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PERITOS
RETRIBUIÇÕES
ENCARGOS
NOTA DE HONORÁRIOS
LEGITIMIDADE
PAGAMENTO
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário
I. O pagamento aos Peritos, no âmbito de prova pericial realizada nos autos, cai na previsão da al. h) do art. 16.º do RCP, sendo isento de dúvidas que as retribuições aos Peritos, que intervêm acidentalmente no processo, constituem encargos do mesmo. II. No recebimento de notificações destinadas a dar conhecimento às partes, na pessoa dos seus mandatários, de actos judiciais devem estas agir, não de forma passiva, mas com o normal esforço de compreensão integral do que lhes é levado ao conhecimento. III. A circunstância de os encargos integrarem as custas de parte (art. 26.º, n.º 3 do RCP) e de estas entrarem em regra de condenação em custas a final (arts. 24.º e 26.º, n.º 1, do RCP), consoante o vencimento da acção, determina que quer Autor, quer Réu – independentemente de quem requereu a diligência – tenham legitimidade para se pronunciar quer sobre a previsão de custos e subsequente nota de honorários apresentada pelos peritos, quer para recorrer do despacho que fixa a remuneração. IV. Os peritos apresentaram a sua nota de honorários, a Autora nada disse quanto a essas mesmas notas de honorários, o Tribunal, a seu tempo, fixou por despacho a remuneração aos Srs. Peritos e a Autora, notificada do mesmo, dele não recorreu, pelo que o despacho que fixou a remuneração aos Srs. Peritos transitou em julgado, tendo, quanto a essa matéria, se esgotado o poder jurisdicional, não podendo a mesma ser agora objecto de reapreciação. V. O pagamento prévio dos encargos decorrentes da realização de perícia, nos termos e para os efeitos do art. 532º, nº 2, do CPC, é da responsabilidade da parte que requereu a diligência; o pagamento, imputação ou custo final depende, não de quem requereu a diligencia de prova mas, apenas de quem decaiu na acção. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório:
MACAMBIRA & ARAÚJO – PRODUÇÕES DE MERCHANDISING E PUBLICIDADE, LDA. propôs acção declarativa contra LIBERTY SEGUROS, COMPAÑIA DE SEGUROS E REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, pedindo a condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de € 122.717,63, a título de capital, a que acrescem os juros moratórios, calculados à taxa legal de 4%, aplicável aos juros civis e que, presentemente, ascendem a € 2.259,35, num total de € 124.976,99, a que acrescerão os juros moratórios vincendos até efectivo e integral pagamento do capital em dívida.
A Ré contestou, impugnando parte da factualidade invocada pelo Autor, colocando em causa a efectiva ocorrência do sinistro e questionando o valor dos prejuízos sofridos, concluindo pela sua absolvição do pedido. No requerimento probatório apresentado com a contestação, requereu a Ré a realização de perícia colegial às contas da Autora, indicando o seu perito e apresentando os respectivos quesitos ).
A Autora foi notificada da contestação apresentada pela Ré, tendo em 16-05-2019 apresentado requerimento requerendo a junção de documentos.
Foi designada data para a realização de audiência prévia, na qual, se proferiu o seguinte despacho no que tange à requerida prova pericial:
“ (…)
- Da perícia: não se afigurando impertinente ou dilatória, admite-se a requerida perícia colegial (fls. 167-167 v), convidando-se a autora a pronunciar-se na presente data sobre o objecto da perícia proposto pela ré em sede de contestação, bem como a indicar o seu perito (artigo 476º, n.º 1, do CPC).»
Da acta da audiência prévia consta:
“Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da autora, pelo mesmo foi dito:
“Relativamente ao objecto da perícia, diz a autora o seguinte: os pontos 3 e 5 são idênticos, pelo que um dos dois deverá ser retirado. No que toca ao ponto 1, relativo às datas em que foram furtadas as mercadorias, as mesmas foram objecto de prova atrás das facturas juntas sendo que, embora a A. nada tenha a opor a que este ponto se mantenha no objecto da perícia, entende que o mesmo será desnecessário. No que toca ao ponto 9 não se vê qual a utilidade do mesmo face ao que consta nos pontos 6 e 7.
No que se refere ao ponto 10, cremos que o mesmo já consta do ponto 9, sendo por isso desnecessário.
Por último, requer o prazo de 10 (dez) dias para vir aos autos indicar o seu perito.”
*
Concedida a palavra à Ilustre Mandatária da ré para exercer o respectivo contraditório, pela mesmo foi dito: “A ré mantém o entendimento de que os quesitos formulados em sede de contestação se afiguram pertinentes, sendo que os mesmos foram elaborados com o auxílio do perito por si então indicado.
*
Após, a Mm.ª Juíza de Direito proferiu o seguinte
DESPACHO
«Ao abrigo do disposto no artigo 476º, n.º 2, do CPC, determino que a perícia colegial verse sobre os seguintes quesitos:
- Quesito 1: Por referência aos documentos contabilísticos da autora relativos ao período compreendido entre 31 de dezembro de 2015 e 23 de dezembro de 2016, quais as mercadorias da autora que se encontravam no armazém sito na ...Vila Nova de Famalicão? Em que datas foram compradas? As mesmas encontravam-se identificadas por tipos, designações, quantidade e custo unitário?
- Quesito 2: Qual o valor dessas mesmas mercadorias à data de 23 de dezembro de 2016?
- Quesito 3: Qual o valor das vendas das mercadorias registadas entre 01 de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2016?
- Quesito 4: Qual o valor das compras de mercadorias registadas entre 01 janeiro de 2016 e 31 dezembro de 2016?
- Quesito 5: Qual o custo das vendas registadas entre 01 de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2016?
- Quesito 6: Na contabilidade da empresa autora está ou não prevista qualquer perda potencial por depreciação de existências e, no caso afirmativo, tal perda potencial está ou não co-relacionada com as mercadorias presumivelmente furtadas?
Concedo à autora o prazo de 10 (dez) dias para vir aos autos indicar o seu perito e juntar aos autos os documentos contabilísticos necessários à realização da perícia ora determinada.
Oportunamente, abra conclusão com indicação do perito a nomear pelo Tribunal. (…)”
Em 12-07-2022 foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido.
Inconformada com tal decisão a Autora interpôs recurso de apelação, tendo este Tribunal, por acórdão de 23-03-2023, julgado improcedente o recurso e confirmado a decisão recorrida.
Novamente inconformada a Autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo este Colendo Tribunal, por acórdão de 08-02-2024, negado revista e confirmado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Transitado em julgado tal acórdão e baixados os autos à 1.ª instância, veio a Ré, em 29-02-2024, apresentar Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte.
Por requerimento de 13-03-2024 veio a Autora reclamar da referida Nota Justificativa de Custas de Parte, alegando – entre outros – a inexigibilidade à Autora dos encargos com a perícia, requerida a pedido exclusivo da Ré, bem como a inconstitucionalidade da fixação de remuneração de 23 Uc´s aos Srs. Peritos, por violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da tutela jurisdicional efectiva. Mais alega que, na data em que foram apresentados os honorários, não tinha legitimidade para reclamar de tais notas, visto que não afectavam a sua esfera jurídica, sendo certo que, em todo o caso, em momento algum foi expressa e autonomamente notificada para se pronunciar quanto à nota de honorários dos peritos.
Por despacho de 14-04-2024 não se admitiu a reclamação apresentada por falta de depósito da totalidade do valor da nota justificativa de custas de parte.
Inconformada com tal despacho veio a Autora interpor recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa – 7.ª secção -, por acórdão de 05-11-2024, decidido revogar a decisão recorrida, “devendo o Tribunal a quo ordenar a junção de documento comprovativo da insuficiência de liquidez financeira da reclamante para fazer face ao depósito da diferença entre o total da nota discriminativa e justificativa das custas de parte e os € 4 080 já depositados, sob pena de colocar em perigo a sua capacidade de honrar os compromissos com fornecedores, trabalhadores e entidades financeiras parceiras, além do cumprimento de obrigações fiscais e de segurança social.
Após, deverá o Tribunal a quo decidir quanto à dispensa de depósito previsto no art. 26.º-A, n.º 2, do RCP e, caso assim conclua, pronunciar-se em relação ao mérito da dita reclamação. (….)”
Em cumprimento de tal acórdão o tribunal a quo ordenou a notificação da Autora para em 10 dias juntar aos autos comprovativo da insuficiência de liquidez financeira, o que a mesma fez por requerimento de 13-01-2025.
Por despacho de 10-02-2025 o Tribunal a quo apreciou a reclamação apresentada pela Autora a 13-03-2024, julgando a mesma improcedente, nos seguintes termos (despacho recorrido):
“Da reclamação à nota discriminativa e justificativa de custas de parte a ref.ª 38776950 [48265419]:
I - Questão prévia – do não depósito do valor total da nota de custas:
Nos termos doutamente decididos no Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que consta do Apenso A, foi a Autora notificada para juntar “documento comprovativo da insuficiência de liquidez financeira para fazer face o depósito da diferença entre o total da nota discriminativa e justificativa das custas de parte e os € 4.080,00 já depositados, sob pena de colocar em perigo a sua capacidade de honrara os compromissos com fornecedores, trabalhadores e entidades financeiras parceiras, além do cumprimento das obrigações fiscais e de segurança social.”.
