I - A exceção do caso julgado pressupõe a repetição de causas com uma tríplice identidade: de sujeitos, pedidos e causas de pedir.
II - Já a autoridade do caso julgado não exige esta perfeita identidade, mas a decisão tomada numa ação cujo objeto está materialmente conexo com o de outra condiciona a decisão a adotar nesta última, na qual prevalece.
III - No caso, não estando reunidos os pressupostos destas exceções, as mesmas não podem julgar-se como verificadas.
………………………………
………………………………
………………………………
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- Relatório
1- AA, e esposa, BB, Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de CC e esposa, DD, e EE, intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra FF, pedindo que esta última seja condenada a:
a) Retirar o cadeado que colocou na metade do portão junto à sua propriedade;
b) Retirar os pinheiros que plantou no caminho, bem com a rede de proteção.
c) Abster-se de quaisquer atos que impeçam a utilização da servidão de passagem que onera o prédio da Ré em benefício dos prédios dos AA. e que se realiza por um caminho que começa na Rua ... e segue até aos prédios de que são proprietários;
d) Abster-se de praticar quaisquer atos que dificultem ou impeçam o uso e a passagem pelo mesmo de máquinas agrícolas, tratores e ou veículos automóveis;
e) Pagar uma sanção pecuniária de 100,00€ por cada dia de impedimento de utilização do caminho;
f) Pagar 750,00€ de renda ao 3º A. por cada ano de impedimento de uso do caminho;
g) Pagar uma indemnização por danos morais em montante não inferior a 1.000,00€ a cada um dos AA.
Baseiam estes pedidos, essencialmente, na circunstância de serem donos de diversos prédios que identificam e de a Ré, não obstante a condenação que sofreu em anterior ação judicial que contra ela intentaram (condenação que reproduzem e que já transitou em julgado), retirou a rede de vedação do meio do caminho que serve aqueles prédios, mas continua por diversas formas, que enunciam, a impedir o uso de tal caminho pelos AA., o que lhes tem causado diversos danos patrimoniais e não patrimoniais que especificam e pelos quais pretendem ser ressarcidos.
2- Citada, a Ré não contestou.
3- Seguidamente, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenar a Ré a:
a) Retirar o cadeado que colocou na metade do portão junto à sua propriedade;
b) Retirar os pinheiros que plantou no caminho, bem com a rede de proteção;
c) Abster-se de quaisquer atos que impeçam a utilização da servidão de passagem que onera o prédio da Ré em benefício dos prédios dos AA. e que se realiza pelo caminho que começa na Rua ... e segue até aos prédios de que os AA são proprietários;
d) Abster-se de praticar quaisquer atos que dificultem ou impeçam o uso e a passagem pelo caminho de servidão de máquinas agrícolas, tratores e ou veículos automóveis;
e) Pagar uma sanção pecuniária compulsória de 100,00€ por cada dia que impeça a utilização do caminho de servidão de passagem;
f) Pagar ao A., EE, uma indemnização no montante de 750,00€, a título de danos patrimoniais decorrentes do impedimento de utilização do caminho de servidão;
Do mais pedido, foi a Ré absolvida.
4- Inconformada com esta sentença, dela recorre a Ré, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“1.º As presentes alegações recaem sobre a decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1 (Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro), doravante Tribunal a quo, no processo 3290/24.0T8VFR.
2.º Entende a Recorrente que a sentença proferida incorre em violação/Ofensa do caso julgado, nomeadamente no que diz respeito às sentenças proferidas no processo ..., Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 3, (doravante processo 1303)
3.º A sentença proferida no processo 1303 datada de 06-05-2023 e transitada a 03-02-2024, a Ré já havia sido condenada a “abster-se de praticar quaisquer atos que dificultem ou impeçam o uso e a passagem do caminho referido (…)” e “Condenada a Ré no montante que se liquidar em execução de sentença pelos prejuízos causados aos Autores desde final de dezembro de 2021 até reposição integral do caminho de servidão”
4.º Tal condenação é ipsis verbis a condenação que se encontra refletida no ponto 3.E4. Do segmento decisório da sentença a quo que se recorre e condena a Ré “a abster-se de quaisquer actos que impeçam a utilização da servidão de passagem que onera o prédio da Ré em benefício dos prédios dos Autores e que se realiza pelo caminho que começa na Rua ... e segue até aos prédios de que os Autores são proprietários” e “a abster-se de praticar quaisquer actos que dificultem ou impeçam o uso ou e a passagem pelo caminho de servidão de máquinas agrícolas, tractores e ou veículos automóveis;”.
