF são extemporâneas e, em consequência, determina-se o seu desentranhamento.”.
De tal despacho veio o interessado GG interpor recurso, defendendo a revogação da decisão recorrida.
Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“a. Com o presente recurso o Recorrente pretende que seja revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, alterando-se o despacho que julgou extemporâneo a reclamação à relação de bens apresentada em sede de inventário, em virtude de considerar ser inaplicável o disposto no artigo 569.º, n.º 2 do CPC ao processo de inventário. b. Para tanto, alicerça a sua decisão no facto, em primeira linha, o processo de inventário ser um processo especial, ao qual são aplicáveis as regras previstas para este tipo de processos e, na falta destas, as regras gerais do processo declarativo, c. Continuando a sua argumentação no facto de haver um entendimento doutrinal de que os articulados a que alude o artigo 1.104.º do CPC não constituírem contestações por não ter sido esta a denominação legal atribuída pelo legislador. d. O Recorrente, conforme resulta já do acima exposto, não perfilha do mesmo entendimento. e. Desde logo porque não é possível atribuir um significado diferente a palavras que são sinónimas para desse modo afastar a aplicabilidade do regime do artigo 569, n.º 2 do CPC. f. Do mesmo modo que não podemos dar “o dito por não dito”, e numa primeira fase interromper o prazo de defesa constante do artigo 1.104.º do CPC, sem esclarecer convenientemente os interessados que aquela interrupção apenas era aplicável ao interessado DD.
Ora,
g. Voltando ao primeiro dos argumentos aqui trazidos pelo Recorrente, não é pelo facto do legislador não ter adoptado a terminologia “contestação” que podemos desde logo afirmar que os articulados de oposição e reclamação não constituem eles próprios contestações. h. Como já foi referido, contestação é a peça processual (ou articulado) na qual o réu de uma ação, chamado a juízo para se defender, responde à petição inicial apresentada pelo autor, podendo este termo apresentar diversos sentidos: no sentido jurídico, como sendo o acto pelo qual o demandado responde à pretensão formulada pelo autor ou demandante, sendo que num sentido mais corriqueiro, e fazendo uso de um dicionário, significa negar, contrariar, desdizer, discutir, impugnar, recusar as pretensões ou direitos de alguém. i. No caso da oposição, e igualmente recorrendo a um dicionário, constitui um argumento com que se replica, contradiz ou impugna, constituindo uma contestação, uma impugnação, uma objeção. j. Já reclamação, e uma vez mais fazendo uso do dicionário, constitui um acto de protesto, de oposição. k. Ou seja, contestação, oposição e reclamação nada mais são do que sinónimos, constituindo três terminologias diferentes mas com significados iguais, até porque todos resultam no mesmo: constituem uma forma de contradizer, negar, protestar contra algo. l. Ora, sendo aqueles articulados de oposição e reclamação sinónimos de contestação, e não existindo, no âmbito das regras especiais do processo de inventário qualquer derrogação à aplicação do regime do artigo 569.º, n.º 2 do CPC (tal como ocorre no âmbito do processo executivo), então teremos de concluir pela aplicabilidade daquela regra ao processo de inventário e, consequentemente, ser o articulado de Reclamação à Relação de Bens apresentado pelo Recorrente tempestivo.
Ademais, e sem prescindir,
m. Cumpre referir que, por despacho proferido a 16/11/2023, foi interrompido o prazo a que alude o artigo 1.104.º do CPC em virtude do interessado DD ter requerido protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono. n. Tal despacho foi notificado a todos os interessados que interiorizaram que, em decorrência de tal despacho, até ser nomeado um patrono ao interessado DD, o prazo não se encontrava a decorrer e a defesa dos seus direitos não se encontrava ameaçada. o. Com a prolação do despacho agora sindicado, o Recorrente percebeu que apenas o interessado DD beneficiava de tal interrupção. p. Entende o Recorrente que esta decisão, que faz tábua rasa daquele despacho que interrompeu o seu prazo de defesa, viola de forma grosseira a certeza e segurança jurídicas, direitos estes constitucionalmente protegidos, q. Constituindo o princípio da segurança jurídica um dos princípios basilares do nosso Estado de Direito Democrático.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há uma única questão a tratar: apurar se o interessado recorrente podia beneficiar do prazo para reclamar da relação de bens que cabia ao interessado DD.
