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REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
Sumário
Sumário (da responsabilidade da relatora nos termos do artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil): Não existe desproporcionalidade na fixação de uma prestação de alimentos de € 150, apesar da discrepância de rendimentos dos progenitores, quando aquele que tem a guarda suporta um valor correspondente a cerca de quatro vezes mais das despesas apuradas e assume outras despesas inerentes à vida do filho adolescente, não contabilizadas, relacionadas com aquisição de vestuário, produtos de higiene, frequência de atividades extracurriculares ou de lazer, dinheiro de bolso para uma saída com os amigos ou para fazer face a algum imprevisto.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
Por sentença proferida a 29 de Outubro de 2023 foi regulado o exercício das responsabilidades parentais referentes ao menor JMTM estabelecendo a sua residência com a progenitora, no Brasil, com exercício por esta das responsabilidades parentais quanto aos atos de vida quotidiana do menor e todos os atos necessários para a integração escolar, cuidados de saúde e documentação a serem praticados no Brasil, fixou um regime de visitas para o progenitor e o contributo deste para o sustento do menor com uma pensão mensal de € 150, a atualizar anualmente em função dos índices de inflação divulgados pelo INE, com a primeira a ter lugar em Novembro de 2024.
Inconformado, o progenitor da menor interpôs recurso, expondo as seguintes conclusões:
1ª) Versa o presente recurso matéria de facto e de direito, tais como, os vícios que afetam a validade da decisão proferida, nomeadamente, erro na aplicação do direito aos factos, erro na determinação da norma aplicável, violação de normas jurídicas sendo certo que constam do processo documentos e/ou factos provados que, só por si, implicam decisão diversa da proferida (cfr. artº 616º nº 2 al. a) e b) do CPC).
2ª) Ora, salvo o devido respeito, a Mª Juiz “a quo”, não se pronunciou cabalmente sobre questões essenciais que foram submetidas à sua apreciação, insurgindo-se o apelante da parte da douta sentença que decidiu o seguinte: “(…) 6. O pai contribuirá com uma pensão mensal de 150€ (cento e cinquenta euros) para o sustento do menor a pagar até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária ou outro modo idóneo. A prestação de alimentos será atualizada anualmente em função dos índices de inflação divulgados pelo INE (Instituto Nacional de Estatística), sendo a 1.ª atualização em Novembro de 2024.
7. As despesas com a viagem do menor a Portugal para visitar o progenitor são pagas por ambos os progenitores na proporção de metade.”
3ª) A douta sentença recorrida não fez a mais correta interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso em apreço, existindo erro de julgamento.
4ª) Estipula o artº 2003º do CC que a medida dos alimentos, correspondente à pensão, será fixada tendo em atenção as possibilidades do alimentante e as necessidades do alimentado, nestas se incluindo tudo o que seja necessário à promoção e desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.
5ª) Para que seja possível descortinar da forma de cálculo da pensão de alimentos a fixar, será necessário ter como ponto de referência o artº 2004.º do CC. Consagra o seu número 1 que “os alimentos serão proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”.
6ª) Na fixação da prestação de alimentos é necessário ter em conta as necessidades do alimentado, a par das possibilidades económicas do obrigado a alimentos. No entanto, cabe não esquecer o alerta que o artº 2004.º n.º 2 menciona, isto é, há que averiguar da “possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”.
7ª) Tudo assentará, nesta medida, numa correlação entre as possibilidades de quem dá e as necessidades de quem recebe.
8ª) Assim, na fixação da pensão de alimentos, há que atender aos rendimentos que o obrigado aufere, para que seja possível identificar o montante razoável a ser prestado ao alimentado.
9ª) É por esta mesma razão que cada um dos progenitores não contribui equitativamente, mas sim na proporção das suas possibilidades.
