SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE PARTILHA
TÍTULO EXECUTIVO
DEPÓSITO BANCÁRIO
Sumário

A sentença homologatória de partilha constitui título executivo com vista ao pagamento de quantia certa ou entrega de coisa certa adjudicada a um herdeiro, desde que nele se possa identificar o detentor ou possuidor, bem como a obrigação exequenda.
O dinheiro depositado em conta bancária fica pertencente ao património do estabelecimento bancário e não ao património do depositante, ficando este a deter um direito de crédito sobre aquele. Por via da partilha cada um dos herdeiros passou a ter um direito de crédito sobre a CGD, na proporção da adjudicação efetuada.
Em face do título executivo não está certificado que a executada seja a devedora da obrigação exequenda, carecendo assim de legitimidade para proceder à sua satisfação, sendo inexequível quanto a si, o que determina a extinção da execução e consequente levantamento das penhoras.
(sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do CPC)

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

JJ veio deduzir oposição à execução para pagamento de quantia certa instaurada por HH, bem como oposição à penhora.
Alegou, em síntese, a inexequibilidade do título executivo, a inexigibilidade da obrigação exequenda, a verificação de facto extintivo.
Concluiu pela extinção da execução com o levantamento das penhoras.
A exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos.
Com dispensa de realização da audiência prévia, foi proferido saneador sentença que julgou procedentes os embargos, com fundamento na ilegitimidade da executada e consequentemente julgou extinta a execução.
A embargada/exequente recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“1º- Neste presente recurso, solicita-se a apreciação superior do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa sobre o direito da Apelante de ver apreciada em juízo executivo a sua pretensão deduzida em referência à Apelada.
2º- A Apelante intentou contra a Apelada, a ação judicial executiva pedindo a condenação daquela na devolução do valor que se encontrava à sua guarda até perfazer o montante fixado a seu favor em sentença homologatória de partilhas constante do processo de inventário que correu termos sob o n.º 000/05.0TBOER no Juiz 1 do Juízo Local Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa ….
3º- A Apelada era a Cabeça - de - Casal e detentora dos bens a partilhar, designadamente dos Direitos de crédito - adjudicados (Verbas 2, 3, 3A e 4 da relação de bens a partilhar), correspondentes a depósitos bancários num total de € 189.807,61 (cento e oitenta e nove mil oitocentos e sete euros e sessenta e um cêntimos).
4º- A Apelada teria de entregar a cada um dos demais herdeiros a quantia de € 47.451,90 (quarenta e sete mil quatrocentos e cinquenta e um euros e noventa cêntimos).
5º- A Apelada apenas transferiu para a Apelante o montante de € 41.750,00 (quarenta e um mil setecentos e cinquenta), a 19 de agosto de 2020, justificando-se com a necessidade de cálculo com despesas ainda a efetuar com bens provindos da herança.
6º- Ora, decorridos quase cinco anos sobre a promessa da Apelada, até ao momento nunca foram apresentadas quaisquer contas justificativas para o atraso verificado.
7º- Em dívida, junto da Apelante ficou o valor de € 5.701,90 (cinco mil setecentos e um euros e noventa cêntimos), acrescido de juros legais e demais custas e encargos, que a Apelada parece entender fazer seu, sem qualquer justificação para o efeito.
8º- A Apelante exerceu o seu direito de acesso aos tribunais para uma melhor estruturação e fundamentação da defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e obtenção de uma sua tutela jurisdicional, plena e efetiva, em observância de um direito e garantia fundamental que se encontra consagrada no art.º 20.º da CRP.
9º- Mas, no entendimento da douta decisão ora em recurso, a Apelante na sequência da sentença homologatória da partilha, adquiriu a titularidade do direito de crédito (na sua proporção) que anteriormente pertencia ao inventariado não o adquiriu em relação à Apelada, mas em relação à Caixa Geral de Depósitos, local do depósito dos valores.
10º- Então como é que se justifica que a devedora em causa tenha pago aos seus irmãos os valores que tinha à sua guarda?
11º- Sem qualquer justificação, em referência à Apelante reserva a Apelada uma quantia para continuar do seu lado e não a entrega, conforme é a sua obrigação.
12º- Quando a Apelada faz o primeiro pagamento já tinha cessado o cabecelato, qual a razão para não completar a sua obrigação de restituição dos bens que estava a administrar?
13º- Preceitua o art.° 2079.° do CC que a Administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal.
14º- Nos termos do n.° 1 do art.° 2087° do CC, o cabeça de casal administra os bens próprios do falecido.
15º- Nesse sentido, a Apelada, enquanto cabeça de casal, exerceu a administração dos bens do inventariado seu pai.
16º- Ora, se o cabeça de casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiros a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles as ações possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído, conforme preceitua o n.° 1 do art.° 2088.° do CC.
17º- O inverso dos supra citados poderes também se verifica no momento da cessação do cabecelato, não havendo qualquer explicação ou sequer a necessária apresentação de contas que justificasse tal retenção pela Apelada.
18º- A Apelada cessou as suas funções de cabeça-de-casal, cumpriu parcialmente a decisão judicial homologatória de partilhas e recusa-se a entregar à Apelante o remanescente dos valores à sua guarda porque entendeu retê-los.
