ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DE INCAPACIDADE
REVISÃO DE PENSÃO
FACTOR 1.5
Sumário

Acidente de trabalho – Revisão da incapacidade ou da pensão – Artigo 70.º da Lei n.º 98/2009 – Inaplicabilidade do prazo de caducidade previsto no artigo 179.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 – Aplicação em sede de revisão do factor multiplicador de 1.5 previsto na instrução geral 5-a) do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL n.º 352/2007 – Sinistrado que completa 50 anos sem que haja alteração no coeficiente de incapacidade parcial permanente anteriormente fixado – Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 16/2024 do Supremo Tribunal de Justiça – Princípio da igualdade dos trabalhadores e direito à justa reparação em caso de acidente de trabalho – Artigo 59.º n.º 1 - f) da Constituição da República Portuguesa

Texto Integral

Decisão sumária 

1. A título liminar, o Tribunal começa por recordar que os preceitos do Código de Processo Civil (CPC) a seguir indicados, são aqui aplicáveis por força do disposto no artigo 1.º n.º 2 – a) do Código de Processo do Trabalho (CPT) e, no que respeita ao julgamento do recurso, por força do disposto o artigo 87.º n.º 1 do CPT.
2. O recurso é o próprio, subiu pelo modo e com o efeito adequados.
3. A requerente juntou às alegações de recurso um parecer, datado de 11.10.2024 subscrito por professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, médico especialista em medicina legal e em medicina do trabalho (cf. referência citius 16460255 de 21.3.2025). Não houve oposição. Não se trata de um parecer de jurisconsulto que possa ser junto às alegações de recurso ao abrigo do disposto no artigo 651.º n.º 2 do CPC. Porém, enquadra-se na noção ampla de documento cuja junção se tornou necessária em virtude do julgamento em primeira instância, nos termos previstos no artigo 651.º n.º 1 do CPC. Motivos pelos quais o Tribunal admite a sua junção.
4. Afigura-se ser de proferir decisão sumária nos termos do artigo 656.º do CPC, ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT, pelos seguintes fundamentos: o recurso cinge-se à matéria de direito; as questões a resolver já foram uniformemente decididas pela jurisprudência (cf. acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 16/2024, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República n.º 244/2024, Série I de 17.12.2024 e acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo 1258/18.4T8STR.2.E1, publicado em dgsi.pt); a opção pela decisão sumária não representa uma compressão injustificada dos direitos das partes atenta a faculdade, conferida pelo artigo 652.º n.º 1-c) e n.º 3 do CPC, à parte que se considere prejudicada, de requerer que sobre a presente decisão recaia um acórdão.

Despacho recorrido
5. Por despacho que pôs termo ao processo, proferido em 26.2.2025, com a referência citius 164079454, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o 2.º Juízo do Trabalho de Loures, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo),proferiu a seguinte decisão no presente processo especial de revisão da incapacidade ou da pensão, que o sinistrado, patrocinado pelo digno magistrado do Ministério Público, intentou contra a seguradora aqui recorrente:
“V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se procedente o presente incidente de revisão, fixando-se ao sinistrado AA, em consequência do acidente de trabalho em causa nos autos, uma incapacidade permanente parcial de 9% desde 23/10/2024. Em consequência, condena-se:
a) FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA a pagar-lhe, a partir de 23/10/2024, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 632,79 deduzida da pensão já remida de € 421,86, isto é, € 210,93 (duzentos e dez euros e noventa e três cêntimos);
b) À quantia acima referida acrescem juros de mora calculados à taxa legal desde a data de vencimento e até integral pagamento.
Custas pela seguradora (artigo 527º do Código de Processo Civil e artigo 17º, n.º 8, e tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais).
Valor do incidente: € 2.734,50 (valor correspondente à diferença entre o capital de remição da pensão ora fixada e o do capital de remição da pensão já pago nos autos que, no caso, corresponde à utilidade económica do pedido em causa no presente incidente - art.º 120º, n.os 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho e 297º, n.º 1 do Código de Processo Civil).”

Alegações da recorrente
6. Inconformada com o despacho mencionado no parágrafo anterior, a recorrente, seguradora, dele veio interpor o presente recurso, mediante requerimento com a referência citius 16460255 de 21.3.2025, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, formulando o seguinte pedido:
“(...) deve ser concedido provimento à presente apelação, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que declare a caducidade prevista no art.º 179º da lei 98/2009, ou, se assim não se entender, que com fundamento na violação de lei acima invocada e, bem assim, recusando a aplicação da norma 5º n.º 1 a) da TNI [por] inconstitucionalidade revogue a decisão condenatória e substituindo-a por outra que, julgando improcedente o incidente, absolva a recorrente do pedido (...)”
7. Nas suas alegações vertidas nas conclusões, a recorrente invoca, em síntese, os seguintes meios:

Caducidade do direito de acção
§ O sinistrado completou 50 anos em 19.12.2020 e deu entrada do requerimento de revisão de incapacidade em 2024, pelo que, o prazo de caducidade previsto no artigo 179º n. º1 da Lei 98/2009 terminou por caducidade, questão que é do conhecimento oficioso;
Discordância do acórdão uniformizador de jurisprudência
§ O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024, uniformizador de jurisprudência, ultrapassa os limites da interpretação do artigo 70.º da Lei 98/2009 e enferma de contradições por ficcionar a diminuição da capacidade de ganho depois de o trabalhador atingir a idade de 50 anos de idade e por aplicar automaticamente o factor multiplicador de 1.5 aos sinistrados que atingem 50 anos, ainda que não haja agravamento ou mesmo se houver melhoria do seu grau de incapacidade em sede de revisão de incapacidade;
§ Na óptica da recorrente, a instrução 5 nº 1 - a) do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades conjugada com o artigo 70.º da Lei 98/2009, devem ser interpretados no sentido de que, na revisão de incapacidade ou pensão, apenas pode haver lugar à aplicação do factor de bonificação de 1.5 quando o sinistrado completa 50 anos posteriormente à data em que foi fixado inicialmente o grau de incapacidade, se vier a provar-se o agravamento das sequelas ou do grau de incapacidade anteriormente fixados, o que não se verifica no presente caso;
§ A presunção de que existe perda de capacidade de ganho depois de o trabalhador completar 50 anos está em desacerto com a actualidade bio evolutiva do ser humano, é uma ficção, não é de aplicação automática e em qualquer caso, é uma presunção legal ilidível;
§ Uma vez que os peritos na sua avaliação já levam em conta a idade do sinistrado, seja por força das instruções gerais n.ºs 5 A-a) e 6-c) do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades, seja quando fixam a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a aplicação automática do factor de bonificação 1.5 aqui em crise conduz a um enriquecimento ilegítimo do sinistrado que penaliza a seguradora;
Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade
§ A recorrente defende a inconstitucionalidade do factor de bonificação de 1.5 consagrado na Instrução nº 5 nº 1 - a) do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades, alegando que tal opção legislativa conduz à violação do princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores, nomeadamente, nas situações que enuncia nas conclusões 24 a 25 e 30 a 33 a seguir transcritas:
24) A disposição legal acima enunciada - Instrução n.º 5 n.º 1 alínea a) do Anexo I do DL 352/2007 - prevê um fator de bonificação de 1,5 trata de forma igual dois grupos de trabalhadores distintos e em condições de gravidade muito diferente, beneficiando injustificadamente os trabalhadores com mais de 50 anos em relação aos que, na sequência do acidente de trabalho ou de doença profissional não sejam reconvertíveis ao posto de trabalho habitual.
25) Sendo constitucionalmente inadmissível que a Lei possa tratar de forma igual situações     substantivamente diversas, a mesma discrimina, positivamente, um lesado de acidente de trabalho em função de um fator ficcional (a presunção de que a partir dos 50 anos o grau de incapacidade do lesado sofre um incremento de 50%), perante uma realidade concretamente avaliada do lesado que p.ex. com 49 anos, fica afectado de uma incapacidade permanente e de forma não reconvertível para o seu trabalho.
(...)
30) Não se afigura possível aplicar o factor de bonificação pela idade aos trabalhadores sinistrados não reconvertíveis no posto de trabalho, uma vez que, ao serem assim qualificados, o seu grau de incapacidade é total e corresponderá sempre a 100%.
31) Uma vez que os coeficientes de incapacidade são sempre majorados “até ao limite da unidade” com a aplicação do factor 1.5, os trabalhadores não reconvertíveis à sua profissão habitual, nunca poderão beneficiar da majoração quando atingirem os 50 anos.
32) Daí que, a automaticidade da aplicação da bonificação de 1.5 conduz, também nesta perspetiva, à conclusão pela               desconformidade constitucional da regra da Instrução 5ª n.º 1 a) da TNI aprovada no anexo I do DL 352/2007, com o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da nossa Lei fundamental, donde, também por este prisma deveria ter sido recusada a aplicação da norma técnica em questão.
33) Outra discriminação por tratar de forma igual a diferenciação, resulta do facto de os sinistrados reconvertíveis na fixação inicial da incapacidade, para que possam vir a beneficiar da majoração de 1,5 ao se tornarem irreconvertíveis, terão de ser necessariamente submetidos a uma avaliação pericial em incidente de revisão que ateste, de forma clinicamente fundamentada, essa modificação prejudicial      ou agravamento, diferentemente dos que atingindo os 50 anos, vêm a majoração de 1,5 determinada de forma automática, que também atinge o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da nossa Lei fundamental, donde, também deveria ter sido recusada a aplicação da norma técnica em questão.

Disposições legais violadas
§ A decisão recorrida infringe as seguintes disposições legais: a Instrução nº 5 - a) do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) aprovada pelo do DL 352/2007, os artigos 70º nº1, 77º e 179º da Lei 98/2009, o art.º 128.º da Lei 72/2008, os artigos 333º, 562º, 563º, 56[7]º do Código Civil (CC) e os art.º 13º, 59º nº 1 alínea f) e 206º da Constituição da república Portuguesa (CRP).
 
Contra-alegações do recorrido
8. O recorrido contra-alegou, pugnado pela improcedência do recurso e defendendo, em síntese:
§ Não existe fixação de uma nova prestação, mas mera actualização da pensão já fixada, pelo que não se aplica o prazo de caducidade previsto no artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009;
§ Na sentença recorrida o Tribunal a quo apreciou a questão da caducidade, tendo afastado fundadamente a aplicação do disposto no artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009;
§ Não existem as alegadas contradições do acórdão uniformizador de jurisprudência;
§ Não existe qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade na aplicação automática do coeficiente de bonificação a partir dos 50 anos de idade.

Delimitação do âmbito do recurso
9. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, vertidas nas conclusões:
A. Caducidade do direito de acção
B. Discordância da interpretação feita pelo acórdão uniformizador de jurisprudência n º 16/2024
C. Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores

Factos provados
10. Os factos provados serão a seguir enunciados neste parágrafo, antecedidos da numeração pela qual foram indicados no despacho recorrido, para facilitar a leitura e remissões:

1. No dia 08/07/2020, pelas 15h45, em Paço de Arcos, o sinistrado, quando prestava o seu trabalho de instalador de portas para PORTAS DE FUTURO UNIPESSOAL, LDA., foi atingido por uma porta do elevador, sofrendo um corte no 1º dedo da mão esquerda, por efeito do que lhe resultou lesão do tendão extensor do polegar esquerdo.
2. Com referência a essa data, o sinistrado auferia a retribuição global anual de € 10.044,34.
3. À data referida em 1, a empregadora tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, mediante contrato de seguro, pela referida retribuição.
4. Em consequência do referido em 1 a 3, por acordo homologado judicialmente em 25/01/2021 foi fixada ao sinistrado uma IPP de 6,00% desde 03/11/2020 e a entidade responsável ficou obrigada a pagar o capital de remição de uma pensão anual de € 421,86 desde 04/11/2020, acrescido de juros, o que fez, liquidando a quantia de € 5.752,48.
5. O sinistrado nasceu em 19/12/1970.
6. Actualmente o sinistrado apresenta, como sequelas, no membro superior esquerdo: cicatriz em T na região MCF de D1, deformidade da articulação MCF de D1; deficit de extensão de D1; sensibilidade mantida de D1.

Factos não provados
11. Não foram indicados nenhuns no despacho recorrido.