10ª) Considerando a factualidade julgada provada nos pontos 12 e 13 da douta sentença recorrida, ou seja, “12 – No ano fiscal de 2020 o requerente JTM declarou o rendimento anual, (categoria B) de € 8.946,00 (oito mil novecentos e quarenta e seis euros) (fls. 853 a 862); Em março de 2023 o requerente encontrava-se aposentado e beneficiava de uma pensão de velhice no valor de € 568,24 (quinhentos e sessenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos) (fls. 909 e 910)
13 – A requerida aufere uma pensão de sobrevivência no valor de 22.397,76 reais o equivalente a € 4.222,66 (quatro mil, duzentos e vinte e dois euros e sessenta e seis euros);”, temos por assente que a apelada aufere rendimentos mensais cerca de sete vezes superiores aos do apelante.
11ª) A diferença de rendimentos mensais dos progenitores é abismal, ainda para mais, tendo em consideração que o custo de vida no Brasil é muito inferior ao de Portugal, como é do conhecimento geral.
12ª) Os pontos 6 e 7 da decisão da douta sentença proferida devem ser substituídos por outros que fixem a pensão de alimentos a cargo do progenitor em montante não superior a 75,00€ e determine que as despesas de deslocação do menor a Portugal para visitar o progenitor sejam suportadas na totalidade pela progenitora.
13ª) Ao não decidir assim a douta sentença recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artºs 2003º e 2004º do CC.”
A progenitora e o Digno Magistrado do Ministério Público apresentaram as suas contra-alegações pugnando, em ambos os casos, pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
***
II. Delimitação do objeto do recurso:
Perante as conclusões do recurso, a questão a apreciar prende-se com o valor fixado como contributo do Recorrente para o sustento do filho.
***
III. Fundamentação de facto
Da consulta do histórico do processo resultam apurados os seguintes factos:
A. Por sentença proferida a 29 de Outubro de 2023 foi decidido “regular o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor JMTM nascido a 17-03-2007, nos seguintes termos:
1. O menor JM residirá com a progenitora, no Brasil, a qual exercerá as responsabilidades parentais quanto aos atos de vida quotidiana do menor e todos os atos necessários para a integração escolar, cuidados de saúde e documentação a serem praticados no Brasil;
2. O menor passará os períodos de férias escolares em Portugal junto do progenitor caso este tenha disponibilidade para tal;
3. O menor poderá conviver e pernoitar com o progenitor quando este se encontrar no Brasil, devendo avisar a progenitora com pelo menos 48 horas de antecedência;
Quando o pai estiver no Brasil, o menor passará alternadamente uma semana com cada um dos progenitores, sendo que o progenitor em questão irá buscar o menor ao domingo às 20 horas, entregando-o à mesma hora no domingo seguinte;
4. O menor poderá contactar com o pai por qualquer meio idóneo de comunicação à distância, sempre que possível, salvaguardando as horas de descanso, lazer e atividades curriculares.
5. A mãe compromete-se a fornecer ao pai todas as informações relativas ao desempenho escolar do menor, bem como todas as questões referentes à sua saúde, consultas e eventuais terapias que venha a fazer, fornecendo para tal, sempre que possível, o nome do médico e a unidade hospitalar onde estará a ser seguido.
6. O pai contribuirá com uma pensão mensal de 150€ (cento e cinquenta euros) para o sustento do menor a pagar até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária ou outro modo idóneo.
A prestação de alimentos será atualizada anualmente em função dos índices de inflação divulgados pelo INE (Instituto Nacional de Estatística), sendo a 1.ª atualização em Novembro de 2024.
7. As despesas com a viagem do menor a Portugal para visitar o progenitor são pagas por ambos os progenitores na proporção de metade.”
B. A sentença identificada em A) deu por provados os seguintes factos:
1 - JMTM, nascido a 17-03-2007, na freguesia de S. Sebastião da Pedreira, Lisboa, é filho de JMTM e de GDL.
2 - JM residiu com os seus pais, desde o nascimento, até julho de 2011.
3 - O Requerente regressou a Portugal no dia 24 de julho de 2011.
4 - A Requerida e o menor J, deveriam ter regressado no dia 28 de Julho de 2011.
5 - A Requerida adiou a viagem para o dia 31 de outubro de 2011, mas não regressou a Portugal.
6 - O Menor residiu no Brasil com a sua mãe desde 2011 até 22 de outubro de 2015, data em que foi entregue a seu pai.
7 - O menor foi ouvido em 28 de junho de 2016, nos momentos que antecederam a realização de conferência de pais realizada nessa data.
