I - Estando em causa decidir sobre o regime de residência alternada, deve ser ouvida a criança, com capacidade de compreender o que está em discussão, mas a vontade manifestada não é vinculativa para o tribunal;
II - A decisão sobre a residência alternada, proferida segundo um critério de conveniência e oportunidade, não é passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 988º, nº2, do CPC).
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
AA,1 intentou o presente procedimento tutelar cível de alteração à regulação do exercício das responsabilidades parentais com processo especial contra BB 2, pedindo que o Tribunal altere o regime do exercício das responsabilidades parentais quanto aos filhos de ambos, CC, nascido em ...-...-2013 e DD, nascido em ...-...-2020, no que respeita à residência das crianças.
Para tanto alegou, em síntese, que o regime de residência alternada não está a ser cumprido relativamente ao CC, o qual permanece a residir apenas com a mãe desde Setembro de 2023 em virtude do cansaço demonstrado e decorrente das deslocações na semana do pai, que passou a viver em ..., frequentando o menor a Escola D ..., em .... Relativamente ao DD, o mesmo permanece em residência alternada, embora frequente igualmente um equipamento de infância sito em ..., localidade onde a mãe reside.
Citado, o progenitor pugnou pela improcedência do pedido formulado pela progenitora, alegando poder deslocar-se diariamente a ... na semana que lhe cabe, localidade onde os filhos estão integrados em estabelecimento de ensino, sendo o regime vigente o que melhor acautela os interesses dos menores.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se procedente, por provado, o pedido formulado pela requerente no sentido da fixação da residência dos dois menores junto de si, alterando-se a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo aos menores CC e DD, da seguinte forma:
1. Os menores CC e o DD ficarão a residir com a mãe, cabendo o exercício das responsabilidades parentais, no que tange às questões de particular importância na sua vida, a ambos os progenitores.
2. O progenitor poderá ter os filhos consigo durante três fins-de-semana por mês, desde as 19h00 de Sexta feira até às 19h00 de Domingo.
3. O progenitor poderá falar com os menores diariamente através de chamada telefónica ou por videochamada, sem prejuízo dos períodos de descanso, alimentação e obrigações escolares das crianças.
4. Os menores passarão o Dia da Mãe e o dia de aniversário da mãe com esta e o Dia do Pai e o dia de aniversário do pai com este, sendo que no dia do seu próprio aniversário tomarão, em conjunto, uma das refeições principais com cada um dos progenitores.
5. Os menores passarão com o progenitor, alternadamente, a véspera de Natal, o dia de Natal, a véspera de Ano Novo, o dia de Ano Novo, o Carnaval e a Páscoa.
6. Os menores passarão ainda com o progenitor metade das férias escolares do Natal e da Páscoa, de forma alternada.
7. Os menores passarão com ambos os progenitores as suas férias de verão, em períodos de 15 dias alternados, devendo o pai avisar a mãe sobre os períodos em que pretende passar férias com os filhos até ao final de Maio de cada ano.
8. Os custos relativos às deslocações dos menores para casa de cada um dos progenitores serão suportados por aquele que no momento tiver os filhos consigo.
9. O pai contribuirá com uma pensão de alimentos de € 200,00 (duzentos euros) mensais para cada um dos filhos, no total de €400,00 (quatrocentos euros) mensais, a pagar à mãe até ao dia 8 do mês a que respeita por depósito ou transferência bancária.
10. As despesas médicas e medicamentosas extraordinárias(nestas se incluindo, tratamentos dentários, aparelhos dentários, vacinas não incluídas no plano nacional de vacinação, aquisição de óculos, tratamentos dermatológicos ou intervenções cirúrgicas, e as despesas escolares (nestas se incluindo, a compra de livros e de material escolar no inicio de cada ano lectivo) na parte não comparticipada, serão pagas, por ambos os progenitores, à razão de metade, mediante a apresentação de cópia do recibo correspondente e o pagamento da quota-parte a cargo do outro progenitor ser realizado no prazo de 15 dias desde a apresentação dos documentos.
11. Esta pensão deverá ser actualizada anualmente em função do índice de inflação fixado pelo INE relativo ao ano anterior e com início em Fevereiro de 2026.”
Inconformado, o Requerido interpôs recurso da sentença.
Por acórdão da Relação de Lisboa de 13.05.2025, foi decidido:
a) julgar a apelação procedente,
b) revogar a sentença apelada,
c) julgar improcedente o presente procedimento tutelar cível de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais,
d) repristinando assim o regime fixado no apenso A, e descrito no ponto 2- dos factos provados.