5.º De igual modo as condenações da Ré nos pontos 5. E 6. “Condeno a Ré FF no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 100,00€ (cem euros) por cada dia que impeça a utilização do caminho de servidão de passagem” e “Condeno a Ré a pagar ao Autor EE uma indemnização no montante de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros), por danos patrimoniais decorrentes do impedimento de utilização do caminho de servidão;” entende a Ré inserirem-se no âmbito da condenação da Ré no processo 1303 na condenação da Ré “no montante que se liquidar em execução de sentença pelos prejuízos causados aos Autores desde final de dezembro de 2021 até reposição integral do caminho de servidão””
6.º Ora, salvo devido respeito, a Ré nunca poderia ter sido condenada novamente no mesmo, numa nova acção instaurada entre as mesmas partes com o mesmo fundamento da violação/impedimento do direito dos Autores em passar no terreno da Ré e que constitui caminho de servidão em favor dos Autores.
7.º Os factos alegados pelos Autores como causa de pedir, isto é, os factos essenciais constitutivos dos elementos típicos dos direitos que pretende exercer são afinal factos que consubstanciam impedimentos à passagem no caminho de servidão e prejuízos do seu impedimento que foram discutidos na anterior acção e que correu termos sob o processo ..., Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 3 (Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro).
8.º Ora, considerando a data em que alegadamente tomou conhecimento dos factos que agora alega como fundamento das suas pretensões, nomeadamente, 06-02-2024 (artigo 11º da P.I.), 12-02-2024 (art. 12º da P.I.), 14-02-2024 (art. 14º e 15º da P.I.), meados de Abril de 2024 (art. 16º, 17º, 19º, 20º, 22º, 24º, da P.I.), entre Abril e Maio de 2024 (art. 18 da P.I.) e verificada a data da sessão de julgamento referente ao incidente de liquidação dos prejuízos do Autor ocorrida no processo ..., Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 3 – a 22 de maio de 2024, esses factos deveriam ter sido alegados na anterior acção supervenientemente nos termos do art. 588º do CC.
9.º Tal incidente tinha como objectivo o ressarcimento do Autor pelos prejuízos causados pela Recorrente com os impedimentos que causou no caminho de servidão até efetiva e integral reposição do caminho de servidão.
10.º Dito isto, verifica-se que a sanção pecuniária compulsória agora requerida pelos Autores, podia e devia ter sido peticionada no âmbito do processo 1303 pois, os Autores em sede de P.I. de incidente de liquidação desse processo (ref.ª 15747976 de 16/02/2024) já aí alegavam que continuavam impedidos de aceder aos seus terrenos, e que este caminho não se encontram total e integralmente reposto.
11.º O A. estava obrigado, no incidente de liquidação, nos termos do art. 359º, nº 1, do NCPC, a especificar os danos, que concretamente teve com os actos da Ré, e os prejuízos daí advindos, quantificando-os, e assegurando o seu ressarcimento e/ou coação da Ré ao cumprimento de retirada dos impedimentos, com sanção pecuniária compulsória.
12.º Ora, e salvo devido respeito por entendimento contrário, por força do trânsito em julgado das decisões proferidas no processo ..., Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 3, quer no âmbito declarativo a 06-05-2023 e transitada a 03-02-2024, quer no âmbito incidente a 03/07/2024 e transitada a 23/09/2024, extingue-se o direito de defesa do ora autor relativamente à relação material controvertida decidida naquele processo. Verificando-se no entender da Recorrente a preclusão do direito que o aqui Autor pretendia fazer valor nesta acção, preclusão essa que está coberta pelo caso julgado.
13.º Analisada P.I. dos autos, verificamos que o Autor pretenderia na realidade, pese embora não o tenha feito, uma execução de sentença para prestação de facto.
