I - Só existe falta de fundamentação quando ela inexiste, ou a aduzida não permita, de todo, sindicar o decidido, tornando a decisão arbitrária; e já não quando a fundamentação aduzida, ainda que incompleta, errada ou insuficiente, permite operar tal sindicância.
II- Mesmo nos processos de jurisdição voluntária, ao menos por via de regra, em respeito pelos princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade, e para defesa de um processo adjetivamente equitativo, as preclusões para a alegação e a junção da prova dos factos constitutivos, bem como os requisitos para a alteração da matéria de facto, mantêm-se.
III – Nos termos do artº 1978º do CCivil, o decretamento da medida de confiança com vista a futura adoção, exige a prova de dois requisitos que são autónomos e cumulativos, a saber:
i) Um de cariz mais específico e objetivo, consistente na verificação de alguma das situações taxativamente previstas nas alíneas do nº 1, as quais demonstram um quadro de perigo ou desinteresse para o menor;
ii) Outro de cariz mais genérico e subjetivo, dimanante ou consequência de qualquer uma daquelas situações, qual seja, que delas derive a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação.
IV – Provado que a mãe, apesar de ter défices a nível de saúde e de realização adequada de certas tarefas quotidianas, tem mostrado algumas melhorias nestes aspetos, tem mantido com o filho um contacto permanente, existindo entre a díade profunda e positiva ligação emocional e afetiva, constituindo a mãe para o menor, de quase 04 anos, a sua referencial figura parental, e atentos os critérios do artº 4º da LPCJP - proporcionalidade, responsabilidade parental e primado da continuidade das relações psicológicas profundas - o decretamento da sua confiança a instituição com vista a futura adoção revela-se, no mínimo, prematuro, sendo preferível, para já, o acolhimento residencial.
(Sumário elaborado pelo relator)
1.
O Digno Magistrado do MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou o presente processo de promoção e proteção em benefício de AA, filho de BB e de CC.
Alegou, em síntese:
Que a criança se encontrava em situação de perigo, aquando o seu nascimento, porquanto a progenitora apresentava limitações cognitivas, com comportamentos promíscuos, mudando de companheiro com frequência, não tendo hábitos de trabalho, de limpeza, não tendo rendimentos e não existindo retaguarda familiar, uma vez que a família da progenitora, com quem esta residia, é marcada por disfuncionalidades, faltas de rotina e organização, e a casa onde residiam não tinha condições mínimas de salubridade e higiene.
Em 6/8/2021 foi aplicada a medida provisória de apoio junto da mãe, condicionada ao efetivo acolhimento e manutenção desse acolhimento em instituição adequada para mães com filhos e em 7/9/2021 foi celebrado acordo de promoção e proteção com a mesma medida.
A medida tem vindo a ser sucessivamente revista e mantida.
Em 24/11/2024 a EMAT juntou relatório aos autos onde concluiu pela aplicação de medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção.
Procedeu-se à audição dos progenitores, sendo que a progenitora se opôs à substituição da medida de apoio junto da mãe pela medida de confiança com vista a futura adoção.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 114.º, n.º1 e 2 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.
O Ministério Público, pugnou pela aplicação de medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção.
A progenitora alegou ser capaz de cuidar do seu filho, e requereu a manutenção da medida em vigor até ao final de março de 2025 e, em seguida, a cessação da mesma, dizendo que passaria a residir com a avó DD, contando com o apoio do atual companheiro que já se encontra integrado na família, com a cuidadora da avó D. EE e com o apoio do seu pai, que se mudará para casa da avó.
Procedeu-se a debate judicial, de acordo com o formalismo legal aplicável.
2.
Nesta sequência foi proferido acórdão no qual se decidiu:
«Considerando toda a argumentação expendida, ao abrigo do disposto nos arts 62º, n.º 3, al. b) e 35º, n. º1, al. g) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo:
A) Determina-se a aplicação, em benefício de AA, nascido a ../../2021, da medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção que dura até ser decretada a adoção sem necessidade de revisão, a ser executada na instituição que vier a ser indicada pela EMAT.
B) Nomeia-se, como curador provisório da criança, o Diretor da instituição para onde a criança vier a ser acolhida, que exercerá funções até ser decretada a adoção.
C) Declara-se nos termos do disposto no artigo 1978º-A do Cód. Civil, os progenitores das crianças BB e de CC inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativas a AA.
D) Ficam proibidas as visitas e os contactos com a família biológica – artigo 62º - A, n. º2 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo»
3.
Inconformada recorreu a mãe.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1a)Em Acolhimento Residencial manter-se-á o vínculo com a mãe e o pai, e com as famílias de origem.