É a vez da Autora interpor recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão para ficar a subsistir a decisão da 1ª instância, formulando as seguintes conclusões:
1. A sentença proferida não atendeu as questões suscitadas na Io Instancia.
2. Sobretudo na defesa do interesses dos menores.
3. Os menores com a decisão ora proferida em nada os beneficia.
4. Beneficia o progenitor.
5. Não sendo esse o processo da RPP.
6. A guarda partilhada por de ser a norma.
7. Mas no caso vertente tem excepções e que a motivação de direitos e elucidativa.
8.. Existiu má apreciação da prova pelo tribunal recorrido.
9. E essa má interpretação causara aos menores dissipadores (sic) e angústias.
10. E até criar más relações futuras com os progenitores.
11. Os menores tem palavra e o CC exprimiu-a.
12. E até isso foi esquecido.
13. Os menores ficaram salvaguardados com a decisão de 1 instância.
14. Até porque e transitória e salvaguarda os menores de todo (?)
Na resposta, o Recorrida pugna pela improcedência da revista.
Com dispensa de vistos, cumpre decidir.
Fundamentação.
1. Os menores CC, nascido a ... de ... de 2013 e DD, nascido a ... de ... de 2020, são filhos de AA e de BB.
2. Por acordo de regulação das responsabilidades parentais, homologado por sentença proferida a 11.10.2021, no apenso A, as responsabilidades parentais relativas aos menores CC e DD foram fixadas nos seguintes termos:
“Residência e convívios:
a) O menor CC fica a residir alternada e semanalmente com a mãe e com o pai, sendo as responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, exercidas por ambos os progenitores.
b) O menor DD, nos próximos oito meses e até completar 2 anos de idade em 15/06/2022, fica a residir e aos cuidados da mãe, sendo as responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, exercidas por ambos os progenitores.
c) Nos próximos oito meses, de 15 em 15 dias, fazendo coincidir o fim de se semana do DD com a semana do CC, à sexta-feira, o pai vai buscar o CC à escola e o DD à creche e entregá-los-á na segunda-feira de manhã nos mesmos estabelecimentos de ensino.
d) A partir da data em que o menor DD complete os dois anos de idade, passará a residir alternada e semanalmente com a mãe e com o pai.
Férias:
Cada progenitor, passará com os filhos, períodos iguais de férias de verão, obrigando-se ambos os progenitores a informar o outro, em cada ano, acerca do período que pretende passar com os filhos.
Datas Festivas e Aniversários:
Os menores passarão alternadamente os períodos de Natal (24 e 25 de Dezembro), e Ano Novo, Carnaval e Páscoa, com cada progenitor, mediante acordo entre eles--A Páscoa será dividida por períodos de uma semana, sendo a Sexta-feira Santa, o sábado e o Domingo de Páscoa passados alternadamente com cada um dos progenitores.
Os menores passarão o aniversário da mãe e o dia da mãe com a mãe e o aniversário do pai e o dia do pai com o pai.
Nos dias de aniversário dos menores, os progenitores articularão entre si qual a refeição que os filhos irão fazer com cada um, de modo a que as crianças estejam juntas.
Pensão de Alimentos e Despesas:
Nos próximos oito meses, o pai pagará a título de pensão de alimentos para o DD a quantia mensal de € 175 (cento e setenta e cinco euros) e € 135 (cento e trinta e cinco euros) para pagamento de metade da mensalidade da creche, totalizando a quantia de € 310 (trezentos e dez euros) até ao dia 08 de cada mês, através de transferência bancária, para a conta da mãe.
Todas as despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada e despesas escolares (mensalidades com equipamento escolar, livros e materiais escolares) serão pagas por ambos os progenitores na proporção de 50% cada um, devendo ser remetido o recibo até ao final do mês a que respeita e o pagamento efectuado com a pensão de alimentos do mês subsequente. As actividades extracurriculares serão pagas nos mesmos moldes, desde que ambos os progenitores estejam de acordo.
Logo que seja implementado o regime da residência alternada em relação aos dois menores, cada progenitor suportará as despesas correntes nas semanas em que os menores estiverem consigo.”
3. Aquando do acordo alcançado a 11.10.2021, o progenitor residia na Rua Jorge Alexandre Batalha Ferreira nº 4, 4º esq., na ....
4. Nessa altura, o menor CC frequentava a Escola Básica do ..., no concelho de ....
5. O requerido inscreveu o CC no 5º ano numa escola sita no concelho de ..., sem o conhecimento e consentimento da requerente e do menor.