19º- De forma inexplicável no entendimento decisório em recurso a culpa é da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, cfr. art.ºs 1205.º e 1206.º do CC e a Apelada, supostamente, parte ilegítima, cfr. art.º 53.º n.º 1 do CPC…
20º- Se o cabeça-de-casal ou o detentor se recusam a fazer a aludida entrega de bens uma vez findo o cabecelato, podem os prejudicados forcá-los a cumprir as suas obrigações, a realizar o direito que a sentença de partilhas definiu através da execução da dita decisão, cfr. art.ºs 10.º n.º 5 e 703.º n.º 1 alínea a) ambos do CPC.
21º- O que se fez…
22º- A Apelante sustenta, igualmente, a sua posição na doutrina dominante, cfr. João António Lopes Cardoso na sua obra Partilhas Judiciais (Teoria e Prática), 4ª ed., Livraria Almedina, Coimbra - 1990, Vol. II, pág. 534
23º- Tem, assim, a Apelante direito a aceder aos valores indevidamente retidos pela Apelada.
24º - Com relevância para a decisão a formular, a Mm.ª Juiz a quo violou pela sua indevida apreciação e aplicação o teor dos art.ºs 1205.º; 1206.º; 2079.º; 2087.º n.º 1 e 2088.º n.º 1 todos do CC, 10.º n.º 5, 53.º n.º 1 e 703.º n.º 1 alínea d) todos do CPC e 20.º da CRP .
Deve, pois, a douta sentença ser revogada e substituída por douto acórdão que consagre a posição articulada da Apelante com as legais consequências.”
A embargante apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
“I. Deu entrada em juízo uma ação de inventário relativa à herança aberta por óbito de VV, a 02.06.2005. A ação correu termos sob o número de processo 000/05.0T8BOER, foi apresentada pela ora Apelante e a ora Apelada foi chamada a juízo enquanto cabeça-de-casal da Herança. Ambas eram herdeiras da Herança.
II. Decorridos quase 14 anos desde o início do processo, foi apresentado, a 06.05.2019, Mapa de Partilha do qual constavam direitos de crédito a partilhar entre os quatro herdeiros no valor de €189.807,61, o qual resultava da soma das seguintes verbas da Relação de Bens:
i. Verba n.º 2 – Conta CGD n.º 00100, com saldo à ordem de €5.099,62 (conta onerada com garantia bancária);
ii. Verba n.º 3 – Conta CGD n.º 0020, com saldo à ordem de €5.141,79;
iii. Verba n.º 3 A – Conta CGD n.º 0020, com saldo a prazo de €169.000,00;
iv. Verba n.º 4 – Aplicações financeiras 0011 – Ações The Navigator Company, com valor, a 15.03.2018, de €10.566,20.
III. Resultou do Mapa de Partilha a adjudicação da titularidade ativa de ¼ dos direitos de crédito identificados, a cada um dos quatro herdeiros.
IV. Nessa sequência, o Tribunal proferiu Sentença Homologatória do Mapa de Partilha a 03.10.2019.
V. Decorridos mais de quatro anos sobre a Sentença Homologatória, a Apelante apresentou uma ação para execução de sentença nos próprios autos, a 09.11.2023, a que a Apelada respondeu deduzindo embargos de executada, a 20.02.2024.
VI. Na ação para execução de sentença, a Apelante alegou que havia dinheiro que lhe era devido na sequência da partilha e que não lhe tinha sido entregue, que “(…) nunca foram apresentadas quaisquer contas justificativas para o atraso verificado (…)”, pedindo, a final, “(…) haver da Executada [ora Apelada] a dita quantia de €10.715,19, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, custas e procuradoria da presente execução”. Todas as alegações são falsas.
VII. Respondeu a ora Apelada, em sede de embargos de executada, defendendo a inexequibilidade do título executivo, a inexigibilidade da obrigação exequenda, a verificação de factos extintivos da obrigação, a inexistência de juros de mora, requerendo, a final, a procedência da oposição à penhora mediante embargos de executada e o consequente levantamento das penhoras efetuadas.
VIII. O processo de embargos correu os seus termos e foi proferida sentença final, a 26.11.2024, em sede da qual se decidiu, entre o mais, que “(…) com a partilha judicial mediante a adjudicação dos bens aos herdeiros, e, subsequentemente, com a sentença homologatória da partilha, a embargante adquiriu a titularidade do direito de crédito (na sua proporção) que anteriormente pertencia ao inventariado. Porém, diversamente do que defende, não adquiriu em relação à embargante, mas em relação à Caixa Geral de depósitos, que é quem, nos termos do contrato de depósito celebrado com o inventariado, ficou obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. A embargante não tem a posse (como não poderia, atenta a natureza do “bem” adjudicado à embargada) nem a qualidade de depositária, de molde a ter na sua disponibilidade a possibilidade de satisfação da pretensão da embargada. Resulta de quanto se vem dizendo que inexiste título executivo em relação à embargante, sendo a mesma parte ilegítima na ação executiva (artigo 53.º, n.º 1 do Código do Processo Civil). Como tal, os presentes embargos de executado são totalmente procedentes e, em consequência, a oposição à penhora.
IX. O Tribunal a quo clarificou, em sentença que não merece qualquer censura, que estavam em causa contratos de depósito bancário, que as prestações características destes contratos são a entrega de dinheiro ou outra coisa fungível pelo depositante e que o depositário fica obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. O depositante adquire um direito de crédito relativamente ao depositário, aqui, a Caixa Geral de Depósitos.
X. Decidiu, o Tribunal a quo julgar procedentes os embargos deduzidos pela Apelada, determinando a sua ilegitimidade para a execução da sentença e o levantamento de todas as penhoras.
