Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
PENA DE PRISÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da Relatora) I. Uma fundamentação algo lacónica não significa necessariamente a existência da nulidade configurada no artigo 379º do CPP, por incumprimento do referido dever constante do n.º 2 do artigo 374º do mesmo diploma. II. Se a boa técnica jurídica e a finalidade da fundamentação implicam uma actividade discursiva detalhada e uma análise ponderada de cada uma das penas de substituição per se, uma pontual fragilidade argumentativa não equivale à detecção da nulidade, desde que a decisão explique inteligivelmente as razões por que decide, tornando-a passível da discussão divergente do recorrente. III. Vale por dizer que não se está perante uma invalidade da decisão mas apenas face a uma diferente interpretação das normas. IV. De resto, também é certo que não pode deixar de se concordar que, no caso concreto, a pena de prisão é a única susceptível de prevenir o cometimento de futuros crimes. V. Quando o recorrente foi anteriormente condenado pela prática de 6 crimes, de idêntica natureza, em penas de multa, de suspensão de execução da pena e, finalmente, de prisão efectiva, para além de outros crimes, designadamente contra o património, por que tem vindo a ser condenado ao longo da sua vida (num total de 13 condenações anteriores), as necessidades de prevenção – geral e especial – associadas às penas só ficam satisfeitas com uma pena de prisão efectiva. VI. No entanto, decorre do estatuído no artigo 43º, 1 do CP que havendo consentimento do condenado, nos casos das penas de prisão não superiores a dois anos e quando o regime de permanência na habitação realize, de forma adequada e suficiente, as finalidades da execução da pena de prisão se deve optar por tal meio de execução da pena. VII. Este regime de permanência na habitação, com VE, não se confunde com as penas de substituição, como a multa, suspensão da execução da pena de prisão ou a prestação de trabalho a favor da comunidade, emergindo como modo de cumprimento de uma pena privativa da liberdade que visa fomentar a ressocialização do condenado, designadamente com a sua manutenção no seio familiar, bem como podendo desenvolver actividade laboral, evitando-se os nefastos efeitos decorrentes da reclusão intramuros, isto é, em estabelecimento prisional. VIII. Não se olvidando que o recorrente tem antecedentes criminais, 13 condenações anteriores, é certo que todas elas já se encontram extintas, ao momento. IX. Por outro lado, ocorreram até aos anos de 2007 e 2008, isto apesar de as três últimas condenações somente terem transitado em julgado em 10 de Março de 2021, 13 de Maio de 2021 e 4 de Junho de 2021. X. Ora, o cumprimento de uma pena de prisão efectiva em RPHVE implica para o arguido a real perda da liberdade; a única coisa que, nesse aspecto, assume contornos diferentes é o local de cumprimento da citada pena. XI. Por isso, com tal modo de execução da pena, consideram-se satisfeitas as exigências preventivas colocadas pelo caso.
Texto Integral
Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório:
No Juízo Local Criminal de Angra do Heroísmo, foi proferida sentença que decidiu do seguinte modo (transcrição): “Decisão. Tudo visto e ponderado, julgo a acusação procedente e, em consequência, condeno o arguido AA, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3º, n.º 1 e 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 3 (três) meses de prisão. 2. Procedo ao desconto de um dia de detenção, nos termos do artigo 80º, n.º 1, do Código Penal, pelo que o arguido cumprirá 2 (dois) meses e 29 (vinte e nove) dias de prisão.”
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, apresentando motivações e concluindo do seguinte modo (transcrição):
“VI-Conclusões
1-O tribunal recorrido, apreciando a conduta do arguido, apenas se debruça sobre o desvalor da sua ação e as condenações anteriores, não se referindo ao seu comportamento e postura perante o tribunal, para efeitos de eventual aplicação de medida não privativa da liberdade.
2-Não o fazendo, incorre na nulidade a que se refere o art.º 379.º, n.º 1 alíneas a) e c).
3-Considerando que a ameaça de prisão, pela sua natureza própria e respetivo alcance, de acordo com os parâmetros do homem médio, são aptas a reincidência do arguido no mesmo tipo de factos, deveria a pena aplicada ter sido substituída por pena de multa.
4-Sem prejuízo do exposto, o recorrente, encontrando-se familiar, social e profissionalmente inserido, constituindo a única fonte de rendimento familiar, e tendo confessado os factos na integra, é legítimo concluir que a mera ameaça de prisão realiza os fins da punição, pelo que será de aplicar o regime da suspensão de pena nos termos do art.º 50.º do CP.
5-Do mesmo modo, e novamente por referência às circunstâncias pessoais do recorrente, seria de aplicar em último caso o regime de permanência na habitação nos termos do art.º 43.º n.º 1 do CP, qual inexoravelmente evitaria a prática de factos da mesma natureza.
6-Ofende assim o tribunal o princípio da proporcionalidade e da equidade na escolha das penas, com assento constitucional, e bem assim viola o disposto do art.º 70.º do CP, nos termos do qual deve ser dada sempre prevalência às penas não privativas da liberdade, sempre que estas realizarem a finalidade da punição.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e nessa conformidade, ser revogada a decisão e substituída por outra que declare a nulidade da sentença recorrida por violação do disposto no art.º 379.º n.º 1 al. a) e c), com as legais consequências; sem prejuízo, determine a substituição da pena aplicada por pena de multa, caso assim não se entenda, suspenda a pena a aplicada nos termos do art.º 50.º do CP ou subsidiariamente, caso assim não se entenda, aplique o regime vertido no art.º 43.ºn.º1 al. a), eventualmente com alguma ou algumas das cominações e obrigações constantes do n.º 4 do referido diploma;”.
*
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
*
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido pugnando pela manutenção do decidido, oferecendo as seguintes conclusões: (transcrição)
“IV – CONCLUSÕES
1) Nos presentes autos, foi o recorrente AA condenado, como autor material e na forma consumada, pela prática, em 20/02/2025, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º n.º 1 e n.º 2 do DL n.º 2/98, de 03/01, na pena de 3 (três) meses de prisão.
2) Inconformado com esta condenação, dela veio o recorrente interpor recurso, sustentando que a sentença é nula por falta de fundamentação, quanto à escolha da pena aplicada e ainda por falta de fundamentação sobre a substituição da pena de prisão aplicada.
