NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário

Sumário:
I - O arguido/reclamante pode não estar concordante com a decisão proferida por esta Relação de confirmação da decisão de condenação da 1ª instância - onde se decidira estar preenchido pelo arguido objectiva e subjectivamente o crime de ofensas corporais simples que vitimou BB, a ele imputado pelo MP – mas tal discordância, não lhe confere legitimidade para imputar o vício da nulidade, nos termos em que o fez, ignorando a expressa e detalhada motivação da decisão, que consta da decisão proferida por esta Relação, no Acórdão reclamado.
II – Omissão de pronúncia significa ausência de decisão sobre questões que a lei impõe que sejam conhecidas, nelas se incluindo quer as questões colocadas à apreciação do Tribunal, pelos sujeitos processuais, quer as que forem de conhecimento oficioso, isto é, aquelas de que o Tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida.
III – No Acórdão da Relação ora reclamado, foi feita de forma inequívoca e clara, uma exposição completa dos motivos de facto e de direito, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, tal como estatui o artigo 374º, do Código de Processo Penal. E todos estes elementos permitem seguir, de forma segura e inequívoca, o exame do processo lógico ou racional que esteve na base da decisão do Tribunal de 2ª instância.
IV – A fundamentação, não tem de se conformar com um modelo rígido e uniforme, devendo ser mais ou menos aprofundada, consoante as particularidades de cada caso: a existência ou inexistência de versões contraditórias ou de pontos que hajam de ser esclarecidos, de forma a que sejam perceptíveis os motivos pelos quais a convicção do Tribunal se orientou num sentido e não noutro.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

1 - Após ter sido notificado do Acórdão proferido em 4.6.2025 por este Tribunal da Relação, veio o arguido e recorrente AA (melhor identificado nos autos), por requerimento de 20.6.2025, imputar a esse mesmo Acórdão, a nulidade por omissão de pronuncia p.p no artº 379º/1 c) do CPP e a nulidade por falta de fundamentação, por violação do no nº 2 do artº 374º do C.P.P.
Alega para o efeito, “A sentença da 1ª instância condenou o arguido com base em factos subjetivos, que, não constando da acusação tal factualidade prevista no artigo 14º do CP, o tribunal não podia fixá-la como provada, como o fez (…) Devido à falta de narração de fatos na acusação no que diz respeito ao preenchimento do elemento subjetivo do crime, o acórdão não podia dar como provado que o elemento subjetivo do crime se mostrava preenchido, porquanto o elemento subjetivo não foi sequer narrado na acusação (11). Aliás, a factualidade fixada como provada é, por si só, insuficiente para responsabilizar criminalmente o arguido pela atuação que lhe é imputável”, o que na sua óptica, integra a nulidade de omissão de pronúncia prevista na alínea c) do artº 379º do C.P.P.
Conclui assim, sublinhando o seguinte: “Não podemos deixar de referir que o tribunal a quo não poderia integrar essa omissão, sob pena de violar a estrutura acusatória do processo penal, o direito de defesa do arguido e as regras dos artigos 18° e 32° da Constituição da República.
Conforme citado no recurso interposto, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2015 impõe que os elementos subjetivos do tipo penal sejam expressamente narrados na acusação, sob pena de nulidade insanável.
Pelo exposto, resulta claro que o acórdão do TRL teve, de forma declarada, pudor ou medo de aplicar o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2015, ferindo-se a ele mesmo de nulidade.”
Por outro lado, veio ainda invocar que o Acórdão da Relação reclamado, padece da nulidade de falta de fundamentação (artº 374º/2 e 379º/1 a) do CPP), sustentando o seguinte: “O acórdão do TRL padece ainda de nulidade, nos termos do artigo 374°, n° 2, do CPP, por falta de fundamentação.
O Tribunal da Relação não apreciou de forma motivada a alegada desconformidade entre os factos provados e os elementos do tipo subjetivo, nem a ausência de descrição factual desses elementos na acusação.
Limitou-se a confirmar genericamente o acórdão de 1ª instância sem responder aos fundamentos concretos de discordância apresentados no recurso, ferindo a decisão de nulidade”.