Em resposta, veio a Autora, a ref.ª 41583390 [50996396], juntar Lista da Central de Responsabilidades de Crédito e Balancete por níveis do ano de 2024.
Cumpre apreciar e decidir.
Face à documentação junta, recebe-se a reclamação apresentada, dispensando a Reclamante do depósito do remanescente.
II – Da apreciação da reclamação:
Veio a Ré LIBERTY SEGUROS, S.A. apresentar a sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte, no seu requerimento de ref.ª 38643083 [48135815].
Notificada, a Autora MA BRAND OBJECTS, LDA. veio reclamar da mesma, com os seguintes fundamentos:
▪ o valor dos encargos peticionados pela Ré em sede de custas de parte diz respeito a uma perícia colegial levada a cabo nos presentes autos, mais concretamente, uma perícia económico-financeira e contabilística às contas da Autora, requerida a pedido exclusivo da Ré;
▪ existe uma óbvia desproporcionalidade entre o real valor do trabalho submetido à apreciação dos peritos (a perícia versou apenas sobre 6 quesitos) e o valor de honorários efectivamente peticionado, além desta perícia corresponder a mais de 25% do valor do pedido que visava apreciar, o que também não deve ser descurado, já que a perícia visava apurar se havia este dano e custou 25% desse valor, além de ter acabado por não ter tido qualquer contributo para a descoberta da verdade material e impacto na decisão final;
▪ nunca foi notificada para reclamar das notas de honorários dos peritos.
Cumpre apreciar e decidir, conforme o impõe o artigo 33.º, n.º 1, parte final da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.
A – Fundamentação de facto:
Conforme consta do Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que consta do Apenso A, consigna-se que:
1 - A presente acção tem o valor de € 124.976,99.
2 - A Reclamante foi notificada pela secretaria a 7 de Abril de 2020, “da junção aos autos do requerimento com carimbo de entrada a 02 Abr. 2020 (fls. 536, 537, 538), bem como dos mails de 06 abril de 2020 13:55 (fls. 539 e 540) e de 06 abril de 2020 21:16 (fls. 541 a 543), cujas cópias se anexam”, tudo referente à “estimativa de custo da perícia” de cada um dos (3) peritos.
3 - A 2 de Julho de 2020, foi proferido o seguinte despacho, relativamente à referida «estimativa de custo da perícia»:
“Ref.ªs citius n.ºs 25977375, 26000322e 26006030 – Tomei conhecimento do custo previsível da perícia ordenada nos autos e da sua notificação às partes.
Notifique a ré, requerente da perícia, para vir aos autos proceder ao pagamento dos encargos previsíveis com a perícia (artigo 20º do Regulamento das Custas Processuais).”
4 - O despacho de 2 de Julho de 2020 foi notificado às partes, por ofícios datados de 9 de Julho de 2020.
5 - A Ré liquidou € 28.217,28, correspondente ao valor da guia de pagamento antecipado dos encargos da perícia (ref.ª 397859766).
6 - O relatório pericial foi junto a 22 de Outubro de 2021, constando dos autos sob a ref.ª 410831354, vindo acompanhado das notas de honorários de cada um dos peritos.
7 - O ofício datado de 8 de Novembro de 2021, dos autos principais, remetido aos Ilustres Mandatários das partes, tem o seguinte teor:
“Assunto: Relatório Pericial
Fica deste modo V. Ex.ª notificado do relatório pericial de que se junta cópia, podendo dele reclamar, ou pedir esclarecimentos, no prazo de 10 dias.”
8 - O ofício referido em 7 foi notificado aos destinatários, juntamente com, além do mais, o relatório pericial e as notas de honorários dos peritos.
9 - Por despacho de 5 de Janeiro de 2022, foi, a respeito dos encargos com a perícia, assim decidido:
“Paguem-se as despesas e honorários solicitados pelos Srs. Peritos.”
10 - A Autora e a Ré não reclamaram do valor das notas de honorários dos peritos.
11 - Os peritos responsáveis pela perícia colegial apresentaram as seguintes notas de honorários (referidas em 6 e 8):
2.1.) Dr. AA:
Deslocações – (3340Km x € 0,36) – € 1.202,40
Portagens - € 221,40
Despesas (estadas e refeições) – € 671,71
Honorários – (144 horas x € 55,00/hora) – € 7.920,00
2.2.) Dr. BB:
Deslocações – (3120Km x € 0,36) – € 1.123,20
Ajudas de custo - € 899,54
Honorários – (144 horas x € 55,00/hora) – € 7.920,00
2.3.) Dr. CC:
Deslocações – (2780Km x € 0,36) – €1.000,80
Portagens - € 180,00
Despesas (estadas e refeições) – € 504,66
Honorários – (144 horas x € 55,00/hora) – € 7.920,00.
12 - A Ré apresentou a seguinte nota discriminativa e justificativa de custas de parte:
13 - A Autora depositou junto do IGFIJ € 4.080,00 (correspondentes aos valores de taxa de justiça e compensação face às despesas com honorários a que a Ré tem direito por via do disposto no artigo 25.º, n.º 2, alíneas b) e d) do RCP) a 4 de Março de 2024.
Decidindo:
Nos termos do n.º 3 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais: “A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:
a) (…);
b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;
c) (…);
d) (…).”
Assim, compreendem-se nas custas de parte (vide artigo 533.º do Código de Processo Civil), entre outros, os encargos efectivamente suportados pela parte, incluindo as despesas do agente de execução. É o caso do custo de certidões, perícias, traduções, correio, transportes necessários para a deslocação do tribunal, etc.
Tal como referido no Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, de 3 de Março de 2016 (processo n.º 1106/09.6TBEPS-A.G1, disponível em www.dgsi.pt), esses encargos são:
“(…) os que foram pagos pela parte, direta e antecipadamente, nos próprios autos, no uso da sua obrigação legal e sob a cominação de, não o fazendo, incorrer numa penalização de 25% do montante devido (artigo 23º nº 1 do RPC). No final do processo, sabendo-se já quem teve ganho de causa e quem incorre em responsabilidade pelas custas, “os encargos são imputados na conta de custas da parte ou partes que foram nelas condenadas, na proporção da condenação”: artigo 24º do Regulamento das Custas Processuais”.
Dito isto, resulta da factualidade assente que a Ré liquidou € 28.217,28, correspondente ao valor da guia de pagamento antecipado dos encargos da perícia (ref.ª 397859766) – facto enunciado em 5.
Assim, de uma forma singela, podemos dizer, que a Ré quando indicou, na sua nota discriminativa e justificativa das custas de parte, o valor de € 28.217,28, o fez a coberto do disposto no artigo 533.º do Código de Processo Civil e do artigo 26.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, não merecendo assim qualquer censura a sua inclusão.
E pode agora a Autora reclamar desse valor, com os fundamentos acima enunciados?
Podemos, desde já, afirmar, que entendemos que não.
Senão vejamos.
Temos como assente que:
- A Reclamante foi notificada pela secretaria a 7 de Abril de 2020, da junção aos autos do requerimento com carimbo de entrada a 02 Abr. 2020 (fls. 536, 537, 538), bem como dos mails de 06 abril de 2020 13:55 (fls. 539 e 540) e de 06 abril de 2020 21:16 (fls. 541 a 543), cujas cópias se anexam”, tudo referente à “estimativa de custo da perícia” de cada um dos (3) peritos – facto enunciado em 2.
- Por despacho de 5 de Janeiro de 2022, foi, a respeito dos encargos com a perícia, assim decidido:
“Paguem-se as despesas e honorários solicitados pelos Srs. Peritos.” – facto enunciado em 9.
- A Autora e a Ré não reclamaram do valor das notas de honorários dos peritos – facto enunciado em 10.
Ora, sobre o valor da remuneração dos peritos, cumpre remeter para a jurisprudência mencionada no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que se encontra no Apenso A.
No entanto, cumpre assinalar a inexistência de reacção ao valor das notas de honorários, tanto no momento em que as partes, inclusive a Reclamante, foram notificadas da estimativa do custo da perícia, bem como quando notificadas do despacho que determinou o pagamento das despesas e dos honorários aos Exms. Peritos.
Não se suscitam dúvidas de que o despacho que ordenou o pagamento dos honorários aos Exmos. Peritos era susceptível de impugnação mediante recurso, se se verificassem os restantes pressupostos para tanto exigíveis (Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, de 24 de Abril de 2009, processo n.º 294/04.2TBVNC-A.G1, disponível em www.dgsi.pt), podendo até ser invocado a sua nulidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, tal como é reflectido no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10 de Novembro de 2015 (mencionado no Douto Acórdão proferido no Apenso A dos presentes autos).
Ora, não tendo reagido em momento oportuno, não pode agora a parte vencida colocar em crise o montante que foi pago aos Exmos. Peritos a título de despesas e honorários, valor esse já desembolsado pela parte vencedora nos autos.
Caso assim não se entendesse, estaríamos, em sede de reclamação da nota justificativa e discriminativa de custas de parte, a alterar uma decisão tomada pelo tribunal, quando se encontra esgotado nessa matéria o seu poder jurisdicional por ter transitado a decisão que ordenou ao seu pagamento (independentemente do mérito dessa decisão).
Para além disso, e caso se pudesse “corrigir” o valor efectivamente pago pela parte vencedora a título de encargos, seria a Ré – parte vencedora - a assumir a diferença entre o valor efectivamente pago e o valor que agora – na decisão da reclamação - se entenderia como razoável e proporcional. Não teria igualmente qualquer fundamento legal para reaver a diferença dos Exmos. Peritos, quando estes já receberam as quantias que solicitaram e que o tribunal, em tempo oportuno, mandou proceder ao seu pagamento.