3) Cremos que não assiste razão ao recorrente, pois da leitura da sentença, na parte que diz respeito à “determinação da medida pena” decorre que o Tribunal recorrido considerou que o recorrente, perante a justificação que apresentou para conduzir um veículo automóvel sem habilitação legal – comparecer na Esquadra da PSP após solicitação para tal, não se deslocou até tal local de forma lícita, como por exemplo, fazendo-se transportar em táxi ou através de boleia ou através de transporte público, pesando assim a escolha imediata e irrefletida do recorrente pela conduta ilícita.
4) O Tribunal recorrido não olvidou o passado criminoso do recorrente, salientado que o mesmo há um ano atrás viu extinta uma pena de quatro anos de prisão.
5) Por outro lado, foi também tido em conta que uma parte significativa das condenações efetuadas na ... se reportam a crimes de condução de veículo automóvel sem habilitação legal.
6) Decorre da leitura da sentença recorrida, p. 10 e s.s., que o Tribunal recorrido fundamentou a sua opção de aplicar ao recorrente uma privativa da liberdade, considerando as elevadas exigências de prevenção geral e especial do caso, bem como a culpa do agente.
7) O Tribunal recorrido valou as circunstâncias acima descritas e, concluindo que nada abonava a favor do recorrente, entendendo assim ser de aplicar ao recorrente uma pena de prisão, sustentando que a pena não deveria ser substituída por outra, por considerar que o cumprimento de pena de prisão efetiva se mostra essencial e adequado às finalidades da punição.
8) O recorrente sustenta ainda que a pena aplicada deveria ser suspensa ou deveria ter sido aplicado o regime de permanência na habitação, conforme decorre do artigo 43.º do Código Penal.
9) Em primeiro lugar, não vemos que seja possível concluir, como pretende o recorrente AA, que as exigências de prevenção especial “não são elevadas” ou que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, logo não vemos como possível suspender a execução da pena aplicada.
10) Veja-se que o recorrente AA não revelou verdadeiro arrependimento, tanto assim é, que, não obstante, tivesse sido detido em flagrante delito, tentou sempre justificar a sua conduta, imputando a responsabilidade do seu ato ao OPC, que supostamente o havia chamado com urgência à Esquadra da PSP.
11) Além disso, ficou provado que o recorrente AA já sofreu mais de uma dezena condenações anteriores, sendo que apenas há um ano atrás foi extinta a pena de quatro anos de prisão efetiva aplicada ao recorrente.
12) Deste modo, atento o percurso de vida do recorrente AA, cremos que existem sérias razões para duvidar da capacidade deste de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, pelo que o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada, visto que recorrente demonstra bem a sua insensibilidade às advertências contidas nas suas anteriores condenações e demonstra elevada propensão para a prática de crimes, fazendo fenecer qualquer esperança de por meio da suspensão da pena manter o recorrente afastado da criminalidade.
13) Por último, cremos que não é de aplicar o regime de permanência na habitação por não se encontrar preenchido o requisito material, ou seja, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, pelas circunstâncias acima enunciadas, verificando-se assim que as exigências de prevenção geral e especial são elevadas e, por nada abonar a favor do arguido, apenas a reclusão em estabelecimento prisional tem a potencialidade de realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma incriminadora e satisfazer as necessidades de ressocialização de recorrente, constituindo um forte sinal de reprovação do crime em apreço.
14) Entende-se, então, que não foram violadas as normas dispostas nos artigos 40.º, 43.º, 50.º, 70.º, 71.º do Código Penal, nem a sentença é nula por força do artigo 379.º n.º 1 a) e c) do Código de Processo Penal, pelo que, deve manter-se intocado a douta sentença recorrida.”
*
Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a argumentação da resposta ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença proferida.
*
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º/2 do Código de Processo Penal, sem resposta do arguido/recorrente.
O processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º/3, b) do Código de Processo Penal.
II- Questões a decidir:
Preceitua o art, 412.º, n.º 1, do CPPenal que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
É consabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou de nulidades que não se considerem sanadas, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na decorrência dos argumentos expendidos em sede de motivação.
No caso dos autos as únicas questões suscitadas no recurso interposto prendem-se com a eventual nulidade da sentença ao abrigo do disposto no art. 379º, 1, al. a) e c) do CPPenal; com a escolha da pena, considerando o recorrente que lhe deveria ser aplicada uma pena de substituição, como a de multa ou a de suspensão de execução da pena e, finalmente, defendendo que, caso assim se não entenda, sempre a pena de prisão efectiva deve ser cumprida em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica.
*
III – Da sentença recorrida (transcrição parcial):
“Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1.) No dia 20 de Fevereiro de 2025, antes das 12h55, o arguido encontrava-se a trabalhar numa obra na ... quando recebeu o telefonema de um agente da PSP da esquadra de ..., dizendo-lhe que era um assunto urgente e que ele tinha de estar na esquadra em vinte minutos.
2.) O arguido pegou então no seu carro e dirigiu-se à esquadra.
3.) Assim, pelas 12h55, na ..., em ..., o arguido conduziu o veículo automóvel com a matrícula ..-..-ED.
4.) O arguido não é titular de carta de condução.
5.) O arguido agiu assim de forma livre, deliberada e consciente, querendo conduzir bem sabendo que não possuía habilitação legal para conduzir e que não podia conduzir sem se encontrar legalmente habilitado.
6.) O arguido sabia que a sua conduta era proibida.
7.) O arguido não vê de uma vista e não sabe ler, motivos pelos quais não consegue habilitar-se para a condução.
8.) O arguido é empreiteiro e ganha cerca de €1.800 mensais.
9.) O arguido vive com uma companheira que é enfermeira e com dois filhos dela.
10.) O agregado vive em casa arrendada, pagando €650 de renda mensal.
11.) O agregado familiar paga ainda €250 mensais por empréstimo bancário resultante da compra da viatura e €125 por um terreno adquirido.
1.) Pela prática a 3 de Novembro de 1992 de um crime previsto no artigo 46º do Código da Estrada foi o arguido condenado por sentença de 3 de Novembro de 1992, na pena de multa de 18.000$00 (Processo...2.../92).
2.) Pela prática a 13 de Janeiro de 1994 de um crime de condução sem carta legal foi o arguido condenado por sentença de 13 de Janeiro de 1994 na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 500$00 (Processo ...).
3.) Pela prática a 30 de Março de 1993 de um crime de emissão de cheque sem provisão foi o arguido condenado por sentença de 19 de Fevereiro de 1996, transitada em julgado a 19 de Fevereiro de 1996, na pena de cinco meses de prisão suspensa por igual período (Processo ...).