8 - O menor manifestou na referida audição, bem como nas audições que tiveram lugar em 19 de abril de 2018, 1 de julho de 2019 e 29 de setembro de 2021 em tribunal e perante a técnica responsável no âmbito da audição técnica especializada que desejava residir com a sua mãe, no Brasil.
9 - Em 19 de abril de 2018 foi fixado um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais durante o período de férias, da progenitora em Portugal.
10 - Em conferência de pais realizada no dia 1 de julho de 2019 foi fixado novo regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos: «1. O menor ficará, a partir do dia 1 de Setembro de 2019, à guarda e cuidados da mãe, residindo no Brasil, com a mesma, na seguinte morada, Rua …, nº 261, apartamento 502 centro, Rio de Janeiro, 20230-011. 2. Durante o mês de Julho e Agosto, o menor gozará férias em Portugal, junto do pai, tendo em conta que ainda tem atividades extra curriculares, em curso, durante o presente mês de Julho. 3. A mãe providenciará por todo o cuidado, conforto, carinho e segurança do menor. 4. A mãe providenciará pela inscrição do menor em escola privada que garanta a sua segurança e progresso escolar. 5. O menor, passará todos os períodos de férias escolares com o pai em Portugal, visitando-o sempre que possível. 6. O menor poderá contactar com o pai por qualquer meio idóneo de comunicação à distância, sempre que possível, salvaguardando as horas de descanso, lazer e atividades curriculares. 7. O presente regime vigorará por este ano letivo, sendo que, oportunamente, se solicitará informação à escola, que o menor virá a frequentar, no Brasil, sob o seu desempenho escolar. 8. A mãe compromete-se, no prazo de 15 dias, a informar o processo qual a escola que o menor frequentará, nomeadamente em que zona se situa e a morada da escola. 9. Qualquer facto que implique mudança na vida, segurança e bem-estar do menor deverá ser, de imediato, comunicado aos autos com vista, de imediato, ao Ministério Público. 10. A mãe compromete-se a fornecer ao pai todas as informações relativas ao desempenho escolar do menor, bem como todas as questões referentes à sua saúde, consultas e eventuais terapias que venha a fazer, fornecendo para tal, sempre que possível, o nome do médico e a unidade hospitalar onde estará a ser seguido.»
(…)
12 – No ano fiscal de 2020 o requerente JTM declarou o rendimento anual, (categoria B) de € 8.946,00 (…);
Em março de 2023 o requerente encontrava-se aposentado e beneficiava de uma pensão de velhice no valor de € 568,24 (…);
13 – A requerida aufere uma pensão de sobrevivência no valor de 22.397,76 reais o equivalente a € 4.222,66 (…);
14 - A requerida paga mensalmente a título de despesas
Renda de casa - € 361,86
Telefone – € 19,89
Colégio do menor – € 143,94
Condomínio - € 165,70
TV/Net e telefone - € 109,26
Energia elétrica - € 119,41
Gás - € 20,36
Material escolar para o menor - € 53,37 +€ 19,05
Plano de saúde para o menor - € 72,05
Plano de saúde para a requerida - € 200,07
Alimentação - € 63,48 +€ 8,31 = € 71,79.
A requerida suporta o pagamento de despesas relativas a cartões de crédito (2) e financiamento bancário.”
15. À data do nascimento do menor, o progenitor tinha 47 anos1.
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III. Fundamentação de direito:
Importa apreciar o objeto do recurso.
O poder-dever atribuído aos pais de educar e sustentar os filhos, com assento no artigo 36º nº 5 da Constituição, integra o elenco dos direitos, liberdades e garantias sendo aí claramente classificado simultaneamente como direito e dever.
O legislador ordinário, nos artigos 1878º nº 1 e 1.879º do Código Civil, estabelece que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens, apenas ficando desobrigados de providenciar pelo sustento e assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, na medida em que os filhos estejam em condições de suportar esses encargos, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos.
A nível internacional, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança2 no artigo 27º, reconhece à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social3, afirmando que cabe primacialmente4 aos pais e às pessoas que a têm a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao seu desenvolvimento5.