2a)A última medida a ser aplicada a menores em perigo, foi escolhida, em vez do Acolhimento Residencial, violando-se direitos Constitucionais do menor e da mãe e do pai e das famílias de ambos;
3a)e estamos em crer que por ter 60% de incapacidade e não ter tido o comportamento perfeito na CI
4ª)a BB não foi nem é a mãe perfeita, já não nasceu perfeita;
5ª)e também nunca foi a utente perfeita,
6ª)mas para o menor é a mãe perfeita, porque foi ela que lhe deu amor incondicional desde que nasceu;
7ª)e a única que ele quer e conhece e confia que nunca o abandonaria,
8ª)mesmo quando teve que se ausentar por um ou mais dias e que sempre lhe ligou e liga por vídeochamada de casa da bisavó cheia de preocupação e de saudades;cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
9ª)como continua a fazer mesmo quando não lhe é permitido pelo CAT;
10ª)o próprio pai não abandonou, nem rejeitou o menor;
11ª)foi detido e preso por conduzir sem carta e pediu nomeação de Patrono para tratar da questão da paternidade como disse em Juízo;cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
12ª)e quando saiu em liberdade foi logo visitar o filho, e veio dizer que apoiaria a mãe, também financeiramente;cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
13ª)agora já trabalha nos Sapadores, como disse à mãe por chamada durante o debate judicial;cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
14ª)o filho reconhece-o das vídeochamadas e trata-o por pai;cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
15ª)os motivos de não ter voltado a ligar poderia ele próprio explicar se tivesse sido ouvido;
16ª)quis ser ouvido, na data dada sem efeito sem o seu conhecimento, e isto prova o seu interesse no destino do seu filho.
17ª)Por outro lado, esta mãe aceitou bem ser acolhida com o seu filho à saída maternidade;
18ª)evoluiu na medida em que lhe foi possível, dentro do seu quadro de incapacidade cognitiva e emocional de 60%;
19ª)e o resultado foi ter um filho que a ama muito e bem sucedido em tudo;
20ª)foi determinante e continua a ser determinante contar com a sua mãe, a única que conhece e cuidou dele até esta idade;
21ª)e nesta idade, nesta fase já tão adiantada do seu desenvolvimento emocional,
22ª)as dificuldades que mãe teve em cuidar dele com poucos meses de vida, não podem justificar o corte do vínculo,
23ª)até porque se sabe que são causadas pelas suas limitações físicas inatas;
24ª) no entanto, confiaram nela para sair sozinha com ele para uma consulta no Pediátrico a Coimbra.
25ª)Desde essa data até à data em que a EMAT propôs a de Acolhimento Residencial em meados de 2024; não ocorreram quaisquer factos supervenientes que justifiquem medida sub judice;
26ª)muito naturalmente tudo se encaminhava para o Acolhimento Residencial;
27ª)existe um CAR, a par do CAT e da CI onde corre a medida em vigor;
28ª)a mãe encontrou um companheiro que a aceita como é, com o seu grau de incapacidade cognitiva de 60% e um filho de quase quatro anos;
29ª)tendo mantido os contactos possíveis com ele, presenciais e por vídeochamadas;
30ª)o Estágio Profissional da mãe terminou no dia 25 de Março em curso;
31ª)e já se encontra a residir com o companheiro em casa da avó DD, actual morada fiscal de ambos;
32ª)este já se encontra a trabalhar com o sogro nas vinhas da região;
33ª)a mãe tem cuidado da avó e da casa, encontrando-se à procura de um emprego, na área de formação profissional concluída a 25 de Março – facto superveniente.
34ª)Nada obsta à aplicação da medida de Acolhimento Residencial em CAR pelo tempo necessário.
35ª)Esse tempo ficará dependente da acção junto da mãe e do seu agregado familiar em meio natural de vida, por força da Portaria acima referida.
36ª)E tudo obsta à aplicação da medida sub judice porque o vínculo afectivo entre esta mãe e filho é já ndestrutível.
37ª)No ano de 2024 passaram semanas fechados em isolamentos de duas e três e mais semanas seguidas;cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
38º)foram à Missa ao domingo planeando o seu Baptizado;cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
39ª)o menor chora compulsivamente nas vídeochamadas com a mãe autorizadas pelo despacho posterior ao AC recorrido;
40ª)a mãe tem andado de hospital em hospital completamente destruída por dentro.
41ª)Ao longo de todo o processo se diz que sempre foi uma mãe preocupada e afectuosa;
42ª)isso mesmo consta do AC recorrido;
43ª)e de todos relatórios ali mencionados.