XI. O exposto pela Apelada em sede de primeira instância mantem-se válido em sede de recurso, designadamente, o facto de inexistir um título exequível relativamente à Apelada. Subsidiariamente, se assim não se entender, a obrigação sempre é inexigível à cabeça-de-casal, sempre se verificam factos extintivos da obrigação e, consequentemente, inexistem juros de mora.
XII. A Sentença Homologatória confere à Apelante um direito de crédito, numa relação jurídica em que esta é titular ativa e em que é titular passiva a instituição bancária Caixa Geral de Depósitos.
XIII. A Apelada não é parte nesta relação jurídica e não é o facto de a Apelante alegar, falaciosa e convenientemente, disposições doutrinárias sobre a execução contra o detentor dos bens da herança que altera tal realidade.
XIV. Conforme defendido pelo Tribunal a quo, os direitos adquiridos pela Apelante em sede de partilha correspondem a contratos de depósito bancário, modalidade de depósito irregular, que tem por objeto coisas fungíveis, e cujo regime aplicável é, com as necessárias adaptações, o do mútuo (cfr. Artigos 1205.º, 1206.º e 207.º do Código Civil).
XV. Com a partilha, os contratos de depósito bancário foram transferidos da esfera jurídica do inventariado para a esfera jurídica da Apelante e dos demais herdeiros, nas respetivas proporções.
XVI. Assim, a Caixa Geral de Depósitos, que já estava obrigada a restituir ao inventariado bens do mesmo género e qualidade dos depositados, atendendo à natureza dos contratos, ficou, fruto da partilha, obrigada a restituir esses tais bens do mesmo género e qualidade aos herdeiros, universo em que se inclui a Apelante.
XVII. Desta forma, contrariamente ao que parece ser entendimento da Apelante, a Sentença Homologatória não lhe confere o direito a exigir da Apelada a entrega do dinheiro, enquanto coisa certa e determinada, desde logo, porque a Apelada não é parte na relação jurídica creditícia, de que a Apelante é parte ativa.
XVIII. A Apelada não é possuidora, ou mesmo detentora, dos depósitos reclamados pela Apelante.
XIX. Diferentemente, o que a Sentença Homologatória confere à Apelante é o direito a exigir da instituição bancária Caixa Geral de Depósitos uma quantia equivalente (“em género e qualidade”) ao valor do crédito que detém, in casu, que lhe foi adjudicado em sede de partilhas.
XX. Assim, o pedido feito pela ora Apelante em sede de processo de execução de sentença, e que é agora reforçado em sede de recurso, não é suportado por título executivo em relação à embargante, ora Apelada, a qual é, por tudo o que se expõe, parte ilegítima na ação executiva, nos termos e para os efeitos do artigo 53.º, n.º 1, do Código do Processo Civil.
XXI. A Sentença Homologatória que serviu de base ao processo de execução de sentença apresentado pela (nesse processo) Exequente não constitui título executivo em relação à Apelada, porquanto não é esta quem detém os créditos invocados pela Apelante, mas antes a instituição bancária Caixa Geral de Depósitos.
XXII. A Apelante, tal como a Apelada, é titular de um direito de crédito em que o titular passivo é a instituição bancária, a Caixa Geral de Depósitos, pelo que o alegado título executivo padece de uma inexequibilidade intrínseca perante a Apelada, que não pode dar cumprimento ao pedido da Apelante por impossibilidade objetiva.
XXIII. O título executivo é, assim, inexequível relativamente à ora Apelada, o que levou a que os embargos de executada procedessem em primeira instância e deverá levar, também, à improcedência do presente recurso.
XXIV. Se assim não se entender, não pode ser ignorado que a obrigação exequenda é inexigível à cabeça-de-casal.
XXV. Desde logo, porque o exercício do cargo de cabeça-de-casal cessou há muito, com o trânsito em julgado da Sentença Homologatória, nos termos conjugados dos artigos 1122.º do CPC, 2102.º, n.º 2, al. a), do CC e 2079.º do mesmo código.
XXVI. O exercício do cargo de cabeça-de-casal cessa com o trânsito em julgado da sentença homologatória de partilha, pelo que a Apelada não tem qualquer obrigação de proceder à distribuição dos direitos de crédito adjudicados aos vários herdeiros depois de cessarem as suas funções.
XXVII. Não constitui função do cabeça-de-casal proceder à entrega dos bens adjudicados a cada herdeiro na partilha, exceto se os bens estiverem na sua posse.
XXVIII. Os direitos de crédito resultantes de contratos de depósito bancário não são suscetíveis de posse.
XXIX. Ainda assim, mesmo que a Apelada pretendesse realizar a referida distribuição estava impossibilitada de o fazer, o que resulta, também, do n.º 1 do artigo 2091.º do Código Civil.
XXX. As contas bancárias referentes às verbas n.ºs 2 e 4, estão em nome do autor da Herança e a movimentação destas contas apenas pode ser realizada por todos os herdeiros, individualmente ou em conjunto, com base na Sentença de Homologação.
XXXI. Por tudo isto, a obrigação exequenda é inexigível face à Apelada.
XXXII. A cabeça-de-casal sempre cumpriu com todos os deveres a que estava adstrita resultado das suas funções, pelo que não tem nada mais a entregar à Apelante, nem a qualquer outro herdeiro.
XXXIII. Mesmo depois de cessarem as suas funções, sempre foi cooperante e facilitadora das soluções dos problemas que os herdeiros tinham em mãos – não por obrigação, por livre disposição.
