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IMÓVEL ARRENDADO
ARRENDAMENTO HABITACIONAL
DESPEJO
DEFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Sumário
Sumário: (da responsabilidade do relator - cfr. artigo 663.º, nº 7, do Código de Processo Civil): - O diferimento da desocupação do imóvel arrendado para habitação pressupõe a verificação de, pelo menos, um dos fundamentos condicionantes taxativamente previstos nas alíneas a) e b) do número 2 do artigo 864.º do Código de Processo Civil; - Tais pressupostos condicionantes terão de se verificar na pessoa do arrendatário.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I - RELATÓRIO
1.1. AA intentou contra BB ação de despejo, que correu termos, sob o nº .../22 T8LSB, no Juízo Local Cível de Lisboa, pedindo, no essencial:
- Que sejam reconhecidos como eficazes os fundamentos invocados pelo autor para a resolução do contrato de arrendamento;
- Que seja dado como provado que o contrato de arrendamento cessou, por resolução do senhorio, no dia 15.12.2021;
- A condenação da ré na entrega do locado no prazo de um mês;
- A condenação da ré no pagamento do valor correspondente ao dobro da renda, 1.200,00€, a título de indemnização pela não entrega atempada do locado, por cada mês, desde citação até entrega efetiva do mesmo.
Alegou, em resumo, ter notificado a ré, através de Notificação Judicial Avulsa, com citação positiva no dia 15.12.2021, da sua intenção de resolução do contrato de arrendamento, com efeitos imediatos, com fundamento no não pagamento de rendas vencidas, e, bem assim, que o locado devia ser entregue livre de pessoas e bens no dia 30.11.2021, o que a ré não fez.
A ré contestou, defendendo - no que interessa ao presente processo - que, quanto às rendas alegadamente não pagas, pagou mais do que aquilo a que estava obrigada, maioritariamente em numerário, mas também por transferência bancária ou depósito, sendo comum adiantar o pagamento de vários meses de uma só vez.
(a factualidade anteriormente enunciada resulta da análise, com recurso ao sistema informático “citius viewer”, do processo nº .../22 T8LSB).
1.2. Na referida ação, por sentença proferida em 22.05.2024 foi homologado o seguinte acordo a que chegaram as partes (autor e ré, aqui, respetivamente, exequente e executada): 1º As partes acordam em resolver o presente contrato de arrendamento. 2º A Ré compromete-se a entregar ao autor o locado livre de pessoas e bens até ao dia 15 de Dezembro de 2024. 3º A Ré mais se compromete a transferir mensalmente para o IBAN o Autor até ao dia 10 de cada mês, a quantia de €500,00 (quinhentos euros), vencendo-se a primeira em Julho de 2024 e a última em Dezembro de 2024, sendo esta última correspondente a quinze dias e, por isso, na proporção de 50%, equivalente a €250,00 (duzentos e cinquenta euros). 4.º As partes acordam ainda que a falta de pagamento por parte da Ré de uma destas entregas mensais, confere ao Autor o direito de recorrer ao despejo imediato com efeitos a partir do mês seguinte àquele em que se verifique o incumprimento. 5.º As partes acordam em nada mais ter a haver uma da outra relativamente ao contrato de arrendamento da fracção em causa nos autos. 6.º Custas em partes iguais.
1.3. Em 24.07.2024, AA intentou a presente execução para entrega de coisa certa contra BB, apresentando como título executivo a sentença homologatória do acordo reproduzido em I.1.2.
1.4. A executada, citada, deduziu incidente de diferimento da desocupação do imóvel, alegando, para o efeito, em resumo, que:
- Vive no imóvel com os seus filhos, um deles menor de idade, que se encontram doentes (um tem tumores na cabeça e outro tem uma infeção no coração com risco de paragem cardíaca, encontrando-se a ser seguido no Hospital Santa Marta);
- Aguarda resposta sobre o pedido formalizado junto da Câmara para atribuição de uma casa;
- Não tem para onde ir e não tem qualquer alternativa habitacional;
- Não estão reunidas as condições mínimas de dignidade para a executada e para os seus filhos, que não podem ser compelidos a ir viver para a rua.