Quadro legal relevante
12. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Constituição da República Portuguesa ou CRP
Artigo 1.º
(República Portuguesa)
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Artigo 2.º
(Estado de direito democrático)
A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
ARTIGO 17.º
(Regime dos direitos, liberdades e garantias)
O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.
ARTIGO 18.º
(Força jurídica)
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Artigo 59.º
(Direitos dos trabalhadores)
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;
c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;
d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;
e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego;
f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
2. Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:
a) O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento;
b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;
c) A especial protecção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas;
d) O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais;
e) A protecção das condições de trabalho e a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes;
f) A protecção das condições de trabalho dos trabalhadores-estudantes.
3. Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei.
Artigo 203.º
(Independência)
Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.
Artigo 204.º
(Apreciação da inconstitucionalidade)
Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
Código Civil ou CC
Artigo 9.º
(Interpretação da lei)
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Artigo 10.º
(Integração das lacunas da lei)
1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
Artigo 11.º
(Normas excepcionais)
As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.
Artigo 349.º
(Noção)
Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Artigo 562.º
(Princípio geral)
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Artigo 563.º
(Nexo de causalidade)
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Artigo 567.º
(Indemnização em renda)
1. Atendendo à natureza continuada dos danos, pode o tribunal, a requerimento do lesado, dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária, determinando as providências necessárias para garantir o seu pagamento.
2. Quando sofram alteração sensível as circunstâncias em que assentou, quer o estabelecimento da renda, quer o seu montante ou duração, quer a dispensa ou imposição de garantias, a qualquer das partes é permitido exigir a correspondente modificação da sentença ou acordo.
Código de Processo Civil ou CPC
Artigo 30.º
Conceito de legitimidade
1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Artigo 31.º
Ações para a tutela de interesses difusos
Têm legitimidade para propor e intervir nas ações e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à proteção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei.
Lei n.º 98/2009 de 4.9 (reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais) ou apenas Lei 98/2009
Artigo 12.º
Nulidade
1 - É nula a convenção contrária aos direitos ou garantias conferidos na presente lei ou com eles incompatível.
2 - São igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos na presente lei.
3 - Para efeitos do disposto do n.º 1, presume-se realizado com o fim de impedir a satisfação dos créditos provenientes do direito à reparação prevista na lei todo o acto do devedor, praticado após a data do acidente ou do diagnóstico inequívoco da doença profissional, que envolva diminuição da garantia patrimonial desses créditos.
Artigo 70.º
Revisão
1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento.
3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil.
Artigo 78.º
Inalienabilidade, impenhorabilidade, irrenunciabilidade dos créditos e garantias
Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.
Artigo 179.º
Caducidade e prescrição
1 - O direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.
2 - As prestações estabelecidas por decisão judicial ou pelo serviço com competências na área da protecção contra os riscos profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.
3 - O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações.
Lei n.º 72/2008 de 16.4 (regime jurídico do contrato de seguro) ou apenas Lei 72/2008
Artigo 128.º
Prestação do segurador
A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro.
Decreto Lei n.º 352/2007 de 23.10 ou apenas DL 352/2007, que aprova a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) por acidentes de trabalho e doenças profissionais
ANEXO I
Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais
Instruções gerais
1 - A presente Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho.
5 - Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula:IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor;
b) A incapacidade é igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo factor 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior;
c) Quando a função for substituída, no todo ou em parte, por prótese, ortótese ou outra intervenção conduzida no sentido de diminuir a incapacidade, deve promover-se a revisão da mesma logo que atinja a estabilidade clínica;
d) No caso de lesões múltiplas, o coeficiente global de incapacidade é obtido pela soma dos coeficientes parciais segundo o princípio da capacidade restante, calculando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo anterior ao acidente ou doença profissional e os demais à capacidade restante fazendo-se a dedução sucessiva de coeficiente ou coeficientes já tomados em conta no mesmo cálculo. Sobre a regra prevista nesta alínea prevalece norma especial expressa na presente tabela, propriamente dita;
e) No caso de lesão ou doença anterior aplica-se o n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro;
f) As incapacidades que derivem de disfunções ou sequelas não descritas na Tabela são avaliadas pelo coeficiente relativo a disfunção análoga ou equivalente.
5.A - A atribuição de incapacidade absoluta para o trabalho habitual deve ter em conta:
a) A capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente;
b) A avaliação é feita por junta pluridisciplinar que integra:
b.1) Um médico do Tribunal, um médico representante do sinistrado e um médico representante da entidade legalmente responsável, no caso de acidente de trabalho (AT);
b.2) Um médico do Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais (CNPRP), serviço do Instituto da Segurança Social, I. P., um médico representante do doente e um especialista em Medicina do Trabalho, no caso de doença profissional (DP);
c) O especialista em Medicina do Trabalho, referido na alínea anterior, pode ser substituído por perito médico de outra especialidade sempre que, as condições concretas de cada caso a isso aconselhem e seja determinado pelo CNPRP.
6 - Quando a extensão e gravidade do défice funcional tender para o valor mínimo do intervalo de variação dos coeficientes, os peritos podem fixar o valor de incapacidade global no sentido do máximo, tendo em atenção os seguintes elementos:
a) Estado geral da vítima (capacidades físicas e mentais). - Considerando os factores de ordem geral determinantes do estado de saúde do indivíduo, devem os peritos médicos avaliar se a evolução do estado geral do sinistrado ou doente foi consideravelmente afectada de forma negativa;
b) Natureza das funções exercidas, aptidão e capacidade profissional. - A avaliação deve considerar a importância deste factor, em relação ao posto de trabalho que exercia, e aplicam-se as alíneas a) e b) do n.º 5, conforme os casos;
c) Idade (envelhecimento precoce). - O envelhecimento precoce tem uma ponderação igual à da alínea a) deste número.

