Apenas é admissível ao Supremo conhecer da decisão sobre a matéria de facto a título residual, com o propósito de garantir a observância das regras de Direito probatório material ou de ampliar a decisão sobre a matéria de facto (cfr. artigo 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 3, do CPC), bem como apreciar o uso que o Tribunal da Relação faz dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC.
Recorrente: AA
Recorrido: Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria em Portugal
1. Nos presentes autos foi proferida sentença em que pode ler-se a final:
“Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente por provada, e consequentemente:
a) absolvo o Réu de todos os pedidos contra ele formulados pelo Autor
b) custas a cargo do Autor”.
2. Tendo o autor AA apelado, proferiu o Tribunal da Relação de Lisboa um Acórdão com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se agora o réu no seguinte e absolvendo-o do mais que constava dos pedidos:
(1) a repor, no prazo de 30 dias úteis a contar do trânsito em julgado deste acórdão, as paredes interiores originais que foram demolidas no 4º andar do prédio urbano identificado, assinaladas como Pa1 e como Pa2 no doc. 10 da petição inicial, e a efectuar o escoramento prévio das lajes entre o 4º e o 5º andar e pelo tempo necessário à reposição das ditas paredes interiores, no 4º andar,
(2) a facultar, ao autor e a técnico que o autor vier a escolher e a designar, o acesso àquele 4.º andar para verificar, no decurso da obra, se e como foi executada a reposição das paredes interiores originais que foram demolidas no 4º andar e assinaladas como Pa1 e como Pa2,
(3) a pagar ao autor no que se vier a liquidar ser o custo da obra de reparação das rachas e fissuras em ambas as faces da parede interior do 5º andar, situada na vertical da parede interior demolida no 4º andar assinalada como Pa1 da petição inicial, depois da reposição das paredes interiores do 4º andar, e inclui os seguintes trabalhos: (i) picagem das rachas e das fissuras em ambas as faces da parede, respectivamente, da casa de banho e do quarto voltado a poente; (ii) reconstituição com argamassa fina e subsequente aplicação de estuque; (iii) pintura da casa de banho e do quarto voltado a poente.
Custas, na vertente de custas de parte, da acção e do recurso em 1/10 pelo autor e 9/10 pelo réu”.
3. Desta vez é o réu Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria em Portugal quem vem “INTERPOR RECURSO (ORDINÁRIO) DE REVISTA do referido acórdão, com RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO”, com o “fundamento específico de recorribilidade da decisão reside[nte] (i) na violação e errada aplicação da Lei processual por parte do Tribunal da Relação de Lisboa na reapreciação da decisão da Matéria de Facto do Tribunal de 1.ª Instância, e consequente, (ii) errónea interpretação e aplicação da Lei substantiva ao caso em apreço”.
Produz as seguintes conclusões:
“A. O Recorrente impugna o acórdão proferido com fundamento específico na (i) violação e errada aplicação da Lei do processo pelo Tribunal da Relação de Lisboa na reapreciação da decisão da Matéria deFacto da 1.ª Instância, e consequente, (ii) errónea interpretação e aplicação da Lei substantiva ao caso em apreço, inexistindo, salvo o devido respeito, qualquer fundamento para a decisão judicial proferida, devendo antes ser repristinada a decisão judicial de 1.ª instância.
Com efeito,
B. O Tribunal da Relação alterou in totum a decisão sobre a Matéria de Facto da 1.ª Instância relevante para o thema decidendum, sem que exista, todavia, qualquer base jurídico-racional para o efeito.
C. O Tribunal da Relação violou a Lei processual na reapreciação da decisão sobre a Matéria de Facto da 1.ª Instância, porquanto (i) construiu presunções judiciais que, (i-a) não só padecem de evidente ilogicidade, como (i-b) partem de factos não provados, violando o disposto no art. 349.º do Código Civil, e no art. 607.º, n.º 4, parte final, do Código de Processo Civil; (ii) valorou depoimentos como credíveis e não credíveis sem que, contudo, tenha existido qualquer incidente de impugnação, contradita ou de acareação de testemunhas; os julgadores tenham assistido à produção de prova e à discussão da causa; ou, sequer, sido ordenada a renovação da produção de prova, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil; e (iii) decidiu, aditar à Matéria de Facto provada, factos de natureza meramente conclusiva, violando o disposto no art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil aplicável ao acórdão recorrido ex vi o disposto no art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
D. O Supremo Tribunal de Justiça pode censurar o modo como o Tribunal da Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, verificando, nomeadamente, se, ao apreciar a prova sujeita à livre apreciação das instâncias, o Tribunal da Relação violou regras legais do procedimento probatório, ou os princípios da imediação e da finalidade da busca da verdade material – cfr. os arts. 674.º, n.ºs 1, alínea b), e 3, e 682.º n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil; na doutrina, ABRANTES GERALDES / PAULO PIMENTA / PIRES DE SOUSA; e LEBRE DE FREITAS / RIBEIRO MENDES / ISABEL ALEXANDRE; e, na jurisprudência, os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2019 (RELATOR: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS); de 26.05.2021 (RELATOR: LUÍS ESPÍRITO SANTO); e de 28.09.2023 (RELATOR: CATARINA SERRA).
E. O Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar se a aplicação de uma presunção judicial pelo Tribunal da Relação importou a violação de alguma norma legal, partiu de factos- base provados, e/ou se o seu raciocínio não padece de ilogismo manifesto – cfr. o art. 349.º do Código Civil; na doutrina, LEBRE DE FREITAS / RIBEIRO MENDES / ISABEL ALEXANDRE; e PIRES DE SOUSA; e, na jurisprudência, os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 03.04.2013 (RELATOR: GONÇALVES ROCHA); de 19.01.2017 (RELATOR: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA); de 18.05.2017 (RELATOR: CHAMBEL MOURISCO); de 11.04.2019 (RELATOR: ROSA TCHING); de 24.11.2020 (RELATOR: ANA PAULA BOULAROT); e de 14.12.2021 (RELATOR: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ).
F. O exercício de tais faculdades jurídico-processuais mostra-se imperativo na presente situação jurídica.
Destarte,
G. Devem ser suprimidos da matéria provada, os factos n.ºs 1 a 9, e da matéria não provada, os factos J a O (sendo, portanto, aditados à mesma), repristinando-se a decisão de 1.ª Instância, porquanto:
(i) A presunção construída pelo Tribunal da Relação no sentido de que “o relatório pericial diz exatamente o contrário sobre os factos J e L do que a Sentença escreve, padece de evidente ilogicidade, a qual apenas se justifica, pela errónea interpretação (ou não leitura) do Relatório Pericial por parte do Tribunal da Relação; e
(ii) Das respostas periciais “as paredes Pa 1 e Pa2, e neste âmbito de avaliação da sua função estrutural, serão contudo as menos relevantes a este respeito” e “não será também direta a aceção da sua influência em termos de vulnerabilidade sísmica ou até mesmo à ação dos ventos”, não é possível firmar que as paredes intervencionadas eram paredes mestras ou estruturais, ou, tão pouco, que as obras nelas realizadas constituem um risco para a segurança do prédio.
(iii) A valoração técnica de correios electrónicos enviados por freiras, membros da congregação da Recorrente, que nenhuns conhecimentos possuem de construção civil, engenharia civil ou estabilidade de edifícios, revela ainda a forma acrítica como a reapreciação da prova foi realizada.
H. Devem ser suprimidos da matéria provada, os factos n.ºs 10 a 12, repristinando-se a decisão de 1.ª Instância, porquanto:
(i) a presunção de que, se “quando o A. se queixou das fissuras, o R. não pôs em dúvida que as mesmas tenham surgido após a demolição”, então tais fissuras são causa direta da demolição da parede, parte de um facto-base não provado, e padece de evidente ilogicidade;
(ii) considerou como elemento decisor as declarações de parte do A. sem, contudo, fazer qualquer apreciação critica das mesmas, não sendo possível percecionar em que medida tal meio probatório permite dar como provados os presentes factos;
(iii) as presunções de que (1) a retirada da Pa1 que era uma das 4 paredes que suportava a laje L1, “naturalmente que também tinha de ter algum reflexo na parede oposta”; e (2) se na sanca dessa parede, e outras paredes do mesmo quarto, todas apoiadas na laje, também aparecem fissuras, isso “é perfeitamente compatível com a conclusão de que as fissuras na parede Pa1 (e na sanca dessas parede) surgiram depois da demolição”, partem de factos-base não provados, e padecem de evidente ilogicidade, o que é demonstrado, desde logo, pelas respostas constantes do Relatório Pericial.
(iv) A valoração técnica de correios electrónicos enviados por freiras, membros da congregação da Recorrente, que nenhuns conhecimentos possuem de construção civil, engenharia civil ou estabilidade de edifícios, revela ainda a forma acrítica como a reapreciação da prova foi realizada
Sem prescindir,
I. Para fundamentar que a prova indicada na decisão de 1.ª Instância não demonstra os factos J a O e Q da Matéria de Facto, o Tribunal da Relação valorou a credibilidade das testemunhas, e seus depoimentos, sem, contudo, possuir meios próprios e adequados para o efeito, atenta (i) a inexistência de imediação e oralidade e (ii) a inexistência de qualquer incidente de impugnação, de contradita ou de acareação de testemunhas.
J. O juízo de descredibilidade realizado pelo Tribunal da Relação fundou-se, também, em presunções judiciais, manifestamente ilógicas, e assentes em factos não provados, motivo pelo qual, também por esta via, devem os factos n.ºs 1 a 12 ser suprimidos da Matéria de Facto não provada, e aditados os factos J a O à mesma, repristinando-se a decisão de 1.ª Instância.
Ainda sem prescindir,
K. Apenas podem integrar a Matéria de Facto acontecimentos ou factos concretos, devendo as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas do acervo factual se integrarem o thema decidendum – cfr. o art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil aplicável ao acórdão ex vi do disposto no art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal; na doutrina, HELENA CABRITA; e, na jurisprudência, os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 15.01.2025 (RELATOR: MÁRIO BELO MORGADO); 26.02.2025 (RELATOR: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO); 02.04.2025 (RELATOR: PAULA LEAL DE CARVALHO); e de 15.12.2011 (RELATOR: PINTO HESPANHOL).
L. Saber se um concreto facto assume natureza conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, e concluindo pela natureza conclusiva do facto, deve o Tribunal de Revista julgar não escrito o mesmo – cfr. na jurisprudência, nomeadamente, os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 09.12.2010 (RELATOR: MÁRIO PEREIRA); de 27.04.2017 (RELATOR: TOMÉ GOMES); de 28.09.2017 (RELATOR: FERNANDA ISABEL PEREIRA); de 01.10.2019 (RELATOR: FERNANDO SAMÕES), de 17.12.2019 (RELATOR: MARIA DA GRAÇA TRIGO); de 11.09.2024 (RELATOR: MÁRIO BELO MORGADO); de 26.11.2024 (RELATOR: CRISTINA COELHO); e de 14.01.2025 (RELATOR: JORGE LEAL).
M. Devem ser julgados não escritos os factos n.ºs 7 a 9 da Matéria de Faco, porquanto constituem matéria puramente conclusiva, que integra o thema decidendum da presente ação judicial, contendo, em si mesmo, a decisão da própria causa.
Destarte,
N. Atenta a impugnação da reapreciação da decisão da Matéria de Facto pelo Tribunal da Relação, é manifesto que o R. não buliu com quaisquer partes comuns, porquanto nenhuma das paredes intervencionadas constituía “parede mestra”, nem possuía funções estruturais, inexistindo, por isso, qualquer risco para a segurança do prédio nas obras realizadas pelo R., maxime para a sua estabilidade.
O. O próprio Tribunal da Relação sustenta a sua decisão, em sede de fundamentação de Direito, tão-somente, (i) na conclusão de que “essas paredes eram resistentes”; e (ii) em factos que, consoante judicialmente se reconhecerá, são conclusivos, não podendo integrar o acervo factual relevante para a decisão da causa.
P. As obras realizadas pela R. foram-no em coisa própria, podendo legitimamente ser realizadas – cfr. os arts. 1421.º, n.º 1, alínea a), e 1422.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil; e, na jurisprudência, os acs. do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.12.2011 (RELATOR: ANA LUÍSA GERALDES); e de 20.01.2011 (RELATOR: MARIA JOSÉ MOURO).
Q. O acórdão proferido violou o disposto nos arts. 349.º, 351.º, 1421.º, n.º 1, alínea a), e 1422.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, bem como nos arts. 515.º, 521.º, 523.º, 607.º, n.º s 3 e 4, aplicável ao acórdão recorrido ex vi o disposto no art. 663.º, n.º 2, 662.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, devendo assim ser revogado”.
4. O autor responde com contra-alegações, quais sejam, em conclusão:
“1ª – No presente recurso de revista, o recorrente pede, a título principal, que o Supremo Tribunal de Justiça
- revogue o acórdão datado de 13.03.2025, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, - que altere a nova matéria de facto dada como provada
- e que repristine a douta Sentença Judicial proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância em 26.05.2024.
2ª – O que vale dizer que este pedido do recorrente, no sentido de que o Supremo reaprecie e julgue sobre a matéria de facto fixada pela Relação é, processualmente, ilegal e inadmissível.
3ª - E, no pedido que formula, a título subsidiário, o recorrente mantém a pretensão de que seja alterada a matéria de facto, mas desta feita, através de decisão imposta, pelo Supremo, à Relação, pois requer que, "anulado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sejam os autos remetidos a esta Relação para que seja reapreciada a decisão da matéria de facto em cumprimento do regime legal por esta obnubilado." – vide fls 50 do recurso do Réu (negrito e sublinhado nossos).
4ª – Por isso e salvo melhor entendimento, não deve conhecer-se do recurso de revista, dado que o recorrente pede, a título principal, que o próprio Supremo Tribunal de Justiça altere a matéria de facto dada como provada e, a título subsidiário, que o mesmo Supremo Tribunal de Justiça imponha à Relação a reapreciação e a alteração da matária de facto que deu como provada.
Sem prescindir
5ª - O Tribunal da Relação de Lisboa, ao ter declarado, no 2º parágrafo de fls 58 do acórdão recorrido, que “o relatório pericial diz exatamente o contrário sobre os factos J e L do que a Sentença escreve” NÃO "construiu" qualquer presunção, para dar como não provados os factos J a O e como provados os factos 1 a 9.
6ª – Pois essa declaração NÃO não constitui uma ilacção, mas sim uma constatação, e não contém qualquer ilogicidade – vide nº 54 do recurso;
7ª- Tal declaração NÃO incorreu em errónea interpretação do Relatório Pericial, como se demonstra pelas respostas que, no Relatório Pericial, foram dadas aos quesitos 1º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º e 11º, e, por isso, também não partiu de qualquer falsa premissa.
8ª - A afirmação do Réu recorrente, através do respectivo mandatário, de que a valoração dos correios electrónicos enviados por freiras da congregação do recorrente revela ainda a forma acrítica como a reapreciação da prova foi realizada, além de faltar à verdade, pois vai contra o conteúdo desses correios electrónicos que o Réu aceitou como verdadeiros, no art. 3º da contestação, e que o acórdão recorrido transcreve e/ou sintetiza, de fls 38 a 54,
9ª - Também pretende fazer crer que as freiras da congregação do recorrente, uma delas BB, administradora do Colégio ..., em ... – vide 4º parágrafo, a fls 59 do acórdão recorrido – e a outra CC, ecónoma provincial do Instituto Réu – vide procuração junta aos autos por requerimento apresentado, no citius em 03-11-2019 –, não podem ser tomadas a sério, nas comunicações e declarações que as mesmas fizeram nos correios electrónicos que enviaram ao Autor.
10ª - O que se afigura impróprio, como conduta processual, e reprovável sob o ponto de vista ético.
11ª - O acórdão recorrido não estabeleceu qualquer presunção para dar como provados os factos 10 a 12.
12ª – Pois, como resulta dos respectivos parágrafos 7 e 8 a fls 92, o acórdão recorrido baseou-se em vários meios de prova que aí refere e analisa, de forma crítica, a saber respostas do relatório pericial, correio electrónico que o Autor enviou ao Réu, em 03-07-2018, e declarações de parte que o Autor prestou sobre os temas de prova 10 e 11.
13ª - A Relação pode e deve valorar os depoimentos das testemunhas, através da análise e do confronto com os termos do depoimento da própria testemunha ou de outra ou de outras testemunhas ou ainda com outros meios de prova, e, em conformidade com a valoração que tiver feito, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sem que os julgadores do Venerando Tribunal da Relação tivessem que ter assistido à produção de prova e à discussão da causa.
14ª - Pois a valoração se determinado depoimento faz ou não prova sobre um ou vários factos, não equivale a dúvida (seja séria ou fundada) sobre a credibilidade da testemunha ou do seu depoimento, mas exprime sim o exercício do poder-dever de julgamento da matéria de facto, através da liberdade de apreciação e valoração dos meios de prova.
15ª - Sendo absurda e contrária ao disposto no art. 662º do CPC, a tese do recorrente de que, caso não seguisse e não concordasse com o depoimento de determinada testemunha ou com a valoração da 1ª instância, a Relação estaria a "descredibilizar" a testemunha e, por isso, teria que mandar repetir, perante ela própria (2ª instância), o depoimento da testemunha em causa, para o poder analisar e valorar.
16ª - Os factos provados sob os nºs 7, 8 e 9 correspondem, respectiva e literalmente, aos temas da prova indicados sob os nºs 7, 8 e 9, a fls 3 do despacho proferido, em 05-12-2020.
17ª - Notificado do referido despacho, o recorrente não apresentou qualquer reclamação sobre o que agora veio a alegar, nos nºs 107 a 110 de fls 40 do recurso, designadamente,
- que o saber se a demolição de paredes interiores na fracção do R. põe em causa a segurança do prédio e fracção do A. ou reduz a sua resistência global, que determina a obrigação de reposição no estado anterior é, precisamente, o thema decidendum da presente ação judicial;
- ou que os factos indicados sob os nºs 7, 8 e 9 dos temas de prova contêm, em si mesmos, a decisão da própria causa.
18ª - Notificado do recurso de apelação, no qual o Autor também impugnou a não prova dos factos 7 a 9 e peticionou que estes factos fossem dados como provados, o Réu, ali recorrido, nunca suscitou a questão de que os mencionados factos 7 a 9 não deveriam fazer parte da matéria de facto, por serem matéria absolutamente conclusiva, devido aos motivos que alega nos nºs 108 e 109, a fls 40 do respectivo recurso.
19ª - Assim, a questão que o recorrente suscita nos nºs 107 a 110, a fls 40 do recurso, e na respectiva conclusão M. e em relação à qual pede que sejam considerados não escritos os factos 7 a 9 é uma questão nova.
20ª - Que, além de implicar a alteração dos Temas de Prova pela necessária exclusão dos factos nºs 7 a 9,
21ª - Não deve ser objecto de análise e de conhecimento no presente recurso,
22ª – Dado que os recursos não servem para suscitar questões novas ou que não tenham sido objecto de apreciação e de decisão, nas instâncias recorridas.
Sem prescindir
23ª - Os factos dados como provados sob os nºs 7, 8 e 9 NÃO constituem matéria absolutamente conclusiva, NEM contêm, em si mesmos, a decisão da própria causa.
24ª - Desde logo, porque cada um dos três factos 7, 8 e 9 integra aspectos factuais que são distintos entre si e que, apesar de complementares, cada um deles, nem de per si, nem em conjunto, contém a decisão da própria causa.
25ª - Pois cada um dos factos 7, 8 e 9 refere e enfoca elementos distintos relativos ao prédio, mas que, para relevarem e servir de fundamento à decisão da causa, têm que ser conjugados e integrados com factos de 1 a 6 que fornecem e complementam outros elementos de facto relativos à construção do prédio e a características da sua estrutura.
26ª - Ao contrário do que sucede com os factos das alíneas J ("Nenhuma das paredes intervencionadas constitui “parede mestra”, nem as paredes intervencionadas faziam parte da estrutura do prédio (não eram paredes estruturais)") e L ("Inexiste qualquer risco para a segurança do prédio nas obras realizadas pelo Réu, maxime para a sua estabilidade”) que o recorrente, no pedido recursório principal, requer que o Supremo Tribunal de Justiça dê como provados.
27ª - Pois quer o facto da alínea J, quer o da alínea L, isoladamente e de per si, contém a decisão da própria causa, no sentido da sua total improcedência.
28ª - Ou seja o recorrente pretende que os factos 7, 8 e 9, que não contêm, em si mesmos, a decisão da causa, sejam considerados não escritos, mas pede que sejam dados como provados os factos da alíneas J e L que, sem margem para qualquer dúvida, cada um deles e de per si, contém a decisão da causa, no sentido da sua total improcedência.
29ª – O que, salvo melhor entendimento, constitui conduta processual contraditória e contrária à boa fé”.
5. O Exmo. Desembargador Relator mandou subir o recurso.
1.ª) se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos invocados pelo recorrente, com fundamento, designadamente, em violação de regra de Direito probatório material ou dos poderes de modificação da matéria de facto que são próprios do Tribunal da Relação; e
2.ª) se há razões para alterar a decisão de condenação da recorrente nos termos dispostos no Acórdão recorrido.
OS FACTOS
São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:
A\ O autor e o seu cônjuge mulher são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra F que corresponde ao 5º andar do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito, na freguesia de ..., na Av. ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..76 da extinta freguesia de ... e em livro sob o número 15618 a fl. 7 do Livro B-56.
B\ Aquele prédio está inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ..75.
C\ E a sua construção foi concluída em 1938.
D\ O autor e sua mulher habitam no 5º andar daquele prédio.
E\ O réu é dono e legítimo possuidor da fracção autónoma designada pela letra E que corresponde ao 4º andar daquele prédio.
F\ Entre Fevereiro e Maio de 2018, o réu mandou realizar obras no interior do 4º andar.
G\ No decurso dessas obras, foram demolidas e suprimidas paredes interiores no 4.º andar.
H\ Essa remodelação foi realizada através do arquitecto DD, sendo EE o engenheiro responsável pela direcção técnica da obra.
I\ Foram realizadas intervenções em paredes da fracção, todas elas interiores.
J\ Eliminado pelo Tribunal da Relação.
L\ Eliminado pelo Tribunal da Relação.
M\ Depois da demolição da Pa1 foi colocado um perfil metálico HEB 120mm, sensivelmente na posição da parede demolida, abaixo da laje de betão (Alterado pelo Tribunal da Relação).
N\ Eliminado pelo Tribunal da Relação.
O\ Eliminado pelo Tribunal da Relação.
P\ Eliminado pelo Tribunal da Relação.
Q\ Eliminado pelo Tribunal da Relação.
R\ A obra de reparação das rachas e fissuras em ambas as faces da parede interior do 5º andar, implica: picagem das rachas e fissuras em ambas as faces da parede, respectivamente, da casa de banho e do quarto voltado a poente; reconstituição com argamassa fina e subsequente aplicação de estuque; pintura da casa de banho e do quarto voltado a poente.
S\ As lajes de betão que separam entre si os andares do prédio, estão apoiadas quer nas paredes exteriores do prédio quer nas paredes interiores de cada um dos andares (Aditado pelo Tribunal da Relação).
T\ As lajes de betão entre os 4º e 5º andares estavam apoiadas nas paredes interiores originais do 4º andar Pa1 e Pa2 que foram demolidas (planta junta como doc. 10) (Aditado pelo Tribunal da Relação).
U\ A laje L2 entre o 4º e 5º andar está cortada e atravessada, desde a origem, por um buraco rectangular de 1,25m x 1m que, num dos lados com 1,25m está alinhado, na vertical, com a parede interior do 4º andar assinalada como Pa2 (Aditado pelo Tribunal da Relação).
V\ O buraco referido em 3 foi preenchido com soalho de madeira, para possibilitar, em momento posterior, a construção de uma caixa para instalar um elevador no prédio (Aditado pelo Tribunal da Relação).
X\ As paredes interiores do 4.º andar assinaladas como Pa1 e como Pa2, na planta junta como doc.10, suportavam, quer as cargas permanentes da própria laje, de equipamentos fixos (loiças sanitárias, torneiras, canalizações, etc.) e de paredes interiores do 5.º andar, bem como da laje do terraço de cobertura do prédio, quer as cargas acidentais de pessoas e de móveis que permanecessem no 5º andar (Aditado pelo Tribunal da Relação).
Z\ As paredes interiores do 4.º andar, assinaladas como Pa1 e como Pa2 na planta junta como Doc. 10, integram a estrutura vertical do prédio (Aditado pelo Tribunal da Relação).
AA\ Com a demolição das paredes interiores do 4º andar, assinaladas como Pa1 e como Pa2 a segurança da estrutura do prédio ficou diminuída e sujeita a cedência ou a colapso (Aditado pelo Tribunal da Relação).
BB\ A demolição de paredes (interiores) que suportam cargas verticais reduz a resistência global do prédio à actuação e aos efeitos de forças horizontais desencadeadas, designadamente, por sismos e pela acção do vento (Aditado pelo Tribunal da Relação).
CC\ A demolição das paredes interiores do 4.º andar, assinaladas como Pa1 e Pa2, fez diminuir a resistência e a segurança da estrutura vertical do prédio e, em particular, do respectivo 5º andar (Aditado pelo Tribunal da Relação).
DD\ Após a demolição da parede interior do 4.º andar assinalada como Pa1, a parede interior do 5º andar, rachou e fissurou em ambas as faces, respectivamente, da casa de banho e do quarto voltado para a Av. Manuel da Maia, a poente, numa extensão que, à data da propositura desta acção, é de cerca de 1,65 m e que, em 03/07/2018, era de cerca de 1 m (Aditado pelo Tribunal da Relação).
EE\ Depois disso, surgiu uma racha horizontal com fissuras na parte superior da referida parede interior do 5.º andar, cuja face integra o quarto voltado para a Av. Manuel da Maia, junto ao tecto que é a laje do terraço de cobertura do prédio (Aditado pelo Tribunal da Relação).
FF\ A reparação, tal como descrita no facto R, das rachas e fissuras em ambas as faces da parede interior do 5.º andar, situada na vertical da parede interior demolida no 4º andar e assinalada como Pa1 no doc. 10, ascende pelo menos a 2.500€ (valor sem IVA) (Aditado pelo Tribunal da Relação).
E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:
1/ Nenhuma das paredes intervencionadas constitui “parede mestra”, nem as paredes intervencionadas faziam parte da estrutura do prédio (não eram paredes estruturais) (Anterior facto provado J/, considerado não provado pelo Tribunal da Relação).
2/ Inexiste qualquer risco para a segurança do prédio nas obras realizadas pelo réu, máxime para a sua estabilidade (Anterior facto provado L/, considerado não provado pelo Tribunal da Relação).
3/ A colocação do perfil metálico referida em M/ não era necessária, em puro rigor técnico (Anterior facto provado N/, considerado não provado pelo Tribunal da Relação).
4/ Quanto à parede a2, verificou-se a demolição de tramo de parede da construção original com 1,2 metros de comprimento para colocação de um armário roupeiro, sendo tal demolição parcial, realizada até 2,2 metros de altura (altura do roupeiro incorporado na mesma) e realizada com escoramento da parede superior e das lajes próximas, sendo ainda colocado um tarugo de madeira com as dimensões 80x60mm, como viga de suporte à restante parede sobre o armário (Anterior facto provado O/, considerado não provado pelo Tribunal da Relação).
5/ Foram fornecidos ao autor todos os elementos em poder do réu sobre a obra realizada na fracção autónoma, bem como foram agendadas reuniões com os intervenientes na mesma (Anterior facto provado P/, considerado não provado pelo Tribunal da Relação).
6/ O autor nunca permitiu o acesso à sua fracção para que se aquilatasse qualquer dano, ou para que pudesse ser promovida uma qualquer reparação (Anterior facto provado Q/, considerado não provado pelo Tribunal da Relação).
O DIREITO
Nota prévia sobre o objecto do recurso
Verifica-se que o réu / recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, tal como resulta da apreciação feita pelo Tribunal recorrido.
Neste plano, o recorrente sustenta, em geral, que “[o] Tribunal da Relação violou a Lei processual na reapreciação da decisão sobre a Matéria de Facto da 1.ª Instância, porquanto (i) construiu presunções judiciais que, (i-a) não só padecem de evidente ilogicidade, como (i-b) partem de factos não provados, violando o disposto no art. 349.º do Código Civil, e no art. 607.º, n.º 4, parte final, do Código de Processo Civil; (ii) valorou depoimentos como credíveis e não credíveis sem que, contudo, tenha existido qualquer incidente de impugnação, contradita ou de acareação de testemunhas; os julgadores tenham assistido à produção de prova e à discussão da causa; ou, sequer, sido ordenada a renovação da produção de prova, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil; e (iii) decidiu, aditar à Matéria de Facto provada, factos de natureza meramente conclusiva, violando o disposto no art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil aplicável ao acórdão recorrido ex vi o disposto no art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal” [cfr. conclusão C)].
Invoca, em particular, para o que aqui releva que “[o] acórdão proferido violou o disposto nos 349.º, 351.º (…) bem como dos “arts. 515.º, 521.º, 523.º, 607.º, n.º s 3 e 4, aplicável ao acórdão recorrido ex vi o disposto no art. 663.º, n.º 2, 662.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil” [cfr. conclusão Q)].
Cabem alguns esclarecimentos sobre os poderes do Supremo Tribunal de Justiça no que respeita à decisão sobre a matéria de facto.
Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece, em regra, de matéria de direito. No que toca à matéria de facto, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça sofrem, com efeito, muitas limitações: apenas é admissível ao Supremo conhecer da decisão sobre a matéria de facto a título residual, com o propósito de garantir a observância das regras de Direito probatório material ou de ampliar a decisão sobre a matéria de facto, conforme resulta das disposições do n.º 3 do artigo 674.º e do n.º 3 do artigo 682.º do CPC1.
Mais precisamente, e como se diz no primeiro destes dispositivos, “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais não pode ser objecto de recurso de revista”, só restando a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido no respeitante à matéria de facto quando, nessa fixação, tenha havido “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”.
Quer isto dizer, por outras palavras, que o Supremo Tribunal só pode intervir quando tenha sido dado como provado determinado facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência, quando tenha sido dado como provado determinado facto por ter sido atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece ou quando tenha sido dado como não provado determinado facto por não ter sido atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere2.
É entendimento corrente que, além disto, o Supremo Tribunal de Justiça tem ainda a possibilidade de apreciar o uso que o Tribunal da Relação faz dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, sendo o “mau uso”3 (uso indevido, insuficiente ou excessivo) susceptível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC4.
Nada disto significa – insiste-se – que o Supremo Tribunal esteja autorizado a controlar a decisão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto ou a “imiscuir-se” na valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido segundo o critério da sua livre e prudente convicção. Estas são actividades que estão e permanecem interditas a este Supremo Tribunal5.
Voltando ao caso dos autos, é de concluir que só poderão ser apreciados, na parte do recurso atinente a questões de facto, dois dos fundamentos deduzidos pelo recorrente a propósito da decisão sobre matéria de facto: a eventual ofensa de regras de Direito probatório material, designadamente a invocada violação dos artigos 349.º e 351.º do CC, e o eventual incumprimento do artigo 662.º do CPC (e ainda, quando muito, das disposições que se podem associar a este último, como o artigo 607.º do CPC, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), mas não – nunca – a violação da lei processual.
Esclarecido isto, pode passar-se à apreciação dos argumentos deduzidos contra a decisão sobre a matéria de facto.
1. Da decisão sobre a matéria de facto
Dando total procedência à impugnação sobre a matéria de facto apresentada pelo autor, ora apelante, o Tribunal da Relação procedeu a uma significativa modificação da decisão sobre a matéria de facto.
Por um lado, deu como não provados os factos constantes das alíneas J) a O), excepto no que toca ao constante da alínea M), que permaneceu mas com o seu teor alterado, e os factos constantes das alíneas P) e Q). Por outro lado, deu como provados os factos não provados sob os números 1 a 9 e os factos não provados sob os números 10 a 12.
Como se afirma, em conclusão, no Acórdão recorrido, “os factos provados passa[ra]m a ser os factos A a I, a parte final de M (nos termos consignados acima), R e os factos 1 a 12”.
A propósito das considerações de carácter geral tecidas pelo recorrente [cfr. conclusão C)], reproduzidas atrás, dir-se-á, desde já, sinteticamente, o seguinte.
a) Quanto às presunções judiciais
É sabido que as presunções judiciais, não sendo um meio de prova próprio, são admissíveis em certos termos – nos termos em que é admitida a prova testemunhal – (cfr. artigo 351.º do CC) e cabem no conjunto de poderes que a lei confere ao Tribunal da Relação (embora não ao Supremo Tribunal de Justiça).
O Tribunal da Relação pode, com efeito, socorrer-se de presunções judiciais para afirmar, a partir dos factos apurados e tendo presente as regras de experiência, que outros factos ocorreram.
A possibilidade de este Supremo Tribunal sindicar as presunções adoptadas pelo Tribunal da Relação é muito limitada. Recorde-se alguma jurisprudência.
Veja-se, primeiro, o teor do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2010 (Proc. 93/03.9TBPST.L1.S1):
“O STJ (…) não pode sindicar o sentido de oportunidade e o próprio conteúdo da sua extracção pelas instâncias, a não ser que manifestamente se tenha presumido o que não se podia presumir”.
Veja-se, depois, o teor do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2017 (Proc. 841/12.6TBMGR.C1.S1):
“(…) em sede de recurso de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é muito circunscrita, admitindo-se, ainda que com alguma controvérsia, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados”.
E veja-se, por fim, o teor do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.04.2019 (Proc. 8531/14.9T8LSB.L1.S1):
“O Supremo Tribunal de Justiça só pode censurar o recurso a presunções judiciais pelo Tribunal da Relação se esse uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados”.
Restará, então, verificar se se depara com alguma presunção que padeça de manifesta ilogicidade.
b) Quanto à valoração dos depoimentos das testemunhas
Dispõe-se no artigo 396.º do CC:
“A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal”.
A valoração da prova testemunhal pelo Tribunal recorrido é, por razão dispensável de explicitar, matéria sobre a qual este Tribunal não se irá pronunciar.
b) Quanto à alegada ofensa do artigo 662.º, n.º 2, al. a), do CPC
Dispõe-se nesta norma:
“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento”.
Como é visível, esta norma impõe certo dever sobre o Tribunal da Relação sob determinada condição – existirem dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou o sentido do seu depoimento. Significa isto, a contrario, que, quando não existindo aquelas dúvidas – por não se terem de todo suscitado ou por terem sido superadas para o efeito dos factos a provar com recurso outros meios de prova, não está o Tribunal sujeito àquele dever. Quando assim seja (como tudo indica ser o caso dos autos), a inacção do Tribunal está perfeitamente justificada – mais: será o único comportamento admissível porque conforme à norma.
Lendo a fundamentação para a decisão sobre a matéria de facto, nada se vê que permita dizer que o Tribunal recorrido ignorou, desconsiderou ou subvalorizou os poderes-deveres que aquela norma lhe confere. O que resulta do Acórdão recorrido é, simplesmente, que o Tribunal não usou dos poderes-deveres mencionados por entender que isso era o (mais) acertado, não se vislumbrando sinal de que o Tribunal recorrido não analisou livre e criticamente as provas e não formou uma convicção própria sobre os factos.
Dito isto, passe-se agora às alegações específicas.
Sustenta o recorrente que “[d]evem ser suprimidos da matéria provada, os factos n.ºs 1 a 9, e da matéria não provada, os factos J a O (sendo, portanto, aditados à mesma), repristinando-se a decisão de 1.ª Instância, porquanto:
(i) A presunção construída pelo Tribunal da Relação no sentido de que “o relatório pericial diz exatamente o contrário sobre os factos J e L do que a Sentença escreve, padece de evidente ilogicidade, a qual apenas se justifica, pela errónea interpretação (ou não leitura) do Relatório Pericial por parte do Tribunal da Relação; e
(ii) Das respostas periciais “as paredes Pa 1 e Pa2, e neste âmbito de avaliação da sua função estrutural, serão contudo as menos relevantes a este respeito” e “não será também direta a aceção da sua influência em termos de vulnerabilidade sísmica ou até mesmo à ação dos ventos”, não é possível firmar que as paredes intervencionadas eram paredes mestras ou estruturais, ou, tão pouco, que as obras nelas realizadas constituem um risco para a segurança do prédio.
(iii) A valoração técnica de correios electrónicos enviados por freiras, membros da congregação da Recorrente, que nenhuns conhecimentos possuem de construção civil, engenharia civil ou estabilidade de edifícios, revela ainda a forma acrítica como a reapreciação da prova foi realizada” [cfr. conclusão G)].
Ao contrário do que sustenta o recorrente, porém, a (detalhadíssima) fundamentação do Acórdão recorrido é clara e inteligível e de demonstra bem o percurso lógico subjacente ao raciocínio do Tribunal da Relação neste ponto.
Para justificar a eliminação dos factos J) a O) do elenco dos factos provados, pode ler-se aí, designadamente:
“O autor tem razão: os elementos de prova indicados pela fundamentação da decisão recorrida não provam o que consta de J a O. E são ainda menos os elementos indicados pelo réu.
Como se irá ver mais à frente, com a transcrição de várias outras respostas periciais feita pelo autor (para além de outras que já se transcreveram), a prova positiva dos factos 1 a 9 é inequívoca e dela decorre que os factos que constam de J a O não estão provados, excepto parte do M:
Quanto a J: porque o edifício não tinha, a partir do 1.º andar, nem pilares nem colunas, as paredes a1 e a2 suportavam também as lajes, pelo que eram paredes resistentes e faziam parte da estrutura do edifício.
Quanto a L: porque sendo como consta do que se acabou de dizer sobre J, natural e logicamente que existe risco para a segurança do prédio com a retirada de tais paredes.
Quanto a M, excepto a parte de que se falará mais à frente: porque não se sabe como é que ocorreu a demolição.
Quanto a N: porque era, obviamente, necessário o perfil.
Quanto a O: porque não se sabe quanto é que foi de facto demolido da Pa2, nem como é que ocorreu essa demolição, e quanto ao tarugo apenas se pode dizer que o réu afirma que ele foi colocado.
Mas, para já, veja-se a prova invocada pela sentença recorrida para prova dos factos que constam de J a O, registando-se, entretanto, que (i) o autor transcreve fielmente os emails e outros documentos que invoca, (ii) todos os documentos juntos pelo autor não foram impugnados pelo réu; e (iii) são correctas todas as considerações feitas pelo autor sobre tais elementos de prova, que este TRL foi acompanhando a par e passo, com algumas excepções que serão assinaladas.
Entre estas, a seguinte: não há a certeza de ter sido o arq. DD, ou o eng. EE a sugerirem a solução que consta do email de 31/05/2019. Pode ter sido outra pessoa. O que em nada diminui o enorme relevo que tal email tem. Pois que, evidentemente, não partiu espontaneamente da sua autora, CC (o advogado do autor, que não é o autor, partiu do princípio que a autora do email era a testemunha BB; de qualquer modo, esta já tinha esclarecido, a outro propósito, que aquilo que as irmãs escreviam nos emails do réu resultava do que lhes era dito por aqueles, já que elas nada sabiam de obras nem dos termos que estavam a empregar), mas de alguém que percebia de construções. Pelo que, se foram aqueles, estavam evidentemente a reconhecer que o que tinham feito não era suficiente. Se foi terceiro, estava a dizer que o que a empreiteira tinha feito não era suficiente para a segurança do edifício.
Posto isto e para além de tudo o que ao autor diz, diga-se agora:
Quanto às declarações de parte prestadas pelo autor: o autor não prestou declarações sobre essa matéria e, nos §§ seguintes a sentença desvaloriza tais declarações, pelo que não podia dizer que elas serviam para prova dos factos que constam de J a O; as declarações de parte do autor, que foram tomadas como se fossem um depoimento de parte, tiveram apenas por objecto os “quesitos” 10, 11 e 14. Não tendo o autor prestado declarações de parte sobre a matéria, a sentença não podia, por outro lado, ter dito que elas foram contrariadas pelos depoimentos prestados pelas testemunhas (nem sequer diz quais) ou pela posição assumida pelos senhores peritos (ou melhor, pelas respostas periciais).
Quanto ao depoimento do eng. FF: ele foi contactado pelo réu, muito depois das obras terminarem e apenas fez uma visita ao local. Diz que não tem ideia, não se lembra, de que tenha sido retirado um pladur, pelo que não pode ter visto nenhum perfil metálico. De resto pronuncia-se apenas sobre uma das paredes, a Pa1, local onde esse perfil foi aplicado. Esta testemunha, para além daquela ida ao local, acabou por não fazer nada para além de observar as plantas que o réu lhe forneceu e vê-se do respectivo depoimento que ele, com base nessas plantas, não podia concluir nada daquilo que dizia nos emails de 15/11/2018 e 05/12/2018; ele reconhece, por exemplo, que através das plantas que lhe foram enviadas pelo réu, nem sequer consegue dizer se o edifício tinha pilares para além do rés-do-chão, ou se as Pa1 e Pa2 suportam ou não forças verticais e horizontais, isto é, se fazem parte ou não da estrutura vertical, ou se as lajes se apoiam ou não nas paredes Pa1 e Pa2. E acrescenta mais à frente, de 59:34 a 59:46 que: “a questão aqui é se tirando essa parede se agravou essa insuficiência. Isso não sei. Era preciso analisar com mais cuidado e é discutível, não é?” Veja-se, ainda, o que se dirá mais à frente, quando se analisarem as passagens citadas pelo réu. E responde que “em teoria sim, mas no caso concreto não sei,” quando lhe é perguntado se a retirada dessas paredes torna o edifício mais vulnerável a sismos e a movimentos estruturais [45:45 a 46:02]; e à pergunta de “se as paredes forem originais, o Sr. disse, com o tempo, com as cargas, se eu montar aqui uma parede, outra ali, com o tempo… e originais, originais, com o edifício, de, ab initio, desde o início? Responde: “Sim, quer dizer, se forem originais, se lá estiverem, eliminar uma parede ou uma parte da parede pode ter impacto” (1:10:08 a 1:10:37).
Quanto ao depoimento do arq. DD, com gabinete no ..., ele fez o desenho que está junto com o doc.9 da PI, que é o projecto de remodelação da sua autoria; diz que antes de fazer o projecto de remodelação tinha as plantas da obra original. Mas não demonstrou que pudesse saber algo de substancial através das plantas que tinha, que não se sabe quais eram (note-se que só em Nov2018 lhe foram enviadas plantas arquivadas na CM de ..., como resulta do email do Eng. EE de 14/11/2018), pois que admite que propôs a eliminação de paredes da capela, eliminação de que depois desistiu, porque o Sr. GG (pai do eng. EE), muito experimentado nestas coisas, disse que não era prudente demolir as paredes da capela (email de 01/03/2018). E ainda porque, por aquilo que escreve naquele email, tendo em conta o desenho do doc.9 da PI, vê-se que não considera a Pa1 como uma parede original, o que se sabe que está errado, como aliás se admite no relatório final (doc.14 da PI) que foi subscrito também por ele, quando se refere à parede b [Pa1] como original. Ou seja, é um arquitecto, que no seu gabinete no ..., se limita a fazer o desenho do doc.9 da PI, esperando depois que o engenheiro, na obra, se preocupe com o que é possível fazer ou não realmente, não tendo demonstrado saber nada de substancial, sobre o que é que existia no local.
Quanto ao eng. EE: tem logo a preocupação inicial de dizer que é um gestor da empreiteira, não um seu gerente, embora seja seu procurador. Ou seja, tem funções de gestão, não de engenheiro da obra. Não era ele que ia à obra, quem lá ia era o seu engenheiro, isto apesar de ele lá ter ido uma ou outra vez. Também esclarece que não viu as plantas do edifício, quem as viu foi o arq. que fez o projecto. Com isto demonstrou não saber nada do que lhe era perguntado, limitando-se a generalidades.
Quanto ao depoimento do eng. HH: esta testemunha nunca esteve sequer no edifício. Limita-se quase só a tecer considerações hipotéticas com base no que lhe é dito. No entanto, espontaneamente, olhando para as plantas que lhe foram mostradas, diz, e percebe-se que o faz pelas setas que estão debaixo de L1 e L2, que as lajes se apoiam nas paredes exteriores e interiores perpendiculares à fachada principal. E diz que, por isso, a retirada das paredes Pa1 e Pa2, não teriam influência nas lajes L1 e L2. Isto é o único elemento de prova “imparcial” a apontar, realmente, para aquilo que a sentença dá como provado em J e L, isto é, para a irrelevância das Pa1 e Pa2 quanto à lajes 1 e 2. E daí que, o réu, na instância, tenha começado uma pergunta a esta testemunha no pressuposto da irrelevância das paredes a1 e a2 [elas não serviam para nada]. Só que logo a testemunha, espontaneamente, interrompeu a pergunta, e disse que não tinha dito isso, que as paredes não eram irrelevantes, as paredes eram relevantes se tivessem paredes por cima. Ora, como se sabe que as paredes Pa1 e Pa2 do 5.º andar estavam por cima das lajes L1 e L2 e depois por cima das Pa1 e Pa2 do 4.º andar (isto é aceite pelo réu, até pelos desenhos do doc.3 junto com a contestação e com os desenhos das folhas 6 do doc.2 junto com a contestação e decorre também dos cálculos feitos pelo Eng. II para a Pa1 – feitos, note-se, muito depois da obra estar finda, isto é, a 20/07/2018, como ficou comprovado com a abertura da pen em que constava o PDF com esses cálculos feita na audiência final) não se concebe que a retiradas das Pa1 e Pa2 não influenciasse a segurança das L1 e L2 mas já influenciasse a segurança das Pa1 e Pa2 do 5.º andar que estava por cima delas. Ou seja, como as Pa1 e Pa2 do 4.º andar tinham por cima de si as lajes 1 e 2, respectivamente, e depois as Pa1 e Pa2 do 5.º andar, também respectivamente, elas serviam para suporte das lajes e das paredes do andar superior, pelo que eram resistentes e faziam parte da estrutura do edifício. Portanto, o que é dito esta testemunha, nesta parte, não convence, ou seja, não serve para prova do que consta de J a O. Para além disso, quer o eng. FF, quer os 3 engenheiros da perícia disseram expressamente que do projecto não era possível retirar quais as paredes que tinham uma função estrutural clara, só este engenheiro, HH, disse o contrário, mas logo a seguir, como se vê, dá elementos para se poder concluir diversamente.
Quanto ao relatório pericial: o relatório pericial diz exactamente o contrário sobre os factos J e L do que a sentença escreve e não diz nada quanto a N e O. Quanto a M, ver-se-á à frente.
A sentença invoca, ainda, genericamente, o teor dos documentos juntos aos autos, o que, para além de não ter qualquer valor (a referência genérica a meios de prova não é fundamentação), não está certo porque todos os documentos existentes nos autos servem precisamente para o efeito contrário: são, no essencial, os emails trocados pelo autor e o réu e as plantas do prédio que serviram de suporte às respostas periciais, todos eles a confirmarem o que o autor e o relatório pericial dizem, e um estudo sectorial, com elementos que apontam precisamente para o contrário do que consta de L.
No § seguinte – que começa com ‘conforme’ - a sentença recorrida limita-se a dizer, o que fez constar dos factos J a O pelo que nada adianta (os próprios factos a provar não podem ser fundamentação da prova deles mesmos), invocando, depois, os depoimentos prestados pelos senhores peritos, mas não houve quaisquer esclarecimentos prestados pelos peritos – no sentido de esclarecimentos prestados em audiência final -, houve apenas uma “adenda” ao relatório pericial em que nada se adiantou de facto ao conteúdo do relatório pericial inicial.
Por fim: a fundamentação da sentença recorrida tem o seguinte §: “Saliente-se ainda que todas as testemunhas, incluindo as comuns e a testemunha Engenheiro HH, foram unânimes ao afirmar que as paredes em causa são interiores, não são mestras e não são estruturais.”
Ora, antes de mais, diga-se que as testemunhas ouvidas foram apenas seis:
Três testemunhas comuns: FF - Aos costumes, disse que não conhece o autor. Mais referiu conhecer o Instituto Réu, tendo sido contactado para realizar uma avaliação num apartamento aonde chegou a ir, embora a avaliação não tenha sido concretizada.
DD - Aos costumes, disse que é autor do projecto para a remodelação do apartamento do 4º andar do prédio dos autos, conhecendo o mesmo antes, durante e após a remodelação. Mais referiu ter com o Instituto Réu uma relação estritamente profissional.
E BB - Administradora do Colégio .... Aos costumes, disse que conhece o Autor desde 2007, com quem o Instituto Réu já tinha uma relação cordial. Disse que tem um desagrado em relação ao Autor, mas que tal facto não a impede de dizer a verdade.
Duas testemunhas do autor: II, engenheiro civil - Aos costumes, disse que não conhece o autor e que conhece o Réu no contexto da obra no apartamento sito na Av. .... Mais referiu ter sido contactado para verificar o cálculo de uma viga na referida obra.
E HH, engenheiro civil.
E uma testemunha do réu: EE, engenheiro civil e gestor da Construtora de .... Aos costumes, disse que conhece o Réu, por ser cliente da empresa na qual trabalha. Referiu, ainda, conhecer o Autor, nada tendo contra o mesmo. Disse que a Construtora ... realizou para o Instituto as obras a que aludem os autos.
Ora, a sentença já tinha invocado em concreto 4 testemunhas: 2 das 3 comuns, uma do autor, HH, e uma do réu, EE.
Assim, a sentença, que apenas se pode estar a referir a mais 2 testemunhas, quis sugerir que todas as testemunhas ouvidas teriam dito o que foi dado como provado em J, incluindo testemunhas imparciais (por serem comuns) e as do autor, ainda mais imparciais, porque desfavoráveis à parte que as indicou, mas vê-se que afinal não é assim.
Veja-se que a sentença só pode estar a invocar as outras 2 que ainda não tinham sido invocadas, ou seja, uma comum, BB, e outra do autor, que seria II.
Ora, por um lado, a testemunha BB, religiosa, não sabe nada sobre a natureza das paredes nem se pronunciou sobre elas (na maior parte do tempo limita-se a dizer que não sabe ou não se lembra) e daí que o réu não tenha transcrito uma vírgula do que ela terá dito sobre a matéria e o autor transcreveu outras passagens do seu depoimento onde ela assume que não sabe nada sobre o assunto (o que ela escreve nos emails sobre aspectos técnico resulta do que lhe é dito por terceiros).
A outra, que só poderia ser o eng. II, afinal não é, porque a sentença refere o nome de HH, que já antes tinha referido.
Por outro lado, vista a descrição acabada de fazer, vê-se que nenhuma das testemunhas do autor (comum ou não) está do lado dele, são antes testemunhas que estão ligadas ao réu: o eng. II é da empresa que fez o fornecimento dos roupeiros para o réu, entre eles o armário no local da Pa2. O eng. FF foi contratado pelo réu para fazer uma inspecção. O arq. DD é o autor do projecto da remodelação do imóvel do réu. BB é directora do colégio do réu e está desagradada com o autor. A testemunha eng. HH não conhece o autor [Aos costumes, disse que não conhece as partes nem o prédio a que aludem os autos, o que não o impede de dizer a verdade.]
Por fim, quanto a isto, se se considerar que a sentença, quanto às testemunhas do autor, se queria referir ao eng. II, embora por lapso se tenha referido de novo a HH, diga-se que o eng. II (que o réu também invoca, embora tenha começado por se referir apenas às 4 primeiras testemunhas referidas pela fundamentação da sentença, acabando por transcrever passagens das 5 sem assinalar a discrepância) tem apenas a importância de ter feito uma avaliação de cargas da Pa1 a pedido do empreiteiro, avaliação transcrita acima e da qual resulta, como não podia deixar de ser, que a parede Pa1 suportava, para além do mais, a laje Pa1 e a parede que estava por cima dela no 5.º andar.
Quanto às contra-alegações do réu:
Antes de mais realce-se que o réu não contra-argumenta contra uma única das razões aduzidas pelo autor. Limita-se a transcrever algumas passagens de alguns depoimentos (anuncia de 4 testemunhas, mas transcreve de 5), o conteúdo de dois emails e uma referência do relatório final pericial.
Quanto ao eng. FF: para além do que já se disse acima, veja-se, antes de mais, que a longa passagem transcrita no início do período de 53:36 a 59:33 não corresponde ao que a testemunha tinha dito no momento (apesar do sugerido pela pergunta: “disse-nos”), mas quase toda ela à leitura pelo advogado do réu do que a testemunha escreveu no email de 15/11/2018, baseado apenas nas plantas que lhe tinham sido enviadas pelo réu. Sendo que em audiência a testemunha não conseguiu responder o mesmo com base nelas. Note-se que a testemunha diz expressamente que “nós não conseguimos perceber totalmente o projecto.” E admite que as paredes estão encostadas às lajes e que elas acabam por ser um elemento estrutural. E à pergunta do advogado do réu de “se pode considerar estas paredes mestras”, a testemunha diz que “para ter uma resposta mais conclusiva eu precisava de analisar com cuidado o projecto [… ] pode mostrar outra vez a […], […] mas gostava de olhar outra vez para aquela planta se fosse possível.” O que nunca lhe foi facultado pelo advogado do réu que era quem estava a fazer a instância. Daí resulta o que já se disse acima, isto é, que com as plantas que lhe tinham sido fornecidas a testemunha não podia escrever o que escreveu nos emails e que o réu insiste em transmitir ao tribunal.
Quanto ao depoimento da testemunha arq. DD, e menos, pela sua imprecisão, quanto ao do eng. EE, o réu aproveita-os principalmente para a defesa de que as lajes L1 e L2 se apoiavam nas paredes perpendiculares à fachada principal e, por isso, não se apoiavam nas Pa1 e Pa2.
Mas não é manifestamente assim.
Se se vir a ilustração introduzida acima pelo autor (e neste acórdão, acima), a L1 está no meio do espaço delimitado por quatro paredes, que estão assinaladas por 2 rectas com setas (uma delas mais carregada com a outra, o que serve para a definir o sentido das lajes). Uma seta que vai da fachada principal até Pa1 com a distância de 4,65m e a outra que vai da parede lateral do prédio até uma parede interior com a distância de 3,15m. Temos assim um rectângulo de 4,65 por 3,15 delimitado por 2 paredes mais curtas e outras 2 mais cumpridas. O arq. DD e o eng. EE dizem, apenas depois da obra feita, que a L1 está apoiada apenas nas 2 paredes mais cumpridas perpendiculares à fachada principal e não está apoiada nas paredes da fachada principal, nem na Pa1.
Ora, isto vai, como já se viu acima e se verá melhor com a transcrição das respostas periciais que se fará abaixo (para além da que já foi transcrita acima pelo autor), contra a resposta unânime dos 3 peritos e vai também contra aquilo que resulta, nos termos analisados, do que foi dito pelos engenheiros FF e HH, e contra os cálculos feitos pelo eng. II, que demonstram que a Pa1 também suportava o peso da laje e do que estava por cima desta, incluindo aquela que pode ser designada como a Pa1 do 5.º andar.
Tudo isto vale também para a L2, como se vê daquela figura; resumidamente: a L2 está dentro de um espaço delimitado por 4 paredes, com 2,65 de largura e 2,85 de cumprimento: as mais curtas são as paredes paralelas à parede da fachada principal, ou seja, a parede exterior da empena do saguão e a Pa2, e as mais cumpridas são as paredes perpendiculares à fachada principal. O arq. e o eng. dizem que a L2 está apoiada apenas nas duas paredes perpendiculares, enquanto, como é óbvio, os 3 peritos dizem que ela está apoiada nas 4 paredes e a outra prova já referida vai nesse sentido.
Quanto ao depoimento do eng. II, as passagens citadas pelo réu até são esclarecedoras, ao menos parcialmente, do contrário do que o réu pretende, se se tiver presente que não há dúvida nenhuma de que as paredes a1 e a2 tinham, por cima delas, para além das lajes 1 e 2, respectivamente, ainda as paredes a1 e a2 do 5.º andar, pois que à pergunta do advogado do réu, a testemunha responde: Verdadeiramente, podia não existir, se não houver parede por cima que na correspondência desta que foi demolida […]. E repete: “Se não tivesse parede por cima era completamente desnecessária”.
Os outros elementos de prova apresentados pelo réu são apenas os dois emails do eng. FF e o relatório pericial.
Quanto ao relatório social já se referiu que as respostas transcritas abaixo são prova positiva dos factos 1 a 9 (e também de 10 a 12), o que se será desenvolvido mais à frente.
Quanto aos emails: tendo em conta tudo o que consta para cima, veja--se que quando o eng. FF no email de 15/11/2018, onde só fala de uma parede, nada sabendo sobre a outra, diz que a Pa1 “não tinha, aparentemente, uma função estrutural muito relevante e o impacto da sua remoção foi minorado pela introdução do perfil metálico.”, para além de utilizar uma sucessão de expressões incertas, a denotar não ter conhecimento certo do assunto, confirma o que se diz para cima, pois que se a Pa1 não tinha uma função estrutural muito relevante é porque tinha uma função estrutural embora não muito relevante. E se o impacto com a sua remoção foi minorado, é porque existiu um impacto, embora minorado. E o mesmo resulta do email do mesmo de 05/12/2018.
Em suma, a prova produzida pelo réu não convence minimamente do que consta de J a O, nem torna minimamente duvidosa a prova produzida pelo autor para prova dos factos 1 a 9 que convenceu inteiramente destes factos como se verá adiante, pelo que os factos J a O não deviam ter sido dados como provados (note-se que estes factos 1 a 9 são, quase todos [a excepção é a parte final de M e a parte final de O], a impugnação dos factos 1 a 9 e daí que se ponham assim as coisas, tendo em conta as normas do art. 346 do CC).
Pelo que se eliminam os mesmos, considerando-os não provados.
Isto à excepção do seguinte:
Quanto a M, face à prova pericial e aos elementos de prova por esta invocados (fotografias, figuras e ilustrações) e ao depoimento das testemunhas arq. DD, eng. EE e eng. II que assim o disseram por o terem visto, nesta parte não deixando quaisquer dúvidas face aos elementos fornecidos pela prova pericial, está provado que:
M\ Depois da demolição da Pa1 foi colocado um perfil metálico HEB 120mm, sensivelmente na posição da parede demolida, abaixo da laje de betão.
O quesito e a resposta pericial aqui em causa são:
Quesito 20 - “No local do 4º andar em que foi demolida cada uma das paredes interiores assinaladas como Pa1 e Pa2, no Doc. 10 da petição inicial, está colocado, respectivamente, um perfil metálico HEB 120 e um "tarugo de madeira" de 80 mm x 60 mm?”
Resposta ao Quesito 20º À data da realização da visita de inspecção ao local havia uma abertura num tecto falso das Instalações Sanitárias entretanto edificadas no 4º Piso, e a partir da qual era visível a existência de um perfil metálico com forma, (secção transversal), correspondente visualmente a um HEB com cerca de 120mm.
Em termos de localização, pode-se aferir que ocorreram alterações às paredes interiores da fracção, e que o referido HEB estará localizado sensivelmente na localização da antiga parede Pa1.
Na ilustração seguinte apresenta-se uma sobreposição do projecto original, onde era visível a localização da referida parede Pa1, com uma imagem das alterações ocorridas, (doc. 9 anexo à Petição Inicial).
Como se pode verificar por análise à fotografia n.º 6, o perfil encontra-se actualmente cerca de 50 centímetros para o interior das novas instalações sanitárias entretanto erigidas na fracção da Ré, local sensivelmente coincidente com a anterior localização da parede Pa1.
Acrescente-se que não se pode dizer o mesmo da parte final da alínea O, pois que quanto à Pa2 e tarugo a prova pericial não permite concluir pela sua demolição apenas parcial e pela colocação do tarugo, como decorre das respostas periciais:
20 […] Em relação ao “tarugo de madeira”, cumpre-nos referir que o mesmo não se encontra visível após a realização de obras na fracção correspondente ao 4º Piso.
21 […] Em relação ao “tarugo de madeira” não sendo o mesmo sequer visível, também não será, pois, possível de aferir o tipo de ligação do mesmo à estrutura resistente do edifício”.
E para justificar a decisão de dar como provados os factos não provados 1 a 9, afirmou o Tribunal recorrido:
“Depois de tudo o que já se disse acima para a discussão da impugnação dos factos J a O é evidente que os factos 1 a 9 estão provados, pelos elementos de prova aí assinalados e que o autor desenvolve nesta parte, embora agora com enfoque na prova positiva destes factos. As simples respostas periciais, transcritas pelo autor, não deixam qualquer dúvida, depois de toda aquela discussão. Mas o autor ajunta-lhe ainda outros 8 elementos de prova, que, com excepção do que se segue, já foram todos vistos e analisados e não há qualquer dúvida de que o fazem, nos termos apontados pelo autor e nos termos apontados por este TLR.
Acrescente-se ainda, especificamente, quanto aos factos 7, 8 e 9 que o autor tem toda a razão em salientar o valor probatório que tem a solução proposta pelo réu no email de 31/05/2019, pois que dela obviamente resulta que a segurança do edifício foi posta em causa com a demolição das Pa1 e Pa2 e, por outro, que os eventuais paliativos encontrados pela empreiteira da obra não tinham resolvido o problema. E tudo isto só pode ser assim porque, obviamente, as paredes demolidas tinham também a função de suportar as lajes e o que estava por cima delas, ou seja, desde logo, as paredes a1 e a2 do 5.º andar e, por isso, que aquelas eram estruturais. Pelo que também serve para prova os factos 1, 2, 3 e 5 (e 6).
O que, por outro lado, lembra que não se sabe o que é que foi feito de facto pelo réu a esse título, durante a obra, isto é, como é que o perfil metálico - que está ao menos parcialmente no lugar da Pa1 - foi colocado, apoiado aonde (isto é, se se sabe que há um extremo do perfil que parece estar inserido na parede exterior, não se sabe nada quanto ao suporte do outro extremo que está no interior da fracção) e amarrado ou fixado como, e se realmente foi colocado algum tarugo por baixo do que sobrou (a ter sobrado algo) da Pa2 (que não está minimamente indiciado ser suficiente para segurança igual à que resultava da Pa2). O réu desvalorizou a demolição parcial da Pa2, sem demonstrar que tivesse razão para isso, nem que devesse ser comparada com a simples abertura de um vão de uma porta das que já existiam: note-se que na figura inserida neste acórdão, a largura da porta da casa de banho tem cerca de metade da largura da Pa2. Mas estes factos [partes finais de M e O], a terem algum relevo, seria como matéria de excepção (no sentido de que o réu teria feito algo em substituição do que lá estava para eliminar o risco que tinha criado para a segurança do prédio), a provar pelo réu.
Quanto ao que o réu diz:
Quanto à prova pericial obtida noutro processo, que é o 3.º dos 9 elementos de prova invocados pelo autor, o réu tem razão. O documento consubstancia prova pericial obtida noutro processo, pelo que só poderia ser utilizada neste processo se cumprisse os requisitos do art. 421/1 do CPC: a perícia tinha de ter sido produzida num processo com audiência contraditória do réu para que lhe pudesse ser oposta (veja-se, por exemplo, Lebre de Freitas, A acção declarativa, 5.ª edição, Gestlegal, 2023, págs. 264-265).
Como não é o caso – o réu não era parte naquele processo -, este elemento indicado pelo autor não pode ser utilizado.
Mas isto em nada diminui o alcance de todos os outros elementos de prova.
Os elementos de prova utilizados pela sentença recorrida, que o réu invoca aqui, já foram todos analisados e nenhum deles tem o mínimo de força para tornar duvidosos estes factos.
Note-se, entretanto, que:
- quanto ao facto 1, como é sugerido pelo autor (embora referindo-se aos temas de prova), a expressão conclusiva “mestras” não tinha sido alegada pelo autor (confira-se o art. 89 da PI). Se elas são paredes mestras ou não, é uma conclusão a tirar na parte de direito.
- quanto ao facto 2, o autor não falava, nem tinha de falar, da laje de betão do 4.º andar; falava, sim, das lajes de betão entre o 4.º e o 5.º andar, pelo que o facto tem de ter outra redacção.
- quanto ao facto 3, atentou-se na crítica constante do relatório pericial, mas como na redacção do facto 3 consta ‘desde a origem’ a questão é irrelevante.
Mas isto são questões de pormenor, praticamente irrelevantes.
O facto 6 é uma conclusão dos factos 1, 2, 3 e 5, mas como ele está dado como não provado, para não se correr o risco de se tentar tirar conclusões erradas da sua não conversão em facto provado, também foi dado como provado. O mesmo se pode dizer da repetição parcial entre os factos 8 e 9: manteve-se para não se poder dizer que, ao não se dar algo como provado, esse algo não estava provado”.
Não se vê qualquer presunção judicial que padeça de manifesta ilogicidade.
É, visivelmente, de rejeitar a alegação de que a reapreciação da prova foi realizada de forma acrítica.
Defende ainda, em especial, o recorrente que “[d]evem ser suprimidos da matéria provada, os factos n.ºs 10 a 12, repristinando-se a decisão de 1.ª Instância, porquanto:
(i) a presunção de que, se “quando o A. se queixou das fissuras, o R. não pôs em dúvida que as mesmas tenham surgido após a demolição”, então tais fissuras são causa direta da demolição da parede, parte de um facto-base não provado, e padece de evidente ilogicidade;
(ii) considerou como elemento decisor as declarações de parte do A. sem, contudo, fazer qualquer apreciação critica das mesmas, não sendo possível percecionar em que medida tal meio probatório permite dar como provados os presentes factos;
(iii) as presunções de que (1) a retirada da Pa1 que era uma das 4 paredes que suportava a laje L1, “naturalmente que também tinha de ter algum reflexo na parede oposta”; e (2) se na sanca dessa parede, e outras paredes do mesmo quarto, todas apoiadas na laje, também aparecem fissuras, isso “é perfeitamente compatível com a conclusão de que as fissuras na parede Pa1 (e na sanca dessas parede) surgiram depois da demolição”, partem de factos-base não provados, e padecem de evidente ilogicidade, o que é demonstrado, desde logo, pelas respostas constantes do Relatório Pericial.
(iv) A valoração técnica de correios electrónicos enviados por freiras, membros da congregação da Recorrente, que nenhuns conhecimentos possuem de construção civil, engenharia civil ou estabilidade de edifícios, revela ainda a forma acrítica como a reapreciação da prova foi realizada [cfr. conclusão H)].
Vale a pena reproduzir igualmente a fundamentação do Acórdão recorrido quanto à decisão de considerar provados os factos 10 a 12:
“Antes de mais, quanto ao facto 11, note-se que a redacção do facto é incompreensível e não corresponde ao alegado pelo autor. Para se tornar compreensível tinha que se ter em conta que ele era antecedido pela frase: “Mais recentemente, também surgiu”, o que agora deve ser feito, embora com adaptação.
Posto isto,
As respostas periciais não deixam dúvidas de que as fissuras existem naquelas paredes. A questão é se apareceram depois da demolição da parede a1. Ora, o autor queixou-se das fissuras na Pa1 do 5.º andar por email logo em 03/07/2018 e o réu não pôs em dúvida que essas fissuras tivessem surgido só depois da demolição. E propôs-se fazer a reparação das mesmas. Sabido que a Pa1 do 4.º andar servia de suporte à laje L1 que estava entre o 4.º e o 5.º andar e que tinha logo por cima de si, a Pa1 do 5.º andar, e que ela foi retirada e que isso afectou a segurança do edifício, fica quase a certeza de que as fissuras surgiram depois da retirada da Pa1 do 4.º andar. Considerando depois, como elemento clarificador destes elementos de prova, as declarações de parte do autor, adquire-se então a certeza necessária para dar os factos 10 e 11 como provados.
Quanto a 12: se os peritos dizem que as obras de reparação daquelas fissuras em ambas as paredes, a Pa1 do 5.º andar e a da correspondente à fachada principal na parte do 5.º andar, ascende a 3.500€, sem iva, então é evidente que alegação do autor correspondente ao facto 12, que tinha um valor inferior, está provada, como valor mínimo.
Veja-se agora a prova indicada pela sentença recorrida em sentido contrário (sendo que o réu limita-se a aderir ao que a sentença diz):
Quanto a 10 e 11 a sentença invoca o relatório pericial, mas este limita-se a dizer que não há prova suficiente (não é líquido) de que as fissuras tenham ocorrido depois da demolição da Pa1, considerando apenas aquilo que os peritos puderam ver. Isto não afasta que, tendo em conta outros elementos de prova, se possa dar o facto como provado.
Por outro lado, a resposta pericial esquece que a laje L1 também se apoiava na parede da fachada do edifício, ao nível do 4.º andar, pelo que, a retirada da Pa1 que era uma das 4 paredes que suportava a laje L1, naturalmente que também tinha que ter algum reflexo na parede oposta, pelo que o facto de, na sanca dessa parede, e aliás de outras paredes do mesmo quarto, todas apoiadas na laje, também aparecerem fissuras, é perfeitamente compatível com a conclusão de que as fissuras nas parede Pa1 (e na sanca dessa parede) surgiram depois da demolição.
Quanto a 12: a sentença diz que o facto não está provado porque o valor da reparação é distinto do invocado pelo réu. A sentença quer-se referir ao autor. Mas se o relatório pericial aponta para um valor superior, isso só pode confirmar que o valor inicialmente indicado pelo autor, inferior, era certo, embora como valor mínimo.
A sentença ainda invoca todos os documentos juntos aos autos. Mas esta é uma fundamentação genérica e inadmissível que não indica nenhum elemento de prova em concreto que ponha em causa a prova positiva produzida pelo autor.
Note-se que o último pedido deduzido pelo autor na PI tem um alcance mais amplo do que aquele que resultaria da redacção agora proposta pelo autor no recurso e está de acordo com o alegado pelo autor no art. 114 do PI, pelo que não pode ser aceite aquela redução, sob pena de não se poder responder a tudo o que está em causa”.
Mais uma vez: não se vê qualquer presunção judicial que padeça de manifesta ilogicidade e é por demais evidente que a reapreciação da prova foi realizada de forma crítica.
Entende também, em especial, o recorrente que “[p]ara fundamentar que a prova indicada na decisão de 1.ª Instância não demonstra os factos J a O e Q da Matéria de Facto, o Tribunal da Relação valorou a credibilidade das testemunhas, e seus depoimentos, sem, contudo, possuir meios próprios e adequados para o efeito, atenta (i) a inexistência de imediação e oralidade e (ii) a inexistência de qualquer incidente de impugnação, de contradita ou de acareação de testemunhas.
O juízo de descredibilidade realizado pelo Tribunal da Relação fundou-se, também, em presunções judiciais, manifestamente ilógicas, e assentes em factos não provados, motivo pelo qual, também por esta via, devem os factos n.ºs 1 a 12 ser suprimidos da Matéria de Facto não provada, e aditados os factos J a O à mesma, repristinando-se a decisão de 1.ª Instância” [cfr. conclusões I e J)].
Neste ponto, remete-se para o que se disse atrás: em face do disposto no artigo 396.º do CC, a valoração da prova testemunhal pelo Tribunal recorrido é coisa que não se pode apreciar.
Propugna, por último, o recorrente que “[a]penas podem integrar a Matéria de Facto acontecimentos ou factos concretos, devendo as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas do acervo factual se integrarem o thema decidendum – cfr. o art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil aplicável ao acórdão ex vi do disposto no art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal (…)
Saber se um concreto facto assume natureza conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, e concluindo pela natureza conclusiva do facto, deve o Tribunal de Revista julgar não escrito o mesmo (…)
Devem ser julgados não escritos os factos n.ºs 7 a 9 da Matéria de Facto, porquanto constituem matéria puramente conclusiva, que integra o thema decidendum da presente ação judicial, contendo, em si mesmo, a decisão da própria causa” [cfr. conclusões L) a M)].
Estão em causa os factos actualmente sob as alíneas AA), BB) e CC):
- Com a demolição das paredes interiores do 4º andar, assinaladas como Pa1 e como Pa2 a segurança da estrutura do prédio ficou diminuída e sujeita a cedência ou a colapso.
- A demolição de paredes (interiores) que suportam cargas verticais reduz a resistência global do prédio à actuação e aos efeitos de forças horizontais desencadeadas, designadamente, por sismos e pela acção do vento.
- A demolição das paredes interiores do 4.º andar, assinaladas como Pa1 e Pa2, fez diminuir a resistência e a segurança da estrutura vertical do prédio e, em particular, do respectivo 5º andar.
O recorrente carece, novamente aqui, de razão.
Convoque-se a jurisprudência em tema de factos conclusivos.
Afirma-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13.10.2020 (Proc. 2124/17.6T8VCT.G1.S1):
“Factos conclusivos traduzidos na consequência lógica retirada de outros factos uma vez que, ainda assim, constituem matéria de facto, devem permanecer na factualidade provada quando facilitem a apreensão e compreensão da realidade visando uma melhor adequação e ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio”.
Afirma-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2021 (Proc. 9109/16.8T8PRT.P2.S1):
“Não deve o Tribunal da Relação eliminar como conclusivos, factos que contenham um substrato factual relevante, ainda que acompanhado de valorações”.
Afirma-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2021 (Proc. 19035/17.8T8PRT.P1.S1):
“Importa verificar se um facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa”.
Ora, em qualquer dos casos assinalados pelo recorrente estão em causa, não conclusões envolvendo conceitos jurídicos ou sequer juízos valorativos, mas genuínos factos materiais, que se reportam, nomeadamente, à resistência física de certos materiais. São, por conseguinte, susceptíveis de prova e, como tal, podem integrar o elenco dos factos provados.
Em síntese, improcedem todas as alegações do recorrente quanto à decisão sobre a matéria de facto que este Supremo Tribunal de Justiça tinha poderes para apreciar.
2. Da condenação do réu / recorrido
Depois da modificação da decisão sobre a matéria de facto – e, como é natural, em consequência –, o Tribunal a quo modificou também a decisão quanto ao mérito.
Pode ler-se no Acórdão recorrido:
“A alteração da matéria de facto impõe necessariamente conclusões de direito diferentes daquela a que chegou a sentença recorrida”.
Contrapõe o recorrente que “[a]tenta a impugnação da reapreciação da decisão da Matéria de Facto pelo Tribunal da Relação, é manifesto que o R. não buliu com quaisquer partes comuns, porquanto nenhuma das paredes intervencionadas constituía “parede mestra”, nem possuía funções estruturais, inexistindo, por isso, qualquer risco para a segurança do prédio nas obras realizadas pelo R., maxime para a sua estabilidade” [cfr. conclusão N)].
Ao fazer esta afirmação, o recorrente reconhece, de alguma forma, que a alteração da decisão quanto ao mérito estava dependente da alteração da decisão de facto – que não aconteceu, tornando inviável a alteração daquela.
Tal como antes a modificação da decisão havia determinado a modificação da decisão quanto ao mérito, também aqui a manutenção da decisão sobre a matéria de facto determina a manutenção a alteração da decisão de direito.
O Tribunal a quo sustentou amplamente a sua decisão nos factos provados, como pode verificar-se pelo seguinte excerto:
“no caso dos autos, face aos factos provados de 1 a 3, 5 e 6, as Pa1 e a Pa2 do 4.º andar eram paredes que serviam de suporte às lajes entre 4.º e o 5.º andar, por cima das quais estavam as Pa1 e Pa2 do 5.º andar (para além das cargas acidentais e do terraço). Assim, essas paredes eram resistentes (embora não tanto quanto outras paredes com mais espessura) e como tal formavam parte da estrutura do edifício.
Nos termos do disposto no art. 1422/2-a do Código Civil, "É especialmente vedado aos condóminos: a) Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança […] do edifício […]”.
A demolição de paredes resistentes, que fazem parte da estrutura do edifício onde estão localizadas as fracções do autor e do réu, necessariamente que prejudica a resistência e por isso a segurança do edifício e da fracção do autor. É também o que resulta dos factos 7 a 9.
Por isso, o réu não podia demolir essas paredes (…).
O réu alegou que no lugar onde estavam essas paredes colocou, respectivamente, um perfil metálico e um tarugo, que fazem as vezes da mesma a nível de suporte/segurança do edifício. Mas provou-se apenas a colocação do perfil e não se provou nada que permita concluir que ele faz as vezes da Pa1 a nível de suporte da laje entre o 4.º e o 5.º andar e da Pa1 desse 5.º andar.
Assim sendo, como dizia o autor, o réu deve ser condenado, por força do art. 562 do CC, a reconstituir a situação que existiria, se não tivesse demolido tais paredes, isto é, repor as Pa1 e Pa2 originais do doc. 10, com escoramento prévio das lajes entre o 4º e o 5º andar pelo tempo necessário à reposição das ditas paredes interiores (veja-se para uma situação similar a condenação do ac. do TRL a condenar na reposição da parede demolida, confirmada pelo já referido ac. do STJ de 30/11/1994, proc. 085712).
O tempo necessário para o fazer, não pode, no caso, ser respondido com base nos factos provados, por nada constar neles quanto a isso. No entanto, “quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indica o prazo que repute adequado. A parte contrária é citada para responder. Na falta de resposta, é fixado o prazo proposto pelo requerente ou aquele que o juiz considere razoável; havendo resposta, o juiz decide, depois de efectuadas as diligências probatórias necessárias.” (artigos 1026 e 1027 do CPC). Ora, no caso, o autor indicou o prazo de 30 dias e o réu nada disse na contestação contra o prazo indicado. E dos factos provados não consta nada contra a razoabilidade do prazo indicado pelo autor – antes pelo contrário.
Com efeito, a resposta pericial falava em termos imprecisos em “várias semanas, no plural, portanto duas ou mais semanas, o que significa que estaremos perante uma estimativa que é superior a 10 dias uteis”; e isso no pressuposto de que “a reposição das paredes na sua forma original, implica de facto a demolição de outras agora existentes simplesmente porque estas se intersectam, e implica também a alteração dos compartimentos do fogo”, pressuposto que não se aceita, porque o que está em causa é a reposição das paredes a1 e a2 e nada mais; por exemplo, a eliminação do que o réu construiu perto da Pa1 depende da vontade do réu e não é uma consequência necessária da reposição da Pa1.
Assim, sendo os trabalhos menos do que os pressupostos pelos peritos e menos do que a obra que o empreiteiro fez na fracção do réu e que só levaram 3 meses a fazer, o prazo de 30 dias para a simples reposição de duas paredes é perfeitamente razoável.
Pelo que o pedido 1 procede, mas não nos precisos termos que dele constam, pois que o prazo se terá de contar a partir do trânsito em julgado deste acórdão e não da notificação deste (pois que, de contrário, estava-se a retirar, na prática, ao réu o direito de recorrer do acórdão).
Procede, também, o pedido 2, pois só assim o autor poderá ter a garantia de que a reposição das paredes é feita de acordo com o que existia e com a mesma segurança do que existia”.
Quer dizer: considerando, sobretudo, os factos provados actualmente sob as alíneas S), T), U), X), Z) AA), BB) e CC), o Tribunal da Relação considerou que era aplicável o disposto no artigo 1422.º, n.º 2, al. a), do CC e chegou à decisão de condenação da ré / ora recorrente. Tal decisão, sendo a que está em conformidade com a lei, não deve ser alterada.
Por último, deve dizer-se, a propósito da “sugestão” do recorrido de que o recorrente litiga de má fé, dir-se-á que, apesar da improcedência das alegações da revista, não se verifica, com suficiente intensidade, nenhum dos comportamentos previstos no artigo 542.º, n.º 2, do CPC e que poderiam dar origem à sua condenação em litigância de má fé.
Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.
Catarina Serra (relatora)
Isabel Salgado
Fernando Baptista
________
1. Sobre isto cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), pp. 453 e s. e pp. 489 e s.
2. Cfr., neste sentido, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2009 (Proc. n.º 474/04.0TTVIS.C1.S1).
3. Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015 (Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1).
4. Sobre isto cfr., entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2016 (Proc. 907/13.5TBPTG.E1.S1) e de 30.05.2019 (Proc. 156/16.0T8BCL.G1.S2).
5. Cfr., neste sentido, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.2009 (Proc. 1834/03.0TBVRL-A.S1).