Pede assim, que sejam reconhecidas essas nulidades do Acórdão ora reclamado, por força do artigo 379º/1 c) e artº 374º, nº 2, do C.P.P., ex vi artigos 379º, nº 1, alínea a) e 425º, nº 4, do C.P.P. com as legais consequências, nos seguintes termos: “requer-se a este Venerando Tribunal que conheça e declare a nulidade do douto Acórdão recorrido, com as legais consequências, nomeadamente a revogação da condenação e a absolvição do arguido, por não estar preenchido o elemento subjetivo do tipo penal e por ofensa aos princípios constitucionais e legais do processo penal.”
2 - Notificado do teor do requerimento deste arguido, para querendo se pronunciar, o Sr. Procurador Geral Adjunto, veio responder em 24.6.25, dizendo em síntese, que o Acórdão proferido por esta Relação de Lisboa em 4.6.2025, não padece de nenhum vício ou nulidade, nomeadamente do vício da omissão de pronúncia (artº 379º/1 c) do CPP) ou de falta de fundamentação, por ausência das menções referidas no nº 2 do artº 374º e artº 379º/1 a) e artº 425º/4 do CPP, uma vez que o Tribunal ad quem, apreciou todas as questões relevantes suscitadas pelo recorrente e fê-lo de forma fundamentada.
Nessa sua resposta veio assim salientar assim, que no Acórdão de 4.6.2025, ora reclamado, a Relação de Lisboa, tratou de forma exaustiva e fundamentada as questões de relevância suscitadas pelo recorrente (a saber, a omissão de pronúncia e a falta de fundamentação do Acórdão recorrido proferido pela 1ª instância em 7.6.2024), analisando-as criticamente.
Pronunciou-se pois desta forma, pelo indeferimento das nulidades por ele suscitadas, no seu requerimento apresentado em 20.6.2025.
3 – Efectuado o exame preliminar, foi o processo à conferência com observância de todo o formalismo legal, cumprindo agora apreciar e decidir.
4. Analisando
Alega o arguido arguente/reclamante AA, que o Acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 4.6.2025, não permite a imediata e exigível compreensão dos fundamentos da decisão proferida por este Tribunal de recurso, no sentido da confirmação da decisão recorrida de condenação do mesmo, proferida em 7.6.2024 pelo Tribunal de 1ª instância, assim padecendo o Acórdão da Relação, do vício de falta de fundamentação.
E que essa falta de fundamentação se verifica, no que respeita à ausência de explicação, sublinhando que no Acórdão de 4.6.2025, o Tribunal de recurso, não apreciou de forma motivada a alegada desconformidade entre os factos provados e os elementos do tipo subjetivo, nem a ausência de descrição factual desses elementos na acusação, verificando-se outrossim o vício da omissão de pronúncia nesse Acórdão da Relação, por não ter havido a apreciação por parte do Tribunal ad quem relativamente a essa questão, suscitada pelo recorrente, da ausência de factos na acusação do MP, que integram o elemento subjectivo do tipo do crime pelo qual foi este arguido condenado.
E que nessa medida, nunca poderia essa omissão factual da acusação, ter sido suprida em julgamento e constar da decisão condenatória final, por configurar tal situação, uma nulidade insanável ao abrigo do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2015.
Quid Juris?
A sentença é, por regra, o acto final do processo que obedece a uma rigorosa estrutura racional, cujas patologias estão definidas de uma forma inequívoca na lei processual.
E preceitua o artº 374º/2 do CPP: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Deste modo, a sentença que não obedeça aos requisitos estabelecidos na lei processual é nula, segundo o disposto no artºs 379º do CPPenal.
Determina o artº 379º do CPPenal, nº 1, nas suas várias alíneas, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 do artº 374º, que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º, e quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Nos termos do nº 2 do artº 379º do CPP, estas nulidades devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao Tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artº 414º.
E de acordo com o nº 1 do artº 123º do CPPenal “qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado”.