Assim, tendo em conta que o valor de € 28.217,28 foi efectivamente pago pela parte vencedora, valor esse a título de encargos, não restam dúvidas que esse valor tem de se manter na íntegra na nota justificativa e discriminativa apresentada.
Portanto, improcede a reclamação apresentada pela Autora.
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DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação apresentada pela Autora à nota justificativa apresentada pela Ré, mantendo-se o valor apresentado a título de pagamento antecipado de encargos.
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Custas deste incidente a cargo da Autora que se fixa em 2 (duas) UC.
* * *
Notifique.
* * *
(…)”
Inconformada, veio a Autora interpor recurso no mesmo, apresentando as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão de 10.02.2025, nos termos da qual o Tribunal a quo decidiu julgar improcedente a reclamação apresentada pela Autora à nota justificativa apresentada pela Ré, mantendo o valor peticionado a título de pagamento antecipado de encargos.
2. A Ré peticionou, em sede de custas de parte, € 31.723,40 (trinta e um mil setecentos e vinte e três euros e quarenta cêntimos) relativos a “Encargos” com os peritos.
3. Em primeiro lugar cumpre sublinhar que não existe preceito legal concreto que determine que da notificação das notas de honorários às partes decorre directamente um ónus para estas de delas reclamarem, nem existe prazo determinado para o efeito e, portanto, incumbe ao Tribunal, efectuar essa notificação às partes, indicando expressamente que podem reclamar/impugnar as notas de honorários, determinar um prazo para o efeito e com a indicação explícita das consequências nada dizendo.
4. A aqui Recorrente não foi, em momento algum, expressamente notificada pelo Tribunal a quo para se pronunciar quanto às notas de honorários dos peritos, com determinação de prazo para o efeito e com a advertência das respectivas consequências nada dizendo, conforme era legalmente exigível.
5. A aqui Recorrente foi simplesmente notificada das notas de honorários dos peritos pela secretaria judicial, sem qualquer indicação ou prazo para respectiva reclamação e, posteriormente, do despacho que ordenou o seu pagamento pela Ré, que era quem havia requerido a perícia.
6. A acrescer que foi a Ré que foi notificada para efectuar o pagamento das notas de honorários dos peritos (conforme ordenado pelo despacho datado de 02.07.2020), por ter requerido a perícia, e optou por delas não reclamar.
7. Ora, apenas o sujeito processual afectado pela decisão nos respectivos interesses jurídicos tem legitimidade para dela reclamar, pelo que, mesmo que quisesse e não tendo a ora Recorrente sido notificada para o efeito, não teria legitimidade para o fazer.
8. Quando a Recorrente foi notificada pela secretaria judicial da estimativa de custos com a perícia, carecia de legitimidade processual para dela reclamar, por não ter sido ela a requerer a mesma.
9. Note-se que no momento em que os peritos apresentaram a nota de honorários pela perícia requerida esta tinha como exclusivo destinatário a Ré e, obviamente, só os seus interesses jurídico-processuais afectava.
10. Ora, uma vez que a Ré não reclamou do valor das notas de honorários dos peritos, deixou-as, pois, opcionalmente, “consolidar-se” por esse valor.
11. Note-se que por ofício datado de 08.11.2021, foram as Partes notificadas do relatório pericial com a indicação expressa que podiam dele reclamar ou pedir esclarecimentos no prazo de 10 dias.
12. Na mesma linha, impunha-se que as Partes tivessem também sido notificadas, de igual modo, para reclamarem das notas de honorários dos peritos, com indicação de prazo para o efeito, mas tal não sucedeu.
13. E não se pode admitir que a notificação da secretaria a 07.04.2020 tenha a virtualidade de substituir uma notificação expressa e autónoma para que as Partes se pronunciassem quanto à nota de honorários, com a menção das respectivas consequências nada dizendo.
14. Pois, na verdade, a Recorrente foi notificada para reclamar ou pedir esclarecimentos do relatório, mas não foi para a da nota de honorários.
15. E, portanto, na esteira do douto Acórdão do TRL acima citado, sempre teremos que admitir que, contrariamente ao entendimento plasmado na decisão recorrida, a inexistência de reacção ao recebimento da estimativa do custo da perícia não pode ser valorada como uma aceitação automática da aqui Recorrente do valor que os peritos viessem a exigir pagamento.
16. A Recorrente foi, efectivamente, notificada do despacho que determinou: “Paguem-se as despesas e honorários solicitados pelos Srs. Peritos.”, mas, no seguimento, foi a Ré quem foi notificada para pagar os encargos com a perícia e não a aqui Recorrente.
17. Tal notificação tinha por único destinatário a Ré, razão pela qual a Autora, aqui Recorrente, não se podia substituir processualmente ao titular do direito afectado, e ao arrepio da sua opção de aceitação do referente acto, dele reclamar.
18. Na realidade, não tendo a ora Recorrente sido notificada para pagar os encargos não lhe adviria qualquer consequência jurídica favorável de uma eventual procedência da reclamação, nem qualquer repercussão negativa na sua esfera jurídica no caso de improcedência da reclamação, razão pela qual carecia de legitimidade para o efeito e a corroborar isso nem a lei prevê essa possibilidade e nem a mesma foi notificada para esse efeito.
19. Portanto, a ora Recorrente, no momento em que a Ré foi notificada para pagar os encargos, não tinha legitimidade para reclamar do valor da nota de honorários, uma vez que não tinha o interesse directo do reclamante, que sempre terá de ser aferido pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da reclamação possa resultar para ele, neste caso, a Ré.
20. Isto porque, como é óbvio, cada um dos interessados só tem legitimidade (enquanto pressuposto processual) para reclamar dos actos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica e já não dos actos que apenas afectam a esfera jurídica da contraparte.
21. Em rigor, só com a apresentação das custas de parte por parte da Ré, teve a aqui Recorrente legitimidade para se pronunciar sobre o valor dos encargos com a perícia, pois só nesse momento lhe foi peticionado o seu pagamento.
22. Pelo que, a ausência de reclamação à nota de honorários dos peritos por parte da aqui Recorrente em momento anterior ao da reclamação das custas de parte não pode, de modo algum, ser entendida como uma aceitação da mesma, nem a nota de honorários lhe é oponível sem ser objecto de escrutínio, sob pena de se violar o direito da tutela jurisdicional efectiva e o principio do contraditório, constitucionalmente consagrados, já que estaria assim a Recorrente, que não requereu a perícia, nem escolheu o tipo – colegial - e não foi notificada para se pronunciar sobre a nota de honorários, estar-lhe agora vedado este direito, seria esvaziar estes fundamentais princípios constitucionais.
23. Ademais, analisado o despacho de 05.01.2022, verifica-se que não existiu da parte do julgador um juízo sobre o equilíbrio e a adequação das notas de honorários dos peritos, nem uma fundamentação, ainda que mínima, objectiva que justificasse a fixação dos valores avultados aqui em causa.
24. Ora, não tendo a Ré reclamado das notas de honorários dos peritos quando lhe foram apresentadas a pagamento, tendo legitimidade para tal, deve ser responsável pelo diferencial do valor pago e do valor efectivamente devido.
25. Com efeito, impenderá sobre a Ré assumir o diferencial entre o valor pago e o valor efectivamente devido, na medida em que teve oportunidade de reclamar do mesmo – que é manifestamente indevido – e não o fez.
26. Sendo a aqui Recorrente responsável apenas pelo pagamento dos valores que corresponderem ao valor remuneratório justo.
27. Para mais, é um dado objectivo que a capacidade económica da Ré, seguradora, é muito superior à da aqui Recorrente e, talvez por isso, a Ré tenha decidido não reclamar dos honorários dos peritos, mas tal decisão não poder ter consequências directas para a aqui Recorrente, a quem tem de ser dada a oportunidade de se pronunciar sobre os valores abusivos solicitados pelos peritos.
28. Por outro lado, a notificação da aqui Recorrente para pagar os honorários dos peritos aconteceu só em sede de custas de parte e, portanto, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo a reclamação da aqui Recorrente ao valor das notas de honorários dos peritos é completamente legítima e tempestiva.
29. A verdade é que a Recorrente não pode ser prejudicada por uma decisão sobre a qual não tinha legitimidade para recorrer, na medida em que não tinha, sequer, a obrigação de efectuar qualquer pagamento.
30. A notificação para o cumprimento da obrigação à Recorrente só ocorreu com a apresentação das custas de parte da Ré, portanto, a obrigação de pagar só existe para a Recorrente a partir desse momento, não existia antes.
31. A acrescer, a decisão recorrida consigna que “Não se suscitam dúvidas de que o despacho que ordenou o pagamento dos honorários aos Exmos. Peritos era susceptível de impugnação mediante recurso, se se verificassem os restantes pressupostos para tanto exigíveis”.
32. Ora, um dos pressupostos a aferir é, desde logo, a legitimidade para recorrer, que está, necessariamente, ligada à invocação da titularidade, em nome próprio, do interesse que tem no acto (cfr. artigo 631.º, n.º 1 do CPC).
33. No caso sub judice não existia uma situação efectiva de lesão directa que justificasse a utilização do meio impugnatório (o recurso da decisão), ou seja,
não havia carácter directo, pois a ora Recorrente não era titular de um interesse directo com efectiva necessidade de tutela judiciária, não tinha sequer interesse processual.