1.5. O exequente, notificado, pugnou pelo indeferimento da pretensão da executada.
1.6. Em 25.03.2025, foi proferida a seguinte decisão: O requerimento de desocupação do locado é tempestivo, pois foi cumulado com os embargos de executado que foram indeferidos liminarmente, tendo entrado em juízo no dia 19/01/2025, tendo sido o Tribunal, depois de indeferir liminarmente os embargos, quem determinou que se juntasse cópia do requerimento aos autos de execução, pois o incidente de diferimento da desocupação do imóvel é um incidente a ser tramitado nos próprios autos de execução. * Conforme decorre expressamente do disposto no artº 864 do C.P.C., movida execução para entrega de imóvel arrendado para habitação, possibilita-se ao inquilino/executado, que venha a juízo requerer o diferimento da desocupação do local arrendado para fim habitacional, devendo formular o seu requerimento no mesmo prazo de oposição à execução, nele invocando as razões pelas quais deva ser concedido este diferimento, que nos termos previstos no artigo 865 nº 4 do C.P.C., não deve exceder um prazo superior a 5 meses, a contar da data do trânsito em julgado da decisão. Sendo oportunamente apresentado e não existindo razões para o seu indeferimento liminar, produzidas as provas indicadas e julgadas necessárias, uma vez que a lei (nos termos do artº 130 do C.P.C.), proíbe a prática de actos inúteis, deve o juiz decidir de acordo com o seu prudente arbítrio, tendo sempre em conta as exigências de boa fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que com ele habitam e respectiva idade, o seu estado de saúde, bem como as condições económicas e sociais das pessoas envolvidas. No entanto, “a invocação das referidas “razões sociais imperiosas” não vale, só por si, para obter a tutela legal, que pressupõe a verificação de pelo menos um dos fundamentos condicionantes taxativamente previstos nas als. a) e b) do preceito.Com efeito, o juiz só será chamado a apreciar as primeiras, no uso do poder discricionário que a lei lhe concede (cf. n.º 4, in fine do artigo 152.º do CPCivil), se verificada uma de duas situações atinentes à pessoa do arrendatário (…) a saber: a) carência de meios, a qual se presume relativamente a beneficiário do subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção; b) ser portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% (cf. n.º 2 do art.º 864.º).” ( Ac. do TRP de 11/09/17, relator Manuel Domingos Fernandes, proferido no proc. nº 3481/10.0TBVNG-A.P1, disponível in www.dgsi.pt. ). Exige-se assim, para que se possa recorrer a esta faculdade que se trate de imóvel arrendado para habitação, conforme decorre expressamente do disposto no nº1 do artº 864 do C.P.C., uma vez que, a propósito de imóveis que não tenham sido objecto de arrendamento para habitação, rege o disposto nos artºs 861 a 863 do C.P.C., os quais regulam o incidente de suspensão de entrega do imóvel (com requisitos diversos e diversa tramitação, da competência do agente de execução, objecto apenas de confirmação pelo juiz da causa). Assim sendo, estando este direito reservado ao arrendatário habitacional, pretendendo este obter o diferimento da entrega do locado, deverá invocar a verificação de uma das seguintes circunstâncias:
• no caso de resolução do contrato por não pagamento de rendas, que este se deve a carência de meios para tanto, presumindo-se que esta carência existe quando o referido arrendatário beneficie de subsídio de desemprego, de valor igual à retribuição mínima mensal garantida ou de rendimento social de reinserção;
• ser portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%. No caso de este incidente ser deferido, com fundamento na alínea a) do nº2 do artº 864 do C.P.C., cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando sub-rogado nos direitos do senhorio. Deste preceito decorre, que é condição necessária ao diferimento da desocupação nos termos previstos no nº2 a) do artº 864 do C.P.C., que em causa esteja a entrega de imóvel arrendado para habitação, objecto de resolução por falta de pagamento de rendas, bem como a carência de meios económicos do obrigado a proceder ao seu pagamento, causal dessa falta de pagamento. Ora, no seu requerimento para diferimento da desocupação deste imóvel, nada alegou a executada no sentido de que a falta de pagamento das rendas do locado decorreu de carência de meios. Na verdade, esta carência de meio presume-se relativamente às pessoas que auferem rendimento social de inserção (o que é o caso da executada, ou pelo menos nada foi alegado nesse sentido). Por outro lado, para além de nada ter alegado no sentido de que o não pagamento das rendas se ficou a dever a carência de meios, também nenhuma prova arrolou – designadamente testemunhal ou documental – tendente a demonstrar tal carência de meios económicos. No entanto, esse rendimento de inserção social apenas lhe foi concedido já após a prolação da sentença que se executa. Por outro lado, o executado nada alega (logo nunca provaria), de que não dispõe imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que com ele habitam, a situação social e económica destas, tudo conforme o disposto no art. 864º, nº 2, do Cód. Proc. Civil . Assim, não é possível concluir que a falta de pagamento das rendas, à exequente, se tenha devido a carência de meios. Por outro lado, tendo em conta a decisão que se executa, verifica-se que o processo declarativo, por falta de pagamento de rendas, teve inicio em 2022, pelo que deveria a ora executada, com diligência, ter providenciado por solução alternativa de habitação, não se impondo que o exequente permaneça a suportar um prejuízo que, conforme resulta do título executivo, se vem verificando desde que cessou o pagamento das rendas devidas. Pelo exposto, não se verifica assim o pressuposto essencial para recurso ao diferimento da desocupação, que assim é denegado. Notifique.