Para além deste catálogo de patologias que fulminam o acto da sentença, o legislador português, à semelhança do legislador italiano (que, como se sabe, é uma das fontes do processo penal nacional) consagrou uma «válvula» de segurança que permite, oficiosamente ou a requerimento, sanar ou corrigir a sentença, depois de proferida, quando se detectarem irregularidades, erros, obscuridades ou ambiguidades cuja eliminação não importe modificação essencial e que necessariamente não colidam com os vícios da sentença que importam a sua nulidade.
Daí que se disponha no artº 380º, nº 1 alínea b), do CPPenal que o Tribunal procede oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando esta «contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial».
Por último, preceitua o nº 4 do artº 425º do CPPenal, que o disposto nestes artºs 379º e 380º, é aplicável aos Acórdãos proferidos em recurso.
Postas estas considerações jurídicas, entendemos que no caso concreto ora em análise, não assiste razão ao arguido ora reclamante e que o Acórdão por nós relatado e publicado em 4.6.2025 não padece de qualquer vício ou irregularidade.
No Acórdão aqui reclamado, o Tribunal de recurso só tinha que se pronunciar, como na realidade fez, sobre matéria relevante para a decisão da causa, cujo objeto estava delimitado pelas conclusões do recorrente AA.
Ora dúvidas não se colocam, a partir da simples leitura do texto do Acórdão, que o Tribunal ad quem, apreciou criticamente e fundamentou todas as questões com relevância para a decisão de mérito, colocadas pelo arguido no seu recurso, interposto da decisão condenatória proferida em 7.6.2024 na 1ª instância.
Assim, com a prolação em 4.6.2025, do Acórdão ora reclamado, o Tribunal da Relação de Lisboa esgotou o seu poder jurisdicional para apreciar essas questões colocadas pelo arguido AA em sede de recurso.
Na verdade e ao contrário do alegado no seu requerimento, é patente da simples leitura do texto do Acórdão reclamado, que o Tribunal da Relação fez uma análise crítica da factualidade julgada provada e descrita na sentença condenatória a partir dos factos que constavam da acusação, tendo em consideração a análise conjugada de toda a prova produzida na audiência da 1ª instância, de acordo com o que ficou relatado na motivação da decisão sobre a matéria de facto.
Efectivamente, conforme resulta da simples leitura do Acórdão da Relação ora reclamado, em primeira linha, o Tribunal ad quem apreciou as questões concretas colocadas pelo recorrente, objecto do seu recurso e decidiu:
“Veio o arguido alegar que o Acórdão recorrido padece do vício de omissão de pronúncia (…).
Contudo, no caso ora em apreço, não vislumbramos da argumentação do arguido, que tenha sido de alguma forma, violado o artigo 379º c) da do C.P.P.
Que questões em concreto entende o arguido AA, que não foram alvo de pronúncia pelo Tribunal a quo?
Do Acórdão recorrido, ficou a constar o seguinte enquadramento jurídico, no que respeita à conduta apurada quanto ao arguido recorrente, descrita na matéria de facto provada, cfr passagem a seguir transcrita, com sublinhados nossos: (…) O tipo legal do Artigo 143° fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados ou de uma eventual incapacidade para o trabalho.
Por ofensa no corpo pode entender-se "todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante" (Paula Ribeiro de Faria, citando Eser, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 205) - sob o ponto de vista do bem jurídico protegido não será de ter como relevante a agressão, e ilícito o comportamento do agente, se a lesão é diminuta (falando Figueiredo bias de uma "cláusula restritiva de inadequação social"), não devendo a apreciação da gravidade da lesão fundar-se em motivos e pontos de vista pessoais do ofendido, antes devendo partir de critérios objectivos, não perdendo totalmente de vista factores individuais.
Da perspectiva do elemento subjectivo, o tipo legal em análise exige o dolo em qualquer das suas modalidades explanadas no Artigo 14° do Código Penal.
In casu, verifica-se que os arguidos desferiram em BB, murros e pontapés, que foram causa directa e necessária da fractura do nariz, de edemas e hematomas na face.
Logo, há que concluir que existiu uma lesão no corpo de BB e, consequentemente, que se encontram preenchidos os elementos objectivos do crime. Também o elemento subjectivo se mostra preenchido, pois que os arguidos agiram com o propósito de molestar fisicamente BB.