14.º Interpretados os factos temos que, pela sentença declarativa, à Recorrente foi imposto o dever de não obstaculizar à fruição do caminho de servidão pelo Autor, pelo que violando a sua obrigação de se abster de obstar à fruição do caminho por banda dos Autores, a situação jurídico-factual legitimava os mesmos, no âmbito da execução para prestação de facto, e não numa nova acção declarativa comum que condene novamente a Ré, no mesmo, à qual obsta a figura do caso julgado.
15.º Assim sendo, verificamos que as condenações das alíneas 3 e 4 dos presentes autos, são iguais à condenação da alínea d) no processo 1303, e bem ainda alíneas 5 e 6 dos presentes autos decorrência direta e incindível da condenação da alínea f) no processo 1303 cuja sentença de liquidação (ref.ª133380296) transitou em 23/09/2024.
16.º Assim, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo, efetuou uma errada interpretação e aplicação das normas legalmente aplicáveis, entre outras, 193º, 249º, 266º, 278º, n.º1, al. e), art. 359º, nº 1, 360º, nº 4, 564º, al. c), 566º, nº 3, 573º, 577º, al. i), 580º, n.º1 e 2, 581º, artigos 588º, n.º1, 607º, n.º 3, 4 e 5º, 609º, n.º1 e 2, 615º, n.º 1, al. d) artigo 615º, n.º al. e), 619º, n.º1 e 621º e 729º, al. g) e 615º, n.º 1, al. d) artigo 615º, n.º al. e), 619º, n.º1 e 621º, artigo 673º, artºs 868º, 870º a 872º, 876º e 877º do CPC, todos do CPC, incorrendo numa ofensa do caso julgado clara, que constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso. Devendo por isso, a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva dos pedidos a Recorrente.
Caso assim não se entenda,
17.º Dando por reproduzido por uma questão de economia processual tudo o acima exposto, conforme supra se referiu, sempre estaríamos perante uma ofensa de autoridade do caso julgado, pois os pedidos formulados nos presentes autos, sempre poderiam e deveriam ter sido formulados nos autos de acção 1303.
18.º Já que, que a decisão proferida no âmbito do processo 1303 condena ainda a aqui Recorrente no seguinte: “no montante que se liquidar em execução de sentença pelos prejuízos causados aos Autores desde final de dezembro de 2021 até reposição integral do caminho de servidão”.
19.º Na data em que os Autores peticionam os seus prejuízos a 16/02/2024 no processo 1303 já sabiam e os próprios aí admitem que continuavam, nessa data, sem dispor de acesso aos seus terrenos, bem sabendo que tinham direito aos prejuízos causados pela Recorrente até efetiva e reposição integral de tal caminho de servidão.
20.º Ora, e uma vez que, nessa data ainda não tinham acesso aos seus terrenos, já nessa data os Autores tinham condições de peticionar tais valores, não o tendo feito, precludio o seu direito, por tudo o exposto, a peticioná-lo na presente acção.
21.º Assim, caso se entenda não existir caso julgado nos presentes autos, sempre existirá ofensa de autoridade de caso julgado, o que desde já se invoca, e por essa razão, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu incorreu numa errada aplicação e interpretação das normas legais aplicáveis aos presentes autos, devendo por isso, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva dos pedidos a Recorrente.
b) DA CONDENAÇÃO EM MONTANTE SUPERIOR AO PETICIONADO NOS TERMOS DO ARTIGO 615º, n.º1, al. e) do CPC
22.º o Tribunal a quo condenou a Ré no pagamento de 750,00€ por danos patrimoniais decorrentes do impedimento de utilização ao Autor EE do caminho de servidão.
23.º Conforme se verifica pela P.I. em sede de causa de pedir, mormente no artigo 38º da P.I., alega o Autor que recebia pelo alugar dos campos a quantia de quinhentos euros – o extenso da numeração.
24.º Ora, havendo contradição entre a numeração e o extenso da mesma, de acordo com as regras legais prevalecerá o extenso, já que, não se trata de qualquer lapso evidente por parte dos Autores, pois já na P.I. do processo 1303 (doc. 1 de 10/11/2022 ref.ª 13727314), o Autor aí alega num exatamente igual artigo 38º que: “Pelo aluguer dos campos os 3º A recebia a quantia de €500.00 (quinhentos euros) anuais de renda.”