A importância do sustento dos filhos, enquanto componente dos poderes funcionais que os progenitores exercem no interesse daqueles, é salientada pelo artigo 1.915º do Código Civil ao estatuir que a inibição do exercício das responsabilidades parentais6 em nenhum caso isenta os pais do dever de alimentarem o filho7.
O poder-dever de assistência ou manutenção8 reconduz-se à obrigação de prestar alimentos aos filhos menores, consubstanciada na assunção das tarefas de satisfazer as suas necessidades relacionadas com a alimentação, saúde, segurança, educação de que depende o seu desenvolvimento físico, intelectual, moral e social, que não se reduz “a uma obrigação estritamente patrimonial, mas exige o cumprimento de prestações de facto infungíveis de carácter não patrimonial que se traduzem na prestação quotidiana de cuidados destinados a promover o harmonioso e completo desenvolvimento dos filhos menores”9.
No campo da saúde não está em causa, tão só, a assistência na doença, mas também cuidados e tratamentos médicos de rotina e profiláticos e, ainda, a necessidade de proporcionar uma alimentação saudável e o acompanhamento diário para observância de regras básicas de higiene.
No plano da educação10 está em causa a atividade dos pais orientada para a formação da personalidade e para a socialização da/o criança/jovem11, que em primeira linha lhes cabe12, e a atividade de terceiros por via da instrução escolar, da formação técnica e profissional, o que passa pela escolha dos estabelecimentos de ensino a frequentar e criação de oportunidades de acesso a atividades extracurriculares.
A definição acolhida pelo artigo 2.003º do diploma em referência associa ao conceito de alimentos “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário” 13, compreendendo, também, a instrução e educação quando o alimentando seja menor14.
O artigo 2.004º estabelece que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los e, na sua fixação, atender-se-á, também, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 202115, relatado pela Exmª Juiz Conselheira Maria João Vaz Tomé, chama a atenção que o princípio da proporcionalidade reveste-se de características específicas no direito da família, pois não intenciona nem uma mera operação aritmética, nem uma divisão em partes iguais do montante dos alimentos, oferecendo, antes, “um critério elástico, que exprime a própria função de garantia da satisfação das necessidades do alimentando”, acrescentando que a sua operacionalidade, além da consideração dessas necessidades, “pressupõe uma apreciação comparativa dos rendimentos de ambos os progenitores” concluindo que “apenas o respeito do princípio da proporcionalidade consente a realização do princípio cardinal da igualdade dos progenitores constitucionalmente consagrado”.
Por outro lado, os pais, prioritariamente, estão obrigados a prover ao sustento dos filhos, cabendo-lhes desenvolver as diligências necessárias para obter os rendimentos que lhes permitam cumprir a obrigação alimentícia: tem-se defendido que “a medida das possibilidades do progenitor/obrigado tem de se aferir, não apenas, tendo em conta os rendimentos que aufere, fruto de actividade profissional que desenvolve, mas também, tendo em conta a capacidade que o mesmo tem de exercer uma actividade laboral que lhe permita fazer face ao cumprimento das suas responsabilidades parentais, compreendendo-se que, relativamente aos alimentos devidos a filho menor, o critério legal seja muito apertado, não repugnando estimular fortemente a capacidade de trabalho do progenitor”16, 17.
Aliás, a circunstância de a Constituição ter expressamente declarado que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”, criando uma categoria de dever fundamental em que é beneficiário imediato um indivíduo, e não a comunidade, permite que “na fixação judicial dos alimentos devidos, o tribunal deva ter em causa, não apenas, de forma redutora, o estrito montante pecuniário auferido pelo devedor dos alimentos em certo momento temporal, mas, de forma ampla e abrangente, toda a situação patrimonial e padrão de vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, estando obviamente compreendido no dever de educação e sustento dos filhos a obrigação de activamente procurar exercitar uma actividade profissional, geradora de rendimentos, que permita o cumprimento mínimo daquele dever fundamental”18.
Apreciando os fundamentos do recurso, importa, antes de mais, ter presente que o jovem JM atingiu a maioridade no dia 17 de Março do corrente ano.