34. Poderá entender-se que a Recorrente teria um interesse meramente eventual, hipotético, longínquo, mediato indirecto, remoto, diferido, de que aquele valor
lhe viesse a ser imputado em sede de custas de parte.
35. O que significa, portanto, que tal interesse não lhe conferia legitimidade para recorrer da decisão, pois só tem legitimidade para o efeito quem tem interesse directo.
36. A legitimidade é reconhecida a quem possa ser identificado como eventual beneficiário do acto, o que não era o caso da Recorrente.
37. Na verdade, a Recorrente não retirava qualquer utilidade ou vantagem directa ou pessoal com o recurso, sendo certo que o ordenamento jurídico só disponibiliza meios de reacção contra decisões judiciais que ofendam directamente direitos legítimos.
38. A Recorrente não podia recorrer do despacho que ordena o pagamento aos
peritos porque lhe não era desfavorável nem directamente dirigida.
39. Além de que, só a Parte que tenha ficado vencida na causa pode recorrer, entendendo-se que é aquela que é objectivamente afectada pela decisão e que é directa e efectivamente atingida na sua esfera pessoal ou patrimonial pelos efeitos da decisão judicial.
40. Portanto, é forçoso concluir que a Recorrente não tinha legitimidade na medida em que a decisão não lhe acarretava qualquer prejuízo directo, pois era a Ré a responsável pelo pagamento dos encargos com os peritos.
41. Na verdade, com a prolação do despacho que ordena o pagamento aos peritos, não foi imputada à Recorrente a responsabilidade pelo pagamento daqueles encargos.
42. Sublinhe-se que o interesse em recorrer e, consequentemente, a legitimidade ad recursum assenta nas consequências que a decisão possa produzir na esfera jurídica da Parte e, portanto, esta só pode recorrer se a decisão lhe for desfavorável e pretender afastar esse prejuízo através da revogação dessa decisão pelo Tribunal superior.
43. Ora, caso a Recorrente tivesse recorrido do despacho e obtido ganho de causa,
a decisão que determinasse a reformulação das notas de honorários dos peritos não afectaria, minimamente, a Recorrente,
44. A acrescer, no caso presente, tendo sido a Ré a requerer a perícia e sendo a ela que foi exigido o pagamento, sempre terá de se entender que seria a Ré a parte vencida pela decisão e não a aqui Recorrente, carecendo, portanto, do preenchimento desse pressuposto.
45. Quanto ao valor dos encargos propriamente dito, sublinhe-se que foi a Ré quem requereu uma perícia colegial e não singular, sabendo que com isso aumentaria em muito os encargos do processo.
46. É evidente que existe uma óbvia desproporcionalidade entre o real valor do trabalho submetido à apreciação dos peritos (a perícia versou apenas sobre 6
quesitos) e o valor de honorários efectivamente peticionado, que corresponde a mais de 25% do valor do pedido que visava apreciar, além de ter acabado por não ter tido qualquer contributo para a descoberta da verdade material e impacto na decisão final.
47. O artigo 17.° n.ºs 2 e 4 da Tabela IV do Anexo I do RCP impõe como limite à remuneração dos peritos, o valor de 10 UC’s, sendo que o TC declarou, com força obrigatória geral a inconstitucionalidade dessa norma.
48. Contudo, existe unanimidade na jurisprudência no entendimento de que, não obstante esta decisão do TC, o valor remuneratório dos peritos não está sujeito às regras de mercado livre, determinando, por isso, alguma contenção na fixação de honorários, tendo em conta que se trata de uma prestação de serviços em colaboração com a justiça e de acordo com o próprio valor do pedido.
49. Portanto, admitindo que, no caso sub judice, a fixação do limite máximo
constante da tabela IV possa ser insuficiente para remunerar o trabalho dos peritos nomeados nos autos, sempre se diga que ter-se-á que encontrar um equilíbrio justo e razoável entre o trabalho realizado pelos peritos e o valor de remuneração a fixar por cada dia de trabalho.
50. Na realidade, a fixação do valor de €55,00/hora e a determinação de pagamento de 144 horas de trabalho para cada perito é desrazoável, exagerado, desproporcionado e desadequado aos serviços de perícia efectivamente prestados, ademais se tivermos em consideração que se tratou do desenvolvimento de um trabalho em colaboração com a Justiça e versou apenas sobre 6 quesitos.
51. Ora, se se o limite de 10 UC’s foi considerado inconstitucional, também é verdade que não é conforme à Constituição que o valor dos honorários dos peritos em colaboração com a Justiça ascenda a 232 UC’s como no caso sub judice, sobretudo num caso em que o valor do pedido são € 124.976,99.
52. Com efeito, em linha com os doutos Acórdãos acima transcritos, a compensação de um perito que colabora com a Justiça não pode ser fixada a preço de mercado e terá sempre de ser compatível com a tutela efectiva dos direitos subjectivos das partes, e considerar no caso em apreço 144 horas a cada perito para responder a 6 quesitos relacionados com o valor do inventário da Recorrente na altura do furto, parece-nos absolutamente exagerado e desproporcionadas face à realidade financeira portuguesa, e aos trabalhos semelhantes tendo em conta o próprio pedido sub judice.
53. Na verdade, admitindo a insuficiência do limite constante da Tabela IV do RCP para fixar um valor justo pelo trabalho prestado pelos peritos nos presentes autos, conjugado com o direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efectiva das partes, é imperativo recorrer aos princípios constitucionais da proporcionalidade, da segurança jurídica e da tutela jurisdicional efectiva, princípios esses que vinculam e orientam toda a actividade dos Tribunais, e que não podem deixar de ser aplicáveis no caso em apreço.
54. As notas de honorários dos peritos violam os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica, e da tutela jurisdicional efectiva.
55. Considerando a extensão material do objeto da perícia e a especificidade de matéria, entendemos que seria justo fixar em 20 UC’s a remuneração para cada perito (€ 2.040,00), num montante global de € 6.120,00 (seis mil cento e vinte euros), que corresponde a cerca de 5% do valor do pedido.
56. Quanto às deslocações dos peritos, é manifestamente exagerado considerar 3000km, pelo que, sempre tem de ser reduzido para, no máximo, um terço do valor apresentado pelos peritos e as respectivas despesas associadas, tais como as portagens, reduzidas em conformidade.
57. Isto porque, é imperioso encontrar um equilíbrio entre a justa remuneração dos peritos e os diversos preceitos constitucionais acima elencados.
58. Compulsados os autos conclui-se que não existe fundamento sério e suficiente para a fixação do avultadíssimo valor atribuído aos peritos em face da sua desproporcionalidade e razoabilidade.
59. Donde se conclui, inequivocamente, que o valor ora peticionado a título de encargos é inexigível à aqui Recorrente.
60. Por tudo isto, requer-se a V. Exas. a análise crítica e fundamentada das importâncias pedidas pelos peritos e, tendo sempre presente as considerações tecidas supra, com vista a uma redução objectiva das notas de honorários dos peritos, determinem o pagamento pela aqui Recorrente apenas do valor justo e equitativo, dentro dos limites acima mencionados, com a condenação da Ré a assumir o remanescente do valor do qual, tempestivamente, não reclamou.
61. Pelo que deverá ser revogada a decisão recorrida e ser substituída por outra que ordene a reforma da Nota Discriminativa e Justificativa das Custas de Parte da Ré em conformidade com o alegado e com as legais consequências, fazendo, como sempre, inteira JUSTIÇA!
Termos em que deverá ser julgado totalmente procedente o presente Recurso e, em consequência:
Deve ser revogada a decisão recorrida e ser substituída por outra que ordene a reforma da Nota Discriminativa e Justificativa das Custas de Parte da Ré em conformidade com o alegado e com as legais consequências, fazendo, como sempre, inteira JUSTIÇA!”.
A Ré não contra-alegou.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, em separado e efeito suspensivo condicionado à prestação de caução.
*
II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
- da exigibilidade dos encargos adiantados pela Ré com a perícia realizada nos autos em sede de conta discriminativa e justificativa de custas de parte.
*
III. Os factos
Além da que resulta do Relatório, nos termos do disposto no art. 607º nº 4 do CPC (ex vi art. 663º nº 2 do mesmo diploma legal),encontram-se provados os factos dados como provados no apenso A bem como os que resultam da consulta dos autos, que aqui se consignam:
1) A presente ação tem o valor de € 124.976,99.
2) No requerimento probatório apresentado com a contestação, requereu a Ré a realização de perícia colegial às contas da Autora, indicando o seu perito e apresentando os respectivos quesitos )
3)A Autora foi notificada da contestação apresentada pela Ré, tendo em 16-05-2019 apresentado requerimento requerendo a junção de documentos.
4) Foi designada data para a realização de audiência prévia, na qual, se proferiu o seguinte despacho no que tange à requerida prova pericial:
“ (…)
- Da perícia: não se afigurando impertinente ou dilatória, admite-se a requerida perícia colegial (fls. 167-167 v), convidando-se a autora a pronunciar-se na presente data sobre o objecto da perícia proposto pela ré em sede de contestação, bem como a indicar o seu perito (artigo 476º, n.º 1, do CPC).»