4.) Pela prática a 14 de Abril de 1998 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 17 de Abril de 1998, transitada em julgado a 14 de Maio de 1998, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução (Processo ...).
5.) Pela prática a 17 de Maio de 2000 de um crime de furto qualificado na forma tentada e um crime de furto foi o arguido condenado por sentença de 23 de Outubro de 2001, transitada em julgado a 5 de Março de 2003, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por 4 anos (processo ...8.../00).
6.) Pela prática a 5 de Março de 2001 de um crime de furto qualificado foi o arguido condenado por acórdão de 26 3 de Maio de 2002, transitada em julgado a 26 de Janeiro de 2009, na pena de 7 meses de prisão (Processo 358/00.1...).
7.) Pela prática a 11 de Abril de 1998 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 30 de Março de 2004, transitada em julgado a 14 de Abril de 2004, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos (Processo 676/98.7...).
8.) Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal praticado a 28 de Julho de 1998, três crimes de furto qualificado praticados a 31 de Maio de 1994, um crime de roubo praticado a 31 de Maio de 1994, um crime de abuso de confiança praticado a 21 de Maio de 2000 e um crime de descaminho praticado a 30 de Março de 1998 foi o arguido condenado por acórdão de 20 de Dezembro de 2002, transitada em julgado a 11 de Junho de 2003, nas penas de 175 dias de multa à taxa de €4 e na pena de 3 anos e 4 meses de prisão (Processo 111/00.2...).
9.) Pela prática em Setembro de 2004 de um crime de burla qualificada foi o arguido condenado por sentença de 9 de Julho de 2007, transitada em julgado a 16 de Dezembro de 2008, na pena de 3 anos de prisão (Processo 146/04.6...).
10.) Pela prática em 2007 de um crime de furto foi o arguido condenado por sentença de 18 de Maio de 2009, transitada em julgado a 10 de Março de 2021, na pena de 3 meses de prisão (Processo 82/07.4...).
11.) Pela prática a 1 de Dezembro de 2008 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 4 de Abril de 2011, transitada em julgado a 20 de Março de 2023, na pena de 11 meses de prisão (Processo 187/08.4...).
12.) Pela prática a 8 de Setembro de 2008 de um crime de furto foi o arguido condenado por sentença de 26 de Outubro de 2011, transitada em julgado a 13 de Maio de 2021, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por 1 ano (Processo 1259/08.0...).
13.) Pela prática a 18 de Janeiro de 2008 de um crime de burla qualificada foi o arguido condenado por sentença de 4 de Maio de 2021, transitada em julgado a 4 de Junho de 2021, na pena de 2 anos de prisão (Processo 6/08.1...).
*
Nenhuns outros factos resultaram provados.
*
Motivação.
Os factos provados assentaram no reconhecimento dos factos efectuado pelo arguido, o qual descreveu a sua actuação tal como foi acima relatada. Descreveu ainda as suas condições pessoais e económicas.
Em relação aos antecedentes criminais, o tribunal tomou em consideração o CRC do arguido junto a fls. 16 e seguintes.
*
Fundamentação de Direito.
O crime de condução sem habilitação legal encontra-se previsto no art.º 3º do DL 2/98, de 3/1.
O preenchimento desse tipo legal, do lado objectivo, basta-se com a condução de veículo motorizado na via pública ou equiparada sem a habilitação com a necessária carta de condução ou licença de condução para o fazer, nos termos dos art.ºs 121º do Código da Estrada.
O documento que titula a habilitação legal para conduzir designa-se carta de condução – art.º 121º, n.º 4, do Código da Estrada.
A punição pela não habilitação legal varia consoante a tipologia de veículo motorizado conduzido: prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias para a condução de veículo a motor que não seja motociclo ou automóvel e prisão até 2 anos ou multa até 240 dias para a condução de motociclo ou automóvel – n.º 1 e 2 do art.º 3 do DL 2/98, de 3/1.
No que se reporta ao tipo de ilícito subjectivo, basta-se este com a verificação de dolo em qualquer das suas modalidades.
Da análise da matéria provada dúvidas não restam sobre o preenchimento do tipo legal pelo arguido, tanto na vertente objectiva como subjectiva.
Com efeito, ao conduzir na via pública um automóvel sem ser titular de carta de condução e com a devida consciência da ilicitude de tais factos, incorreu o arguido na prática do crime previsto e punido pelo atrás mencionado art.º 3º, n.º 2, do DL 2/98.
*
Determinação da medida da pena
A aplicação de uma pena tem como fundamento a prevenção geral de integração e a prevenção especial, isto é, visa a tutela de bens jurídicos, através da censura e responsabilização do agente pelo comportamento delinquente e a reinserção deste na sociedade, constituindo a sua culpa um limite intransponível da pena.
A pena a aplicar ao arguido deve responsabilizá-lo efectivamente perante a sociedade, tendo em vista a prevenção geral de integração.
Há que ter em conta todos os factos descritos e o disposto nos art.ºs 70º e 71º do C. Penal.
No caso concreto, tanto a ilicitude do facto como a culpa do arguido se mostram de grau elevado.
O arguido procurou justificar a condução com a notificação telefónica que lhe foi feita para se apresentar de imediato na esquadra de Angra do Heroísmo, como se o agente que lhe telefonou lhe tivesse ordenado que comparecesse a todo o custo.
O arguido não está habilitado para a condução, pelo que está habituado (não tem outra alternativa) a viver e a satisfazer as necessidades próprias e as dos seus sem recorrer à condução: a sua vida é planeada e vivida sem contar com a utilidade de ter uma viatura.
Tinha o arguido ao seu dispor várias condutas lícitas possíveis que evitariam o cometimento do crime: chamar um táxi, pedir boleia a alguém, apanhar a urbana que liga a ... a ... ou, até, dizer que não podia ir por não ter meio de transporte. Nenhuma destas alternativas exigia demasiado de si, estando todas elas ao seu alcance sem demasiado esforço.
É especialmente de censurar, no caso dos autos, a escolha imediata e irreflectida do pior caminho, o do acto criminoso que praticou já várias vezes e pelo qual foi já advertido anteriormente por pena de prisão efectiva: o arguido conjecturou na sua consciência um problema que apenas teve como solução o crime.