6. Na sequência do mencionado em 5., o CC não reagiu bem, dizendo querer permanecer junto dos seus amigos e frequentar uma escola em ....
7. E manifestou alguma oposição em passar as férias de verão com o pai.
8. A situação mencionada em 5. deu origem ao apenso C, no âmbito do qual os progenitores acabaram por acordar que o CC frequentaria, no ano de 2023-2024, o 5º ano na Escola D ..., em ....
9. Desde antes do início do ano letivo de 2023-2024, que o CC manifestou o desejo de permanecer a residir junto da progenitora, no ... e de manter os convívios com o pai aos fins de semana alternados pelo facto de as viagens entre ... e a casa do pai serem cansativas para ele.
10. O regime de residência alternada mantém-se apenas em relação ao DD, desde os seus dois anos de idade.
11. Desde o mês de Março de 2024, o progenitor passou a residir com a sua companheira e a filha desta, de 6 anos de idade, em ..., na morada supra indicada.
12. A distância entre ... e ... é de cerca de 65 Kms e as viagens são realizadas em percursos de cerca de 60 minutos.
13. O CC frequenta o 2º ciclo na Escola D ..., em ....
14. O DD frequenta a creche “...”, em ....
15. Na semana em que o menor DD reside com o pai, a criança nem sempre frequenta o equipamento de infância.
16. A requerente continua a residir na casa de morada de família, no ....
17. O requerido reside numa moradia com quatro quartos, inserida num condomínio com piscina e parque infantil, em ....
18. Na casa do requerido, o CC tem um quarto próprio e o DD partilha um quarto com a filha da companheira do pai.
19. O CC pretende continuar a residir com a mãe durante a semana e a passar fins de semana alternados com o pai referindo o cansaço que sente nas viagens.
20. No corrente ano letivo, o CC entra na escola às segundas feiras, pelas 10H00 e sai pelas 18H30.
21. Às terças feiras tem explicação, no ..., entre as 09H30 e as 10H30 e entra na escola às 13H30 e sai às 18H30.
22. Às quintas feiras entra na escola às 13H30 e sai às 18H30.
23. Às quartas feiras e sextas feiras entra às 13H30 e sai às 17H00.
24. O DD inicia as suas atividades no equipamento escolar pelas 09h00.
25. No corrente ano letivo o CC não pratica futebol em virtude de na maior parte dos dias da semana, sair da escola pelas 18H30, sendo muito cansativo ir aos treinos.
26. É a requerente que assegura as idas e voltas da escola de ambos os menores e da explicação do CC.
27. Ambos os progenitores mostram-se presentes na vida dos filhos, revelando-se preocupados e atentos ao seu percurso de vida e prestam todos os cuidados que as crianças necessitam.
28. 1A requerente é bancária e aufere rendimentos mensais no montante de € 1.539,19 e tem despesas mensais no montante de € 1.224,51.
29. O requerido é engenheiro informático e aufere um rendimento mensal médio de € 1.900,00 e tem despesas médias mensais no montante de € 900,00 e a sua companheira aufere um rendimento mensal de € 1.100,00.
Fundamentação de direito.
Questão prévia.
Na 1ª conclusão do recurso, diz a Recorrente que “a sentença recorrida não atendeu às questões suscitadas na 1ª instância.”
Cabe lembrar que está em apreciação o acórdão da Relação, não a sentença, além de que a Recorrente não identifica quais as questões “que o tribunal não atendeu”, o que inviabiliza que nos possamos pronunciar sobre este fundamento do recurso.
Ainda na conclusão 8ª diz que “existe má apreciação da prova pelo tribunal recorrido”, uma afirmação cujo sentido não é fácil apreender uma vez que não houve impugnação da matéria de facto, nem a Relação alterou oficiosamente a matéria de facto fixada na 1ª instância.
Posto isto.
A Recorrida AA instaurou a presente acção de alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidade parentais, homologado por sentença de 11.10.2021, visando, no essencial, alterar o regime de residência alternada fixado naquele acordo, relativamente ao menor CC.
Obteve ganho de causa na 1ª instância, mas a Relação revogou o decidido e manteve o regime de residência alternada por ter entendido que as razões em que se baseou a sentença – a distância entre as residências dos progenitores (cerca de 65 km) e a vontade do menor, na altura com oito anos – não serem suficientes para afastar as vantagens do regime de residência alternada que corresponde ao superior interesse da criança (art. 1906º, nº6, do CCivil)
Das conclusões da alegação do recurso – como é sabido as conclusões consistem na enunciação, de forma sintética, dos fundamentos ou razões jurídicas com que o recorrente pretende obter o provimento do recurso (art. 639º/1 do CPC) – verifica-se que a Recorrente continua a reiterar que a solução da residência alternada não é a que mais convém ao menores, que lhes vai “causar dissabores e angústias e até más relações futuras com os progenitores”, e acusa o acórdão de ter desvalorizado a opinião do menor CC, hoje com 12 anos de idade.