5) Da acta da audiência prévia consta:
“Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da autora, pelo mesmo foi dito:
“Relativamente ao objecto da perícia, diz a autora o seguinte: os pontos 3 e 5 são idênticos, pelo que um dos dois deverá ser retirado. No que toca ao ponto 1, relativo às datas em que foram furtadas as mercadorias, as mesmas foram objecto de prova atrás das facturas juntas sendo que, embora a A. nada tenha a opor a que este ponto se mantenha no objecto da perícia, entende que o mesmo será desnecessário. No que toca ao ponto 9 não se vê qual a utilidade do mesmo face ao que consta nos pontos 6 e 7.
No que se refere ao ponto 10, cremos que o mesmo já consta do ponto 9, sendo por isso desnecessário.
Por último, requer o prazo de 10 (dez) dias para vir aos autos indicar o seu perito.”
*
Concedida a palavra à Ilustre Mandatária da ré para exercer o respectivo contraditório, pela mesmo foi dito: “A ré mantém o entendimento de que os quesitos formulados em sede de contestação se afiguram pertinentes, sendo que os mesmos foram elaborados com o auxílio do perito por si então indicado.
*
Após, a Mm.ª Juíza de Direito proferiu o seguinte
DESPACHO
«Ao abrigo do disposto no artigo 476º, n.º 2, do CPC, determino que a perícia colegial verse sobre os seguintes quesitos:
- Quesito 1: Por referência aos documentos contabilísticos da autora relativos ao período compreendido entre 31 de dezembro de 2015 e 23 de dezembro de 2016, quais as mercadorias da autora que se encontravam no armazém sito na ...Vila Nova de Famalicão? Em que datas foram compradas? As mesmas encontravam-se identificadas por tipos, designações, quantidade e custo unitário?
- Quesito 2: Qual o valor dessas mesmas mercadorias à data de 23 de dezembro de 2016?
- Quesito 3: Qual o valor das vendas das mercadorias registadas entre 01 de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2016?
- Quesito 4: Qual o valor das compras de mercadorias registadas entre 01 janeiro de 2016 e 31 dezembro de 2016?
- Quesito 5: Qual o custo das vendas registadas entre 01 de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2016?
- Quesito 6: Na contabilidade da empresa autora está ou não prevista qualquer perda potencial por depreciação de existências e, no caso afirmativo, tal perda potencial está ou não co-relacionada com as mercadorias presumivelmente furtadas?
Concedo à autora o prazo de 10 (dez) dias para vir aos autos indicar o seu perito e juntar aos autos os documentos contabilísticos necessários à realização da perícia ora determinada.
Oportunamente, abra conclusão com indicação do perito a nomear pelo Tribunal. (…)”
6) A Reclamante foi notificada pela secretaria a 07.04.2020, “da junção aos autos do requerimento com carimbo de entrada a 02 Abr. 2020 (fls.536,537,538), bem como dos mails de 06 abril de 2020 13:55 (fls. 539 e 540) e de 06 abril de 2020 21:16 (fls. 541 a 543), cujas cópias se anexam”, tudo referente à “estimativa de custo da perícia” de cada um dos (3) peritos.
7) A 02.07.2020, foi proferido o seguinte despacho, relativamente à referida «estimativa de custo da perícia»:
“Ref.ªs citius n.ºs 25977375, 26000322e 26006030 – Tomei conhecimento do custo previsível da perícia ordenada nos autos e da sua notificação às partes.
Notifique a ré, requerente da perícia, para vir aos autos proceder ao pagamento dos encargos previsíveis com a perícia (artigo 20º do Regulamento das Custas Processuais).”
8) O despacho de 02.07.2020 foi notificado às partes, por ofícios datados de 09.07.2020.
9) A Ré liquidou €28 217, 28, correspondente ao valor da guia de pagamento antecipado dos encargos da perícia (refª 397859766) e posteriormente € 3506,12
10) O relatório pericial foi junto a 22.10.2021, constando dos autos sob a refª 410831354, vindo acompanhado das notas de honorários de cada um dos peritos., correspondem ao valor da guia de pagamento antecipado de encargos da perícia (ref.ª 412510532)
11) O ofício datado de 08.11.2021, dos autos principais, remetido aos Ilustres Mandatários das partes, tem o seguinte teor:
“Assunto: Relatório Pericial
Fica deste modo V. Ex.ª notificado do relatório pericial de que se junta cópia, podendo dele reclamar, ou pedir esclarecimentos, no prazo de 10 dias.”
12) O ofício referido em 7) foi notificado aos destinatários, juntamente com, além do mais, o relatório pericial e as notas de honorários dos peritos.
13) Por despacho de 05.01.2022, foi, a respeito dos encargos com a perícia, assim decidido, sem mais:
“Paguem-se as despesas e honorários solicitados pelos Srs. Peritos.”
14) A Autora e a Ré não reclamaram do valor das notas de honorários dos peritos.
15) Os peritos responsáveis pela perícia colegial apresentaram as seguintes notas de honorários:
“2.1.) Dr. AA:
Deslocações – (3340Km x € 0,36) – € 1.202,40
Portagens - € 221,40
Despesas (estadas e refeições) – € 671,71
Honorários – (144 horas x € 55,00/hora) – € 7.920,00
2.2.) Dr. BB:
Deslocações – (3120Km x € 0,36) – € 1.123,20
Ajudas de custo - € 899,54
Honorários – (144 horas x € 55,00/hora) – € 7.920,00
2.3.) Dr. CC:
Deslocações – (2780Km x € 0,36) – €1.000,80
Portagens - € 180,00
Despesas (estadas e refeições) – € 504,66
Honorários – (144 horas x € 55,00/hora) – € 7.920,00.”
16) A Ré apresentou nota discriminativa e justificativa de custas de parte que aqui se dá por integralmente reproduzida.
17) A Autora depositou junto do IGFIJ os €4 080, 00 (correspondentes aos valores de taxa de justiça e compensação face às despesas com honorários a que a Ré tem direito por via do disposto no artigo 25.º, n.º 2, alíneas b) e d) do RCP) a 04.03.2024.
*
IV. O Direito
É objecto do presente recurso a decisão que recaiu sobre a reclamação apresentada pela Autora à Nota discriminativa e justificativa de Custas de Parte.
Dispõe o artigo 26.º-A do RCP que:
“1 - A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.(…)”
A reclamação da Autora/Apelante cingiu-se à quantia reclamada pela Ré/apelada a título de encargos com a perícia colegial determinada nos presentes autos, a requerimento da Ré.
Por referência às custas de parte, dispõe o Artigo 533.º do CPC que:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.
2 - Compreendem-se nas custas de parte, designadamente, as seguintes despesas:
a) As taxas de justiça pagas;
b) Os encargos efetivamente suportados pela parte;
c) As remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas;
d) Os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas.
3 - As quantias referidas no número anterior são objeto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes.(…)”
Por seu turno o Artigo 24.º do RCP, sob a epígrafe “Imputação na conta de custas”, dispõe que
“1 - (Revogado.)
2 - No final, os encargos são imputados na conta de custas da parte ou partes que foram nelas condenadas, na proporção da condenação.”
Acrescenta art. 26.º do RCP que:
1 - As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil.
2 - As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.
3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:
a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;
b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;
c) 50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;
d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução. (…)”
De outra banda o art. 16.º do RCP diz-nos que:
1 - As custas compreendem os seguintes tipos de encargos:
a) Os reembolsos ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P.:
i) De todas as despesas por este pagas adiantadamente;
ii) Dos custos com a concessão de apoio judiciário, incluindo o pagamento de honorários;
iii) (Revogada.)
iv) (Revogada.)
b) Os reembolsos por despesas adiantadas pela Direcção-Geral dos Impostos;
c) As diligências efectuadas pelas forças de segurança, oficiosamente ou a requerimento das partes, nos termos a definir por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna e da justiça;
d) Os pagamentos devidos ou pagos a quaisquer entidades pela produção ou entrega de documentos, prestação de serviços ou actos análogos, requisitados pelo juiz a requerimento ou oficiosamente, salvo quando se trate de certidões extraídas oficiosamente pelo tribunal;
e) As compensações devidas a testemunhas;
f) Os pagamentos devidos a quaisquer entidades pela passagem de certidões exigidas pela lei processual, quando a parte responsável beneficie de apoio judiciário;
g) As despesas resultantes da utilização de depósitos públicos;
h) As retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo;
i) As despesas de transporte e ajudas de custo para diligências afectas ao processo em causa.
2 - Os valores cobrados ao abrigo do número anterior revertem imediatamente a favor das entidades que a eles têm direito. Ora, o pagamento aos Peritos, no âmbito de prova pericial realizada nos autos, cai na previsão da al. h) do art. 16.º do RCP, sendo por isso isento de dúvidas que as retribuições aos Peritos, que intervêm acidentalmente no processo, constituem encargos do mesmo (neste sentido ver Ac. R.C. de 02-04-2020).