O arguido já não é delinquente primário, tendo mau comportamento anterior. Apenas há um ano atrás foi-lhe extinta uma pena de quatro anos de prisão.
As necessidades de prevenção especial manifestam-se, por isso mesmo, candentes.
Por outro lado, é de atender às exigências de prevenção geral, as quais se mostram-se rigorosas atenta a ressonância ético-social da conduta desviante do arguido nesta nossa comunidade. E para se perceber o quão forte ela é, basta atentar que uma parte muito significativa das condenações efectuadas nesta ilha se reportam a crimes de condução sem habilitação legal.
E não por acaso, no relatório do European Transport Safety Council de 2023, Portugal surge ainda em quinto lugar no número de mortos por milhão de habitantes (62 por milhão), bem acima da média europeia de 46 por milhão, apesar de apresentar melhorias ao longo dos anos, tendo, contudo, sofrido um agravamento de 15% no número de mortos entre 2021 e 2022, bem acima do aumento do volume de tráfico1.
E, nas palavras expressivas do Acórdão da Relação de Lisboa de 13/07/2016, Processo 202/16.8PGDL.L1-3 (pesquisável em www.dgsi.pt) o “álcool na condução rodoviária é uma praga que os portugueses têm de erradicar, como já aconteceu noutros países”. Depois de fazer referência às estatísticas dos acidentes de viação, dos feridos e mortos que aqueles deixam atrás de si, bem como dos números de processos envolvendo crimes rodoviários, conclui aquele tribunal assim: “O que cremos com isto tudo realçar é que a criminalidade rodoviária seja no círculo dos crimes relativos à condução sob a influência de álcool, seja na condução sem carta, seja em situações com consequências mais graves, como é o caso do homicídio negligente, seja na desobediência ou recusa a ordens que têm a ver com o fiscalização do trânsito, têm um peso desproporcionado no âmbito do conjunto de crimes que abrangem o sistema penal e exigem, por isso, uma perceção específica por parte de quem aplica as leis, designadamente em termos de valoração da prevenção.”
A favor do arguido nada abona.
A pena de multa, face ao descrito cenário, não é comunitariamente aceitável, sendo manifesto que o arguido não soube aproveitar as oportunidades que lhe foram dadas para se emendar e para demonstrar que havia interiorizado a censurabilidade da sua conduta.
Sendo patente que a conduta em apreciação nestes autos não constituiu um acto isolado e esporádico na vida do arguido, mas antes um acto de total indiferença e mesmo desprezo para a necessidade de se habilitar para a condução de viaturas a motor, torna-se inevitável a aplicação de uma pena privativa da liberdade.
De acordo com esta avaliação, a pena de três meses de prisão afigura-se ajustada.
Tendo presente o pesado registo criminal do arguido e a panóplia de condenações que foi sofrendo, não pode o tribunal entender como suficientemente ressocializadora ou protectora da comunidade qualquer uma das penas substitutivas do efectivo encarceramento em meio prisional previstas no catálogo legal. E a dar sustento a esta dura posição aí está a anterior condenação em pena de prisão efectiva cujo cumprimento terminou há precisamente um ano.”
*
Do certificado de registo criminal do arguido resulta ainda que:
- No âmbito do processo nº 293/22.2... foi efectuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos nºs. 6/08.1...-A, 146/04.6... e 82/07.4..., tendo o arguido sido condenado na pena única de 4 anos e 4 meses de prisão.
- Tal pena foi declarada definitivamente extinta com efeitos em 25 de Fevereiro de 2024, após período de liberdade condicional.
*
Questão prévia:
Constata-se que do ponto 11.11) da matéria de facto dada como provada na sentença em recurso consta um manifesto lapso de escrita.
Com efeito, aí se refere que “Pela prática a 1 de Dezembro de 2008 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 4 de Abril de 2011, transitada em julgado a 20 de Março de 2023, na pena de 11 meses de prisão (Processo 187/08.4...)” quando o que, na realidade, se queria dizer era que “Pela prática a 1 de Dezembro de 2008 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 4 de Abril de 2011, transitada em julgado a 20 de Março de 2013, na pena de 11 meses de prisão (Processo 187/08.4...)”.
Assim, ao abrigo do preceituado no 380º, nºs 1, alínea b), e 2 do Código de Processo Penal, corrige-se, neste momento, o citado lapso passando o ponto em causa a ter a seguinte redacção: “Pela prática a 1 de Dezembro de 2008 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 4 de Abril de 2011, transitada em julgado a 20 de Março de 2013, na pena de 11 meses de prisão (Processo 187/08.4...)”
*
*
IV- Do mérito do recurso:
No recurso interposto o arguido invoca, desde logo, a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no art. 379º, nº 1, als. a) e c), considerando que na decisão em recurso não foi devidamente ponderado, por referência aos factos e à posição do arguido perante estes, a eventual aplicação de uma pena de substituição, como a multa de substituição ou a suspensão da execução da pena.
Mais acrescenta que não se tendo concluído pela substituição da pena de prisão, sempre deveria tal pena ser cumprida em regime de permanência na habitação.
Relativamente à pena de multa de substituição refere o recorrente que se justificava a aplicação de tal pena, pois considera que a mesma seria suficiente para o inibir da prática de crimes, desde logo porque é o único sustento do seu agregado familiar, tendo confessado os factos e revelado arrependimento.
No que tange, à opção pela suspensão da execução da pena afirma igualmente que não foi ponderada a sua confissão integral, o arrependimento demonstrado, nem a sua integração profissional e familiar.
Finalmente, no que diz respeito ao cumprimento da pena de prisão aplicada em regime de permanência na habitação, reitera a sua confissão e a circunstância de se encontrar familiar e profissionalmente inserido, sendo o sustento da sua família, cujo rendimento, sofrerá consequências desastrosa com a falta do respectivo salário.
Mais acrescenta que tal modo de cumprimento da pena, pelas suas características e constrangimentos associados, também é apto a evitar que comportamentos da mesma natureza se repitam no futuro.
Na decisão objecto de recurso considerou-se, a propósito das penas de substituição que “Tendo presente o pesado registo criminal do arguido e a panóplia de condenações que foi sofrendo, não pode o tribunal entender como suficientemente ressocializadora ou protectora da comunidade qualquer uma das penas substitutivas do efectivo encarceramento em meio prisional previstas no catálogo legal. E a dar sustento a esta dura posição aí está a anterior condenação em pena de prisão efectiva cujo cumprimento terminou há precisamente um ano”.