1.7. A executada, inconformada com o decidido, apelou, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões: I - O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da Decisão proferida em 25 03 25 nos presentes autos, e deverá ser admitido nos autos por despacho e os autos de Recurso encaminhados ao competente Tribunal da Relação de Lisboa. II - AA, exequente e ora recorrido, instaurou Requerimento Executivo em face da recorrente, executada, para que fosse deferido o despejo imediato desta e a entrega do imóvel livre de pessoas, com base em acordo homologado por sentença já transitada em julgado nos autos do Processo de Despejo nº 5650 22 1T8LSB, que correu termos no Juízo Local Cível - Juiz 23, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por entender que lhe foi conferido tal direito em caso de incumprimento do pagamento da renda estipulada por parte da executada. III - A executada apresentou Oposição à Execução da Sentença de Despejo com Pedido De Diferimento do Prazo para Desocupação por Razões Sociais Imperiosas e Humanitárias, com fulcro no Artº 15º-F do NRAU e Artº 864º do Código de Processo Civil, tendo sido indeferido liminarmente pelo Tribunal a quo, e o incidente de diferimento da desocupação do imóvel tramitado nos autos da execução. IV - O Tribunal recorrido proferiu decisão no dia 25/03/2025, que denegou o diferimento da desocupação do imóvel, por entender que não se verificam os seus pressupostos constantes do Artº 864º do Código de Processo Civil. V - A decisão recorrida aponta que a executada não alega expressamente que a renda não foi paga por carência de meios económicos, ou que não dispõe imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que com ela habitam, a situação social e económica destas. VI - A recorrente discorda e entende que preenche as motivações para o diferimento da desocupação do imóvel, na medida em que em seu requerimento elucida claramente que reside com dois filhos, um com 15 e outro com 24 anos de idade, ambos portadores de doenças crónicas e dependentes de si, suas condições de saúde, habitacional e social. VII - A recorrente explicou que o filho mais novo possui tumores na cabeça e é seguido pelo Hospital da Donna Estefânia; e outro tem uma infeção no coração com grandes riscos de paragem cardíaca, a ser seguido pelo o Hospital Santa Marta. VIII - Mais explicou a recorrente que realizou o pedido de atribuição de habitação junto da Câmara, estando o mesmo sinalizado com prioridade pela Assistente Social responsável pelo processo, com ciência da iminência de despejo e das frágeis condições de saúde dos filhos. IX - A recorrente não possui familiares nem outras pessoas a quem pudesse recorrer, não conseguindo qualquer alternativa habitacional para sair imediatamente do imóvel com os seus filhos, tampouco dispõe de meios económicos suficientes para pagar uma renda. X - Nessas circunstâncias, inexistem condições mínimas de dignidade para a recorrente e os seus filhos, que não podem ser compelidos a ir viver para a rua, por razões sociais imperiosas e humanitárias. XI - Portanto, a recorrente, respeitosamente, requer a este Tribunal da Relação a revogação da decisão recorrida, que denegou o diferimento da desocupação do imóvel, a m de que se impeça o despejo imediato, concedendo-lhe o direito de permanecer no imóvel, até que se obtenha uma alternativa habitacional para si e seus filhos com a atribuição da casa camarária.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal cuja apreciação ainda não se mostre precludida, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
No caso, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, a questão a decidir é a seguinte:
1. Saber se há fundamento para o pretendido diferimento da desocupação do imóvel.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO.
A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos que relevam para a decisão do recurso são os que constam do relatório que antecede em I, 1.1. a 1.6.
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A lei, no n.º 1 do art.º 864.º do Código de Processo Civil, prevê, para o caso de execução para entrega de coisa imóvel arrendada para habitação, que, por razões sociais imperiosas, o juiz difira para momento posterior - sendo que o diferimento, nos termos do n.º 4 do art.º 865.º do mesmo diploma não pode exceder o prazo de 5 meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão que o conceder - a desocupação do imóvel.