O que integra o conceito de dolo directo.
Perante o exposto, cumpre agora aferir se a conduta dos arguidos revela uma censurabilidade acrescida, uma especial censurabilidade ou perversidade, fazendo o legislador uso, neste particular, da técnica dos exemplos-padrão usados no crime de homicídio qualificado, para onde remete.
A verificação do preenchimento de um dos exemplos-padrão não implica, sem mais, a verificação do tipo do preenchimento qualificado, tendo que se averiguar da possibilidade de no caso concreto ser formulado um juízo de especial censurabilidade ou perversidade.
Ora, no caso em concreto o que se verifica é a inexistência do preenchimento da alínea g) do nº 2 do Artigo 132° do Código Penal.
De facto, da factualidade dada como provada não resulta que as ofensas tenham sido produzidas para facilitar ou encobrir a prática de um qualquer outro crime. Mas, sim, que foram praticadas porque os arguidos, efectivamente, queriam atingir o corpo de BB, provocando-lhe lesões.
Não se pudendo fazer operar um juízo acrescido de censurabilidade às condutas dos arguidos por essa via. Concluindo-se pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples1.
O qual foi praticado em co-autoria, tal como se mostra imputado aos arguidos.(…)”.
Nada temos a censurar a este enquadramento jurídico, efectuado na 1ª instância, o qual subscrevemos na íntegra e fazemos nosso.
Na realidade, entendemos resultar da simples leitura do Acórdão recorrido, em especial no que respeita à motivação da decisão de facto e bem assim das conclusões do recurso, ser esta pretensão recursiva do arguido manifestamente improcedente.(…).
Por tudo o acima exposto e em conclusão, não se vê onde tivesse o Tribunal de 1ª instância omitido pronúncia, relativamente a “questões concretas” sobre as quais se devesse pronunciar no presente caso, não se verificando assim o vício de omissão de pronúncia a que alude o artº 379º/1/c) do C.P.P.
Acresce que analisado o Acórdão recorrido, constata-se que nele estão indicados os factos provados e os não provados, as provas em que o Tribunal a quo se baseou para dar como assentes tais factos, a análise critica dessas mesmas provas e, de seguida, os motivos de direito que fundamentam a condenação.
Tudo em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 al. a) e b) do artº 374º do C. P. Penal.
Ademais, os factos pelos quais o arguido AA foi condenado, foram aqueles que constam da acusação, tendo apenas sido afastada a agravação do crime de ofensas à integridade física (por não ter sido provada qualquer circunstância na actuação deste arguido, que fizesse operar um juízo de censurabilidade maior, nomeadamente aquele subjacente à alínea g) do nº 2 do artº 132º do CP), sendo assim alterada a respectiva qualificação jurídica e afastado o enquadramento jurídico mais gravoso constante da acusação, por entender o Tribunal a quo, não integrar a conduta do arguido AA, o tipo de crime de ofensa à integridade física qualificada previsto no artº 145º/1 a) do C.P. – não tendo este diferente entendimento sido impugnado pelo recorrente.
Por fim, como bem salientou o M.P na sua resposta, a fundamentação do Acórdão, mostra claramente que o Tribunal recorrido examinou criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção, explicando que o arguido AA Aderiu ao plano formulado pelo arguido CC, tendo a partir de dado momento, tomado parte daquele e passando a ter ambos a execução conjunta.(…)”
É pois algo pacífico e fora de qualquer controvérsia, que este Tribunal da Relação, não pode posteriormente voltar agora, a apreciar ou reformular questões já anteriormente decididas, ainda que a solução por nós defendida em 4.6.2025, na apreciação do recurso do arguido AA, não tenha sido do agrado deste recorrente.
Nesta sequência, podemos constatar, que o aqui reclamante não tem qualquer razão nos argumentos invocados para sustentar a nulidade do Acórdão proferido por esta Relação em 4.6.2025, desde logo, no que respeita à invocada falta de fundamentação desse Acórdão.