De entre os argumentos carreados pela Autora para defesa da tese da inexigibilidade, por parte da Ré, do pagamento com a remuneração aos Srs. Peritos, alegou a Autora na reclamação por si apresentada que:
a) o facto de ter sido a Ré/reclamada a pedir, sem contraditório prévio da Autora/reclamante, perícia colegial de natureza económico-financeira e contabilística às contas da Autora, quando a reclamante se bastaria com uma perícia individual. Isto, não obstante de, no colégio pericial, ter intervindo, igualmente, o Dr. BB (perito indicado pela Autora)
b) o facto de tal perícia levada a cabo nos presentes autos ter versado apenas sobre 6 quesitos, sendo pedido por cada perito, a título de honorários – além de outros encargos -, € 7.920,00;
c) o facto de a perícia não ter tido qualquer contributo para a descoberta da verdade material e impacto na decisão final;
d) o facto de a fixação do valor de €55,00/hora e a determinação de pagamento de 144 horas de trabalho para cada perito é desrazoável, exagerado, desproporcionado;
e) o facto de constituir exagero o valor das deslocações dos peritos, a saber, 3000km, num país que tem menos de 600Km de comprimento e em que para ir do Norte ao Sul (Chaves a Faro) se percorrem 675Km.
Sem prejuízo da fundamentação infra, adiantamos desde já que o entendimento da Autora / Recorrente carece de base legal e até de razoabilidade nos argumentos por si utilizados.
Analisemos o mérito da pretensão da Autora /apelante passo a passo, por referência às suas conclusões, desconstruindo a sua arquitectura.
I. Conclusões 3 a 5
Alega a Autora, sumariamente, que:
“3.Em primeiro lugar cumpre sublinhar que não existe preceito legal concreto que determine que da notificação das notas de honorários às partes decorre directamente um ónus para estas de delas reclamarem, nem existe prazo determinado para o efeito e, portanto, incumbe ao Tribunal, efectuar essa notificação às partes, indicando expressamente que podem reclamar/impugnar as notas de honorários, determinar um prazo para o efeito e com a indicação explícita das consequências nada dizendo.
4. A aqui Recorrente não foi, em momento algum, expressamente notificada pelo Tribunal a quo para se pronunciar quanto às notas de honorários dos peritos, com determinação de prazo para o efeito e com a advertência das respectivas consequências nada dizendo, conforme era legalmente exigível.
5. A aqui Recorrente foi simplesmente notificada das notas de honorários dos peritos pela secretaria judicial, sem qualquer indicação ou prazo para respectiva reclamação e, posteriormente, do despacho que ordenou o seu pagamento pela Ré, que era quem havia requerido a perícia.”
De acordo com o art. 219.º do CPC
“ 1 - A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.
2 - A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.
3 - Com a citação e as notificações são sempre disponibilizados todos os elementos e cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto, ainda que conste de outro suporte acessível ao citando ou notificando, nos termos previstos em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da modernização administrativa.
4 - (Revogado.)
5 - (Revogado.)
6 - (Revogado.)”
Por seu turno o CPC distingue as notificações – de forma intuitivamente compreensível – feitas às partes que constituíram mandatário, das efectuadas às que estão em juízo desacompanhadas de quem as aconselhe juridicamente.
Assim o art. 247.º do CPC dispõe que “1 - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
2 - Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também notificada a parte, pela via prevista para as notificações às partes que não constituíram mandatário, da data, do local e do fim da comparência”
O objectivo e escopo do n.º 1 do art. 247.º é de fácil apreensão: comunicam-se os actos ao mandatário para que o mesmo tome posição, desempenhando de forma plena as suas obrigações e competências funcionais, prestando a assistência técnica típica de profissionais do foro na condução do pleito, mediante a prática em termos adequados, dos respectivos actos processuais.
Do argumentário da Autora parece resultar o entendimento de que as notificações aos mandatários judiciais têm de conter os mesmos ensinamentos e esclarecimentos básicos que têm as notificações às partes ou terceiros, desconsiderando ou até mesmo menosprezando que os destinatários das mesmas são profissionais do direito, que conhecem o âmbito e extensão do exercício do contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC), que os prazos para exercício desse mesmo contraditório são os que constam expressamente da lei ou, na sua ausência, se aplicam os prazos supletivos e ainda que, a ausência de contraditório e de cumprimento desses prazos, têm efeitos preclusivos.
No recebimento de notificações destinadas a dar conhecimento às partes, na pessoa dos seus mandatários, de actos judiciais devem estas agir, não de forma passiva, mas com o normal esforço de compreensão integral do que lhes é levado ao conhecimento (neste sentido ver Ac. R.L. de 26-04-2007).
Por isso, não tinham as notificações em causa que conter as mençoes que a Autora/Apelante entende que delas deveriam constar, exactamente porque se destinavam a mandatários judiciais, técnicos do direito, com conhecimentos para apreenderem a quê que as mesmas se destinavam. Ainda que assim não se entendesse sempre seria de considerar sanada uma eventual nulidade/irregularidade da notificação, nos termos do disposto no art. 199.º, n.º 1, do CPC.
São assim espúrios e inconsequentes os argumentos expandidos pela Apelante nas conclusões 3 a 5.
II. Conclusões 6 a 10
Alega a Autora/Apelante, sinteticamente, nas conclusões que:
“6. A acrescer que foi a Ré que foi notificada para efectuar o pagamento das notas de honorários dos peritos (conforme ordenado pelo despacho datado de 02.07.2020), por ter requerido a perícia, e optou por delas não reclamar.
7. Ora, apenas o sujeito processual afectado pela decisão nos respectivos interesses jurídicos tem legitimidade para dela reclamar, pelo que, mesmo que quisesse e não tendo a ora Recorrente sido notificada para o efeito, não teria legitimidade para o fazer.
8. Quando a Recorrente foi notificada pela secretaria judicial da estimativa de custos com a perícia, carecia de legitimidade processual para dela reclamar, por não ter sido ela a requerer a mesma.
9. Note-se que no momento em que os peritos apresentaram a nota de honorários pela perícia requerida esta tinha como exclusivo destinatário a Ré e, obviamente, só os seus interesses jurídico-processuais afectava.
10. Ora, uma vez que a Ré não reclamou do valor das notas de honorários dos peritos, deixou-as, pois, opcionalmente, “consolidar-se” por esse valor.”
Só um desconhecimento do regime tributário das acções pode justificar esta argumentação da Autora.
A circunstância de os encargos integrarem as custas de parte (art. 26.º, n.º 3 do RCP) e de estas entrarem em regra de condenação em custas a final (arts. 24.º e 26.º, n.º 1, do RCP), consoante o vencimento da acção, determina que quer Autor, quer Réu – independentemente de quem requereu a diligência que acarreta custos – tenham legitimidade para se pronunciar.
O sujeito mediato do pagamento pode até ser o Réu, na medida em que foi quem requereu a diligência. Mas tal facto é apenas transitório, sendo por natureza invertível consoante o ganho ou perda da acção.
É isso que resulta dos arts. 532.º do CPC e 20.º do RCP, estatuindo o primeiro que:
“1 - Salvo o disposto na lei que regula o acesso ao direito, cada parte paga os encargos a que tenha dado origem e que se forem produzindo no processo.
2 - Os encargos são da responsabilidade da parte que requereu a diligência ou, quando tenha sido realizada oficiosamente, da parte que aproveita da mesma.
3 - Quando todas as partes tenham o mesmo interesse na diligência ou realização da despesa, tirem igual proveito da diligência ou despesa ou não se consiga determinar quem é a parte interessada, são os encargos repartidos de modo igual entre as partes.
4 - São exclusivamente suportados pela parte requerente, independentemente do vencimento ou da condenação em custas, os encargos com a realização de diligências manifestamente desnecessárias e de caráter dilatório.
5 - A aplicação da norma referida no número anterior depende sempre de determinação do juiz.”
Daí que as estimativas de custos tenham – e bem – sido notificadas a ambas as partes, na medida em que o adiantamento seria, por natureza, feito por quem havia requerido a diligencia, mas a imputação final teria em consideração o ganho de causa.
De tudo o exposto resulta que:
- O pagamento prévio dos encargos decorrentes da realização de perícia, nos termos e para os efeitos do art. 532º, nº 2, do CPC, é da responsabilidade da parte que requereu a diligência;
- o pagamento, imputação ou custo final depende, não de quem requereu a diligencia de prova, mas apenas de quem decaiu na acção – neste sentido ver Ac. R.G. de 09-11-2023.
Dito de outra forma:
- No final, conforme expressamente previsto no artigo 24.º do RCP, os encargos são imputados na conta de custas da parte ou partes responsáveis por custas (“que foram nelas condenadas”), na proporção da condenação.
Só não será assim se o juiz determinar que fiquem a cargo de uma determinada parte porque as diligências foram desnecessárias ou meramente dilatórias – artigo 532.º, n.ºs 4 e 5, do CPC.
Se os encargos não estiverem pagos, são imputados na conta de custas do responsável condenado e na proporção da condenação – artigo 24.º, n.º 2, do RCP.
Se os encargos já estiverem pagos pela parte vencedora, não são imputados na conta de custas, mas sim cobrados extrajudicialmente através do instituto de custas de parte, no qual o vencedor tem direito a recebê-los do vencido, na proporção da condenação (neste sentido ver Ac. R.C. de 02-04-2020).
Daqui resulta que ambas as partes tinham interesse e legitimidade em se pronunciarem sobre a estimativa de custos da perícia, bem como legitimidade para recorrer do despacho que fixou a remuneração aos peritos.
III. Conclusões 11 a 15
Alega a Autora que:
“11. Note-se que por ofício datado de 08.11.2021, foram as Partes notificadas do relatório pericial com a indicação expressa que podiam dele reclamar ou pedir esclarecimentos no prazo de 10 dias.
12. Na mesma linha, impunha-se que as Partes tivessem também sido notificadas, de igual modo, para reclamarem das notas de honorários dos peritos, com indicação de prazo para o efeito, mas tal não sucedeu.