Tal não obsta à apreciação do objeto do recurso, na medida em que, em sintonia com o regime provisório estabelecido por despacho proferido a 1 de Julho de 2019, a partir de 1 de Setembro seguinte o então menor passou a estar à guarda da progenitora, residindo com ela no Rio de Janeiro, sem que tenha sido fixado qualquer montante a título de contributo do Pai, o que também sucedeu, de resto, quando foi entregue a este em 22 de Outubro de 2015, após um período de 4 anos durante o qual permaneceu com a Mãe no Brasil.
Tendo presente que o artigo 2.006º do Código Civil estabelece que os alimentos são devidos desde a propositura da ação e que, de harmonia o artigo 2008º, o correspondente direito não pode ser renunciado ou cedido, embora os alimentos possam deixar de ser pedidos e o titular possa renunciar a prestações vencidas19, os fundamentos do recurso preservam a sua utilidade para fixação da prestação alimentar para o período da menoridade e para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 1.905º do Código Civil20.
Importa apurar “a necessidade de alimentos” do jovem JM: as despesas de educação, relacionadas com a frequência de colégio e aquisição de material escolar, bem como o custo do plano de saúde, ascendem ao total mensal de € 288,41; uma vez que a habitação integra o conceito de alimentos, impõe-se afetar uma quota das despesas com a renda, condomínio, consumos de energia e de telecomunicações que ascendem, respetivamente, a € 361,86, € 165,70, € 131,77 e € 129,15, em função do número de pessoas do agregado, ou seja, na proporção de metade, correspondendo a € 394,24; finalmente, na falta de melhor informação, as despesas de alimentação apuradas no montante de € 71,79 têm de ser imputadas ao jovem na proporção de metade. Temos, assim, o valor total de € 718,54.
A prova produzida quanto aos rendimentos e encargos do Recorrente foi muito reduzida, ficando apenas apurado que, no ano de 2020, auferiu € 8.946 de rendimentos da categoria B e que em 2023, com a idade de 63 anos, recebia uma pensão de velhice de € 568,24.
Os rendimentos da referida categoria dizem respeito ao resultado de trabalho independente ou por conta própria em atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária ou de prestação de serviços, o que significa que o Recorrente tem aptidão para angariar rendimentos complementares à aludida pensão de reforma, já que não foi alegado nem apurado que padeça de algum tipo de incapacidade impeditiva do exercício efetivo de uma profissão.
Em contrapartida, a progenitora tem rendimentos provenientes de uma pensão de sobrevivência no valor de 22.397,76 reais, que equivale a € 4.222,66.
É certo que os rendimentos apurados do progenitor correspondem, sensivelmente, a 1/7 daqueles que a Mãe tem disponíveis, no entanto, fixada a prestação de alimentos a cargo do Pai em € 150, fica necessariamente a cargo daquela a quantia de € 568,54, que representa quase quatro vezes mais.
Importa considerar que não consta do elenco dos factos provados a indicação de valores associados a despesas com vestuário, produtos de higiene, frequência de atividades extracurriculares ou de lazer, dinheiro de bolso para uma saída com os amigos ou para fazer face a algum imprevisto, que são inerentes à vida de um jovem, o que significa que, enquanto progenitor com quem o filho vive, coube à Mãe gerir as situações conforme surgiram e suprir as necessidades em que se traduziram, suportando os respetivos encargos, sem os contabilizar, levando a que o montante a seu cargo seja superior ao mencionado no anterior parágrafo.
Se compararmos os valores praticados no mercado nacional de arrendamento e de aquisição de bens alimentares com os apurados, podemos concluir que a progenitora tem uma situação mais favorável do que teria se vivesse em Portugal, mas não temos elementos para fazer um juízo global acerca do custo de vida no Brasil.
Embora o impacto de € 150 nos rendimentos do Pai seja superior àquele que € 568,54 tem nos rendimentos da Mãe, há que considerar que o índice da inflação no Brasil durante o ano de 2024 foi de 4,83% e a expetativa para o final do corrente ano é de 5,46%21, enquanto no território nacional correspondeu a 2,4%22 no ano transato e as projeções do Banco de Portugal em Março passado apontam para 2,3%23 no final de 2025, o que implica, comparativamente, uma maior perda de poder de compra para a progenitora.