Apreciação do recurso
A. Caducidade do direito de acção
13. A recorrente censura a decisão recorrida por não ter declarado a caducidade do direito de acção do sinistrado, ou seja, do direito de pedir a bonificação da pensão com base no facto de ter completado 50 anos de idade. Isso porque, entre a data em que o sinistrado completou 50 anos e a data em que intentou a presente acção de revisão da incapacidade ou da pensão, decorreu mais de um ano. Na óptica da recorrente, deve aplicar-se, nesse caso, o prazo de caducidade de um ano previsto no artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009.
14. Antes de mais convém recordar que por decisão judicial que homologou o acordo das partes nos autos principais de processo especial para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, aos quais se encontra apensa a acção especial de revisão da incapacidade ou da pensão, foi fixada ao sinistrado uma incapacidade parcial permanente de 6,00% desde 3.11.2020 e a entidade responsável ficou obrigada a pagar o capital de remição de uma pensão anual de 421,86 euros desde 4.11.2020, acrescido de juros, o que fez, liquidando a quantia de € 5.752,48 (cf. facto provado 4).
15. No requerimento inicial pelo qual intentou a presente acção especial de revisão da incapacidade ou da pensão, o sinistrado alegou o agravamento das lesões e não o facto de ter, entretanto completado 50 anos (cf. requerimento com a referência citius 15819798 de 23.10.2024). Realizada a perícia médica (cf. referência citius 15974100 de 27.11.2024), dela não resultou o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado, nem tal factualidade foi julgada provada pelo Tribunal a quo.
16. O Tribunal a quo, por despacho de 14.1.2025, com a referência citius 163454090 decidiu levar em conta o seguinte facto essencial, não articulado, que surgiu no decurso da produção da prova e é relevante para a decisão de mérito: tendo o sinistrado nascido em 19.12.1970, completou 50 anos posteriormente à data em que lhe foi fixada a incapacidade permanente parcial de 6%. Para esse efeito, o Tribunal a quo ordenou que fosse observado o contraditório
17. No exercício do contraditório a recorrente reconheceu que o sinistrado nasceu em 19.12.1970, mas defendeu que, ao requerer a revisão da incapacidade o sinistrado não invocou a aplicação do factor multiplicador de 1.5 por ter completado 50 anos de idade e que, além disso, o respectivo direito de acção caducou por aplicação do disposto no artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009 (cf. requerimento de20.1.2025, com a referência citius 16230343). Por seu lado, o sinistrado, no exercício do contraditório, requereu a aplicação do coeficiente de bonificação da pensão de 1.5 previsto na instrução 5 nº 1 - a) do Anexo I da TNI (cf. requerimento de 30.1.2025 com a referência citius 16235541).
18. Importa clarificar que ao abrigo do disposto no artigo 72.º n.º 1 do CPT, ex vi artigo 1.º n.º 2 b) do CPT, o Tribunal a quo pode levar em conta o facto de o sinistrado ter completado 50 anos, apesar de tal facto não ter sido articulado, desde que cumpra o contraditório, como sucedeu.
19. Dito isto, a presente acção especial de revisão da incapacidade ou da pensão, foi intentada com base no artigo 70.º da Lei 98/2009 e segue a forma prevista nos artigos 145.º e 146.º do CPT. Ora, pelos motivos que a seguir serão enunciados, não merece censura a sentença recorrida na parte em que julgou não ser de aplicar, no âmbito da presente acção, o prazo de caducidade da acção previsto no artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009.
20. Com efeito, a caducidade prevista no artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009 aplica-se ao exercício do direito de acção para obter a fixação inicial da incapacidade ou da pensão e, nesse contexto, conta-se desde a data da alta clínica ou da morte, consoante os casos. Tendo em conta os eventos a partir dos quais se conta o prazo previsto no artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009, não existe qualquer relação lógica entre esse prazo de caducidade e a revisão da incapacidade ou da pensão, prevista no artigo 70.º n.º 1 da Lei 98/2009, uma vez que a contagem do termo inicial do exercício da acção de revisão a partir dos eventos mencionados no artigo 179.º 1 da Lei 98/2009 conduziria à impossibilidade prática de exercer o direito de pedir a revisão da incapacidade ou da pensão.
21. A esse propósito, o único limite temporal previsto para a acção de revisão da incapacidade ou da pensão consiste em que pode ser requerida apenas uma vez em cada ano civil, como estabelece o artigo 70.º n.º 2 da Lei 98/2009. Além desse limite, o legislador não estabeleceu outros limites temporais ao exercício do direito de acção para revisão da incapacidade ou da pensão.
22. Assim, pelos motivos acima indicados nos parágrafos 20 e 21, afigura-se que a interpretação extensiva do prazo de caducidade previsto no artigo 179.º n.º 1 da Lei98/2009, à acção de revisão da incapacidade ou da pensão não tem correspondência verbal mínima no texto da lei; adicionalmente, o Tribunal presume que o legislador, quando não previu outro limite temporal para o exercício da acção de revisão da incapacidade ou da pensão, além do previsto no artigo 70.º n.º 2 da Lei 98/2009, consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento da forma mais adequada. Pelo que, à luz do disposto no artigo 9.º n.ºs 2 e 3 do Código Civil (CC), fica afastada a interpretação extensiva do artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009 à revisão da incapacidade e da pensão, prevista no artigo 70.º da mesma lei.
23. Adicionalmente, resulta do disposto no artigo 59.º n.º 1 – f) da CRP e nos artigos 12.º e 78.º da Lei 98.º/2009, que o limite temporal ao direito de acção, previsto no artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009, restringe o exercício de um direito fundamental e irrenunciável. Nesse contexto, é nulo qualquer acto ou contrato que vise a renúncia desse direito (cf. artigo 12.º n.º 2 da Lei 98/2009). Assim, o artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009 é uma norma excepcional, na medida em que restringe, por via da consagração de um limite temporal ao exercício do direito de acção, um direito fundamental dos trabalhadores, consagrado na Constituição do Trabalho (cf. artigo 59.º n.º 1 – f) da CRP).  De onde resulta que não é possível a aplicação analógica do artigo 179.º n.º 1 – cf. artigo 11.º do CC.
24. Em abono do carácter restritivo e excepcional do artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009, o Tribunal cita a seguinte doutrina, que se mantém válida para interpretar os artigos 12.º, 78.º 179.º n.º 1 da Lei 98/2009 cujo teor, no que aqui releva, é semelhante ao teor dos artigos 32.º e 34.º da Lei 100/97 de 13 de Setembro (cf. Carlos Alegre, acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2.ª Edição, Almedina, páginas 153 e 154):