13. E não se pode admitir que a notificação da secretaria a 07.04.2020 tenha a virtualidade de substituir uma notificação expressa e autónoma para que as Partes se pronunciassem quanto à nota de honorários, com a menção das respectivas consequências nada dizendo.
14. Pois, na verdade, a Recorrente foi notificada para reclamar ou pedir esclarecimentos do relatório, mas não foi para a da nota de honorários.
15. E, portanto, na esteira do douto Acórdão do TRL acima citado, sempre teremos que admitir que, contrariamente ao entendimento plasmado na decisão recorrida, a inexistência de reacção ao recebimento da estimativa do custo da perícia não pode ser valorada como uma aceitação automática da aqui Recorrente do valor que os peritos viessem a exigir pagamento.”
Reiteram-se aqui as considerações feitas no ponto I. acerca das notificações feitas a mandatários judiciais, técnicos de direito, que pela própria inerência das funções que desempenham sabem, melhor que os funcionários judiciais, a amplitude do exercício do contraditório relativamente a todos os actos praticados que tenham ou possam vir a ter reflexo na sua esfera de responsabilidade.
IV. Conclusões 16 a 20
Alega a Autora que:
16. A Recorrente foi, efectivamente, notificada do despacho que determinou: “Paguem-se as despesas e honorários solicitados pelos Srs. Peritos.”, mas, no seguimento, foi a Ré quem foi notificada para pagar os encargos com a perícia e não a aqui Recorrente.
17. Tal notificação tinha por único destinatário a Ré, razão pela qual a Autora, aqui Recorrente, não se podia substituir processualmente ao titular do direito afectado, e ao arrepio da sua opção de aceitação do referente acto, dele reclamar.
18. Na realidade, não tendo a ora Recorrente sido notificada para pagar os encargos não lhe adviria qualquer consequência jurídica favorável de uma eventual procedência da reclamação, nem qualquer repercussão negativa na sua esfera jurídica no caso de improcedência da reclamação, razão pela qual carecia de legitimidade para o efeito e a corroborar isso nem a lei prevê essa possibilidade e nem a mesma foi notificada para esse efeito.
19. Portanto, a ora Recorrente, no momento em que a Ré foi notificada para pagar os encargos, não tinha legitimidade para reclamar do valor da nota de honorários, uma vez que não tinha o interesse directo do reclamante, que sempre terá de ser aferido pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da reclamação possa resultar para ele, neste caso, a Ré.
20. Isto porque, como é óbvio, cada um dos interessados só tem legitimidade (enquanto pressuposto processual) para reclamar dos actos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica e já não dos actos que apenas afectam a esfera jurídica da contraparte.”.
Reitera-se aqui o que se referiu em II. e que não se concebe que tal não seja do conhecimento da Autora:
- a Ré foi notificada para proceder ao pagamento dos preparos com a perícia nos termos do art. 532.º, n.º 2, do CPC e do art. 20.º do RCP;
- a prova pericial requerida era uma instrumento probatório que teria a virtualidade de ser adquirida para os autos (principio da aquisição processual), independentemente de quem a tivesse requerido;
- não podia a Autora/apelante desconhecer que os custos da perícia são qualificados como encargos e que os encargos, pagos pela parte vencedora, se inserem nas custas de parte (nos termos do art. 26.º, n.º 3, al. b), do RCP) as quais se integram no âmbito da condenação judicial por custas (art. 26.º, n.º 1, do RCP).
Não colhem por isso os argumentos da Autora/Apelante.
V. Conclusões 21 a 22
Alega a Autora que:
“21. Em rigor, só com a apresentação das custas de parte por parte da Ré, teve a Recorrente legitimidade para se pronunciar sobre o valor dos encargos com a perícia, pois só nesse momento lhe foi peticionado o seu pagamento.
22. Pelo que, a ausência de reclamação à nota de honorários dos peritos por parte da aqui Recorrente em momento anterior ao da reclamação das custas de parte não pode, de modo algum, ser entendida como uma aceitação da mesma, nem a nota de honorários lhe é oponível sem ser objecto de escrutínio, sob pena de se violar o direito da tutela jurisdicional efectiva e o principio do contraditório, constitucionalmente consagrados, já que estaria assim a Recorrente, que não requereu a perícia, nem escolheu o tipo – colegial - e não foi notificada para se pronunciar sobre a nota de honorários, estar-lhe agora vedado este direito, seria esvaziar estes fundamentais princípios constitucionais.”
Acerca da legitimidade e oportunidade para a Autora se pronunciar sobre o valor dos encargos prováveis com a perícia e sobre a nota de honorários já tivemos oportunidade de nos referirmos supra. Aliás nenhum sentido teria a notificação da Autora se, no reverso, não se permitisse o seu contraditório quanto aos factos que lhe foram comunicados.
Aquilo que não tem sentido é deixar o Tribunal proferir decisão sobre a matéria, não tomar posição, nem recorrer e apenas reagir processualmente quando confrontado com uma nota discriminativa e justificativa de custas de parte!
VI. Conclusões 23 a 26
Alega a Autora que:
“23. Ademais, analisado o despacho de 05.01.2022, verifica-se que não existiu da parte do julgador um juízo sobre o equilíbrio e a adequação das notas de honorários dos peritos, nem uma fundamentação, ainda que mínima, objectiva que justificasse a fixação dos valores avultados aqui em causa.
24. Ora, não tendo a Ré reclamado das notas de honorários dos peritos quando lhe foram apresentadas a pagamento, tendo legitimidade para tal, deve ser responsável pelo diferencial do valor pago e do valor efectivamente devido.
25. Com efeito, impenderá sobre a Ré assumir o diferencial entre o valor pago e o valor efectivamente devido, na medida em que teve oportunidade de reclamar do mesmo – que é manifestamente indevido – e não o fez.
26. Sendo a aqui Recorrente responsável apenas pelo pagamento dos valores que corresponderem ao valor remuneratório justo.”
E ainda:
“28. Por outro lado, a notificação da aqui Recorrente para pagar os honorários dos peritos aconteceu só em sede de custas de parte e, portanto, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo a reclamação da aqui Recorrente ao valor das notas de honorários dos peritos é completamente legítima e tempestiva.
29. A verdade é que a Recorrente não pode ser prejudicada por uma decisão sobre a qual não tinha legitimidade para recorrer, na medida em que não tinha, sequer, a obrigação de efectuar qualquer pagamento.
30. A notificação para o cumprimento da obrigação à Recorrente só ocorreu com a apresentação das custas de parte da Ré, portanto, a obrigação de pagar só existe para a Recorrente a partir desse momento, não existia antes.
31. A acrescer, a decisão recorrida consigna que “Não se suscitam dúvidas de que o despacho que ordenou o pagamento dos honorários aos Exmos. Peritos era susceptível de impugnação mediante recurso, se se verificassem os restantes pressupostos para tanto exigíveis”.
32. Ora, um dos pressupostos a aferir é, desde logo, a legitimidade para recorrer, que está, necessariamente, ligada à invocação da titularidade, em nome próprio, do interesse que tem no acto (cfr. artigo 631.º, n.º 1 do CPC).
33. No caso sub judice não existia uma situação efectiva de lesão directa que justificasse a utilização do meio impugnatório (o recurso da decisão), ou seja, não havia carácter directo, pois a ora Recorrente não era titular de um interesse directo com efectiva necessidade de tutela judiciária, não tinha sequer interesse processual.
34. Poderá entender-se que a Recorrente teria um interesse meramente eventual, hipotético, longínquo, mediato indirecto, remoto, diferido, de que aquele valor lhe viesse a ser imputado em sede de custas de parte.
35. O que significa, portanto, que tal interesse não lhe conferia legitimidade para recorrer da decisão, pois só tem legitimidade para o efeito quem tem interesse directo.
36. A legitimidade é reconhecida a quem possa ser identificado como eventual beneficiário do acto, o que não era o caso da Recorrente.
37. Na verdade, a Recorrente não retirava qualquer utilidade ou vantagem directa ou pessoal com o recurso, sendo certo que o ordenamento jurídico só disponibiliza meios de reacção contra decisões judiciais que ofendam directamente direitos legítimos.
38. A Recorrente não podia recorrer do despacho que ordena o pagamento aos peritos porque lhe não era desfavorável nem directamente dirigida.
39. Além de que, só a Parte que tenha ficado vencida na causa pode recorrer, entendendo-se que é aquela que é objectivamente afectada pela decisão e que é directa e efectivamente atingida na sua esfera pessoal ou patrimonial pelos efeitos da decisão judicial.
40. Portanto, é forçoso concluir que a Recorrente não tinha legitimidade na medida em que a decisão não lhe acarretava qualquer prejuízo directo, pois era a Ré a responsável pelo pagamento dos encargos com os peritos.”
42. Sublinhe-se que o interesse em recorrer e, consequentemente, a legitimidade ad recursum assenta nas consequências que a decisão possa produzir na esfera jurídica da Parte e, portanto, esta só pode recorrer se a decisão lhe for desfavorável e pretender afastar esse prejuízo através da revogação dessa decisão pelo Tribunal superior.
43. Ora, caso a Recorrente tivesse recorrido do despacho e obtido ganho de causa, a decisão que determinasse a reformulação das notas de honorários dos peritos não afectaria, minimamente, a Recorrente,
44. A acrescer, no caso presente, tendo sido a Ré a requerer a perícia e sendo a ela que foi exigido o pagamento, sempre terá de se entender que seria a Ré a parte vencida pela decisão e não a aqui Recorrente, carecendo, portanto, do preenchimento desse pressuposto.