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II – Fundamentação
Os dados a ter em conta são os acima alinhados no relatório.
Passemos então ao tratamento da questão enunciada.
Como bem se equaciona na decisão recorrida, está em causa saber se ao prazo de 30 dias atribuído a cada um dos interessados a contar da citação para acionar cada uma das faculdades previstas nas várias alíneas do nº1 do art. 1104º do CPC, onde se conta o de apresentar reclamação à relação de bens, é aplicável a previsão do art. 569º nº2 do CPC (que, em caso de pluralidade de réus e terminando em dias diferentes o prazo para a defesa de cada um deles, automaticamente prorroga tal prazo até ao termo daquele que começou a correr em último lugar) por via do disposto no seu art. 549º nº1 (onde se prevê que “Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum”).
A resposta, como se decidiu no despacho recorrido, não pode deixar de ser negativa.
Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa no seu “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, 2021, Reimpressão, pág. 568, em anotação ao art. 1104º e na mesma linha da orientação doutrinal em que se fundamentou a decisão recorrida, que também perfilhamos, «[o] prazo de 30 dias previsto no nº1corre autonomamente para cada um dos citados, sendo inaplicável o regime que, para o processo comum declarativo, consta do art. 569º, nº2. Com efeito, para além da falta de uma norma de teor semelhante na regulação do processo de inventário, é frequente a incompatibilidade dos interesses de cada sujeito. Além disso, a letra do preceito enuncia que o prazo concedido a cada interessado se conta a partir da “sua citação”, de modo que opera o efeito cominatório semipleno, nos termos gerais, sem embargo do regime específico quanto a dívidas da herança, nos termos do art. 1106º, nº1».
Referem ainda tais autores naquela mesma pág. 568, reforçando aquele argumento, que aquele prazo integra um “prazo perentório individualizado” onde se inscrevem “cada uma das iniciativas enunciadas no art. 1104º, que são marcadas pela necessária concentração e pela autonomia de cada interessado”, e que estando-se “num processo com múltiplos interessados, cada intervenção representa a abertura de uma ou mais tramitações processuais diferenciadas, as quais podem apresentar, tanto do lado ativo como passivo, sujeitos diversificados, em função de quem teve a iniciativa ou iniciativas processuais e de quem é diretamente visado em cada uma delas”.
Ainda no sentido da inaplicabilidade daquele nº2 do art. 569º do CPC ao exercício das faculdades previstas no nº1 do art. 1104º, vide também Carla Câmara, in “O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial”, Almedina, 2024, reimpressão, págs. 65 e 66.
Na jurisprudência, também em igual sentido – e cumprindo aqui referir que não se encontrou qualquer aresto em sentido contrário –, vide, por exemplo, o Acórdão da Relação de Coimbra de 10/1/2023 (proc. nº1001/21.0T8PBL.C1), o Acórdão da Relação de Guimarães de 3/10/2024 (proc. nº391/21.0T8FAF-A.G1) e o Acórdão desta Relação do Porto de 29/4/2025 (proc. nº2053/20.6T8VFR.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
O recorrente invoca o despacho proferido em 15/11/2023 [referido sob a alínea a) do elenco factual referenciado no relatório desta peça], pretendendo que a interrupção de prazo ali aludida se aplicava a todos os interessados.
Mas não pode colher tal entendimento.
Tal despacho foi notificado a todos os interessados, como o são notificados a todos os interessados todos os despachos proferidos nos autos.
No entanto, porque só o interessado DD requereu apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, aquele despacho, como dele bem se vê, refere-se explicitamente apenas a tal interessado e é apenas relativo ao prazo – autónomo para cada interessado, como já acima se viu – que estava a correr para ele.
Aqui chegados, resta concluir, como se fez na decisão recorrida, que tendo o interessado ora recorrente sido citado em 03/11/2023 e tendo a reclamação à relação de bens sido por si deduzida em 22/04/2024, a mesma é manifestamente extemporânea.
Assim, há que julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, que decaiu (art. 527º nº1 e 2 do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário a si concedido.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário a si concedido.
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Porto, 15/9/2025
Mendes Coelho
José Eusébio Almeida
Manuel Domingos Fernandes