“A existência de prazos de caducidade do direito de acção respeitante a prestações devidas por acidente de trabalho ou doença profissional, levanta-nos a questão da sua legalidade.
A esse propósito pode raciocinar-se deste modo: as normas de direito infortunístico fazem parte do conjunto mais vasto de normas de interesse e ordem pública que escapa á livre disponibilidade das partes. Deixar ao arbítrio destas a possibilidade de participar ou não a tribunal a ocorrência de um acidente de trabalho ou doença profissional em que existam divergências, quer quanto à sua qualificação, grau de incapacidade ou outras é permitir a qualquer das partes dispor do que é indisponível.
É este o sentido estabelecido por esta mesma Lei, quando no artigo 34.º, n.º 2 diz que são nulos os actos (e contratos) que visem a renúncia aos direitos nela conferidos. Ora, deixar de exercer o direito de acção respeitante a prestações fixadas na lei – o que pode ser tomado por livre iniciativa ou em conluio com a entidade responsável – constitui ou pode constituir um acto de renúncia aos direitos conferidos por lei e, consequentemente, um acto nulo.
(...)
Por quanto ficou dito, se nos afigura que a caducidade do direito de acção [que] se refere, apenas, aos casos em que o sinistrado ou os seus beneficiários detêm a faculdade de participar em situações em que não exista o dever de participação da outra parte. Ainda assim, com a reserva de que fica sempre aberta a porta à possibilidade de viciar o princípio da indisponibilidade dos direitos conexionados com os acidentes de trabalho ou com as doenças profissionais.
Tínhamos esperança de que a nova Lei tomasse esta questão em consideração. Não teve, com grave prejuízo dos interesses das vítimas de acidentes de trabalho”
25. O direito à assistência e justa reparação das vítimas de acidente de trabalho enquadra-se no catálogo dos direitos dos trabalhadores previstos na Constituição – cf. artigo 59.º n.º 1 – f) da CRP. De um ponto de vista estrutural, o direito à justa reparação pelos acidentes de trabalho e doenças profissionais tem natureza análoga à dos direitos liberdades e garantias, pelo que se lhe aplica o regime previsto no artigo 17.º da CRP (cf. J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, página 770). Assim, qualquer restrição ao exercício desse direito, designadamente, resultante da imposição de limites temporais ao respectivo direito de acção, tem de obedecer aos requisitos previstos no artigo 18.º n.ºs 2 e 3 da CRP. Adicionalmente, sendo tal restrição excepcional, não pode ser aplicada analogicamente como já foi mencionado.
26. Em consequência, não se verifica a alegada caducidade do direito de acção. Acresce que a sentença recorrida não infringiu o disposto no artigo 333.º do CC pois apreciou a excepção de caducidade. Razões pelas quais improcede este segmento da argumentação da recorrente.
B. Discordância da interpretação feita pelo acórdão uniformizador de jurisprudência n º 16/2024
27. O raciocínio exposto na sentença recorrida tem por base a interpretação do artigo 70.º da Lei 98/2009, conjugado com a instrução geral 5 – a) do Anexo I da TNI, feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 16/2024.
28. A recorrente discorda da decisão recorrida nessa parte e defende que não deve ser seguida a interpretação constante do acórdão uniformizador n.º 16/2024 porque, na sua óptica, esse acórdão enferma de contradições e a solução nele consagrada vai além dos limites da interpretação.
29. A recorrente defende que a instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, conjugada com o artigo 70.º da Lei 98/2009, devem ser interpretados no sentido de que, na revisão da incapacidade ou da pensão, apenas pode ter lugar a aplicação do factor de bonificação de 1.5 quando o sinistrado completa 50 anos posteriormente à data em que foi fixado inicialmente o seu grau de incapacidade parcial permanente, se se provar, em sede de revisão, o agravamento das sequelas ou do grau de incapacidade anteriormente fixado, o que não sucede no presente caso.
30. A esse propósito, convém recordar que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024 uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
“Fixa-se jurisprudência no sentido de que:
1 - A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator;
2 - O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.”
31. A instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, aprovada pelo DL 352/2007 estabelece o seguinte:
“5 - Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula:IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor;”.
32. Na interpretação aqui posta em crise o Tribunal acompanha o seguinte raciocínio enunciado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024:
“Pode, na realidade, afirmar-se que “[o] fator de bonificação 1,5, ao invés de violar os princípios da justa reparação e da igualdade, previstos, respetivamente, nos artigos 59.º, alínea f) e 13.º da CRP, foi criado no
intuito específico de lhes dar integral cumprimento”, como se pode ler no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-09-2023, Processo n.º 21789/22.0T8SNT.E1.
Tal opção legislativa deve ser interpretada à luz do disposto no artigo 9.º do Código Civil e tendo em conta
designadamente, como bem destaca o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-01-2020, processo n.º 587/06.4TUPRT.4.P1, a unidade do sistema jurídico (n.º 1 do artigo 9.º), por um lado, e, por outro, que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais
acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3 do artigo 9.º). Seria arbitrária e conduziria a uma diferença de tratamento sem qualquer justificação uma interpretação que apenas atribuísse a bonificação a um sinistrado com 50 ou mais anos à data do acidente, ou melhor, à data em que fixada a incapacidade, mas já não a um sinistrado que tendo menos de 50 anos nesse momento, venha, no entanto, a atingir essa idade - com efeito, se e quando tiver 50 anos este último estará exatamente na mesma situação de agravamento das consequências negativas que justificou a bonificação de que beneficiou o sinistrado que já tinha 50 anos quando se procedeu à primeira avaliação da incapacidade.
Há, pois, que proceder a uma interpretação teleológica, de resto mais conforme com a tutela constitucional em matéria de acidentes de trabalho, e afirmar que o fator de bonificação deve ser atribuído ao sinistrado com 50 anos ou mais, quer tenha já 50 à data em que é avaliada inicialmente a incapacidade, quer tenha menos idade, mas venha a atingir 50 anos. Se, porventura, fosse exato que o legislador não tinha previsto um mecanismo processual para operar esta atualização e a aplicação da bonificação, tal implicaria a existência de uma lacuna a preencher pelo intérprete, já que o direito adjetivo não deve trair o direito material ou substantivo [...].