Vejamos se a pretensão da Recorrente é de atender.
O art. 1906º, do CCivil, na redação dada pela Lei nº 65/2020, de 04.11, sob a epígrafe exercício das responsabilidade parentais, prescreve, no que aqui releva, o seguinte:
5. O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6. Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente do mútuo acordo nesse sentido (…).
7. (…)
8. O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse superior do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas possibilidades de contacto com ambos e de partilha da responsabilidade entre eles.
9. O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4º e 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Civil.
É assim que a lei consigna a prevalência do superior interesse do filho menor como critério decisório orientador na regulação do regime das responsabilidades parentais entre os progenitores separados.
O superior interesse da criança encontra-se também inscrito como vector fundamental em vários instrumentos internacionais a que Portugal se encontra vinculado, como é o caso da Declaração dos Direitos da Criança (art. 7º), proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20.11.1959, nos artigos 9º, nº1, e 18º, nº1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26.01.1990, aprovada pela Assembleia da República nº 20/90 de 12.09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12.09, e no art. 6º, alínea a) da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adoptada em Estrasburgo a 25.01.1996, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 7/2014 de 13.12.2013, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 3/2014 de 27.01.
Nesta conformidade, o superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para a criança no sentido de promover o seu desenvolvimento físico, psíquico, intelectual e moral, especialmente no meio família, sendo, por isso, aferível em função das circunstâncias de cada caso.
A propósito do superior interesse da criança, ponderou-se no acórdão do STJ de 27.01.2022, P. 19384/16:
“Para a consecução desse objectivo é essencial o empenhamento partilhado de ambos os progenitores, o que requer a manutenção de relações de estreita convivência ou proximidade entre pais e filhos.
Todavia no caso de progenitores separados, nem sempre se mostra fácil estabelecer um modo de convivência do filho com ambos os pais, levando, não raras vezes, a que o filho tenha de residir com um deles, assegurando-se um regime de visitas ou de convívio com o outro.
É precisamente para esse tipo de situações que o art. 1906º, nºs 6 e 8 do CC elege o modelo de guarda conjunta e residência alternada do filho com os dois progenitores como meio privilegiado de proporcionar uma ampla convivência entre filho e cada um dos progenitores, bem como a partilha das responsabilidades parentais por parte destes. Só assim não será se, atentas, nomeadamente, as aptidões, as capacidades e a disponibilidade de cada progenitor, o superior interesse do filho o não aconselhar.”
Foi justamente a consideração do superior interesse do menor que levou a Relação a reverter a decisão da 1ª instância e a repristinar o que havia sido estabelecido no acordo de regulação das responsabilidades parentais de Outubro de 2021, como evidencia o seguinte trecho da decisão impugnada:
“No caso em apreço, verificamos que o Tribunal a quo procedeu à audição do CC no âmbito do incidente de incumprimento que correu termos no apenso D, sendo contudo a ata de tal diligência3 omissa quanto aos exatos termos em que tal audição teve lugar4, sendo inegável, contudo, que da mesma se extraíram consequências probatórias.
Seja como for, como tivemos ocasião de expor, a vontade da criança não vincula o Tribunal, nem é determinante, mantendo-se como critério orientador da decisão a proferir o do seu superior interesse. Melhor dizendo: a opinião da criança releva, mas o critério orientador da decisão permanece o superior interesse da mesma.
É certo que em abstrato, é inegável o regime de residência única proporciona à criança maior estabilidade no que diz respeito à definição da sua residência, na medida em que a mesma permanece a maior parte do tempo na mesma casa. E é igualmente inegável que a mudança semanal de residência é suscetível de gerar algum cansaço, maxime quando implique deslocações de cerca de uma hora, como sucede no caso em apreço.
Mas não é aquela a estabilidade que verdadeiramente releva à luz do superior interesse da criança.