25.º Deste modo, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo incorreu em nulidade nos termos do art.609º, n.º1 e 615º, n.º1 al. e) do CPC, pronunciando-se em montante superior ao peticionado, devendo por isso, ser a sentença recorrida revogada em tal segmento e substituída por outra que condene a Ré no pagamento de apenas quinhentos euros ao terceiro autor.
Assim o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou, entre outros, art. 193º, 249º, 266º, 278º, n.º1, al. e), art. 359º, nº 1, 360º, nº 4, 564º, al. c), 566º, nº 3, 573º, 577º, al. i), 580º, n.º1 e 2, 581º, artigos 588º, n.º1, 607º, n.º 3, 4 e 5º, 609º, n.º1 e 2, 615º, n.º 1, al. d) artigo 615º, n.º al. e), 619º, n.º1 e 621º e 729º, al. g) e 615º, n.º 1, al. d) artigo 615º, n.º al. e), 619º, n.º1 e 621º, artigo 673º, artºs 868º, 870º a 872º, 876º e 877º do CPC, todos do CPC, artigo 6.º/1 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, art. 10º e 249 CC artigo 10º do Código Civil”.
Termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso e que, reconhecendo a ofensa do caso julgado e/ou autoridade do caso julgado se absolva a Ré do pedido ou, subsidiariamente, se julgue procedente a nulidade suscitada e se condene a Ré a pagar apenas 500,00€ ao 3.º A.
5- Não consta que tivesse havido resposta.
6- Recebido o recurso (após reclamação atendida) e preparada a deliberação, importa tomá-la.
A- Definição do seu objeto
O objeto dos recursos, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608º nº 2, “in fine”, 635º, nº 4 e 639º nº1 do Código Processo Civil (CPC)].
Assim, observando este critério no caso presente, o objeto deste recurso reconduz-se, essencialmente, a saber se:
a) Na sentença recorrida foi violado o caso julgado ou a autoridade do caso julgado;
b) A sentença recorrida é nula por ter condenado a Ré a pagar um montante superior ao peticionado.
Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º ... do ..., o prédio urbano sito no lugar ..., Rua ..., composto de casa de dois pisos para habitação com logradouro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....
2. Sobre a descrição referida em 1. incide a seguinte inscrição:
AP. ... de 2022/03/18 – Aquisição a favor de AA casado com BB na comunhão de adquiridos, por doação.
3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º ... do ..., o prédio rústico sito no lugar ..., composto de pinhal e mato, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....
4. Sobre a descrição referida em 3. incide a seguinte inscrição:
AP. ... de 2010/09/02 – Aquisição a favor de DD e de CC casados na comunhão geral de bens, por compra.
5. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º ... do ..., o prédio rústico sito no lugar ..., composto de cultura, mato e pinhal, inscrito na matriz sob o artigo ... da União de Freguesias ..., ... e ....
6. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º ... do ..., o prédio rústico sito no lugar ..., composto de cultura, inscrito na matriz sob o artigo ... da União de Freguesias ..., ... e ....
7. Sobre as descrições referidas em 5. e 6. incide a seguinte inscrição:
AP. ... de 2021/10/08 – Aquisição a favor de EE, divorciado, por partilha da herança.
8. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º ... do ..., o prédio urbano sito na Rua ..., lugar das ..., composto de casa de três pisos para habitação, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....
9. Sobre a descrição referida em 8. incide a seguinte inscrição:
AP. ... de 2015/02/10 – Aquisição de ½ a favor de FF, divorciada, por doação.
AP. ... de 2020/07/27 - Aquisição de ½ a favor de FF, divorciada, por partilha subsequente a divórcio.
10. O prédio identificado em 8. está onerado com uma servidão de passagem a favor dos prédios identificados em 1., 3., 5. e 6..
11. A servidão de passagem é feita por um caminho com a largura de 4,89m, tem início na Rua ... e segue até aos prédios identificados em 1., 3., 5. e 6..
12. A Ré estacionou na entrada do caminho identificado em 11. um veículo automóvel durante 8 dias e apenas o retirou no dia 6 de Fevereiro de 2024 após intervenção da GNR.
