I – No âmbito do seguro de responsabilidade civil facultativo, a seguradora só pode intervir na ação como parte principal do lado passivo nas situações especificamente previstas nos ns. 2 e 3, do artigo 140º da Lei do Contrato de Seguro.
II – Requerida a intervenção principal provocada da seguradora na ausência dos respetivos pressupostos, deve o tribunal mandar seguir o incidente adequado, convolando-o no incidente de intervenção espontânea, ao abrigo do disposto no artigo 193º, nº 3, do CPC.
III – Face à vontade expressa pelo réu na dedução do incidente, de chamamento da seguradora à ação com fundamento na existência de um contrato de seguro que cobre a obrigação de indemnizar em causa nos autos, e decorrendo do próprio funcionamento do contrato de seguro a existência de direito de regresso do lesante/segurado sobre a seguradora nos termos gerais, é de convolar oficiosamente o incidente de intervenção principal provocado num incidente de intervenção espontânea, ainda que tal direito de regresso não se encontre alegado de uma forma expressa.
(Sumário elaborado pela Relatora)
1º Adjunto: Anabela Marques Ferreira
2º Adjunto: Chandra Gracias
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
A COMPANHIA DE SEGUROS A..., S.A. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B..., CRL, peticionando a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de € 5.138,77, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, a apurar, desde a primeira interpelação daquele até efetivo e integral pagamento, custas judiciais e respetivas custas de parte.
Para tanto, alega, em síntese:
no dia 05.07.2023, nas instalações da Ré, ocorreu um acidente de viação entre o veículo de matrícula ..-..-PM e uma empilhadora, propriedade da Ré.
tendo a Autora assumido a responsabilidade pelos danos emergentes de acidente de viação decorrentes da circulação do identificado veículo, procedeu ao pagamento, ao tomador do seguro, de € 5.026,33.
considerando que a responsabilidade do dito acidente de viação foi do condutor da identificada empilhadora vem pedir a condenação da Ré no pagamento das quantias que despendeu com a regularização do sinistro.
Em sede de contestação, veio a Ré requerer a intervenção principal provocada de C... plc – Sucursal em Portugal, para a qual transferiu, ao abrigo de um contrato de seguro, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, designadamente pela utilização da identificada empilhadora, nas suas instalações.
Notificada da contestação, a Autora respondeu no sentido da improcedência da exceção de ilegitimidade invocada pela Ré.
Notificada para o efeito, declarou não se opor ao chamamento da Seguradora C....
(…).
Dispensados foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº4, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
1. Nulidade da decisão por violação do principio do contraditório, nos termos do artigo 615º, nº1, al. d), do CPC
A Ré Apelante invoca a nulidade da decisão por violação do princípio do contraditório, previsto no artigo 3º, nº3 do CPC e do artigo 20º, nº1, da CRP, considerando tratar-se de uma “decisão surpresa”: o tribunal, previamente à prolação do despacho que julgou improcedente o incidente deduzido, deveria ter dado possibilidade à recorrente para se pronunciar a respeito das questões que fundamentaram o seu sentido decisório.
É o seguinte o teor do nº3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, que a Apelante afirma ter sido violado:
3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso e manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Consagrando tal norma o princípio do contraditório numa versão mais lata, na vertente proibitiva da decisão surpresa, e enquanto garantia de uma participação efetiva das partes no desenvolvimento da lide, como prorrogativa das partes poderem influenciar todos os elementos – factos, provas e questões de direito – direta ou diretamente relacionados com o objeto da causa e com a decisão final. Esta conceção implica, antes de mais, o direito a ser ouvido, o direito da parte se pronunciar sobre todas as questões de facto ou de direito (substantivo ou adjetivo) e de se pronunciar em momento anterior a qualquer decisão[1]
No plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie.
No caso em apreço, encontramo-nos perante a decisão prevista no artigo 318º, nº1 do CPC, segundo a qual, chamando uma das partes a juízo um terceiro interessado com legitimidade em como parte, “Ouvida a parte contrária, decide-se da admissibilidade do chamamento”.
A decisão sobre a admissibilidade do acidente é proferida logo a seguir a este contraditório[2].