A estabilidade que releva é a que se reporta ao desenvolvimento harmonioso da criança e ao seu equilíbrio emocional, nomeadamente através da promoção de laços estreitos com ambos os progenitores. Ora, os regimes de residência alternada oferecem algo que os regimes de residência única não logram alcançar: a presença constante de ambos os progenitores da criança no quotidiano desta. Um quotidiano que não tem paralelo nos períodos de férias e fins-de-semana alternados, e que propicia o estreitamento de laços entre a criança e o progenitor de uma forma muito mais completa e intensa. Esse ganho suplanta claramente os inconvenientes práticos do estabelecimento de um regime de residência alternada, nomeadamente os manifestados pelo CC.
Nesta conformidade, e não obstante as objeções manifestadas pelo CC e pela sua Mãe, concluímos que o regime de residência alternada consagrado no acordo outorgado pelos progenitores é o que melhor se adequa ao superior interesse do CC e do DD, razão pelo qual não deve o mesmo ser alterado.
Termos em que se conclui pela improcedência do presente procedimento de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais e, consequentemente, pela procedência do presente recurso, devendo assim revogar-se a sentença apelada, repristinando-se o regime que a mesma alterou.”
O excerto transcrito, como aliás toda a fundamentação do acórdão, mostra que a decisão estribou-se não na interpretação e aplicação de uma norma jurídica, mas sim num juízo de conveniência, como é próprio dos processos de jurisdição voluntária, de que são exemplo os processos tutelares cíveis (cfr. art. 12º da Lei nº141/2015, 08.09, que aprovou o Regime Tutelar Cível).
Sobre a natureza dos processos de jurisdição voluntária, continuam actuais as palavras de Antunes Varela-Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pag. 70):
“Nos processos de jurisdição voluntária, contrariamente aos de jurisdição contenciosa, não há um conflito de interesses que incumbe ao tribunal dirimir, mas sim um interesse fundamental tutelado pelo direito (acerca do qual podem formar-se opiniões divergentes), que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes.
Precisamente porque não está em causa na jurisdição voluntária, a resolução técnica de questões de direito da competência específica dos tribunais de revista, mas a simples opção pela gestão mais sensata ou conveniente de determinadas situações de facto, das resoluções tomadas nesses processos nunca é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 1411º, nº2) (actual 988º, nº2, do CPCivil).”
Neste sentido decidiu o acórdão do STJ de 06/06/2019, P. 2215/22, (Maria dos Prazeres Beleza):
“No âmbito de um processo de jurisdição voluntária, a intervenção do STJ pressupõe, atenta a sua especial incumbência de controlar a aplicação da lei processual ou substantiva, que se determine se a decisão recorrida assentou em critérios de conveniência e de oportunidade ou, se, diferentemente, a mesma corresponde a um processo de interpretação e aplicação da lei.
Constatando-se que o acórdão recorrido fez assentar as decisões impugnadas (…) e quanto à guarda da menor em opções norteadas por critérios de conveniência (o que é viabilizado pelos nºs 1 e 6 do art. 1906º do CC), é de concluir pela rejeição parcial do recurso.”
O entendimento segundo o qual “a decisão sobre a residência alternada, baseada em critérios de conveniência, cingindo-se à ponderação do superior interesse da criança, está excluído o recurso para o STJ”, corresponde a entendimento constante deste Tribunal (cfr., entre outros, acórdãos do 17.05.2018, P. 1729/15, de 27.01.2022, P. 19384/16, e de 21.06.2022, P. 3489/12).
E não é por a decisão recorrida não ter seguido a opinião da criança que se manifestou contra a residência alternada que o acórdão fez má aplicação da lei. É certo que a audição da criança é um princípio orientador dos processos tutelares cíveis (arts. 4º e 5 da Lei nº 141/2015 de 08.09), e o nº9 do art. 1096º do CC di-lo expressamente. Mas a vontade da criança não é vinculativa para o julgador. É ao tribunal que cabe decidir, ponderadas todas as circunstâncias, qual a solução que melhor satisfaz o superior interesse do menor. (cfr., o acórdão do STJ de 18.06.2024, P. 21794/21).
Em suma, não cabe ao STJ sindicar a ponderação da Relação sobre a conveniência e oportunidade de manter o regime de residência alternada já estabelecido; a opinião do menor quanto à residência alternada não é vinculativa, podendo o tribunal decidir em sentido contrário, na ponderação de todas as circunstâncias do caso.
Tudo visto, reconhecemos à evidência que, no caso sub judice, é inadmissível o recurso de revista, conforme o estatuído no art. 988º, nº2, do CPC.
Decisão.
Pelo exposto, em razão do que precede, rejeita-se o presente recurso de revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 03.07.2025
Ferreira Lopes (Relator)
Oliveira Abreu
Arlindo Oliveira