O arguido/reclamante pode não estar concordante com a decisão proferida por esta Relação de confirmação da decisão de condenação da 1ª instância - onde se decidira estar preenchido pelo arguido objectiva e subjectivamente o crime de ofensas corporais simples que vitimou BB, a ele imputado pelo MP – mas tal discordância, não lhe confere legitimidade para imputar o vício da nulidade, nos termos em que o fez, ignorando a expressa e detalhada motivação da decisão, que consta da decisão proferida por esta Relação, no Acórdão reclamado.
Isto é, por outras palavras, o arguido pode não lhe agradar a decisão da Relação, na parte em que esta confirmou a condenação da 1ª instância – a qual fora por ele impugnada, através da interposição do competente recurso.
Mas não pode é querer suscitar vícios e nulidades, onde eles não se encontram, procurando trazer por arrastamento e eternizando-a, a controvérsia que suscitou no recurso para este Tribunal da Relação, com os mesmos argumentos que já foram apreciados e decididos por esta instância de recurso, no Acórdão proferido em 4.6.2025.
Quanto ao imputado vício da omissão de pronúncia, é evidente, que o mesmo também não se verifica no Acórdão proferido em 4.6.2025 ora reclamado, na medida em que aí se explicou, de forma completa e clara quais as razões de facto e de direito pelas quais, uma vez analisadas as pretensões do arguido AA, ora reclamante, o Tribunal ad quem decidiu julgar não provido o seu recurso, mantendo tudo o decidido na 1ª instância, conforme o constante do dispositivo final do Acórdão reclamado.
Aliás, importa lembrar e sublinhar que a nulidade por omissão de pronúncia só existe se o Tribunal não se pronunciar sobre uma concreta questão e não sobre um determinado argumento utilizado pelo recorrente quanto a essa questão.
Segundo Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal III, 2ª edição Verbo 2000”) “a omissão de pronúncia é um vício que resulta da violação da lei quanto ao exercício do poder jurisdicional. Trata-se de um vício quanto aos limites desse exercício”.
E é pacífico o entendimento na jurisprudência de que a omissão de pronúncia se verifica, quanto o juiz deixa de proferir decisão sobre questões que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir.
E no mesmo sentido deste entendimento, a doutrina esclarece que “o julgador não tem de analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes (…)” (in Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e ora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Coimbra Editora, 1985)
Melhor dizendo, quanto à omissão de pronúncia, importa referir que a mesma significa ausência de decisão sobre questões que a lei impõe que sejam conhecidas, nelas se incluindo quer as questões colocadas à apreciação do Tribunal, pelos sujeitos processuais, quer as que forem de conhecimento oficioso, isto é, aquelas de que o Tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida.
Porém, está em causa o não conhecimento de determinada questão e não a falta de abordagem de todas as razões ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais em defesa dos seus pontos de vista.
A propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, ensinava já o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 143: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»
Nas palavras do Ac. do STJ de 24.10.2012, Procº 2965/06.0TBLLE, «a “pronúncia” cuja “omissão” determina a consequência prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c) CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou as razões alegadas».
Vendo o Acórdão sob reclamação e as questões nele analisadas, resulta também evidente que o mesmo não enferma de qualquer omissão de pronúncia - resulta da simples consulta dos autos, bem como da leitura do Acórdão recorrido da 1ª instância de 7.6.2024 e do Acórdão proferido em 4.6.2025 pelo Tribunal da Relação, que este último se pronunciou de forma fundada, sobre todas as questões relevantes que lhe foram suscitadas em sede de recurso e conheceu de todas aquelas que devia oficiosamente conhecer.
Na realidade, resulta da simples leitura do Acórdão reclamado, que todas as questões relevantes suscitadas pelo arguido/reclamante, foram conhecidas por este Tribunal de recurso, de forma fundamentada e completa.
O que incluiu, os temas e as questões, que agora em sede de reclamação, foram novamente suscitadas pelo recorrente, acerca do preenchimento do tipo objectivo e subjectivo do crime de ofensas corporais simples, pela sua conduta descrita na acusação do MP e julgada provada em audiência na 1ª instância.