Mas, na realidade, a situação cabe na previsão do artigo 70.º da LAT se a mesma for objeto de uma interpretação teleológica. Com efeito, o legislador considerou que a idade do sinistrado - ter este 50 ou mais anos de idade - representa, ela própria, um fator que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento na situação do trabalhador, mormente no mercado de trabalho. Este agravamento pela idade, reconhecido pelo legislador, poderá ser objeto de um pedido de revisão das prestações [...].
E não se afigura inútil ou “enviesada” a aplicação do mecanismo da revisão das prestações, tanto mais que o sinistrado tanto pode atingir os 50 anos apenas alguns dias, semanas ou meses após a fixação inicial das
prestações, como pode vir a perfazer aquela idade anos ou mesmo décadas após tal fixação inicial, sendo conveniente que a bonificação seja aplicada a uma avaliação e a uma prestação atualizadas.”
33. Tendo em conta os critérios de interpretação citados no parágrafo anterior, afigura-se que o coeficiente de incapacidade do sinistrado, apesar de não ter sofrido alteração, deve ser bonificado com a multiplicação pelo factor 1.5 previsto na instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, concedido no âmbito da presente acção de revisão da incapacidade ou da pensão, uma vez que, apesar de não se ter alterado o coeficiente de incapacidade parcial permanente inicialmente fixado, provou-se que houve alteração da idade do sinistrado, para mais de 50 anos, sendo esse factor, a idade, que é pressuposto da multiplicação pelo factor 1.5.
34. Com efeito, dentro do mesmo quadro legal, não havendo diferenças fácticas significativas nem argumentos jurídicos novos, não ponderados, ou que justifiquem o afastamento da interpretação feita pelo acórdão uniformizador n.º 16/2024, como a seguir será explicado, afigura-se que não existem motivos para o Tribunal da Relação se afastar da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça aqui posta em crise pela recorrente.
35. No mesmo sentido, de que a multiplicação pelo factor 1.5 previsto na instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, quando o sinistrado completa 50 anos de idade, pode ser concedida em sede de revisão da incapacidade ou da pensão, ainda que não haja agravamento da incapacidade por outro motivo, a jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo 1258/18.4T8STR.2.E1).
36. Em particular, os argumentos defendidos pela recorrente para afastar a aplicação do acórdão uniformizador n.º 16/2024 do Supremo Tribunal de Justiça serão aqui apreciados como se segue
37. A recorrente alega que a presunção legal, constante da instrução geral da TNI aqui em causa, de que existe perda de capacidade de ganho depois de o trabalhador completar 50 anos, não se ajusta aos dados da investigação científica sobre a actividade bio-evolutiva do ser humano, é uma ficção, não é de aplicação automática e constitui uma presunção ilidível.
38. A esse propósito, importa sublinhar que a aplicação do factor multiplicador de 1.5 quando o sinistrado completa 50 anos não se enquadra na noção de presunção prevista no artigo 349.º do CC. Com efeito, uma presunção é uma ilação que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido, para firmar um facto desconhecido.
39. As presunções são meios de prova cuja força persuasiva pode ser afastada: no caso das presunções judiciais, mediante contraprova; no caso das presunções legais (excepto quando a lei o proíba), mediante prova em contrário, como estabelece o artigo 350.º n.º 2 do CC (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, Coimbra Editora Limitada, páginas 312 e 313). Nessa medida, as presunções legais invertem o ónus da prova – cf. artigo 344.º do CC.
40. Ora, contrariamente ao que defende a recorrente, nada disso acontece com a instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI já que essa regra não parte da prova de um facto conhecido (a idade) para dela inferir um facto desconhecido (eg. a diminuição da capacidade de ganho). A idade de 50 anos do sinistrado é aí prevista, antes, como um facto que é pressuposto da aplicação do factor multiplicador de 1.5. Nesse sentido, o acórdão uniformizador nº 16/2004 do Supremo Tribunal de Justiça:
“Importa, todavia, ter em conta que ao estabelecer em uma norma legal que um sinistrado com 50 anos (ou mais) tem direito a uma bonificação de 1.5 o legislador exprimiu uma opção, a de considerar que a idade representa um agravamento das consequências negativas da perda da capacidade de trabalho ou de ganho decorrente do acidente de trabalho. “Em suma: para o legislador dos acidentes de trabalho a idade do sinistrado - no caso, 50 anos ou mais - é factor relevante, que “acresce” à sua IPP para efeitos de atribuição de incapacidade, factor assente no facto de que a partir dessa idade as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural” [...].”
41. Mas ainda que assim não fosse e que a instrução 5-a) do Anexo I da TNI consagrasse uma presunção legal, quod non, o certo é que a recorrente, na situação concreta aqui em análise, não fez prova em contrário capaz de a ilidir, como exige o artigo 350.º n.º 2 do CC. A esse propósito: o presente recurso não tem por objecto a impugnação da matéria de facto sobre esse (ou outro) tema probatório; o documento junto com as alegações de recurso faz prova plena das declarações dele constantes mas está sujeito à livre apreciação do Tribunal no que respeita aos factos e juízos científicos objecto dessas declarações (cf. artigo 376.º n.º 1 e n.º 2, a contrario, do CC) o que, a par do raciocínio a seguir mencionado no parágrafo 42, o torna insuficiente para ilidir, mediante prova em contrário, a alegada presunção legal, caso existisse; não se verifica nenhuma violação das regras de direito probatório que justifique que o Tribunal da Relação proceda oficiosamente à alteração da matéria de facto (cf. artigo 662.º n.º 1 do CPC).
42. No que respeita ao invocado desacerto entre, por um lado, os dados da investigação cientifica sobre a actualidade bio evolutiva do ser humano e, por outro lado, a atribuição de um factor multiplicador em razão da idade, a partir dos 50 anos, o Tribunal sublinha o seguinte: numa ordem jurídica como a portuguesa, baseada na dignidade humana (cf. artigo 1.º da CRP) é o direito que confere à investigação cientifica as suas bases normativas, é o direito que lhe confere valor e protege a liberdade de investigação e não o inverso, como parece defender a recorrente (cf. nesse sentido, Alain Supiot, La Gouvernance par les nombres, Cours au Collège de France (212-2014), Fayard, páginas 277 e 278). É, aliás, no contexto da reabilitação do papel do Estado, conferindo-lhe a protecção da dignidade humana, que se inserem os progressos da justiça social cuja realização, no plano nacional, é uma das atribuições do Estado de Direito democrático, como prevê expressamente o artigo 2.º da CRP.