XXXIV. Se a Apelante não concordasse com as iniciativas da Apelada - levadas a cabo por mera boa vontade e não por obrigação legal -, o que não se acredita, sempre seria de esperar tivesse reclamado o (alegado e sempre falso) incumprimento da Sentença Homologatória logo – ou em juízo, ou pelo menos à Apelada – o que nunca fez.
XXXV. Não é razoável que a Apelada o tenha decidido fazer decorridos mais de quatro anos, sem mais, o que acaba por ser, também, demonstrativo da desonestidade do que peticiona.
XXXVI. A Apelante conhece os acordos feitos entre as partes, conhece as partilhas que foram feitas, conhece que a cabeça-de-casal cumpriu com as suas obrigações e que cessou as suas funções enquanto tal, pelo que o pagamento à Apelante, pela Apelada, das quantias pecuniárias que peticiona, sem fundamento legítimo, não são de tolerar.
XXXVII. Inexiste, assim, qualquer incumprimento por parte da Apelada, o que, natural e consequentemente, determina a improcedência do presente recurso.
XXXVIII. Se se entender, ainda assim, que o exposto não é suficiente para determinar a improcedência do recurso, o que não se concede, cumpre analisar as verbas 2 a 4 e perceber que a obrigação que caberia (por mera hipótese de escola, sem conceder) à cabeça-de-casal, extinguiu-se.
XXXIX. Relativamente às verbas 3 e 3A, estas são, na realidade, a mesma conta, repartida entre depósito à ordem e aplicação a prazo.
XL. Esta conta – CGD com o número 0020 – foi aberta para administração dos depósitos e rendimentos da Herança e era a única que se encontrava na titularidade da cabeça-de-casal.
XLI. Por seu lado, as verbas 2 e 4 estavam abertas em nome do Autor da Herança, pelo que a movimentação das referidas contas poderia ser prosseguida por todos os herdeiros, com base na Sentença Homologatória, conforme infra se retomará.
XLII. Os valores atribuídos às quatro verbas em causa foram os valores que constaram das informações prestadas pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., a 15.03.2018 e que serviram de base ao Mapa de Partilha no processo de inventário.
XLIII. Após a Sentença Homologatória, a aqui Apelada repartiu o montante do depósito a prazo da verba 3-A em quatro partes iguais (uma parte para cada herdeiro, incluindo a própria), retendo um valor residual, que corresponderia a cada um dos herdeiros, para o pagamento de despesas da Herança, o que fez com o acordo de todos os herdeiros.
XLIV. De facto, aquando da repartição do respetivo saldo pelos quatro herdeiros, ficou acordado entre todos que cada um contribuiria com € 500,00 para o pagamento das despesas correntes com os bens da herança até que fossem distribuídos – o que sucedeu.
XLV. O referido acordo foi alcançado através dos Mandatários das partes, sem que a Apelada tivesse pedido qualquer documento escrito assinado pela Apelante a garanti-lo, pois que, tendo sido este acordo celebrado com recurso aos Mandatários das Partes, nunca imaginou que viesse a ser posto em causa mais tarde.
XLVI. Sem prejuízo, a Apelada já esclareceu esta questão perante o Tribunal, por requerimento datado de 27.05.2022, sem que a Apelante tivesse negado ou sequer questionado a veracidade do acordo entre todos os herdeiros para a utilização dos € 2.000,00 (€ 500,00 de cada um) da verba n.º 3 A para pagamento das despesas comuns, mormente com a verba n.º 1333 – exatamente por saber que é verdade.
XLVII. Ademais, sempre se constate que um dos outros herdeiros, em resposta ao requerimento suprarreferido da ora Apelante, datado de 27.05.2025, confirmou expressamente que “Por outro lado, da leitura dos extratos ficamos a saber que a cabeça de casal efetuou o pagamento de 41.750,00 € a cada um dos herdeiros, que totalizam 167.000,00 €, tendo ficado na conta à ordem 2.000,00 € por conta da verba 3- A, para despesas futuras, por acordo de todos.”.
XLVIII. Assim, relativamente à verba 3 A, o depósito a prazo tinha o valor total de € 169.000,00 e foram retidos € 500,00 por cada herdeiro, num total de € 2.000,00. Cada herdeiro (incluindo a ora Apelante e a ora Apelada) recebeu, então, a quantia de € 41.750,00, o que perfez o valor global de € 167.000,00.
XLIX. O partilhado e o retido foi acordado entre todos os herdeiros.
L. Quanto às verbas 2 e 4, não estava na disposição da Apelada (mesmo que esta assim o quisesse) promover pela repartição das verbas 2 e 4, pelas razões suprarreferidas.
LI. Ainda assim, a Apelada foi apresentando, durante todo o processo, várias soluções para que os herdeiros pudessem aceder aos bens/ montantes das verbas 2 e 4 da relação de bens – as únicas que se mantinham por repartir na sequência da partilha homologada. Os interessados, nomeadamente a Apelante, nada fizeram.
LII. O saldo da verba 2 tinha cativo o montante de € 2.972,66, referente a uma garantia bancária a favor do Município de Oeiras.
LIII. A Apelante sabia – pois que foi disso variadíssimas vezes informada, inclusivamente, através de requerimentos em tribunal – que a verba 2 apenas podia ser repartida por todos os herdeiros, em partes iguais, após o levantamento da garantia bancária prestada à Câmara Municipal de Oeiras.