Como é consabido, são vastos os lugares legais que privilegiam a aplicação de penas não privativas da liberdade quando em cotejo com aquelas limitadoras da liberdade ambulatória de um cidadão.
Paradigmaticamente, é de atentar o disposto no art. 70º do Código Penal, cujo teor é explanado sob a epígrafe de “critério de escolha da pena”, impondo a preferência pelas penas não detentivas, desde que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, sempre que a aplicação daquelas permita concluir que a "protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" (artigo 40.º, n.º 1, do CP) estão asseguradas.
FIGUEREDO DIAS, in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, 1993, Aequitas, pág. 331 refere que “(…) o tribunal deve preferir à pena privativa da liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”.
A páginas 333, o mencionado autor escreve, ainda: “Mas qual então o papel da prevenção geral como princípio integrante do critério geral de substituição? Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (…) como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela de bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.”
Estatui o art. 45º, 1 do CPenal que “A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.”
Ou seja, na norma citada encontra-se expresso o citado princípio de política criminal de preferência por penas não detentivas, bem como de luta contra as penas curtas de prisão.
Nas palavras do autor e obra supra citados, página 327, desde o final de século XIX que na Alemanha se vinha considerando que “(…) as penas curtas de prisão seriam não apenas inúteis, mas produtoras de danos mais graves do que aqueles que derivariam da plena impunidade dos agentes. A partir daqui, a condenação político-criminal das penas curtas de prisão tornar-se-ia praticamente definitiva e a questão passou a ser a das formas da sua substituição, nomeadamente através dos instrumentos clássicos da suspensão da execução (surcis) e da multa. Reconhecido ficava que à pena curta de prisão não podia caber a satisfação de qualquer das finalidades que a pena deveria cumprir: nem de prevenção especial – fosse através das ideias da neutralização ou da segurança, descabidas perante a pequena criminalidade que as penas curtas de prisão se destinavam, pela natureza das coisas, a combater, fosse por via das ideias da advertência ou da socialização, cuja consecução a pequena duração da prisão impedia completamente; nem da prevenção geral – fosse sob a forma negativa de intimidação (que para ser eficaz, teria de ser injusta), fosse sob a forma positiva de integração (que seria inclusivamente prejudicada, pelo facto de se utilizar o mesmo instrumento – a pena de prisão – para a mais grave e a mais leve criminalidade).”
Isto é a multa de substituição destina-se a obstar, até ao limite, à aplicação das penas curtas de prisão, constituindo um específico instrumento de combate à pequena criminalidade.
Assim, aquando da aplicação de pena de prisão inferior a 1 ano, como ocorreu no caso dos autos, impõe-se fundamentar especificamente a não substituição da pena curta de prisão por pena de multa, designadamente, neste caso, para que se compreenda a opção feita à luz do critério estabelecido na lei de “ser a execução da prisão exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes” – ou outra pena não privativa da liberdade.
Na verdade, ainda que se forma sintética devem explicitar-se as razões de facto e de direito, pelas quais, naquele caso específico, a necessidade de prevenir futuros crimes exige a execução da pena de prisão.
Com efeito, as penas de substituição em geral, bem como concretamente a pena de multa de substituição, destinam-se a possibilitar o cumprimento das finalidades da punição, lutando-se, concomitantemente, contra os efeitos nocivos que o cumprimento de uma pena curta de prisão necessariamente implica.
Na realidade, as penas curtas de prisão têm um forte risco dessocializador do condenado, designadamente ao nível familiar e profissional, não permitindo, por outro lado, a reinserção social do delinquente, enquanto objectivo da execução da pena de previsão a que se alude no art. 45º do CPenal, precisamente pela curta duração que a caracteriza, insuficiente para que o recluído se apetreche com as valências necessárias à vida em comunidade.
No caso dos autos, não pode deixar de se concluir que a fundamentação da não aplicação de penas de substituição foi efectuada de modo genérico em relação a toda a panóplia de penas de tal espécie, sem que se tenha dado nota das concretas razões por que se não optou por qualquer uma das penas de substituição.
Na verdade, a decisão em recurso limitou-se a fazer referência a anteriores condenações do recorrente e ao facto de a última pena que o mesmo cumpriu ter sido de prisão e ter sido julgada extinta há um ano para, desde logo e apenas por isso, afastar a aplicação de qualquer das penas de substituição que elenca.
Ora, não se pode olvidar que a fundamentação das decisões judiciais, nomeadamente das sentenças tem como finalidades “(1) permitir o controlo da legalidade do acto, (2) convencer os interessados e os cidadãos em geral da correcção e justiça da decisão e (3) obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo” – cfr. Ac do TRE de 13/03/2007, proferido no proc. nº 2453/06-1, em que foi relator ANTÓNIO JOÃO LATAS.
Contudo, apesar de a fundamentação se apresentar relativamente escassa tal constatação não legitima a conclusão que a mesma consubstancia a emergência de uma nulidade. Ou seja, a boa técnica jurídica e a teleologia imanente à necessidade de fundamentação implicariam uma actividade discursiva mais detalhada e uma análise ponderada de cada uma das penas de substituição per se e, bem assim, a alusão à concreta e específica motivação do respectivo fundamento. Todavia, a constatação dessa fragilidade não equivale à detecção de uma nulidade, uma vez que a sentença recorrida explica inteligivelmente as razões por que afasta a substituição da pena; não se alonga, na verdade, nessa questão; contudo, não obstante e como já dito, expressa de modo suficientemente claro a razão da decisão, tornando-a passível da discussão promovida pelo recorrente. Ou seja, na verdade não se está perante uma invalidade da decisão – mormente a nulidade – mas perante uma divergência sobre a interpretação dos comandos jurídicos que regem esta materialidade. De resto, também é certo que não pode deixar de se concordar que, no caso concreto, a pena de prisão é a única susceptível de prevenir o cometimento de futuros crimes.
Com efeito, sendo certo que resulta dos factos provados que o recorrente se encontra laboral e familiarmente inserido, não é menos verdadeiro que o mesmo foi anteriormente condenado pela prática de 6 crimes, de idêntica natureza, em penas de multa, de suspensão de execução da pena e, finalmente, de prisão efectiva, para além de outros crimes, designadamente contra o património, por que tem vindo a ser condenado ao longo da sua vida (num total de 13 condenações anteriores), tendo já cumprido penas de prisão a última das quais foi declarada definitivamente extinta com efeitos em 25/02/2024.