43. Adicionalmente, convém clarificar que uma coisa é a ponderação das circunstâncias em que a lei foi elaborada e das condições específicas do tempo em que é aplicada, enquanto critério de interpretação previsto no artigo 9.º n.º 1 do CC, levado em conta pela jurisprudência acima citada no parágrafo 40. Outra coisa, completamente diferente, é pretender que a ciência confere valor normativo à lei, porque o que sucede é precisamente o inverso. No quadro constitucional vigente, o disposto na instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, aprovada pelo DL 352/2007, nem é um instrumento de realização de um programa científico sobre a alegada actividade bio evolutiva do ser humano, nem retira o seu valor normativo dos conhecimentos científicos do momento. Pelo contrário, no quadro constitucional acima mencionado, é a lei que prevalece sobre os dados da investigação científica, conferindo-lhes valor e normatividade de acordo com opções legislativas que não têm por base a investigação científica, mas antes os valores constitucionais, nomeadamente a “visão humanista e integral do (homem) sinistrado”, mencionada pela doutrina citada infra no parágrafo 46, tal como resulta do artigo 1.º da CRP.
44. A recorrente defende ainda que, uma vez que os peritos, na sua avaliação, já levam em conta a idade do sinistrado, seja por força das instruções gerais n.ºs 1, 5 A-a) e 6-c) da TNI, seja quando fixam a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a aplicação automática do coeficiente de bonificação aqui em crise conduz a um enriquecimento ilegítimo do sinistrado que penaliza injustificadamente a seguradora.
45. Sobre esse problema, o Tribunal julga que não se verifica a alegada incompatibilidade na ponderação da idade do sinistrado à luz das instruções gerais 1, 5 A-a) e 6-c) do Anexo I da TNI. Com excepção da duplicação proibida pela instrução geral 5 – b) do Anexo I da TNI (situação que aqui não ocorre), a TNI não proíbe a ponderação cumulativa dos factores previstos nas instruções gerais acima enunciadas na medida em que se aplicam a situações distintas.
46. Com efeito, a aplicação de um factor multiplicador de 1.5 quando o sinistrado atinge 50 anos, ocorre numa situação distinta, quer da fixação do coeficiente de incapacidade permanente, quer da incapacidade para o trabalho habitual. Nesse contexto, o Tribunal leva em conta que a razão de ser da instrução geral 5 constante do Anexo I da TNI é aproximar a indemnização arbitrada do dano realmente sofrido, como se extrai da seguinte doutrina (cf. Albertina Aveiro Pereira, Acidentes de Trabalho, Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 70, página 129):
“De acordo com o referido texto legal, haverá lugar à aplicação do referido factor de bonificação, quando se verifique uma IPP e o sinistrado tiver 50 ou mais anos, ou sempre que se verifique uma IPP e o sinistrado não for reconvertível em relação ao seu posto de trabalho. A bonificação traduz-se, assim, num factor de correcção, atendendo a casos particularmente gravosos ou injustos para o sinistrado, que não seriam devidamente tutelados com a "pura e simples" atribuição dos coeficientes previstos na TNI. Essas situações prendem-se com a idade do sinistrado (50 anos ou mais) e com a sua reconvertibilidade no posto de trabalho, factores que não resultando da aplicação dos coeficientes em si, a lei não quis deixar de tomar em consideração, face à situação mais penosa desses sinistrados, inserindo, assim, o dito factor de ajustamento ou correcção. Aliás, a consagração desse factor, encontra-se em perfeita harmonia com o proclamado no preâmbulo do próprio diploma legal que aprovou a TNI, onde o legislador fazendo apelo a uma visão humanista e integral do (homem) sinistrado diz, expressamente, que a tabela aprovada deve contribuir para a humanização da avaliação da incapacidade, numa visão não exclusiva do segmento atingido, mas do indivíduo como um todo físico e psíquico, em que seja considerada não só a função mas também a capacidade de trabalho disponível "
47. Na verdade, contrariamente ao que parece defender a recorrente, a TNI não exclui a cumulação do factor de bonificação de 1.5 com a incapacidade para o trabalho habitual. Nesse sentido, a doutrina já acima citada (Albertina Aveiro Pereira, Acidentes de Trabalho, Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 70, página 129, nota 12)
A propósito desta problemática, tem-se discutido se é possível cumular o factor de 1,5 com a incapacidade para o trabalho habitual. Estando em causa situações distintas, que podem, noa entanto, verificar-se em simultâneo, sendo certo que em parte alguma da TNI se afasta essa hipótese, tem sido entendido por alguma jurisprudência que serão cumuláveis essas situações. Nesse sentido o supra citado Ac. da RL de 2-09-2003, proferido no processo n.º 4540.03”.
48. Acresce que, contrariamente ao que alega a recorrente, não existe nenhum enriquecimento injustificado ou ilegítimo do sinistrado em consequência da aplicação do factor de 1.5 aqui em crise, nem a previsão legal que consagra esse multiplicador tem por objectivo penalizar a recorrente, mas, antes, aproximar o montante da indemnização do dano realmente sofrido, conforme foi acima explicado nos parágrafos 32 e 46. Pelo que, não se verifica a alegada violação do disposto nos artigos 562.º, 563.º e 567.º do CC.
49. Convém não esquecer que no âmbito da responsabilidade objectiva por acidentes de trabalho, a indemnização prevista na lei fica aquém dos danos reais sofridos, contrariamente ao que é a regra em sede de responsabilidade civil. Esse problema, que conduz ao resultado inverso do que é alegado pela recorrente, foi assinalado pela doutrina como se segue (cf. Júlio Manuel Vieira Gomes, Algumas Reflexões Críticas sobre a Responsabilidade Civil por Acidentes de Trabalho, páginas 138 e 139):
“A diferença entre os danos reparáveis na responsabilidade por acidentes de trabalho e na responsabilidade civil “comum”, agudizou-se, aliás, recentemente, na medida em que o próprio direito civil se libertou da utilização das tabelas de incapacidade laboral para avaliar o dano resultante, por exemplo, de um acidente de viação [...].
Como Maria da Graça Trigo refere, “durante décadas as tabelas de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais serviram de recurso para a determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais futuros noutras situações de responsabilidade civil [...], mas pelo menos a partir do Decreto-Lei n.º 352/2007 os caminhos divergiram, em homenagem ao princípio vigente no direito civil da reparação integral do dano.