LIV. Também sabia a Apelante que o referido levantamento só poderia ter lugar quando estivesse resolvida a questão da licença de utilização do imóvel sito na … (que corresponde à verba 1333 do Mapa de Partilha), bem imóvel que, por acordo entre todos os herdeiros, foi excluído do processo de inventário e se manteve bem comum, com o objetivo de vir a ser vendido, após retirada dos bens móveis que constituem o seu recheio.
LV. A Apelada fez tudo para tentar resolver a questão em causa e permitir, não apenas o levantamento da garantia bancária em questão, mas também a venda do imóvel a que corresponde a verba 1333 do inventário, pois que, relembre-se, também esta era herdeira da Herança e, como tal, tinha todo o interesse em aceder aos bens/ valores que lhe foram adjudicados na partilha pela morte do seu Pai.
LVI. Dado o acordo alcançado entre os herdeiros, a 14.06.2018, nos termos do qual as verbas seriam adjudicadas e repartidas por todos os herdeiros em partes iguais, e com o duplo objetivo de (i) entregar aos herdeiros os bens móveis que constituíam o recheio da casa do inventariado e (ii) de acelerar a desocupação da verba n.º 1333, a Apelada começou a dar início a esta partilha.
LVII. Demorou mais de um ano para que o Tribunal proferisse a Sentença Homologatória que já se conhece, a 03.10.2019, a qual apenas transitou em julgado a 06.11.2019. A esta data, a partilha operou os seus efeitos, pelo que as funções da cabeça-de-casal cessaram.
LVIII. Mas mesmo depois desse momento, a Apelada continuou a assegurar a partilha dos bens móveis que continuavam à sua guarda naquela que tinha sido a última morada do inventariado e continuou a fazer o pagamento de todas as despesas inerentes ao imóvel, nomeadamente, as despesas relativas à eletricidade, IMI, água e Prosegur.
LIX. Tendo sido o único bem do acervo hereditário que os herdeiros optaram, por acordo, em manter comum para venda futura, a cabeça-de-casal entendeu que, relativamente ao bem em causa e pese embora tivessem cessado as suas funções de cabeça-de-casal, iria excecionalmente manter a administração desse bem concreto, até que pudesse cumprir a entrega dos bens móveis que tinham ficado à sua guarda durante o processo de inventário.
LX. Esta gestão não foi posta em causa pelos demais herdeiros, em particular, pela Apelante, que, desde já se diga, apenas em 2021 terminou o levantamento dos bens móveis que lhe haviam sido adjudicados na partilha.
LXI. Dado o exposto, a Apelada apresentou a todos os herdeiros uma proposta de orçamento para a realização das obras necessárias à obtenção da licença de utilização do imóvel em causa e, consequentemente, para libertação da garantia bancária associada à verba n.º 2, por requerimento de dia 17.03.2022.
LXII. O Tribunal ordenou a notificação dos interessados, incluindo, da Apelante, para se pronunciarem sobre o requerimento da Apelada, sem que nenhum deles o tenha feito.
LXIII. A 13.05.2022, a cabeça-de-casal esclareceu o Tribunal sobre o destino da verba 1333, reiterando a necessidade de se proceder às obras exigidas pela Câmara Municipal de … para emissão da licença de utilização e, consequentemente, libertação da garantia bancária pendente sobre a verba n.º 2.
LXIV. Por requerimento datado de 22.05.2022, a Apelante veio pronunciar-se sobre a realização das obras em causa, alegando que a Apelada dispunha, na herança, de fundos financeiros para o efeito, o que não correspondia à verdade.
LXV. Esclareceu a ora Apelada que, como seria evidente, entre 16.03.2018 (data em que foi feita a atualização do valor da verba 3) e aquele momento (junho de 2022) se mantiveram as despesas comuns relativamente à verba 1333, provando documentalmente (pese embora não o tivesse de fazer, por não estar em causa qualquer prestação de contas) que, nessa data e atentas as despesas comuns, a conta a que corresponde a verba 3 já apresentava apenas €2,44 de saldo.
LXVI. Ficou amplamente demonstrado que o saldo da conta bancária que constituía a verba 3, acrescido dos €2.000,00 (€500,00 por cada herdeiro) que tinham ficado retidos, por acordo, relativamente à verba 3 A, já tinham sido dispendidos no pagamento de despesas comuns, não restando qualquer montante que fosse suficiente para, por exemplo, levar a cabo as obras necessárias, impostas pela Câmara Municipal de … para a emissão de licença de utilização da verba n.º 1333.
LXVII. Entre Março de 2018 (data da última atualização de saldo que constou do Mapa de Partilha) e Junho de 2022, decorreram mais de quatro anos. Durante todo esse período, as despesas relativas ao imóvel da verba 1333 (IMI, despesas de eletricidade, Prosegur, etc.) foram suportadas integralmente pelos referidos montantes comuns, pois que eram da equitativa responsabilidade dos quatro herdeiros.
LXVIII. Era claro para todos os intervenientes que a cabeça-de-casal, aqui Apelada, continuava a apresentar soluções para que todos os herdeiros pudessem aceder aos bens/montantes das verbas 2 e 4 da relação de bens, por mera vontade de colaboração e interesse em resolver o problema de todos, mesmo não estando a isso obrigada.
LXIX. No entanto, apesar de todos os esforços que eram levados a cabo pela ora Apelada, os herdeiros nada fizeram para resolver os problemas que tinham em mãos, de forma a permitir o acesso às verbas 2 e 4.