Ora, nenhuma de tais penas constituiu suficiente advertência a fim de evitar a prática de outros (novos) crimes, nunca tendo, até ao momento, o recorrente conseguido consciencializar-se que, não tendo carta de condução, não pode conduzir viaturas automóveis seja em que circunstâncias forem.
Na verdade, como resulta comprovado do comportamento do recorrente, com as sucessivas condutas delituosas que veio adoptando, a pena de multa em nada contribuiria para que o mesmo interiorizasse a censurabilidade dos seus comportamentos delituosos, evitando o cometimento de novos crimes, quiçá da mesma natureza daquele em causa nos autos.
Por outro lado, alude, como factores a ter em consideração na escolha da pena a aplicar, ao facto de ter confessado os factos e se mostrar arrependido.
Ora, deve dizer-se que, no caso, a confissão do arguido não é particularmente significativa, uma vez que que o mesmo havia sido detido em flagrante delito pelas entidades policiais competentes.
No que tange ao putativo arrependimento referido pelo arguido tal será meramente uma declaração de intenções, na medida em que o mesmo, como já se disse, apesar de todas as penas em que já foi condenado, volta sempre a delinquir.
É certo que também se verifica que os factos por que foi anteriormente condenado ocorreram todos até ao ano de 2008. Contudo, as últimas 3 condenações, algumas delas em pena de prisão efectiva, apenas transitaram em julgado no ano de 2021, pelo que apenas após tais datas as penas determinadas foram então cumpridas pelo arguido.
Ora, mesmo assim e como já se disse, as aludidas condenações e os subsequentes cumprimentos das penas não constituíram suficiente advertência para uma inflexão de rumo, tendo o recorrente voltado a delinquir.
Acresce que as exigências de prevenção geral são, no caso, de relativa premência, atendendo aos elevados números de sinistralidade verificados em Portugal, cuja origem está muitas vezes associada à falta de habilitações para conduzir viaturas automóveis, actividade que atenta a sua própria natureza é já de si perigosa. Assim, apesar de no caso concreto não existir notícia de que o recorrente tenha, com a sua conduta, causado perigo para concretos bens jurídicos, atenta a natureza perigosa da citada actividade é necessário que seja compreendido por todos que apenas os habilitados podem conduzir veículos motorizados na via pública.
O recorrente pretende, ainda, que a pena de prisão aplicada seja substituída pela suspensão da respectiva execução, invocando exactamente os mesmo fundamentos que, na sua opinião, deveriam ter levado à substituição da pena aplicada por pena de multa.
Estatui o artigo 50.º do CP, n.º 1, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Mais uma vez, deve dizer-se que não assiste razão ao recorrente relativamente à aplicação de tal pena de substituição, designadamente porque o percurso delinquente do recorrente inviabiliza o juízo de prognose de que a simples ameaça da pena de prisão se afirmaria como suficiente para realizar as finalidades da punição.
Na verdade, importará sublinhar o facto de ter cometido o crime em causa nos autos, quando apenas tinha decorrido um ano desde a extinção da última pena cumprida, mais concretamente de uma pena de prisão em que lhe havia sido concedida liberdade condicional; ou seja, um período que poderia ter aproveitado para frequentar a escola e assim adquirir as competências necessárias, designadamente ao nível da sua alfabetização, para que lhe fosse possível habilitar-se com a carta de condução.
É certo que o mesmo, actualmente, se encontra profissional e familiarmente inserido, tendo confessado os factos.
Contudo, não demonstrou, com o comportamento assumido nos autos, que tenha compreendido o desvalor de condutas como aquelas em causa neste e naqueles processos em que foi anteriormente condenado, verificando-se que as penas anteriormente aplicadas não foram suficientemente contentoras dos seus comportamentos infractores. Ou seja, revelou, na prática dos factos em causa nos autos, uma personalidade que impõe a necessidade de aplicação de pena privativa da liberdade, justamente porque os presentes autos traduzem a adopção de condutas repetidamente delinquenciais. Isto é, a ressocialização do arguido obriga a que faça uma reflexão sobre a natureza das condutas que praticou e interiorize a gravidade das respectivas acções, na justa medida em que a sobredita reflexão e a aquisição de valências para controlar esse modo de agir se mostra inconciliável com a permanência em liberdade.
Com efeito, face à repetição da prática do mesmo tipo de ilícitos, tornou-se patente que o facto cometido não constituiu um acto isolado, um simples acidente de percurso, demonstrando, ao invés, que a mera ameaça da pena não evitaria que voltasse a delinquir.
Acresce que as exigências de prevenção geral são igualmente relevantes, atentos os motivos já supra referidos a propósito da eventual pena de multa de substituição.
Assim, finalmente, caberá, então, determinar da verificação dos pressupostos para o cumprimento da pena de 3 meses de prisão em que o recorrente foi condenado em regime de permanência na habitação.
Preceitua o art. 43º, n.º 1 do CPenal que “Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão (efetiva) não superior a dois anos; b) A pena de prisão (efetiva) não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º”
Decorre do estatuído no mencionado inciso legal que os pressupostos para que a execução de uma pena de prisão efectiva seja cumprida em RPHVE são os seguintes:
- o consentimento do condenado;
- que a pena de prisão (efectiva) que o condenado tenha de cumprir não seja superior a dois anos;
- que pelo regime de permanência na habitação se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.
Ora, mostrando-se preenchidos os mencionados pressupostos o Tribunal tem o poder-dever de determinar a execução da pena de prisão efectiva em regime de permanência na habitação.
O regime de permanência na habitação, com VE, sendo um modo de cumprimento da pena de prisão efectiva não superior a dois anos de prisão, não se confunde com as penas de substituição, como a multa, suspensão da execução da pena de prisão ou a prestação de trabalho a favor da comunidade.
Na verdade, está-se perante um modo de cumprimento de uma pena privativa da liberdade que visa fomentar a ressocialização do condenado, designadamente com a sua manutenção no seio familiar, bem como podendo desenvolver actividade laboral, evitando-se os nefastos efeitos decorrentes da reclusão intramuros, isto é, em estabelecimento prisional.
Aliás, face à actual redacção do art. 43º do CPenal, introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, no que diz respeito a penas de prisão até dois anos o cumprimento da pena privativa da liberdade em estabelecimento prisional constitui a última opção, para aquelas situações em que a execução em RPHVE já não seja de todo adequada.