(…)
46. É evidente que existe uma óbvia desproporcionalidade entre o real valor do trabalho submetido à apreciação dos peritos (a perícia versou apenas sobre 6 quesitos) e o valor de honorários efectivamente peticionado, que corresponde a mais de 25% do valor do pedido que visava apreciar, além de ter acabado por não ter tido qualquer contributo para a descoberta da verdade material e impacto na decisão final.
47. O artigo 17.° n.ºs 2 e 4 da Tabela IV do Anexo I do RCP impõe como limite à remuneração dos peritos, o valor de 10 UC’s, sendo que o TC declarou, com força obrigatória geral a inconstitucionalidade dessa norma.
48. Contudo, existe unanimidade na jurisprudência no entendimento de que, não obstante esta decisão do TC, o valor remuneratório dos peritos não está sujeito às regras de mercado livre, determinando, por isso, alguma contenção na fixação de honorários, tendo em conta que se trata de uma prestação de serviços em colaboração com a justiça e de acordo com o próprio valor do pedido.
49. Portanto, admitindo que, no caso sub judice, a fixação do limite máximo constante da tabela IV possa ser insuficiente para remunerar o trabalho dos peritos nomeados nos autos, sempre se diga que ter-se-á que encontrar um equilíbrio justo e razoável entre o trabalho realizado pelos peritos e o valor de remuneração a fixar por cada dia de trabalho.
50. Na realidade, a fixação do valor de €55,00/hora e a determinação de pagamento de 144 horas de trabalho para cada perito é desrazoável, exagerado, desproporcionado e desadequado aos serviços de perícia efectivamente prestados, ademais se tivermos em consideração que se tratou do desenvolvimento de um trabalho em colaboração com a Justiça e versou apenas sobre 6 quesitos.
51. Ora, se se o limite de 10 UC’s foi considerado inconstitucional, também é verdade que não é conforme à Constituição que o valor dos honorários dos peritos em colaboração com a Justiça ascenda a 232 UC’s como no caso sub judice, sobretudo num caso em que o valor do pedido são € 124.976,99.
52. Com efeito, em linha com os doutos Acórdãos acima transcritos, a compensação de um perito que colabora com a Justiça não pode ser fixada a preço de mercado e terá sempre de ser compatível com a tutela efectiva dos direitos subjectivos das partes, e considerar no caso em apreço 144 horas a cada perito para responder a 6 quesitos relacionados com o valor do inventário da Recorrente na altura do furto, parece-nos absolutamente exagerado e desproporcionadas face à realidade financeira portuguesa, e aos trabalhos semelhantes tendo em conta o próprio pedido sub judice.
53. Na verdade, admitindo a insuficiência do limite constante da Tabela IV do RCP para fixar um valor justo pelo trabalho prestado pelos peritos nos presentes autos, conjugado com o direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efectiva das partes, é imperativo recorrer aos princípios constitucionais da proporcionalidade, da segurança jurídica e da tutela jurisdicional efectiva, princípios esses que vinculam e orientam toda a actividade dos Tribunais, e que não podem deixar de ser aplicáveis no caso em apreço.
54. As notas de honorários dos peritos violam os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica, e da tutela jurisdicional efectiva.
55. Considerando a extensão material do objeto da perícia e a especificidade de matéria, entendemos que seria justo fixar em 20 UC’s a remuneração para cada perito (€ 2.040,00), num montante global de € 6.120,00 (seis mil cento e vinte euros), que corresponde a cerca de 5% do valor do pedido.
56. Quanto às deslocações dos peritos, é manifestamente exagerado considerar 3000km, pelo que, sempre tem de ser reduzido para, no máximo, um terço do valor apresentado pelos peritos e as respectivas despesas associadas, tais como as portagens, reduzidas em conformidade.
57. Isto porque, é imperioso encontrar um equilíbrio entre a justa remuneração dos peritos e os diversos preceitos constitucionais acima elencados.
58. Compulsados os autos conclui-se que não existe fundamento sério e suficiente para a fixação do avultadíssimo valor atribuído aos peritos em face da sua desproporcionalidade e razoabilidade.
59. Donde se conclui, inequivocamente, que o valor ora peticionado a título de encargos é inexigível à aqui Recorrente.
60. Por tudo isto, requer-se a V. Exas. a análise crítica e fundamentada das importâncias pedidas pelos peritos e, tendo sempre presente as considerações tecidas supra, com vista a uma redução objectiva das notas de honorários dos peritos, determinem o pagamento pela aqui Recorrente apenas do valor justo e equitativo, dentro dos limites acima mencionados, com a condenação da Ré a assumir o remanescente do valor do qual, tempestivamente, não reclamou.”
Se houve ou não equilíbrio do julgador na fixação da remuneração aos Srs. Peritos, na sequencia da realização da prova pericial, é questão absolutamente extemporânea no actual estado dos autos.
A perícia foi realizada.
Os peritos apresentaram a sua nota de honorários.
A Autora nada disse quanto a essas mesmas notas de honorários.
Bem ou mal, a seu tempo o Tribunal fixou a remuneração aos Srs. Peritos e a Autora, notificada do mesmo, dele não recorreu, invocando ou alegando aquilo que agora se lhe apraz argumentar: que o valor fixado não foi nem equilibrado nem adequado!
O despacho que fixou a remuneração aos Srs. Peritos transitou em julgado e quanto a essa matéria esgotou-se o poder jurisdicional, não podendo essa mesma matéria ser agora objecto de reapreciação.
E quanto à legitimidade para recorrer desse despacho, dispensamo-nos de repetir aquilo que já referimos supra: a remuneração aos peritos, entrando em regra de custas de parte, e integrando a condenação em custas é necessariamente do interesse de qualquer parte que, enquanto tal, possa vir a ser responsável pelas mesmas.
VII. Conclusão 27
Alega a Autora que:
“27. Para mais, é um dado objectivo que a capacidade económica da Ré, seguradora, é muito superior à da aqui Recorrente e, talvez por isso, a Ré tenha decidido não reclamar dos honorários dos peritos, mas tal decisão não poder ter consequências directas para a aqui Recorrente, a quem tem de ser dada a oportunidade de se pronunciar sobre os valores abusivos solicitados pelos peritos.”
A capacidade económica da Ré e as razões pelas quais ela decidiu não recorrer do despacho que fixou a remuneração são irrelevantes para efeitos de exigibilidade e responsabilidade no pagamento das custas de parte.
Para efeitos de custas a capacidade económica das partes apenas é atendível em sede de concessão de apoio judiciário e/ou de pagamento das custas em prestações.
VIII. Conclusão 41
Alega a Autora que:
“41. Na verdade, com a prolação do despacho que ordena o pagamento aos peritos, não foi imputada à Recorrente a responsabilidade pelo pagamento daqueles encargos.”
É um facto que na altura de pagamento dos preparos para a perícia não foi imputada à recorrente a responsabilidade pelo pagamento dos mesmos. Mas a verdade é que não foi, nem tinha de ser.
A ordem lógica do processo determina que primeiro se produzam as provas e só depois seja proferida sentença. E só com a sentença há a condenação em custas.
Por isso a lei determina, no art. 532.º do CPC e no art. 20.º do RCP, que o pagamento seja adiantado por quem requereu a diligência. Mas esse adiantamento do pagamento nada interfere com a responsabilidade pelas custas que apenas será determinada a final, de acordo com o vencimento na acção.
IX. Conclusão 45
Alega a Autora que:
“45. Quanto ao valor dos encargos propriamente dito, sublinhe-se que foi a Ré quem requereu uma perícia colegial e não singular, sabendo que com isso aumentaria em muito os encargos do processo.”
Quanto a este argumento da Autora refira-se que:
- a Ré requereu a realização de prova pericial em sede de contestação;
- em sede de audiência prévia admitiu-se liminarmente a realização de prova pericial e concedeu-se à Autora a oportunidade de se pronunciar sobre a concreta diligência de prova requerida, sua modalidade e seu objecto, o que a mesma fez em acta, pedindo inclusive prazo para vir indicar perito para integrar o colégio.
É por isso espúrio e inconsequente a alegação nesta fase processual acerca da pertinência, oportunidade e âmbito da perícia.
Em face do exposto, é facto que:
- a prova pericial foi requerida e admitida, com cumprimento de todas as formalidades e assegurando-se o contraditório;
- os peritos apresentaram a sua nota de honorários a qual foi notificada às partes que, sobre ela, nada disseram;
- o juiz, por despacho transitado em julgado, fixou os honorários aos Srs. Peritos;
- proferida sentença, e em face da respectiva improcedência, foi a Autora condenada em custas;
- tendo a Ré adiantado o pagamento dos encargos com a perícia por si requerida, dúvidas não restam que poderá exigir os encargos com tal perícia em sede de nota discriminativa de custas de parte;
- integrando as custas de parte o âmbito da condenação em custas, efectuada na sentença, dúvidas não restam que o seu pagamento é da responsabilidade da Autora, pelo que é exigível à Autora o seu pagamento.
*
V. Decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Lisboa, 10 de Julho de 2025
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
Gabriela Fátima Marques
Eduardo Petersen Silva
1. Por opção da Relatora, o acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando, não obstante, nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as).