A lei confia a decisão do incidente ao prudente arbítrio do tribunal, apelando assim à sensatez e racionalidade do juiz, mas não deixa de apontar critérios decisórios, prescrevendo que devem ser tomadas em consideração “as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que com ele habitam, a sua idade, estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas” - cfr. nº 2 da citada disposição legal.
Porém, a invocação das referidas “razões sociais imperiosas” não vale, só por si, para obter a tutela legal, que pressupõe a verificação de, pelo menos, um dos fundamentos condicionantes taxativamente previstos nas als. a) e b) do nº 2 do referido preceito, a saber:
a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção; b) Que o arrendatário seja portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
Ou seja, o juiz só será chamado a apreciar das “razões sociais imperiosas” a que alude o corpo do nº 2 do artigo 864.º, no uso do poder discricionário que a lei lhe concede (cfr. artigo 152º, n.º 4, parte final, do Código de Processo Civil), se se verificar uma das duas situações previstas nas alíneas a) e b) do referido nº 2 do citado preceito.
Pode, pois, afirmar-se que, apesar do diferimento da desocupação não ser uma decorrência automática da verificação de um dos fundamentos das alíneas a) e b) do n.º 2 do mencionado artigo 864.º, uma vez que, verificados algum desses fundamentos, haverá, de seguida, de ponderar as circunstâncias a que alude o corpo desse número 2 (que funcionam como critérios que o Juiz deve utilizar na busca de uma solução de harmonização entre o direito fundamental à habitação e o direito fundamental à propriedade privada, procurando, assim, alcançar a concordância prática entre os direitos fundamentais em conflito), tais fundamentos constituem um pressuposto necessário.
É nesse sentido que aponta a doutrina (cfr. José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 3º, 3ª Edição, pág. 894; António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II - Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, 2020 -, pág. 298; Luís Menezes Leitão, in “Arrendamento Urbano”, 9ª Edição, págs. 213 e 222) e, também, a jurisprudência, aparentemente maioritária (cfr., entre outros, os acórdão da Relação de Lisboa de 10.10.2019 - relatora Cristina Neves -, de 04.07.2023 - relatora Micaela Sousa -, e de 09.04.2024 - relatora Manuela Espanadeira Lopes -; os acórdãos da Relação do Porto de 27.10.2022 - relator Filipe Caroço -, de 23.03.2023 - relator Aristides Rodrigues de Almeida -, de 07.11.2024 - relatora Isabel Peixoto Pereira -; os acórdãos da Relação de Coimbra de 17.01.2017 - relatora Maria Domingas Simões - de 08.10.2024 e de 11.03.2025 - relator, em ambos os acórdãos, José Avelino Gonçalves; o acórdão da Relação de Guimarães de 01.03.2028 - relatora Eugénia Cunha -, disponíveis em www.dgsi.pt).
Acresce que tais pressupostos condicionantes (os consagrados nas duas aludidas alíneas) terão de se verificar na pessoa do arrendatário.
São, pois, para o apontado efeito (preenchimento dos dois referidos pressupostos), irrelevantes a situação económica e social ou condições de saúde daqueles que residam com o arrendatário.
Essas razões (as relacionadas com as pessoas que residam no locado com o arrendatário) só poderão/deverão ser ponderadas, em conformidade com o corpo do nº 2 do artigo 864º do Código de Processo Civil, se forem alegados e demonstrados factos que permitam - num momento prévio - subsumir a situação a alguma das duas ditas alíneas.
Firmados os antecedentes princípios, analisemos, então, o caso concreto.
O pedido de diferimento da desocupação mostra-se sustentado na seguinte factualidade:
- A recorrente vive no imóvel com os seus filhos, um deles menor de idade, que se encontram doentes (um tem tumores na cabeça e outro tem uma infeção no coração com risco de paragem cardíaca, encontrando-se a ser seguido no Hospital Santa Marta);
- A recorrente aguarda resposta sobre o pedido formalizado junto da Câmara para atribuição de uma casa;
- A recorrente não tem para onde ir e não tem qualquer alternativa habitacional;
- Não estão reunidas as condições mínimas de dignidade para a recorrente e para os seus filhos, que não podem ser compelidos a ir viver para a rua.