No caso dos autos o recorrente foi condenado em pena de 3 meses de prisão, sendo certo que decorre do recurso apresentado que dá o seu consentimento a tal modo de cumprimento da pena de prisão aplicada.
Como supra já se deixou dito, no nosso ordenamento jurídico, existe uma clara opção pela aplicação de medidas não privativas da liberdade e quando a pena de prisão seja a única elegível, o respectivo cumprimento na habitação deve ser o regime escolhido, precisamente com o objectivo de melhor garantir a ressocialização dos condenados e evitar os efeitos perniciosos da reclusão.
É certo que tais objectivos do legislador nem sempre são integralmente cumpridos pelo aplicador, sendo disso sinal evidente o elevado número de reclusos que cumprem penas nas prisões portuguesas, isto apesar de Portugal ser indiscutivelmente um país com baixos níveis de criminalidade.
De resto, para esse paradoxo chamou a atenção o Conselheiro Henriques Gaspar (presidente emérito do STJ) quando alertou para a disfunção entre uma sociedade aparentemente pacífica e a existência de um maior número de presos, bem como de um mais elevado tempo de permanência nos Estabelecimentos Prisionais.
Com efeito, muito embora a escolha e a determinação da medida da pena tenham uma vinculação legal forte, são um espaço de interpretação jurídica em que a pessoa do concreto aplicador tem um peso inesquecível.
Ou seja, a desejável objectividade é de consecução impossível, uma vez que, nessa tarefa, adquire importância decisiva a mundividência própria do julgador. Compete, pois, ao legislador e à jurisprudência firmar o pano de fundo que permita estabelecer as coordenadas essenciais das operações a realizar, justamente para tornar o mais objectivas possíveis as operações a que nos reportamos.
Desde logo, é consabido que para obter uma melhor ressocialização do condenado é muito importante que este permaneça afastado dos efeitos criminógenos da reclusão, mantendo-o tanto quanto possível nas mesmas condições de vida dos cidadãos em liberdade, evidentemente sujeito a um conjunto de regras especificas decorrentes do cumprimento de uma pena de prisão efectiva, mas evitando afastá-lo do seu meio de residência e de trabalho. No caso dos autos, conforme decorre da factualidade apurada na decisão recorrida, o condenado encontra-se familiarmente enquadrado (vive com a companheira e com dois filhos desta em casa arrendada) e laboralmente integrado – trabalha na construção civil. Com a permanência na habitação o condenado poderá, designadamente com o auxílio a prestar pela DGRSP, melhor se preparar para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, designadamente consciencializando-o da necessidade de se empenhar na aquisição das competências necessárias que lhe permitam habilitar-se com a carta de condução. Com efeito, tal regime de execução da pena permitirá que permaneça junto da sua família e possibilitará a conservação da actividade laboral que actualmente desenvolve.
Na hipótese dos autos, não se pode olvidar, como se salienta na sentença objecto de recurso, que o condenado tem antecedentes criminais, tendo 13 condenações anteriores, com início em Novembro 1992, em penas não privativas da liberdade e penas de prisão efectiva.
Contudo, todas as penas em que foi anteriormente condenado se encontram neste momento extintas. Acresce que também se não pode olvidar que os crimes anteriormente cometidos pelo arguido haviam ocorrido até aos longínquos anos de 2007 e 2008, isto apesar de as três últimas condenações somente terem transitado em julgado por motivos que se desconhecem, em 10 de Março de 2021, 13 de Maio de 2021 e 4 de Junho de 2021.
Ora, tal circunstancialismo é adequado – como supra já de adiantou – a que se tenha optado por uma pena de prisão efectiva e já não por qualquer uma das possíveis penas de substituição. Contudo, tal tipologia de conclusão não pode ser usada, sem mais, para rejeitar a possibilidade de a pena de prisão (efectiva) poder ser executada em regime de permanência na habitação.
Com efeito, o cumprimento de uma pena de prisão efectiva – pois é disso que aqui se trata – em RPHVE implica para o arguido a real perda da liberdade; a única coisa que, nesse aspecto, assume contornos diferentes é o local de cumprimento da citada pena.
Ou seja, a circunstância de exigências de prevenção justificarem a aplicação de uma pena de prisão efectiva em nada colide com o cumprimento da aludida pena na habitação. Na verdade, a modelação das penas de acordo com a ideia de um direito penal de matriz humanista e, bem assim, com o princípio constitucional da necessidade das penas surge como uma imposição inarredável do Estado de Direito, com consequências óbvias no parâmetro das respectivas escolha, determinação e execução. O mesmo é dizer que os referidos princípios têm integral cabimento no que tange à opção pelo modo de execução da pena, devendo ser levados em conta nesse específico segmento decisório.
No caso dos autos, importa sublinhar que embora o arguido tenha cometido um crime da mesma natureza após a última condenação em pena de prisão efectiva, cujo trânsito em julgado ocorreu em 20 de Março de 2013, não se pode por outro lado olvidar, como supra já se disse, que que tal condenação respeita a factos praticados em 1 de Dezembro de 2008 – isto é, entre a prática dos factos ilícitos aí em causa e aqueles que originaram os presentes autos decorreram cerca de 14 anos.
Ora, atento o referido período de tempo decorrido, entre a prática dos factos considerados na condenação anterior até ao cometimento do novo crime agora em causa, é de concluir que, se durante esses cerca de 14 anos o arguido não cometeu qualquer crime, a pena anteriormente aplicada algum efeito terá tido, se bem que não com o completo êxito que se pretendia.
Assim, deve dizer-se que, como é reconhecido na decisão objecto do recurso, atendendo ao diminuto grau de ilicitude da conduta do arguido – condução sem habilitação legal, mas sem que com tal conduta tenha causado um perigo concreto para bens jurídicos, estando o mesmo familiar e laboralmente inserido – não se pode considerar que as exigências de prevenção geral imponham a execução da pena em estabelecimento prisional, já que o sentimento da comunidade na confiança na validade das normas que proíbem a condução sem habilitação legal pode ainda considerar-se alcançado com o cumprimento de uma pena de prisão (efectiva) quer na prisão, quer na habitação do condenado.