Afigura-se que a fixação da prestação de alimentos no montante de € 150 não é desproporcionada, não brigando, pois, com os critérios estabelecidos no artigo 2.004 nº 1 do Código Civil.
No que diz respeito às viagens, uma vez que ficou previsto que o JM passe “os períodos de férias escolares em Portugal junto do progenitor caso este tenha disponibilidade para tal”: confrontando o calendário escolar do Estado do Rio de Janeiro24, verificamos que o período de férias corresponde ao mês de Janeiro, sendo que, em 2025, o primeiro trimestre começou a 6 de Fevereiro, terminando a 2 de Maio, com um período de recesso por ocasião do Carnaval entre 3 e 5 de Março, o segundo trimestre teve início a 5 de Maio e terminará a 8 de Setembro, com um período de recesso entre 14 e 25 de Julho e o terceiro período dura entre 9 de Setembro e 23 de Dezembro, data em que o ano letivo termina, seguindo-se um período de recesso até 31 de Dezembro.
No entanto, como referimos, JM atingiu a maioridade em 17 de Março passado, em momento praticamente contemporâneo do despacho de admissão do recurso, que lhe fixou efeito meramente devolutivo.
Por isso, a questão de saber quem suporta as despesas com as viagens para o estabelecimento de convívios com o progenitor nos moldes fixados no ponto 2) da sentença deixa de se colocar25, já que cabe ao jovem decidir o modo como passam a processar-se, mormente, se implicam deslocações a Portugal, sendo certo que a sua concretização entre a notificação da sentença – 20 de Dezembro de 2023 – e o aniversário do corrente ano teve de se reger pela estipulada comparticipação na proporção de metade.
Sem embargo do esvaziamento dos efeitos desse segmento da sentença, podemos afirmar que o JM voltou a residir no Brasil com a progenitora a partir de Setembro de 2019, ao abrigo de uma decisão judicial que tomou em consideração a preferência que manifestou, pelo que não faria sentido imputar essa despesa exclusivamente à Mãe.
O critério normalmente associado à fixação das despesas com um cunho mais ou menos extraordinário – como sucede com os custos de aquisição de livros e material escolar no início do ano letivo, com consultas e tratamentos médicos e/ou medicamentosos – coincide com a repartição igualitária, o que se justifica também com as deslocações do jovem a Portugal para estar com o Pai.
A apelação tem de improceder.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, mantendo a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 26 de Junho de 2025
Ana Cristina Clemente
Pedro Martins
Paulo Fernandes da Silva
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1. Certidão do assento de nascimento junta com o requerimento inicial.
2. Aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90 de 12 de Setembro, publicados no Diário da República, I Série, de 12 de Setembro de 1990.
3. Cfr. nº 1.
4. Este preceito prevê, complementarmente, no nº 3 que os Estados partes, tendo em conta as condições nacionais e na medida dos seus meios, tomam as medidas adequadas para ajudar os pais e outras pessoas que tenham a criança a seu cargo a realizar este direito e asseguram, em caso de necessidade, auxílio material e programas de apoio, nomeadamente no que respeita à alimentação, vestuário e alojamento. No nº 4 estabelece que os Estados outorgantes tomam todas as medidas adequadas tendentes a assegurar a cobrança da pensão alimentar devida à criança, de seus pais ou de outras pessoas que tenham a criança economicamente a seu cargo, tanto no seu território quanto no estrangeiro.
5. Cfr. nº 2.
6. Cfr. artigos 1.913º e 1.915º do mesmo diploma.
7. Na mesma linha de pensamento o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2019 (in https://www.dgsi.pt/jstj processo nº 2021/16.2T8STS.P1.S2), relatado pelo Exmo Juiz Conselheiro Olindo Geraldes, extrai a mesma conclusão, chamando à colação a tutela penal conferida à violação da obrigação de alimentos no artigo 250º do Código Penal, a compressão prevista quanto à impenhorabilidade, prevista no artigo 738º nº 4 do Código de Processo Civil, para o crédito exequendo de alimentos e a garantia estabelecida pela Lei nº 75/98 de 19 de Novembro e pelo DL nº 164/99 de 13 de Maio com a criação do Fundo de Garantia de Alimentos.
8. Que também radica no artigo 1.874º do Código Civil que dispõe que pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência, compreendendo este último a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar.
9. Nesse sentido, vide em anotação ao preceito em análise, a Exmª Juiz Conselheira Clara Sottomayor na obra coletiva Código Civil Anotado Livro IV, Direito da Família, Almedina, 2ª edição, 2024, pg. 859.
10. O artigo 29º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças elenca os objetivos da educação:
a) promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas potencialidades;
b) inculcar na criança o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais e pelos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas;
c) inculcar na criança o respeito pelos pais, pela sua identidade cultural, língua e valores, pelos valores nacionais do país em que vive, do país de origem e pelas civilizações diferentes da sua;
d) preparar a criança para assumir as responsabilidades da vida numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e com pessoas de origem indígena;
e) promover o respeito da criança pelo meio ambiente.
11. Transmissão de valores, regras de conduta social e cívica.
12. Cfr. artigo 18º nº 1 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
13. Em anotação ao preceito em referência na obra identificada na nota 2 (página 1068) refere-se que nele o legislador definiu o objeto da obrigação de alimentos – sustento, habitação, vestuário - e também estabeleceu o critério – “o que é indispensável – a conjugar com o artigo 2.004º para determinação da sua medida. Salienta-se, também, que o critério da indispensabilidade delimita o âmbito das despesas de sustento, habitação, vestuário, no entanto, a expressão “sustento” implica um entendimento em sentido amplo e pressupõe uma vida autónoma e digna.
14. A Exmª Juiz Conselheira Maria João Vaz Tomé (in op. cit. nota 2, pg. 1070) afirma que, por via de regra, as despesas com a educação e a instrução não integram o conceito de Em anotação ao preceito em referência na obra identificada na nota 2 (página 1068) refere-se que nele o legislador definiu o objeto da obrigação de alimentos – sustento, habitação, vestuário - e também estabeleceu o critério – “o que é indispensável – a conjugar com o artigo 2.004º para determinação da sua medida. Salienta-se, também, que o critério da indispensabilidade delimita o âmbito das despesas de sustento, habitação, vestuário, no entanto, a expressão “sustento” implica um entendimento em sentido amplo e pressupõe uma vida autónoma e digna.
15. In https://www.dgsi.pt/jstj processo nº 4519/15.0T8MTS.P2.S1.
16. Nesse sentido, vide Ac. RG de 11.07.2013 in https://www.dgsi.pt/jtrg processo nº 3621/12.5TBGMR.G1.
17. Sintetizando como no Acórdão do STJ de 9.03.2021 (identificado na nota 8): não podendo ignorar a necessidade de alimentos dos filhos menores, os pais têm o dever de adquirir os meios económicos de modo a poderem satisfaze-los condignamente.
18. Nesse sentido, vide Ac. STJ de 12.11.2009 in https://www.dgsi.pt/jtrl processo nº 110-A/2002.L1.S1, relatado pelo Exmº Juiz Conselheiro Lopes do Rego.
19. Entende-se que tendo o alimentado sobrevivido sem essa assistência, essa renúncia, a existir, não determina a oneração de outras pessoas nem do Estado – nesse sentido, vide Ac. RL de 11.03.2025 in https://www.dgsi.pt/jtrl processo nº 5476/17.4T8FNC-D.L1-7.
20. Este preceito prevê “ para efeitos do disposto no artigo 1.880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
21. Vide https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/mercado-reduz-projecao-para-inflacao-em-2025-aponta-focus/.
22. Vide https://www.ine.pt/.
23. Vide https://www.bportugal.pt/publicacao/boletim-economico-marco-2025.
24. Vide https://www.seeduc.rj.gov.br/.
25. Considerando que o período de férias coincide com o mês de Janeiro, sendo os períodos de “recesso” correspondentes a 3 dias úteis no Carnaval, 10 dias úteis em Julho e 5 dias úteis no período de Natal/Ano Novo, a questão ter-se-á colocado para o primeiro mês dos anos de 2024 e 2025 – eventualmente, unido com o final do Dezembro – e, eventualmente, para o período total de 16 dias relativo ao mês de Julho do ano passado.