13. No mesmo dia 6 de Fevereiro de 2024, a Ré abriu uma vala a meio do caminho identificado em 11. dizendo que era para passar um tubo, tendo mantido a vala aberta 8 dias.
14. No dia 12 de Fevereiro a Ré procedeu à abertura de três covas no caminho identificado em 11. onde plantou três pinheiros com cerca de 7 metros de altura e junto aos pinheiros colocou vedação com rede malha sol, fitas e uma placa os dizeres “FF”.
15. No dia 14 de Fevereiro a Ré descarregou duas paletes de lajetas de pavimento no caminho identificado em 11. as quais ali se mantiveram até 27 de Maio de 2024.
16. Em meados de Maio de 2024 a Ré colocou uma alavanca na metade do portão que se situa no caminho identificado em 11., do lado do seu prédio, colocando-lhe um aloquete para que o portão não possa ser aberto.
17. A impossibilidade de abertura da metade do portão, impede que os Autores usem o caminho identificado 11. para chegar aos prédios identificados em 1., 3., 5. e 6. com máquinas e tratores.
18. Em Abril e Maio de 2024 a Ré procedeu ao calcetamento de metade do caminho identificado em 11. o que impede a passagem de viaturas, máquinas agrícolas e tratores para os prédios identificados em 1., 3., 5. e 6..
19. A alavanca e o aloquete colocados no portão impedem a entrada e saída de viaturas da parte de trás da casa identificada em 1. impedindo os 1ºs Autores de aceder à parte posterior da sua habitação onde possuem anexos para guarda de lenha e viaturas automóveis e outros equipamentos.
20. Os 1ºs Autores estão impedidos de transportar lenha e outros produtos com recurso a tratores ou carrinhas de transporte de mercadorias para a parte posterior da sua habitação onde se localizam os anexos.
21. A alavanca e o aloquete colocados no portão impedem o acesso ao prédio identificado em 3. com máquinas e tratores agrícolas bem como com qualquer tipo de viaturas o que impede a limpeza e corte de árvores.
22. A alavanca e o aloquete bem como a plantação de pinheiros e a colocação de rede impedem o cultivo dos prédios do 3º Autor identificados em 5. e 6. com máquinas agrícolas.
23. O feitor dos prédios identificados em 5. e 6. está impedido de circular com o seu trator para os amanhar.
24. O feitor apenas conseguiu aceder aos prédios identificados em 5. e 6. em parte do ano e apenas para aplicar sementeiras.
25. O feitor dos prédios identificados em 5. e 6. não conseguiu ceifar a erva e os pastos para o gado, o que lhe causou um prejuízo de 910,00 € já que a erva apodreceu nos campos.
26. O 3º Réu recebia 750,00 € de renda por ano pela utilização dos prédios identificados em 5. e 6..
27. O 3º Réu deixou de receber a renda devido à impossibilidade de aceder aos prédios com tratores e máquinas agrícolas.
28. Os Autores têm sofrido transtornes, chatices e desgostos por causa da atitude da Ré.
Defende a Ré/Apelante, em primeiro lugar, que a sentença recorrida não a podia ter condenado a abster-se da prática de quaisquer atos que dificultem ou impeçam o uso e a passagem pela servidão que onera o seu prédio em benefício dos prédios dos AA./Apelados, a pagar uma sanção pecuniária compulsória de 100,00€ por cada dia que impeça a utilização de tal caminho, bem como uma indemnização no montante de 750,00€, por danos patrimoniais decorrentes do impedimento de utilização do mesmo caminho, uma vez que já antes fora condenada, por decisão judicial transitada em julgado, num outro processo que correu termos entre as mesmas partes (processo n.º ...), quer na referida obrigação de abstenção, quer na indemnização, a liquidar em execução de sentença, “pelos prejuízos causados aos Autores desde final de dezembro de 2021 até reposição integral do caminho de servidão”.
Deste modo, a seu ver, verifica-se a exceção (dilatória) de caso julgado ou, pelo menos, a exceção (perentória), da autoridade do caso julgado, pelo que deve ser absolvida do pedido.
Ora, como cremos ser fácil de demonstrar, nenhuma destas exceções se pode ter por verificada.