(...)
Com efeito, a indemnização em sede de responsabilidade objetiva por acidentes de trabalho não abrange, como vimos, a reparação por danos não patrimoniais, como não abrange sequer certos danos patrimoniais sofridos pelo trabalhador, mas que não resultam do dano evento “lesão corporal, perturbação funcional ou morte”, como, por exemplo, danos materiais sofridos pelo trabalhador em coisas que são propriedade sua — por exemplo, o seu carro ou o seu vestuário — não se tratando de próteses e outras ajudas técnicas. Claro está que na medida em que a indemnização ou reparação dos danos resultantes de acidente de viação extravasa do âmbito dos danos reparáveis em sede de acidentes de trabalho não há qualquer enriquecimento injustificado pelo trabalhador, nem qualquer pretensão válida do segurador de acidentes de trabalho.”
50. Pelo que, não existe excesso da indemnização em relação ao dano sofrido e, consequentemente, não se verifica a alegada violação do artigo 128.º da Lei 72/2008.
51. Pelas razões acima expostas nos parágrafos 17, 32 e 36 a 50, os argumentos da recorrente não justificam que, na interpretação e aplicação da instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, à situação concreta em análise, o Tribunal se afaste da jurisprudência do acórdão uniformizador n.º 16/2014, do Supremo Tribunal de Justiça.
52. Por fim, convém sublinhar que, o Tribunal a quo exerceu o poder de investigar, interpretar e aplicar a instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, conjugada com o artigo 70.º da Lei 98/2009, como prevê o artigo 5.º n.º 3 do CPC, à luz dos critérios de interpretação previstos nos artigos 9.º a 11.º do CC, o que constitui uma garantia da independência dos Tribunais prevista no artigo 203.º da CRP.
53.  Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente.
C. Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores
54. A recorrente defende que a interpretação da instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, pela qual optou o Tribunal a quo infringe o princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores consagrado no artigo 59.º n.º 1 da CRP. Assim, por ser inconstitucional, deve ser afastada a aplicação dessa regra da TNI à situação em análise. A argumentação da recorrente sobre tal questão já foi acima esquematizada no parágrafo 7, para o qual o Tribunal remete.
55. Segundo o Tribunal julga perceber, a recorrente, que na relação material controvertida objecto dos autos (acidente de trabalho) não é trabalhadora mas é antes a seguradora da entidade empregadora, invoca a violação de um direito do qual são titulares o trabalhador sinistrado na presente acção e outros trabalhadores em geral, que a recorrente não identifica concretamente, para, com base nessa argumentação, pedir ao Tribunal que opte por uma solução vantajosa para a própria recorrente e desvantajosa para o trabalhador, sinistrado na presente acção, que é um dos titulares do direito fundamental cuja protecção é pedida pela recorrente.
56. Uma tal argumentação coloca o problema da legitimidade da recorrente para invocar, nos presentes autos, a violação e consequente protecção, de um direito do qual não é titular. É que, o artigo 59.º n.º 1 da CRP reafirma, no que respeita aos trabalhadores, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP mas, não se tratando de interesses difusos (cf. artigo 31.º do CPC), a recorrente não é um dos sujeitos da relação material controvertida que invoca (cf. artigo 30.º n.º 3 do CPC), já que, no que respeita à alegada violação do princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores, a relação jurídica invocada como base dessa violação põe em confronto apenas o trabalhador sinistrado na presente acção e os demais trabalhadores, todos eles titulares do direito à igualdade de tratamento conferido pelo artigo 59.º n.º 1 da CRP. 
57. Ainda que, por hipótese académica, o Tribunal admita que a recorrente tem legitimidade para invocar a violação e pedir a protecção de um direito do qual não é titular, com o objectivo de obter um resultado que a um tempo é vantajoso para si e desvantajoso para o trabalhador, titular desse direito, afigura-se que não existe a alegada violação do princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores, consagrado no artigo 59.º n.º 1 da CRP, pelos motivos já acima explicados nos parágrafos  32, 45, 46, 47 e 49, para os quais o Tribunal remete para evitar repetições inúteis, uma vez que o raciocínio aí exposto abrange as hipóteses colocadas pela recorrente na sua argumentação acima citada no parágrafo 7, tendo o Tribunal explicado porque motivo, nessas hipóteses, não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores
58. Com efeito, a aplicação do factor multiplicador previsto na instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, à situação em análise, tem por objectivo precisamente concretizar o princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores que sofrem acidentes de trabalho, aproximando o valor indemnizatório do dano sofrido de acordo com a situação distinta de cada um e não o inverso (cf. jurisprudência acima citada no parágrafo 32).
59. Em consequência, ao aplicar o factor mencionado no parágrafo anterior o Tribunal a quo não infringiu o disposto no artigo 204.º da CRP.
60. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente, improcede totalmente o recurso e mantém-se o despacho recorrido.
Em síntese
61. Não se aplica, no âmbito da presente acção de revisão da incapacidade ou da pensão, o prazo de caducidade da acção previsto no artigo 179.º n.º 1 da Lei 98/2009. Pelo que, improcede a alegada excepção de caducidade.
62. Os argumentos da recorrente não justificam que, na interpretação e aplicação da instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, à situação concreta em análise, o Tribunal se afaste da jurisprudência do acórdão uniformizador n.º 16/2014, do Supremo Tribunal de Justiça.
63. A aplicação do factor multiplicador previsto na instrução geral 5-a) do Anexo I da TNI, à situação em análise, tem por objectivo concretizar o princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores que sofrem acidentes de trabalho, aproximando o valor indemnizatório do dano realmente sofrido de acordo com a situação distinta de cada um. Pelo que, dessa aplicação não resulta a alegada violação do princípio da igualdade dos trabalhadores consagrado no artigo 59.º n.º 1 da CRP.
64. Motivos pelos quais improcede o recurso e mantém-se o despacho recorrido.
Custas
65. As custas do recurso ficam a cargo da recorrente que nele decaiu totalmente – cf. artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC

Decisão
I. Julgo improcedente o recurso e, em conformidade mantenho o despacho recorrido.
II. Condeno a recorrente nas custas do recurso.

Lisboa, 13.8.2025
Paula Pott