LXX. Mais do que isso, também não questionaram nem puseram em causa o pagamento, documentado, das despesas comuns que a Apelada fazia, utilizando, para o efeito, o saldo da verba n.º 3 e os € 2.000,00 da verba 3 A.
LXXI. Conforme já se referiu, a verba n.º 4 é composta por valores mobiliários (concretamente, ativos financeiros da Portucel) e a Caixa Geral de Depósitos impõe condições para a sua movimentação, designadamente, a autorização de todos os herdeiros para o efeito, prestada presencialmente.
LXXII. Os herdeiros estavam informados dessa circunstância, mas nada fizeram e nada disseram. Não deram autorização para a mobilização dos valores mobiliários, nem tão pouco tendo comparecido junto da Instituição Bancária para o efeito.
LXXIII. Por tudo isto, é falso que a Apelada tenha feito suas e sem justificação quaisquer quantias depositadas nas já referidas contas bancárias.
LXXIV. A Apelada não fez a distribuição dos saldos e ações depositadas nas contas bancárias identificadas nas verbas 2 e 4, porque estava impossibilitada de o fazer sozinha. Mas de qualquer forma sempre se diga que, em última instância e conforme supra justificado, também não estava obrigada a fazê-lo.
LXXV. A impossibilidade de movimentação dos saldos das contas bancárias configura um facto impeditivo do cumprimento da obrigação requerida pela ora Apelante – Exequente no processo de que agora recorre – facto este superveniente à Sentença de Homologação e que se encontra provado por documento, conforme prevê a alínea g) do artigo 729.º, do CPC.
LXXVI. A Apelada não pode ser responsabilizada, nem penalizada, por este impedimento relativamente ao qual nada pode fazer, exatamente como alegou em primeira instância e que, por fundamental, reitera em sede de recurso.
LXXVII. Entender contrariamente – o que não se admite e apenas se considera por cautela de patrocínio - seria defender que a Apelada era responsável por satisfazer, com o seu património pessoal, um crédito da Apelante face à herança do inventariado.
LXXVIII. Quanto aos € 500,00 que cabiam à Apelante relativamente à verba 3 A e aos € 1.285,45 (correspondentes a ¼ do saldo de € 5.141,79 da verba 3), resulta de todo o exposto que tais montantes foram utilizados no pagamento das despesas comuns, nomeadamente com a verba n.º 1333, que os quatro herdeiros acordaram excluir do inventário e vender, assim que, e apenas quando, todos os bens móveis do seu recheio fossem entregues.
LXXIX. Nestes termos, é por demais manifesto que só por má-fé pode a Apelante vir agora (e pela segunda vez!), em 2024 e 2025, exigir a entrega de tais montantes quando tem perfeito conhecimento de que os mesmos foram utilizados no pagamento de despesas que também eram (na proporção de ¼) da sua própria responsabilidade.
LXXX. Nada foi indevidamente retido pela Apelada.
LXXXI. Em consequência de todo o exposto, não é devido à Apelante o pagamento de qualquer valor a título de juros de mora – veja-se, a este título, o n.º 2, do artigo 804.º, do Código Civil, assim como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.07.2019, proferido no âmbito do processo n.º 20324/16.4T8PRT-A.P2.S1.
LXXXII. A Apelada não deve à Apelante qualquer valor, inexistindo, consequentemente, qualquer alegada mora.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverão ser atendidas as contra-alegações supra expostas, devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.”
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
“A. HH intentou acção executiva contra JJ para pagamento do valor de € 10 715,19, apresentando como título executivo uma sentença homologatória de partilha proferido no âmbito do processo de inventário n.º 000/05.0TBOER.
B. Do requerimento executivo consta, designadamente, que:
1º- Por douta sentença homologatória de partilha proferida em 3 de outubro de 2019, transitada em julgado a 6 de novembro de 2019, a ora Executada, Cabeça - de - Casal e detentora dos bens a partilhar, designadamente dos Direitos de crédito - adjudicados (Verbas 2, 3, 3A e 4 da relação de bens a partilhar), correspondentes a depósitos bancários num total de € 189.807,61 (cento e oitenta e nove mil oitocentos e sete euros e sessenta e um cêntimos).
2º- A Executada teria de entregar a cada um dos demais herdeiros a quantia de € 47.451,90 (quarenta e sete mil quatrocentos e cinquenta e um euros e noventa cêntimos).
3º- Contudo, a Executada, na situação em apreço, apenas transferiu para a Exequente o montante de € 41.750,00 (quarenta e um mil setecentos e cinquenta), a 19 de agosto de 2020, justificando-se com a necessidade de cálculo com despesas ainda a efetuar com bens provindos da herança.
4º- Até ao momento nunca foram apresentadas quaisquer contas justificativas para o atraso verificado, encontrando-se ainda em dívida junta da Exequente o valor de € 5.701,90 (cinco mil setecentos e um euros e noventa cêntimos, que a Executada parece entender fazer seu, sem qualquer justificação para o efeito. Contudo,
5º- A Exequente não pode ficar eternamente refém da ausência de cumprimento da Executada, sendo que os herdeiros têm legitimidade para executar a sentença de partilhas destinada a fazer entrar no património próprio os bens e rendimento que o cabeça-de-casal não haja voluntariamente entregue. Desta forma,
6º- A Executada deve à Exequente a quantia pecuniária não entregue de € 5.701,90 (cinco mil setecentos e um euros e noventa cêntimos).