No que tange às exigências de prevenção especial, também se mostram alcançadas com o cumprimento da prisão na residência do recorrente, uma vez que o condenado fica privado da liberdade e sujeito, necessariamente, a um apertado controlo e acompanhamento individualizado por parte da DGRS – cfr. art. 20º da Lei 33/2010, de 2 de Setembro. Releva, fundamentalmente, que desse modo o condenado poderá manter a respectiva ocupação, podendo continuar a contribuir para o sustento da sua família – o que deixaria de ocorrer, caso fosse cumprir a prisão intramuros.
Deve, ainda, acrescentar-se que o regime de permanência na habitação não se limita à mera colocação do condenado na habitação; na verdade, a indispensável individualização da execução da pena impõe a adopção de regras de conduta como a frequência de programas de prevenção rodoviária, o que contribuirá para a ressocialização do recorrente, cumprindo a finalidade da prevenção especial.
Na verdade, preceitua o art. 43º, 3 do CPenal que “O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado”, o que bem se compreende – o fim das penas detentivas é sempre, em última análise, a reinserção social dos condenado, que será muito mais facilmente alcançada com o exercício de uma determinada actividade laboral quer em reclusão, quer no caso do seu cumprimento em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica. Com efeito, mesmo na prisão, os condenados podem (dir-se-ia mesmo, devem) trabalhar, a fim de que uma vez regressados à vida no exterior seja mais fácil a sua reintegração comunitária.
Assim, atenta a importância que assume para a vivência em sociedade da manutenção de uma vida laboral activa, desde já se autoriza o condenado a poder ausentar-se da habitação a fim de que possa comparecer no seu local de trabalho, em horário a fixar oportunamente após a elaboração pela DGRS da informação a que aludem os art. 19º, 1 e 2 e 7º, 2 da Lei 33/2010 de 2 de Setembro.
Ou seja, preenchidos que se mostram os pressupostos de que, nos termos do artigo 43º, n.º 1 do Código Penal, depende a fixação do regime de permanência na habitação, cumprirá concretizar o quadro técnico em que deverá executar-se a medida, nomeadamente o atinente à instalação dos meios de vigilância electrónica, ao consentimento de familiares, à determinação dos horários de ausência da habitação de acordo com as necessidades que constatarem, seja para o exercício de actividade laboral, seja para a frequência de programas de prevenção rodoviária ou outros que vierem a mostrar adequados. Tal tarefa de detalhe das condições de execução do regime de permanência na habitação para o cumprimento da pena de prisão deve ser levada a cabo pelo Tribunal de primeira instância, realizando as diligências necessárias.
Assim, caberá dar parcialmente provimento ao recurso, alterando a sentença recorrida, decretando que a execução da pena de prisão efectiva aplicada ao arguido seja cumprida em regime de permanência na habitação.
*
3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam as juízas da 9ª secção do Tribunal da Relação do Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, determinar que a pena de três meses de prisão aplicada ao arguido seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
O Tribunal de primeira instância realizará as diligências necessárias à concretização da execução de tal regime de execução da pena de prisão, designadamente fixando os períodos de ausência da habitação para o exercício de actividade laboral por parte do arguido e para a frequência de programas de prevenção rodoviária ou outros que vierem a mostrar adequados.
*
Sem custas (cfr. art. 513º, 1 do CPPenal).
*
Notifique.
Lisboa, 10 de Julho de 2024
Rosa Maria Cardoso Saraiva
Ana Marisa Arnêdo
Marlene Fortuna (com voto de vencido de acordo com a declaração que se segue) Voto de vencido
A simples leitura das alegações recursórias evidência a falta de fundamento da pretensão recursória quanto à pretensão de cumprimento da pena em regime diverso da estabelecida na decisão recorrida e fornece elementos para a sustentação e confirmação da mesma.
Com efeito, como o próprio arguido admite, e decorre dos factos dados por provados nos pontos 1,2,3,4, 7 e respectivos antecedentes criminais, este sofreu condenações pelo crime de condução sem habilitação ilegal desde os anos 90 (1992, 1994, 1998, 2008, a última das quais na pena de 11 meses de prisão efectiva), não é titular de habilitação legal de condução e será muitíssimo improvável que a venha a adquirir, porquanto não sabe escrever, e é possuidor de veículo automóvel.
No dia da prática do crime em apreciação, o arguido saiu do seu local de trabalho a conduzir a sua viatura, pelo que outra inferência não podemos retirar senão a de que também se deslocou para o seu local de trabalho a conduzir.
O arguido, contrariamente ao que sustenta a decisão, da qual se vota vencida, não nega que conduz habitualmente no seu dia a dia, realidade que se infere, sem esforço, das condenações já sofridas e do facto de ser proprietário do veículo por si conduzido no dia dos factos e da falta de literacia que o impede de tentar habilitar-se legalmente a conduzir.
O percurso de vida espelhado nos autos é o de quem conduz habitualmente e não, como se afirma na decisão que obteve vencimento, a de quem entre a prática dos factos ilícitos objecto de condenações anteriores e aqueles que originaram os presentes autos decorreram cerca de 14 anos, sendo de “concluir que, se durante esses cerca de 14 anos o arguido não cometeu qualquer crime, a pena anteriormente aplicada algum efeito terá tido, se bem que não com o completo êxito que se pretendia.”.
Basta, alias, atentar ao teor do auto de notícia e detenção para verificar que o mesmo persiste numa conduta de total indiferença em relação às normas e às advertência que já lhe foram feitas.
Ou seja, o arguido fez - e continua a fazer - “ouvidos moucos” às sucessivas condenações pela prática de crimes de idêntica natureza (e outros), tendo tido várias oportunidades para alterar o seu comportamento, o que, no entanto, não fez, nem mesmo na sequência da prisão efectiva, em que até beneficiou de uma medida de flexibilização declarada extinta a 25.02.2024, voltando, porém, a delinquir decorrido menos de 1 ano sobre a declaração de extinção!
Além disso, torna-se imperioso afirmar que o branqueamento do não cumprimento sistemático e reiterado das medidas não privativas da liberdade de que beneficiou, para além de levar ao desprestígio da Justiça, contribuem para tornar obsoletas e ineficazes tais medidas.
Donde se conclui que a factualidade dada por provada não autoriza que seja dada por preenchida a normatividade plasmada no art. 43.º, n.º 1 do Código Penal, isto é, que o tribunal conclua que o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação realiza “de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão".
Tal modo de execução da pena não realiza, no caso concreto, nenhuma das funções das penas, motivo pelo qual se vota de vencida.