Efetivamente, lendo a matéria de facto provada, nenhuma alusão nela é feita ao aludido n.º processo n.º ... ou ao que nele foi decidido. Os AA. referiram-no na petição inicial para aludir aos termos em que a Ré nele foi condenada (artigo 5.º) e na motivação de facto da sentença recorrida também se mencionam esses termos, mas, nos factos provados, repetimos, nenhuma alusão lhe é feita.
De modo que, constituindo esses factos a base da decisão de direito, dificilmente se poderia conceber que aquelas exceções fossem julgadas procedentes à margem dessa factualidade. A menos que houvesse lugar à intervenção prevista no artigo 662.º, n.º 1, do CPC. Mas, não há elementos idóneos, sob o ponto de vista probatório, que o justifiquem.
É verdade que a exceção dilatória de caso julgado é de conhecimento oficioso (artigo 577.º, al. i) e 578.º, do CPC). E que, por assim ser, sempre o tribunal a poderia decidir sem a mesma ter sido invocada pelas partes. Mas, no caso, nem essa invocação ocorreu na fase dos articulados (posto, desde logo, que a Ré não contestou esta ação); nem os factos provados, como já vimos, permitem reconhecê-la; nem há outros elementos no processo que confirmem a sua existência.
Recorde-se, para melhor compreensão, que a exceção do caso julgado pressupõe a repetição de causas com uma tríplice identidade: de pedidos, causas de pedir e de sujeitos. O artigo 581.º, n.º 1, do CPC, di-lo claramente. E acrescentam os números seguintes:
“2- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3- Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4- Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”.
Por outras palavras, há identidade de sujeitos quando as partes são qualitativamente iguais; há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (isto é, quando há identidade do “acervo de factos que integram o núcleo essencial da previsão da norma ou normas que estatuem o efeito de direito material pretendidos[1]”); e há identidade de pedido, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. O mesmo efeito jurídico e não necessariamente o mesmo efeito prático. O pedido, com efeito, “é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar (…)”[2]. É, no fundo, a pretensão processual em termos de tutela jurisdicional, ou seja, “o feito jurídico pretendido (pretensão processual) e, em regra, deve ser único, certo e exigível”[3].
Ora, tendo presente este enquadramento, a conclusão a que já chegámos anteriormente não pode deixar de ser reafirmada. Até porque mesmo levando em consideração a cópia (não certificada) das decisões judiciais juntas aos autos pelo A., proferidas no âmbito do já aludido processo n.º ... (docs. 10 e 11 juntos com a petição inicial), o que se verifica é que os pedidos aí formulados se basearam numa realidade diversa da que agora é alegada pelos AA.; ou seja, basearam-se, essencialmente, na ocupação pela Ré do caminho em questão com os esteios e rede de vedação metálica que existia na extrema poente do seu prédio (que foi mandado retirar) e, agora, nesta ação, os AA. queixam-se de a Ré ter impedido a circulação pelo mesmo caminho por outros meios (v.g. abertura de uma vala e 3 covas, colocação de duas paletes de lajetas de pavimento e ainda de uma alavanca e aloquete na metade do portão de entrada para esse caminho).
De modo que facilmente se conclui que estamos perante causas de pedir diversas.
É verdade que, a ter como certo o que se refere naquelas cópias, em ambas as ações pelos AA. foi pedido que a Ré fosse condenada, no fundo, a abster-se da prática de quaisquer atos que dificultem ou impeçam o uso e a passagem por tal caminho. E essa obrigação foi imposta à Ré. Mas, como vimos, nem a causa de pedir é a mesma, nem é linear que esta determinação seja a condenação numa obrigação genérica. Isto porque esse tipo de obrigações só podem ser judicialmente impostas na sequência de pedidos genéricos, tal como configurados no artigo 556.º, n.º 1, do CPC, ou seja, quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade, de facto ou de direito, quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil, e quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo réu, sendo que a referida pretensão e determinação não se enquadram em nenhuma destas hipóteses. Têm, antes, um conteúdo indeterminado que mais se assemelha ao dever geral de abstenção (omissão) da prática de atos ilícitos, neste caso, por referência ao uso do caminho em questão.
Por conseguinte, em resumo, não se reconhece, neste aspeto, a aludida exceção.
Nem quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória ou da indemnização impostas à Ré nesta ação.