Afigura-se-nos que a acima descrita factualidade não é subsumível a nenhuma das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 864.º do Código de Processo Civil. Vejamos.
Afastada a hipótese prevista na alínea b), que manifestamente não interessa ao caso, a respeito da hipótese contemplada na alínea a), que rege para os casos em que ocorreu resolução do contrato de arrendamento por não pagamento de rendas, há a dizer o seguinte:
No contexto do diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação prevista no artigo 864º do Código de Processo Civil, tal norma tem sido entendida, por uns, como excecional, não comportando, por isso, aplicação analógica, embora consinta interpretação extensiva, de acordo com o artigo 11º do Código Civil (cfr., neste sentido, os acórdãos da Relação do Porto de 13.05.2014 - relator Rui Moreira - e de 07.11.2024 - relatora Isabel Peixoto Pereira - e da Relação de Lisboa de 12.07.2018 - relatora Conceição Saavedra -, disponíveis em www.dgsi.pt) e, por outros, como norma especial [cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 11.12.2019 - relatora Laurinda Gemas -, disponível em www.dgsi.pt, onde se lê que «o art.º 864.º não é uma norma excecional, trata-se sim de norma especial, aplicável na execução para entrega de imóvel arrendado para habitação (a ser norma excecional, admitiria interpretação extensiva - cf. 11.º do CC). Neste sentido, veja-se Marco Gonçalves, in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2.ª edição, Almedina, pág. 509: “(…) por razões de natureza social, o Código de Processo Civil prevê regras especiais para as execuções que tenham por objeto a entrega de coisa imóvel arrendada ou que constitua a casa de habitação principal do executado”»].
Ora, o contrato de arrendamento celebrado entre o recorrido e a recorrente foi resolvido por acordo das partes (acima transcrito em I,1.2.), acordo esse obtido em ação de declarativa no âmbito da qual foi pedido o reconhecimento da resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no não pagamento de rendas, comunicada, por notificação judicial avulsa, pelo autor/exequente/recorrido à ré/executada/recorrente.
A cessação do contrato por via da revogação encontra acolhimento no artigo 1082.º do Código Civil. Este normativo consagra a revogação do contrato mediante acordo a tanto dirigido, que deve ser celebrado por escrito quando não seja imediatamente executado ou quando contenha cláusulas compensatórias ou outras cláusulas acessórias.
No caso em apreço, resulta evidente que a referida transação, pelos seus termos, tem de ser interpretada e entendida no sentido de que, com ele, as partes quiseram de mútuo acordo, pôr termo, para o futuro e em data certa, ao contrato de arrendamento, abstraindo das razões invocadas para o despejo, mormente, se esse tiver sido o caso, a falta de pagamento das rendas.
Pois bem, ainda que se entenda, seja por força da interpretação extensiva ou por aplicação analógica (para o caso, parece-nos indiferente), que numa situação, como a presente, em que, não estando em causa a cessação do arrendamento por resolução com fundamento na falta de pagamento das rendas, o contrato de arrendamento cessou por acordo homologado por sentença, que se executa, alcançado numa ação que teve como causa de pedir a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas, é possível ou admissível diferir a desocupação ao abrigo da alínea a) do nº 2 do artigo 864.º, necessário seria que a aqui recorrente tivesse alegado que a falta de pagamento de rendas (ou, melhor dizendo, dos valores mensais fixados na cláusula 3ª do acordo transcrito em I, 1.1, sublinhando-se, aqui, que, na ação declarativa, no âmbito da qual foi alcançado o aludido acordo, a ré, agora recorrente, defendeu, na contestação, ter procedido ao pagamento das rendas cujo alegado não pagamento sustentou a declaração de resolução) se deveu à sua carência de meios.
Porém, como se viu, a recorrente nada alegou no sentido de que o não pagamento dos aludidos valores mensais se tenha ficado a dever à sua carência de meios.
E, omitida essa alegação, não há que trazer à colação a presunção de carência de meios prevista na 2ª parte da alínea b) do artigo 864.º do Código de Processo Civil relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima garantida, ou de rendimento social de inserção.
Em conclusão, inexiste fundamento legal para o peticionado diferimento da desocupação.
Improcedendo a questão suscitada na apelação da recorrente, impõe-se confirmar a decisão recorrida.
A recorrente, porque vencida na relação jurídico-processual recursiva, suportará o encargo do pagamento das custas do recurso - cfr. artigos 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
*
IV - DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 10 de julho de 2025,
Vítor Ribeiro
Rui Oliveira
Carla Figueiredo