7º- Acrescem ao montante de capital acima mencionado juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa anual de 4%, sendo os vencidos desde a data do trânsito em julgado da sentença, 6 de novembro de 2019, de € 1.497,66 (mil quatrocentos e noventa e sete euros e sessenta e seis cêntimos) até 19 de agosto de 2020 e a partir daí de € 730,47 (setecentos e trinta euros e quarenta e sete cêntimos) até 31 de outubro de 2023, cfr. art.º 703.º n.º 2 do CPC e Portaria n.º 291/2003 de 8 de abril.
8º- São ainda devidos juros compulsórios vencidos e vincendos, calculados à taxa de 5% desde a data do trânsito em julgado da sentença, 6 de novembro de 2019, sendo os vencidos de € 1.872,07 (mil oitocentos e setenta e dois euros e sete cêntimos) até 19 de agosto de 2020 e a partir daí de € 913,09 (novecentos e treze euros e nove cêntimos cêntimos) até 31 de Outubro de 2023., cfr. art.º 829.º - A n.º 4 do CC.
9º- Relega-se para momento posterior a liquidação pelo Agente de Execução dos juros moratórios vincendos à taxa legal em vigor e compulsórios devidos até à data do pagamento, cfr. art.º 716.º n.ºs 2 e 3 do CPC. Assim,
10º- Em 31 de Abril de 2023, a quantia global exequenda cifra-se em € 10.715,19 (dez mil setecentos e quinze euros e dezanove cêntimos), correspondendo a € 5.701,90 (cinco mil setecentos e um euros e noventa cêntimos) de capital, acrescida de juros de mora vencidos até 31 de outubro de 2023, no valor de € 2.228,13 (dois mil duzentos e vinte e oito euros e treze cêntimos), e juros compulsórios vencidos até 31 de outubro de 2023 no valor de € 2.785,16 (dois mil setecentos e oitenta e cinco euros e dezasseis cêntimos). Desta forma,
11º- A Exequente pretende haver da Executada a dita quantia de € 10.715,19 (dez mil setecentos e quinze euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, custas e procuradoria da presente execução.
12º- A dívida é certa, líquida e exigível
C. Da sentença dada à execução consta que:
Sentença Homologatória do Mapa de Partilha
Nos presentes autos de inventário para partilha da herança aberta por óbito de VV, e no qual foi cabeça-de- casal JJ, homologa-se por sentença, a partilha constante do mapa de partilha de 6.5.2019 (fls 1782 a 1784), refª citius 119192455, adjudicando a cada um dos interessados os bens identificados, os quais integram o respectivo quinhão hereditário, e condenando ao pagamento das tornas identificadas no mesmo.
Custas nos termos do artº 1383º, nº 1, do CPC, ant. redac, por via do artº 29º da Portaria nº 278/2013, de 26.8.
Registe e notifique.
D. O mapa de partilha tem o seguinte teor:

E. Em sede de conferência de interessados, pelos interessados foi acordado, designadamente, que: - as verbas nº 2, 3, 3A e 4, direitos de crédito que totalizando a quantia de 189.807,61€ são para dividir pelos quatro herdeiros, em partes iguais;
F. Da relação de bens consta, designadamente, que


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Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, a única questão a decidir consiste em aferir da legitimidade da executada.
O título executivo é uma sentença homologatória de partilha.
“Em consequência da partilha fica reconhecida a propriedade exclusiva dos respectivos bens e cada um dos herdeiros fica exercendo, em relação a eles, os mesmos direitos que detinha o autor da herança. E esse direito exerce-se contra os demais interessados. Donde a legitimidade para executar a sentença destinada a fazer entrar no património próprio os bens e rendimentos que o cabeça de casal não haja voluntariamente entregue. (…)
Com o trânsito em julgado da sentença que homologou as partilhas fica definitivamente fixado o direito dos intervenientes no processo de inventário. (…)
… se o cabeça de casal ou o detentor se recusam a fazer a aludida entrega, se os interessados não cumprem as determinações do testador quanto ao legado ou não pagam ao credor o que lhe é devido, podem os prejudicados forçá-los a cumprir as suas obrigações, a realizar o direito que sentença de partilhas definiu.
Daí a execução da sentença. (…)
A execução é promovida contra o cabeça de casal ou contra quem estiver na posse dos bens (…)” 1
Também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa 2, em anotação ao artº 1096º, referem: “o âmbito da exequibilidade será definido de acordo com o que tenha sido concretamente discutido e decidido (…), tanto podendo reportar-se a um direito de crédito que seja reconhecido a um terceiro em relação à herança (v.g. arts. 1106º, nº 1, 1111º, nº 3, 1121º e 1122º), ou a um interessado relativamente a outro, como a uma obrigação de entrega de algum bem, como reflexo do direito que tenha sido reconhecido no âmbito e pelas regras do processo de inventário, com destaque para a obrigação de entrega dos bens que sejam adjudicados aos herdeiros e que se encontrem na posse de outrem, designadamente do cabeça de casal ou de qualquer outro herdeiro.”
E em anotação ao artº 1122º afirmam, “a sentença homologatória vale como título executivo para pedir a entrega dos bens contra o herdeiro que esteja na posse dos mesmos”.
Nos termos do disposto no arº 2079º do CC “a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal.”
Após o trânsito da sentença homologatória da partilha cessam as funções do cabeça de casal.