Envolvendo a decisão de admitir, ou não, o incidente, um processado simples – requerimento, adição da parte contrária, decisão – a Apelante alega que a decisão proferida pelo juiz a quo constituiu uma “decisão surpresa”, sem qualquer concretização.
Tendo sido proferida no momento processualmente previsto para o efeito, tal decisão só poderia considerar-se “surpresa”, se envolvesse a apreciação de alguma questão de direito nova, isto é, ainda não discutida nos autos.
Seria assim, de ouvir previamente as partes, caso o tribunal entendesse ser de convolar a peticionada intervenção principal num outro incidente de intervenção de terceiros que tivesse por adequado, o que não foi o caso.
Limitando-se o tribunal a indeferir o incidente de intervenção principal requerido, por ausência de pressupostos legais, não deriva daí qualquer obrigação de audição prévia das partes.
Peticiona a Ré a Intervenção Principal Provocada da Seguradora C..., com fundamento em que, tendo transferido para esta o risco de utilização do empilhador interveniente no acidente, a Ré é parte ilegítima, sendo a Seguradora a titular passiva da relação material controvertida.
O tribunal a quo considerou não ser de admitir a intervenção da Seguradora C... como parte principal, porquanto, tendo a ré transferido a sua responsabilidade através da celebração de um contrato de seguro facultativo, não se verifica nenhum dos pressupostos a que alude o artigo 140º do Regime Jurídico do contrato se seguro – nomeadamente, não se vislumbra qualquer cláusula contratual que preveja a demanda direta da seguradora por banda da lesada –, nem do preceituado no artigo 316º, nº3, e 32º, in fine, ambos do CPC.
Insurge-se a Apelante contra tal decisão, com fundamento em que, não dispondo o tribunal, no momento em que proferiu o despacho, o teor integral do contrato de seguro, mas apenas as suas condições particulares, contrato cuja junção do original é por si peticionada, carece de qualquer suporte probatório a afirmação de que “no caso dos autos e analisada a apólice de seguro em causa, não se vislumbra qualquer clausula contratual que preveja a demanda direta da seguradora por banda da lesada”.
Conclui que a decisão não podia ter sido proferida sem que o contrato de seguro se encontrasse integralmente nos autos.
Não é de dar razão à Apelante.
A Apelante junta cópia do contrato de seguro (condições particulares), requerendo que admitido o chamamento, seja a chamada notificada para “juntar aos autos o original da Apólice junta como doc. 1, atento o carater formal desse contrato”.
Dos termos em que se mostra formula tal pedido, não resulta que:
- a Apelante pretenda que a chamada junte algo mais do que a versão original do doc.1 por si apresentado nos autos (consistente na cópia das condições particulares), não formulando qualquer pedido de notificação da chamada para outros elementos do contrato, nomeadamente as respetivas Condições Gerais do contrato;
- que estas tenham alguma relevância para a decisão do chamamento, uma vez que se requer que tal notificação seja efetuada apos admissão do chamamento.
O pedido é formulado com o único fundamento de que o original será necessário para a prova da cópia por si junta.
Nada apontava assim para que outras eventuais partes componentes do contrato pudessem conter algum elemento com relevo para a decisão da admissibilidade do incidente.
Por outro lado, se o réu pretende fazer intervir nos autos a Companhia de Seguros, para a qual havia transmitido a responsabilidade civil por danos causados e terceiros, a fim de esta figurar como parte principal, em sua substituição (ou ainda que fosse ao seu lado), tem de invocar os fundamentos de facto e de direito em que baseia a sua pretensão.
Ora, o único fundamento (de facto) invocado pela ré para justificar tal intervenção foi a tal transferência de responsabilidade por força da celebração do tal contrato de seguro (seguro de atividade).
Contudo, tal transferência de responsabilidade para uma seguradora, só por si, só é legitimadora da demanda direta da seguradora quando se encontre em causa a celebração de um seguro de responsabilidade civil obrigatória.
Passamos a explicar tal afirmação.
Não sendo o lesado parte na relação material controvertida resultante da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil por parte do lesante – pelo qual a seguradora cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros (artigo 137º da Lei do Contrato de Seguro) –, da aplicação exclusiva das normas gerais de legitimidade previstas no artigo 30º do Código de Processo Civil, resultaria que a seguradora carece de legitimidade para intervir como parte principal, do lado passivo, na ação de responsabilidade civil interposta pelo lesado.
Por sua vez, os artigos 316º, ns. 1 e 3, e 317º do CPC, só permitem o chamamento de alguém que tenha legitimidade para intervir na causa (como parte principal), sendo permitido ao réu o chamamento de terceiro:
a) ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, caso em que o reu pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, como seu associado ou como associado do autor;
b) quando haja outros sujeitos passivos da relação material controvertida objeto dos autos e pretenda fazer intervir, em regime de litisconsórcio voluntário e a si associados, os demais sujeitos;
c) quando o autor primitivo não seja o único titular da pretensão deduzida em juízo e o réu pretenda chamar os demais contitulares, que deverão associar-se ao autor.
Inexistindo qualquer interesse litisconsorcial necessário ou voluntário entre o réu/lesante e a sua seguradora, nem se apresentado esta como um “codevedor solidário”, as citadas normas não permitem, por si só, demandar a seguradora a título principal.
Como tal, a possibilidade de demandar a seguradora na ação de responsabilidade civil só é possível por se encontrar consagrada no Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo Dec. Lei 72/2008, de 16 de abril) e apenas nos limites aí expressamente previstos.
Assim, no âmbito do seguro de responsabilidade civil obrigatório, o nº1 do artigo 146º do RJCS, consagra o direito de o lesado exigir o pagamento da indemnização ao segurador.
Como se afirma no preâmbulo do Dec. Lei 72/2008, de 16 de abril, no seguro obrigatório “a regra é a de se atribuir esse direito ao lesado, pois a obrigatoriedade do seguro é estabelecida nas leis com a finalidade de proteger o lesado. No seguro facultativo, preserva-se o principio da relatividade dos contratos, dispondo que o terceiro lesado não pode, por via de regra, a exigir a indemnização ao segurador.
Para os contratos de seguro facultativo, o artigo 140º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro dispõe que o lesado deve demandar o lesante, só podendo demandar diretamente a seguradora nas situações aí previstas – (i) quando existe cláusula contratual no contrato de seguro, celebrado entre o lesante e o segurador, que preveja essa demanda direta (n.º 2); ou (ii) o lesante ter informado o lesado da existência de contrato de seguro e se tenham iniciado negociações diretas entre o lesado e o segurador. (n.º 3).
O que significa que, perante um seguro facultativo, para fazer intervir a seguradora como parte principal (seja para ser demandada diretamente pelo autor, seja na sequência de posterior chamamento à ação), a parte tem necessariamente de invocar a ocorrência de uma dessas situações previstas nos ns. 2 e 3, do art. 140º. Não o fazendo, é de indeferir tal pretensão.
Encontrando-nos, no caso em apreço, perante a existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo, sem que o réu tenha alegado a ocorrência de qualquer uma dessas situações, tal alegação, só por si, levará ao indeferimento da pretensão do réu segurado, de fazer intervir a segurador nos autos a título principal.
Não invocando o réu qualquer uma dessas situações legitimadoras da intervenção da seguradora a título principal, tal pretensão é de indeferir, não incumbindo ao juiz antes de decidir, proceder oficiosamente a diligências para apurar eventuais fundamentos não alegados pelas partes e que se não mostrem minimamente indiciados nos autos.
O tribunal recorrido sustentou ainda que “não será de admitir o respetivo chamamento como interveniente acessório, por falta absoluta de factos alegados pela Ré que sustentasse a respectiva intervenção acessória. Ademais, e sendo o impulso de uma intervenção acessória uma faculdade, desconhece o Tribunal se tal seria pretensão da Ré, não tendo feito qualquer referência a tal possibilidade, ainda que a título subsidiário.”
Discorda o Apelante do decidido, com fundamento em que, a considerar-se inadmissível o chamamento a título principal deduzido pelo recorrente, resulta dos factos alegados o interesse desta em acionar o contrato de seguro que invoca, em transferir para a chamada o risco segurado, e, obviamente, em fazer valer um eventual direito de regresso.
Como tal, a entender-se que a petição inicial do chamamento não se afigure clara, sempre deveria o tribunal a quo ter praticado ato de convite ao aperfeiçoamento da mesma.
Cumpre apreciar.
Como já vimos, não sendo a seguradora sujeito passivo na relação material controvertida existente entre o lesado e o lesante, e encontrando-nos no âmbito de um seguro de responsabilidade civil facultativo, o réu só poderia chamar a Seguradora à ação, para intervir como parte principal, se invocasse a verificação de algumas das situações previstas nos ns. 2 e 3 do artigo 140º do Regime do Contrato de Seguro.
Na ausência de tal alegação, a intervenção provada da seguradora, a suscitar pelo réu, demandado na qualidade de lesante, só poderia ocorrer a título acessório, mediante a dedução do incidente de intervenção acessória, previsto no artigo 321º do CPC[3].
Não tendo sido essa a opção do réu, levanta-se nos autos a questão de saber se o tribunal poderia, ou era seu dever, oficiosamente, convolar o chamamento da seguradora suscitado através do incidente de intervenção principal, num incidente de intervenção acessória.
Tanto a doutrina como a jurisprudência maioritárias admitem a possibilidade de o tribunal convolar oficiosamente o requerimento de intervenção principal provocada apresentado pelo réu para incidente de intervenção acessória provocada, desde que os factos alegados pelo réu o permitam, que o requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental adequada ao caso[4].
“Tendo sido requerida a intervenção principal provocada, na ausência dos respetivos pressupostos e mostrando-se adequada a intervenção acessória, deve o tribunal convolar a primeira na segunda ao abrigo do artigo 193º, nº3 do CPC[5]”.
A possibilidade de convolação do incidente de intervenção de terceiros peticionado, no incidente que seria adequado, tem sido admitida na jurisprudência para aquelas situações em que o requerente invoca os fundamentos de facto e de direito (substantivo) legitimadores de um incidente de intervenção de terceiros, mas por erro, formula um pedido de intervenção não adequado – por ex., invoca uma situação de direito de regresso com o terceiro, mas requer a sua intervenção principal provocada. Ou seja, a pretensão da ré está correta, a lei concede-lhe o direito a chamar o terceiro à ação, só que, escolheu o incidente de intervenção de terceiros errado. Nesse caso, pode o tribunal mandar seguir o incidente processual adequado, convolando-o num incidente de intervenção acessória provocada.
Essa convolação impor-se-á quando, alegando os respetivos pressupostos, o requerente qualifica erradamente o incidente, solução que, atualmente, se encontra expressamente consagrada no artigo 193º, nº3 do CPC[6], que passou a regular a hipótese de erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte, impondo ao juiz a sua correção e a determinação de que sejam seguidos os termos processuais adequados. “O sentido desta previsão é claro, evitar que, por meras razões de índole formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo.
José Lebre de Freitas[7] define o alcance de tal norma pela seguinte forma: “o nº3 cuida do erro da parte na utilização de um desses meios, determinando o aproveitamento daquele que a parte haja inadequadamente qualificado, mas cujo conteúdo – subentende-se – se adeque ao meio que devia ter sido utilizado; o juiz oficiosamente, observado o princípio do contraditório, corrige o erro e manda proceder à tramitação própria deste ultimo”.
Como ex. de justificação da aplicação do nº3 do artigo 193º, Paulo Pimenta[8] dá o da dedução de incidente de intervenção acessória provocada (artigo 321º) para suprir preterição de litisconsórcio necessário (quando deveria ser intervenção principal provocada), situação esta, que não nos levantaria qualquer dúvida.
O caso concreto apresenta, contudo, algumas particularidades. O pedido, a pretensão formulada pela Ré, com a dedução do incidente, é a da sua substituição processual, passando o interveniente a assumir a posição de parte principal do lado passivo, de modo a que, no caso de procedência da ação, este seja condenado no pedido.
Ou seja, o incidente por si escolhido é o adequado à pretensão por si deduzida, vindo a ser denegado por razões substantivas, na medida em que os factos por si alegados não lhe atribuem do direito a pedir o chamamento da Seguradora como parte principal.
Conforme o referido na decisão recorrida, tal pretensão não teria cabimento legal nos termos dos arts. 316º, ns. 1 e 3 e 317º, do CPC.
A intervenção na lide de uma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida[9] e, no caso em apreço, o chamamento baseia-se numa relação controvertida distinta da invocada pelo autor – resultante de um contrato celebrado entre a Ré e o terceiro.
Não sendo admissível a intervenção principal da seguradora – face aos termos em que o pedido é formulado –, o problema é que, no requerimento, não são alegados expressamente os elementos inerentes a um pedido de intervenção acessória, pedido este não formulado pela ré, nem sequer a título subsidiário, elementos estes necessários à convolação no incidente de intervenção acessória.
Vejamos, mais de perto, os termos em que é deduzido o incidente de Intervenção Principal Provocada e aqui reproduzimos integralmente:
“1. À data do acidente relatado nos autos, a ré tinha o risco inerente à utilização do empilhador referido na p.i., nas suas instalações, descritas como local do acidente, transferido para a seguinte seguradora:
- C... plc – Sucursal Portugal (…);
2. Junta-se a apólice que titula tal contrato, cujo tor se dá por integralmente reproduzido.
3. Do exposto resulta que a Ré é parte legitima nos presentes autos, impugnando-se expressamente os arts. 47º e 48º;
32. Em face do exposto deverá ser declarada a ilegitimidade passiva da Ré e ordenado o chamamento da C... (…), efetiva titular passiva da relação controvertida nos presentes autos, o que requer, nos termos dos artigos 316º, nº3, e 318º, nº1 al. c), do CPC;
Requer:
a) que seja admitido o incidente de intervenção principal ora deduzido, ordenando o chamamento da seguradora id. em 32º, nos termos alegados nos arts. 1 a 3º desta peça;
b) que a chamada seja notificada para juntar aos autos o original da apólice junta como doc. 1 nesta contestação, atento o carater formal do contrato de seguro.”
A intervenção provocada acessória (artigo 321°, nº 1, do CPC), tem como pressupostos que: a) o réu tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda e que b) o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
“Na base da intervenção acessória está o seguinte quadro: o réu afirma que, caso venha a decair na ação, lhe assiste o direito de formular contra terceiro um pedido de indemnização em ação própria, que a lei designa por ação de regresso[10]”.
No caso em apreço, na alegação do requerente, não há qualquer alusão a um eventual direito de reembolso das quantias em que possa vir a ser condenada, face à existência do contrato de seguro, e que se pretenda acautelar – não é (expressamente) legado o fundamento, nem sequer a pretensão.
Será que a vontade expressa na dedução do incidente, de chamar a Seguradora à ação, aliada ao regime legal dos seguros de responsabilidade civil, constitui base suficiente para a convolação do incidente de intervenção principal, no incidente de intervenção acessória, eventualmente assente na presunção de que, quem quer o mais, quer o menos?
O primeiro dos requisitos da intervenção acessória – insusceptibilidade de ser demandado a título principal – encontra-se verificado face ao acima exposto quanto à insusceptibilidade da intervenção principal.
Quanto ao segundo dos requisitos, do próprio funcionamento do contrato de seguro decorre que o segurado que satisfaça o pagamento de indemnização por responsabilidade que seja objeto do contrato, tem direito a havê-la da seguradora em termos gerais[11].
Por outro lado, quanto ao objetivo deste chamamento – fazer estender ao chamado o caso julgado da decisão a proferir na ação – faz parte dos efeitos de uma intervenção principal.
O deferimento do chamamento para intervenção espontânea dever ser deferido sempre que o juiz se convença do seguinte: há conexão entre a ação pendente e a ação de regresso; esta tem hipóteses de procedência (é viável); o incidente não perturba indevidamente o normal desenvolvimento da lide[12].
Como tal, ou o juiz entendia que lhe faltavam elementos ou que se não podia adiantar à vontade das partes e procedia à sua audição prévia, sobre o chamamento restrito à questão do direito do regresso na perda da demanda e na extensão do caso julgado à seguradora, ou determinava logo a convolação do incidente numa intervenção acessória, com base na presunção de que, entendendo o tribunal não haver lugar à intervenção principal, é do interesse do réu a convolação, e no facto da posição expressamente assumida pela autora de nada ter a opor ao chamamento da Seguradora à ação.
Sendo esta a posição que melhor atende ao interesse das partes e à economia processual, permitindo ao réu, caso venha a ser condenado, a extensão do caso julgado de tal condenação à seguradora numa eventual futura ação de regresso.
Como tal, é de revogar a decisão recorrida, determinado a convolação do incidente de intervenção principal provocada, em incidente de intervenção acessória.
A Apelação é proceder
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar procedente a Apelação, revogando a decisão recorrida, determinando a convolação do incidente de intervenção principal provocada em incidente de intervenção acessória, procedendo o tribunal recorrido ao chamamento da seguradora nos termos dos arts. 321º e ss. do CPC.
Custas a suportar pelo Apelante (a apelada não deu causa ao recurso, nem apresentou contra-alegações).
Coimbra, 24 de junho de 2025
V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…).
[1] Cfr., Tiago Félix da Costa, “A (Des)igualdade de Armas nas Providências Cautelares sem audiência do Requerido”, pp. 31-33.
[2] Cfr. José Lebre de Freitas, “Código Civil Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, pp. 623 e 614.
[3] Cfr., em igual sentido, Acórdão do TRG de 29-10-2020, relatado por Figueiredo de Almeida, e Acórdão do TRL de 18-04-2024, relatado por António Santos, disponíveis in www.dgsi.pt.; e ainda Miguel Teixeira de Sousa, in https://blogippc.blogspot.com/2020/07/jurisprudencia-2020-40.html ; e Rui Pinto – “A intervenção da seguradora faz-se a título principal ou a título acessório, consoante o seguro seja obrigatório ou facultativo.” –“Código de Processo Civil anotado”, vol. I, pág. 470. Em igual sentido, Maria José Capelo, “o segurador que não tiver legitimidade passiva principal, quer por força das cláusulas do contrato de seguro (facultativo), como de circunstâncias atinentes a negociações iniciais entre o terceiro lesado e a seguradora, só terá legitimidade para intervir, de forma provocada, como parte acessória” – “Segurador e causador do dano – partes principais ou intervenientes acessórios à luz do artigo 140º da Lei do Contrato de Seguro”, Revista Julgar, Ano 43 – 2021, p. 96.
[4] Cfr., entre outros, Ac. do TRL de 12.12.2008, Ac. TRG de 04-10-2018, relatado por Helena Melo, e Ac. do TRL de 15-11-2007, relatado por Vaz Gomes, e Ac. TRP de 15-12-2021, relatado por Carlos Querido, e Ac. do TRC de 21.05.2019, relatado por António Domingos Pires Robalo – “a posição que mais se adapta à lei é a que entende ser possível ao tribunal convolar oficiosamente para o incidente de intervenção provocada, desde que a parte alegue os requisitos exigidos pela norma (vg. direito de regresso ou sub-rogação). Porquanto com a reforma do processo civil veio claramente permitir-se a opção por soluções que privilegiam aspectos de ordem substancial, em detrimento das questões de natureza meramente formal”; todos disponíveis in www.dgsi.pt.;
na doutrina, em sentido contrário, Salvador da Costa, “Os incidentes da Instância”, 5ª ed., Almedina, p.86.
[5] Acórdão do TRG de 22-06-2023, relatado por Fernando Barroso Canelas, disponível in www.dgsi.pt.
[6] É o seguinte o teor do nº3 do artigo 193º do CPC: “O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados”.
[7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 3ª ed., Coimbra Editora, nota 3, ao artigo 193º, p. 377.
[8] “Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, p. 277, em especial, nota 629.
[9] Salvador da Costa, “Incidentes da Instância”, 5ª ed., Almedina, p. 115.
[10] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, p. 373.
[11] Miguel Teixeira de Sousa, Blogue do IPPC, Jurisprudência 2020 (231), https://blogippc.blogspot.com/2021/06/jurisprudencia-2020-231.html
[12] Abrantes Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, p. 375.