Com efeito, aquilo em que a Ré foi condenada na anterior ação foi “no montante que se liquidar em execução de sentença pelos prejuízos causados aos Autores desde o final de dezembro de 20021 até reposição integral do caminho de servidão”. Isto, bem entendido, em relação ao obstáculo físico que, até à propositura dessa ação, a Ré tinha colocado ao seu uso. Não aos obstáculos subsequentes que ali não foram objeto de qualquer julgamento.
De modo que, também a este respeito, se pode concluir com segurança que não se verifica a dita exceção.
Nem a exceção (perentória) da autoridade do caso julgado.
Para além de tudo o já dito, nunca a já referenciada ação anterior poderia servir como limite para os AA. pedirem a tutela jurisdicional para as novas agressões que a Ré infligiu ao seu direito ao uso do caminho em questão.
Tal exceção, com efeito, atua como condicionante do juízo de mérito a formar na segunda ação. A exceção da autoridade do caso julgado constitui, por outras palavras, um pressuposto da decisão de mérito que há-de ser proferida na segunda ação e na qual não pode ser contrariado[4]. Como refere, Rui Pinto[5], “o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objectos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão”. Ou seja, como ensina José Lebre de Freitas[6], a “prejudicialidade extraprocessual entre a decisão dada e o novo pedido, semelhante à prejudicialidade intraprocessual, pode acarretar ou não uma causa de pedir diversa. Está-se agora fora do âmbito da inadmissibilidade da segunda ação e é no plano do mérito desta que o caso julgado atua, dispensando apenas a discussão sobre um dos seus pressupostos materiais, cuja verificação está feita e como tal se impõe ao juiz na sentença, assim se evitando a repetição da decisão anterior (proibição de repetição) ou uma sua eventual modificação (proibição de contradição)”.
Ora, se condicionante existe (designadamente, para a Ré) ele é relativo ao questionamento do direito de servidão já reconhecido aos AA.. As agressões a esse direito podem e devem continuar a ser tuteladas em novas ações, se houver essa necessidade, e não, como alega a Ré, no incidente de liquidação da decisão tomada no anterior processo, pois que, para esse efeito, aqueles não dispõem de título executivo.
Por conseguinte, em resumo, também esta exceção não se verifica.
Resta a questão da nulidade da sentença recorrida, por alegada condenação da Ré em montante superior ao pedido.
Neste âmbito, daquilo que a Ré se queixa é de ter sido condenada no pagamento ao A., EE, de uma indemnização no montante de 750,00€, por danos patrimoniais decorrentes do impedimento na utilização do caminho de servidão, quando os AA., no artigo 38.º da petição inicial, alegaram que “[p]elo aluguer dos campos os 3º A. recebia a quantia de € 750,00 (quinhentos euros) anuais de renda”; ou seja, escreveram por extenso quinhentos euros, devendo ser este último o valor a atribuir. Até por aplicação do disposto no artigo 6.º, n.º 1, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças.
Ora, também nesta parte não lhe assiste razão.
Em primeiro lugar, porque foi julgado provado que “[o] 3º Réu recebia 750,00€ de renda por ano pela utilização dos prédios (…)” e que este mesmo R. “deixou de receber a renda devido à impossibilidade de aceder aos prédios com tractores e máquinas agrícolas”, o que neste recurso não vem impugnado nos termos legais (artigo 640.º, do CPC).
E, depois, porque o lapso que a Ré refere não corresponde a qualquer desfasamento entre o pedido e a condenação (quanto ao aspeto referido) – que coincidem totalmente, uma vez que os AA. pediram o pagamento àquele A. da quantia de 750,00€, tanto quanto a Ré foi condenada a pagar-lhe -, mas na própria alegação.
Ora, a nulidade invocada pela Ré, de que trata o artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, reporta-se ao pedido. E, nesse aspeto, repetimos, há absoluta coincidência.
Como tal, é também líquido que não ocorre a referida nulidade.
Ou seja, em resumo, nenhum dos fundamentos invocados neste recurso pode ser acolhido, pelo que a sentença recorrida é de confirmar integralmente.
Pelas razões expostas, acorda-se em julgar improcedente este recurso e confirmar a sentença recorrida.