A exequente requereu no âmbito da ação executiva de que os embargos constituem apenso, que a executada, que era a cabeça de casal da herança e detentora dos bens adjudicados, lhe entregasse a quantia monetária de € € 5.701,90, acrescida de juros, relativa à parte que lhe foi adjudicada nas verbas 2, 3, 3A e 4 da relação de bens, num total de € 189.807,61. Estas verbas foram adjudicadas aos quatro herdeiros, na proporção de ¼ a cada um, no valor global de € 47.451,90. Mais aduziu que a cabeça de casal apenas entregou à exequente a quantia de € 41.750,00, justificando-se com a necessidade de cálculo com despesas ainda a efetuar com bens provindos da herança, parecendo-lhe que a executada entende fazer seu o montante de € 5.701,90, sem qualquer justificação para o efeito.
Estas verbas, relacionadas no inventário consistem em depósitos bancários à ordem e a prazo (verbas nºs 2, 3 e 3A) e ações depositadas na CGD (verba nº 4) e foram adjudicadas na proporção de ¼ para cada um dos quatro herdeiros.
Como se viu a sentença homologatória de partilha constitui título executivo com vista ao pagamento de quantia certa ou entrega de coisa certa adjudicada a um herdeiro, desde que nele se possa identificar o detentor ou possuidor, bem como a obrigação exequenda.
Assume a qualidade de parte passiva na execução aquele que tem na sua posse o bem cuja entrega se pretende obter.
Não consta da sentença homologatória de partilha e mapa de partilha que a executada/embargante tenha procedido ao levantamento da verba reclamada, fazendo-a sua. Nem tal foi alegado no requerimento executivo.
Ora, os valores adjudicados foram objeto de contratos de depósito bancário celebrados com a Caixa Geral de Depósitos, aos quais se aplicam, na ausência de regulamentação própria, e na medida do possível, as regras do contrato de mútuo (artº 1205º e 1206º do Código Civil), regendo-se os depósitos, ainda, pelos regulamentos ou usos bancários (art.º 407º do C. Comercial).
O dinheiro depositado em conta bancária fica pertencente ao património do estabelecimento bancário e não ao património do depositante, ficando este a deter um direito de crédito sobre aquele. Por via da partilha cada um dos herdeiros passou a ter um direito de crédito sobre a CGD, na proporção da adjudicação efetuada.
“1. Com a celebração do contrato de depósito, transfere-se para o banco a propriedade do dinheiro depositado, nascendo da sua parte a obrigação de “restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”, eventualmente com juros – cfr. artigos 1206º, 1142º e 1144º do Código Civil).” 3
Nos termos do disposto no art. 53.º, n.º 1 do CPC, a “execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”. Este preceito consagra uma afloração da literalidade do título executivo, dele decorrendo que a legitimidade na ação executiva se afere por um critério formal.
Não decorre do título executivo que o valor “reclamado” na execução esteja na posse da executada - antes dele resulta que está depositado na CGD.
Como explanado no Ac. RP de 22/02/20224, “descurando outros aspectos que a situação convocaria, importa evidenciar que a adjudicação à exequente (homologada na sentença da partilha dada à execução) de metade da verba referida nos factos em questão lhe confere, não o direito a uma coisa (móvel ou imóvel – arts. 202º, 203º, 204º e 205º do CC), antes lhe confere a titularidade activa duma obrigação, dum direito de crédito, de que é titular passivo a instituição bancária.
Melhor – o título executivo não confere à exequente embargada o direito a obter, coercivamente, a entrega de coisa, antes lhe atribui a qualidade de credora em obrigação de que é titular passivo uma instituição bancária; quanto à verba em questão (factos provados número 3, alínea b, 11 e 12) não contém o título dado à execução (que atribui à exequente o direito a obter a entrega de coisas certas e determinadas – assim quanto aos móveis e imóveis que lhe foram adjudicados –, podendo por isso obter, na execução para entrega de coisa certa a sua entrega coerciva) qualquer condenação (muito menos do executado embargante) em entrega de coisa.
A adjudicação da titularidade activa na obrigação em que se consubstancia a relação creditícia duma conta bancária não importa, como é evidente, a atribuição do direito a obter a entrega de coisa (coisa comum – arts. 202 e ss. do CC), antes a exercer os direitos do credor em qualquer relação obrigacional.
O objecto mediato (o objecto stricto sensu) da adjudicação é uma conta bancária. A conta de depósitos bancária vem a traduzir-se num contrato ente o banco depositário e os depositantes (titulares da conta), resultando para o banco o dever de restituir quantia monetária equivalente à depositada (acrescida dos juros contratados) e para as depositantes/titulares o correspectivo direito de exigir do banco tal quantia – ou seja, os titulares da conta (titulares activos da relação creditícia) têm apenas sobre o banco depositário um direito de crédito que se consubstancia no direito a haver dele, não o dinheiro depositado (dinheiro enquanto notas e moedas concretas que foram depositadas), mas quantia equivalente (já que o dinheiro é uma coisa fungível).”
Em face do título executivo não está certificado que a executada seja a devedora da obrigação exequenda, carecendo assim de legitimidade para proceder à sua satisfação, sendo inexequível quanto a si, o que determina a extinção da execução e consequente levantamento das penhoras.

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante

Lisboa, 10 de julho de 2025
Teresa Sandiães
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
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1. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Almedina, 4ª edição, vol. II, págs. 527-537
2. CPC Anotado, Almedina, vol. II, pág. 551
3. Ac. STJ de 15/03/2012, proc. nº 492/07.TBTNV.C2.S1, in jurisprudência.pt
4. proc. nº 1135/18.9T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt