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REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
APRESENTAÇÃO
CERTIFICAÇÃO
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da Relatora) Tendo a Portaria n.º 66/2024/1, de 15 de Outubro entrado em vigor a 3 de Dezembro, a mesma aplica-se de forma imediata, nos termos do art. 5.º do Cód. de Proc. Penal, inclusive aos processos pendentes.
Texto Integral
Decisão Sumária
I. Relatório
No processo comum singular n.º 1286/23.8TELSB-A do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Instrução Criminal de Loures - Juiz 2, em que é arguido AA, com os demais sinais nos autos, consta da parte decisória do despacho, datada de 12.02.2025, o seguinte: «Termos em que, face ao exposto, e na confluência aliás, de acórdão do Tribunal da Relação de Évora (proc. 3019/21.4T9STB-A.E1, disponível em www.dgsi.pt), não se admite o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido AA, por inadmissibilidade legal, ao abrigo do disposto no artigo 287º, número 3 do Código de Processo Penal.».
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Não se conformando com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «O Tribunal a quo, fez uma má apreciação, salvo o devido respeito, que é sempre muito, da situação jurídica, tendo violado:
i. O artigo 1º da Portaria 66/2024/1 de 15 de Outubro que ordena que se apliquem em todos os processos já existentes, as novas possibilidades de comunicação, por via Citius, aos processos crime.
ii. Tendo violado também o n.º 6 do artigo 148 que determina que a apreciação de peça processual por transmissão electrónica de dados fica dispensada de oferecer os respectivos duplicados ou cópias, bem como as cópias dos documentos, pois se entende que a peça ou os documentos apresentados de tal forma, via Citius, está validada tanto em termos de assinatura quanto em termos de data, hora e envio, por entidade terceira. Assim, e nos termos de direito, com o sempre mui douto suprimento de V.ª E.x.ª deverá ser proferida decisão que:
a. Ordene a abertura de instrução.
b. E prossigam os autos, em todos os seus trâmites, até final.»
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O Ministério Público de 1.ª instância respondeu e defendeu a improcedência do recurso, não tendo formulado conclusões.
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O Sr. Juiz de Instrução Criminal proferiu despacho de sustentação a 17.06.2025.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Para melhor compreensão do que aqui está em causa, transcrevem-se o despacho que convidou o recorrente a apresentar o original e o despacho recorrido: «Despacho que convidou o recorrente a apresentar o original da peça processual: Considerando o disposto no artigo 4º, número 3, do Decreto-lei número 28/92, de 27 de Fevereiro, conjugado com a alínea b) do número 1 do artigo 6º do Decreto-Lei número 329-A/95 de 12 de Dezembro na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96 de 25 de Setembro, e bem assim Portaria nº 642/2004 de 16-06, que regula a forma de apresentação a juízo dos atos processuais enviados através de correio eletrónico, ainda aplicável no que respeita ao envio de peças processuais em processo penal, convida-se, antes de mais, o ilustre mandatário do arguido a juntar, no prazo de 10 (dez) dias, ao processo, original do Requerimento de Abertura de Instrução apresentado devidamente assinado pelo seu punho, considerando que o mesmo não possui assinatura electrónica avançada nem a sua expedição foi cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2 º do Decreto-Lei nº 290D/99, de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril. * Despacho recorrido: Requerimento de abertura de instrução de fls. 338 e segs.: O arguido AA veio requerer a abertura de instrução, em reacção a acusação contra si deduzida pela assistente, por requerimento enviado ao tribunal por correio electrónico, sem que tenha apresentado original em papel – fls. 338 e seguintes. Não é possível encontrar no Código de Processo Penal norma que discipline o modo como os actos processuais escritos, praticados pelos sujeitos processuais, podem ser remetidos a juízo e que determine a data em que se tem o acto por praticado, consoante a forma de envio. Face à existência de divergências jurisprudenciais sobre a questão, veio o Supremo Tribunal de Justiça através do Assento número 2/2000, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 7-02-2000, a fixar jurisprudência pela forma seguinte: “O número 1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal, por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal”. Perante as numerosas alterações legislativas que se vieram a verificar, que alimentaram novas divergências jurisprudenciais sobre a questão, veio o mesmo Supremo Tribunal de Justiça através do Acórdão número 3/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 15-04-2014 fixar jurisprudência nos seguintes termos: “Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, número 1, alínea d), e número 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto--Lei número 324/2003, de 27.12, e na Portaria número 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.”. Jurisprudência esta que mantém, ainda, actualidade. Com efeito, e como foi referido pelo mesmo alto tribunal, “A jurisprudência fixada no AFJ 3/2014, de 06-03-2014, mantém plena actualidade, na medida em que a Portaria 280/2013, de 26-08, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às acções referidas no seu artigo 2.º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência.” – acórdão de 24-1-2018, proc. número 5007/14.8TDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt. A remessa a juízo de peças processuais em sede de processo penal através de correio electrónico tem-se assim por admissível – artigo 3º da Portaria número 642/2004, de 16 de Junho, ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal. Porém, a comunicação deve assegurar (número 2 do referido artigo 3º): a) O não repúdio e a integridade dos seguintes elementos da mensagem, garantidos pela aposição de assinatura electrónica por terceira entidade idónea ao conjunto formado pela mensagem original e pela validação cronológica do acto de expedição: i) A data e hora de expedição; ii) O remetente; iii) O destinatário; iv) O assunto; v) O corpo da mensagem; vi) Os ficheiros anexos, quando existam; b) A entrega ao remetente de cópia da mensagem original e validação cronológica do respectivo acto de expedição, cópia essa que é assinada electronicamente por terceira entidade idónea; c) A entrega ao remetente de uma mensagem assinada electronicamente pela terceira entidade idónea, nos casos em que não seja possível a recepção, informando da impossibilidade de entrega da mensagem original no endereço do correio electrónico do destinatário, no prazo máximo de cinco dias após a validação cronológica da respectiva expedição; d) A verificação, por qualquer entidade a quem o remetente ou o destinatário facultem o acesso, da validação de todos os elementos referidos na alínea a). Ainda, de acordo com o número 3 do referido artigo 3º, a expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei número 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei número 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea. Caso tal não suceda, nos termos do artigo 10º da mesma Portaria número 642/2004, de 16 de Junho, à apresentação de peças processuais por correio electrónico é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia. Regime que se encontra regulado no Decreto-lei número 28/92, de 27 de Fevereiro, o qual estabelece no seu artigo 4º, a obrigatoriedade de serem remetidas, no prazo de 10 dias (nos termos do disposto no art. 6º número 1, al. b), do Decreto-lei número 329-A/95, de 12 Dezembro), ou entregues na secretaria, os originais das peças processuais. Em 13-3-2024, foi pelo Supremo Tribunal de Justiça (proc. número 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1) fixada jurisprudência no seguinte sentido: “Quando, em face de apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução remetido por correio electrónico simples, desprovido de assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica, não se seguir o envio do seu original, no prazo de 10 dias, conforme o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º, da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287.º, n.º 3, do CPP, deve o tribunal notificar o arguido para, no prazo que lhe for fixado, apresentar o documento em falta.” Em despacho anterior (ref. ...), determinou-se: “Considerando o disposto no artigo 4º, número 3, do Decreto-lei número 28/92, de 27 de Fevereiro, conjugado com a alínea b) do número 1 do artigo 6º do Decreto-Lei número 329-A/95 de 12 de Dezembro na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96 de 25 de Setembro, e bem assim Portaria nº 642/2004 de 16-06, que regula a forma de apresentação a juízo dos atos processuais enviados através de correio eletrónico, ainda aplicável no que respeita ao envio de peças processuais em processo penal, convida-se, antes de mais, o ilustre mandatário do arguido a juntar, no prazo de 10 (dez) dias, ao processo, original do Requerimento de Abertura de Instrução apresentado devidamente assinado pelo seu punho, considerando que o mesmo não possui assinatura electrónica avançada nem a sua expedição foi cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2 º do Decreto-Lei nº 290D/99, de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril.”. Todavia, decorrido o prazo concedido, o arguido continua sem entregar o original do requerimento de abertura de instrução. Com efeito, apresentou novo requerimento electrónico, o qual consta de fls. 355-360, o qual não pode ser considerado como original uma vez que na data em que foi apresentado o Requerimento de Abertura de Instrução de fls. 338 e seguintes ainda não estava em vigor a portaria número 66/2024/1, de 15 de outubro Termos em que, face ao exposto, e na confluência aliás, de acórdão do Tribunal da Relação de Évora (proc. 3019/21.4T9STB-A.E1, disponível em www.dgsi.pt), não se admite o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido AA, por inadmissibilidade legal, ao abrigo do disposto no artigo 287º, número 3 do Código de Processo Penal. Notifique e dê baixa. Oportunamente, remeta os autos para julgamento.»
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III. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal, cfr. arts. 402.º, 403.º, e 412.º, n.º 1, todos do CPP.
Assim, e vistas as conclusões do recurso, as únicas questões a decidir consistem em saber se o requerimento de abertura de instrução foi devidamente apresentado e, em caso afirmativo, se o mesmo deve ser declarada aberta tal fase processual.
Desde já se avança que, pela razões que adiante se dirão assiste inteira razão ao recorrente.
O despacho em crise explanou correctamente as exigências legais e jurisprudenciais que determinavam o convite aos requerentes, aquando da vigência da anterior Portaria e jurisprudência uniforme e da data de apresentação do requerimento de abertura da instrução.
Porém, olvidou como alega o recorrente, que com a entrada em vigor da Portaria n.º 66/2024/1, de 15 de Outubro, o sistema de apresentação das peças processuais se alterou drasticamente, em nome da modernização e simplificação do processo judicial - que também procurou acautelar questões do foro ambiental, deveras importante no momento civilizacional em que nos encontramos - através da utilização da via electrónica para a apresentação de documentos, mantendo, porém, a possibilidade de exigência de documentos físicos em certas situações, por ex. se houver dúvidas sobre a autenticidade ou necessidade de perícia.
E, como se diz no seu preâmbulo «Assim, para concretização deste projeto 51.1, a presente portaria procede ao alargamento das regras de tramitação eletrónica constantes da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, na sua redação atual, aos processos e procedimentos que correm termos nos serviços do Ministério Público.».
Ora, do teor do despacho de convite proferido a 27.01.2025 não ressalta a existência de qualquer dúvidas quanto à autenticidade do RAI a não ser a questão da certificação da assinatura electrónica avançada, como exigiam, então, os normativos aí citados.
Porém, com a entrada em vigor da referida Portaria, tal assinatura ficou automaticamente certificada – e nos termos da nova legislação -, sendo que a peça processual apresentada pelo recorrente é idêntica àquela que havia apresentado a 28.11.2024.
Ora, nos termos do disposto no art. 5.º do CPP: «1 - A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior. 2 - A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar: a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.» (sublinhado nosso).
Isto quer dizer que, em face de tal normativo e não existindo qualquer prejuízo para a posição do arguido, a lei processual, pois que é disso que aqui se trata (a forma de apresentação de peças processuais em juízo), é de aplicação imediata e aplica-se aos processos pendentes e futuros.
Ou seja, aquando da apresentação do requerimento dúvidas não existem de que o procedimento era aquele que o Sr. Juiz de Instrução Criminal propôs; mas só seria este, caso o convite tivesse surgido antes do dia 3 de Dezembro, data da entrada em vigor daquela Portaria, o que, como se viu, não sucedeu.
Desta forma, aquando da prolação daquela despacho, já o mesmo não se mostrava necessário, deixando, assim, de ter aplicação quer as normas citadas quer a jurisprudência uniforme, em decorrência da alteração legislativa entretanto ocorrida.
Dito isto, é para nós evidente, até em face do disposto no aludido art. 5.º do CPP (sendo que a regra geral consta do art. 12.º, n.º 1 do Código Civil), que o requerimento de abertura de instrução devia ter sido logo recebido e, em consequência, ser declarada aberta a instrução, pois que nenhuma objecção se colocava em termos de compressão de direitos fundamentais do arguido (antes pelo contrário).
E como diz Tiago Caiado Milheiro (in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Janeiro de 2021, págs. 109-110 e 112) «§ 1 …o processo penal…estabelece as condições para que se considerem válidos/eficazes/admissíveis…deve reconhecer-se que o processo penal, em concreto o seu “enredo” normativo, terá que “propiciar” segurança jurídica a todos os intervenientes…», sendo que «…após a entrada em vigor da L.N, está é aplicável aos processos pendentes e anteriores à sua entrada em vigor, no que se reporta aos atos processuais futuros, bem como aos processos novos entretanto instaurados.»
Em conclusão, a apresentação do RAI nos termos efectuados pelo arguido é válida, constituindo uma posição reiterada e uniforme, razão por que deverá ser declarada aberta a instrução, prosseguindo os autos os seus termos normais.
Termos em que procede o recurso.
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IV. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julgo procedente o recurso, nos termos do art. 417.º, n.º 6 al. d) do CPP e, em consequência ordeno que o tribunal de 1.ª instância substitua o despacho proferido por outro que declare aberta a fase de instrução, prosseguindo os autos os seus termos normais.
Sem tributação
Notifique.
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Lisboa, 03 de julho de 2025
Marlene Fortuna