Remete-se assim aqui, para tudo o que ficou desenvolvido na fundamentação do Acórdão da Relação, donde resulta em consequência, que esse Acórdão não padece notoriamente do vício de falta de fundamentação, invocado pelo reclamante tal como acima já ficou dito.
Melhor dizendo, e em resumo, nesse Acórdão da Relação ora reclamado, foi feita de forma inequívoca e clara, uma exposição completa dos motivos de facto e de direito, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, tal como estatui o artigo 374º, do Código de Processo Penal.
E, por último, todos estes elementos permitem seguir, de forma segura e inequívoca, o exame do processo lógico ou racional que esteve na base da decisão do Tribunal de 2ª instância.
Sem embargo, importa notar que a fundamentação, não tem de se conformar com um modelo rígido e uniforme, devendo ser mais ou menos aprofundada, consoante as particularidades de cada caso: a existência ou inexistência de versões contraditórias ou de pontos que hajam de ser esclarecidos, de forma a que sejam perceptíveis os motivos pelos quais a convicção do Tribunal se orientou num sentido e não noutro.
Ora no caso em apreço, o Tribunal da Relação apreciou essa avaliação da prova que foi feita em 1ª instância, e validou-a, tal como ficou a constar expressamente no Acórdão reclamado de 4.6.2025, fazendo-o de forma fundamentada e explicando detalhadamente as razões em que fez assentar essa sua decisão de confirmação da condenação do arguido na 1ª instância.
Em resumo, lendo o Acórdão reclamado, repete-se, é fácil constatar que ele cumpre minimamente os supra citados desideratos legais, sendo claramente perceptível o motivo pelo qual o arguido ora reclamante, AA foi condenado pela prática em ........2022, de um crime de ofensas à integridade física sobre a pessoa de BB, nos termos referidos na 1ª instância, condenação essa mantida pela Relação de Lisboa.
Por isso, tudo visto, também nós podemos concluir tal como o M.P nesta Relação, não assistir qualquer razão ao arguido reclamante.
Com esta sua alegação, o que no fundo o arguido/reclamante vem fazer, é afinal colocar novamente em causa a valoração que foi feita acerca da prova produzida, pelo Tribunal a quo, já validada em sede de recurso pelo Tribunal da Relação, esquecendo-se que no nosso sistema penal, vigora um sistema não de prova vinculada mas de prova livre, em que ao julgador cabe a faculdade de poder apreciar e valorar a prova e fundar a sua convicção livremente, de acordo com o artº 127º do C.P.P.
Com efeito, depois de analisado o Acórdão da 1ª instância, ficou dito no Acórdão reclamado da Relação, que ali estavam indicados os factos julgados provados, as provas em que o Tribunal a quo se baseou para dar como assentes os factos integradores do tipo de ilícito imputado ao arguido AA, a análise critica dessas mesmas provas e, de seguida, os motivos de direito que fundamentam a sua pronúncia.
Ou seja, o processo de valoração da prova, realizado no Tribunal de 1ª instância, foi na realidade validado pelo Tribunal da Relação em sede de recurso, de forma criteriosa, tendo-se concluído por meio do Acórdão proferido em 4.6.2025, estarem comprovados todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime imputado ao arguido.
Tudo em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 al. a) e b) do artº 374º do C. P. Penal.
Nesse sentido e salvo o devido respeito, entendemos ser completamente destituída de fundamento, a reclamação aqui apresentada pelo arguido/recorrente, impondo-se indeferir a mesma na sua totalidade, o que se decide.
5. DISPOSITIVO:
­Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
A) Indeferir o pedido de declaração de nulidade, apresentado pelo arguido AA, mantendo-se inalterado o Acórdão proferido em 4.6.2025 por este mesmo Tribunal.
B) Custas pelo arguido reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.

Lisboa, 10 de Julho de 2025

Ana Paula Grandvaux Barbosa
Ana Guerreiro e Silva
Hermengarda do Valle-Frias
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1. Nada obstando ao prosseguimento da acção penal, porquanto BB manifestou o desejo de procedimento criminal a fls.26.