44ª) Este vínculo indestrutível com o corte abrupto decretado, vai ser vivido pelo menor, como abandono, rejeição, injustiça, por parte da mãe, que tanto ama e que lhe deu tanto amor nestes quase quatro anos seguidos;
45ª)estas três feridas abertas para a vida, são tão ou mais graves que as dos maus tratos físicos.
46ª)Atento o vínculo que a medida em vigor, renovada ao longo destes quase quatro anos, foi promovendo,
47ª)e que a proposta da EMAT de AR de meados de 2024 não punha em causa,
48ª)a proibição dos contactos com a mãe irá deixar sequelas graves e irreversíveis para a vida, de ambos;
49ª)e já lhes está a causar já um sofrimento insuportável.
50ª)O menor nunca esteve tão em perigo como está agora, e caso a decisão recorrida seja mantida,
51ª)irá deixar de ser a criança maravilhosa meiga e feliz que é cheia de sucesso escolar como o comprova a Ficha escolar junta em acta de 6 de Março em curso e as declarações da Educadora FF;cfr audio de 6 de Março em curso, com início às 17:22h
52ª)estando pronta para a medida de Acolhimento Residencial no CAR que já conhece, até ao final deste ano lectivo, pelo menos.
53ª)E o menor ficou tranquilamente no CAT quando a mãe teve que se ausentar.cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
54ª)Retirar esta mãe ao menor para sempre, e este filho à mãe, é destruí-los completamente por dentro.
55ª)Pela primeira vez na vida o menor irá sentir o que é abandono, rejeição, injustiça, porque até aqui só sentiu o amor do colo da mãe que nunca por nunca o abandonou ou deixou de o contactar um único dia na vida dele.
56ª)Aguenta perfeitamente o tempo que for necessário em CAR e este tempo poderá ser encurtado se cá fora junto da mãe e do seu agregado for feito o trabalho necessário.
57ª)No AC recorrido não se provou nenhum agravamento do perigo, entre da proposta de colocação em AR e a proposta da medida sub judice.
58ª)Os pressupostos de facto e de Direito mantiveram-se e como tal não se verificaram outros que justifiquem a medida sub judice da decisão recorrida.cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
59ª)Não se compreende esta mudança repentina no processo, que não seja por causa do incidente das fotos e queixas das marcas das assaduras com subsequente constituição de mandatária;
60ª)entretanto a Técnica que acabou substituída, nem sequer foi ouvida no debate judicial, porque foi dispensada pelo MP.
61ª)Este incidente não consta de nenhum relatório da EMAT nem outro.
62ª)Mas o certo é que, sem que nada mais tenha mudado, a EMAT vem de propôr o AR em meados de 2024,
63ª)para propôr o corte absoluto do vínculo com a mãe,
64ª)logo agora que o menor está ainda mais vinculado à mãe pelas vivências de isolamento intensivo e prolongado do ano que antecede a decisão recorrida.cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
65ª)Vínculo que em 2024 se reforçou indestrutivelmente, com tantas semanas de isolamentos, mencionados em Juízo pela mãe, e que não constam de qualquer relatório da EMAT nem do CAT e CI e nem do AC recorrido.cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
66ª)Existe pois insuficiência da matéria de facto, porque há factos por esclarecer e os que vieram reforçar o vínculo em 2024 nem sequer constam, nomeadamente, os vários isolamentos;cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
67ª)assim como as idas do menor à Missa de domingo com a mãe.cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
68ª)A nossa confiança nos Tribunais e na Justiça está agora depositada nas mãos dos Venerandos Juízes Desembarbadores que conhecerão deste recurso;
69ª)podendo reverter uma decisão tão implacável, como injusta e desprovida dos pressupostos de facto e de Direito de que a lei faz depender a aplicação da medida sub judice;
70ª)e que viola o disposto nos nº 2 do artigo 3º, artigo 4º, nas alíneas f) e g) do nº 1 do artigo 35º e nº 2 do artigo 49º da LPCJP e alínea d) do nº 1 do 1978º do C.Civil;
71ª) assim como os artigos 67º e 69º e 36º nº 5 e nº 6, 20º e 13º da CRP e a Convenção sobre os Direitos da Criança, artigos 19º e 20º.
72ª)A medida de AR tem os pressupostos de facto e de Direito preenchidos sem corte dos vínculos afectivos e da filiação;
73ª)e foi proposta pela EMAT em meados de 2024;
74ª)ainda a mãe não tinha um companheiro integrado na família;
75ª)que de resto o menor, também já ama por carência desse amor e por ver que a mãe tem uma família para lhe oferecer em breve.
76ª)Finalmente, é no mínimo lamentável se recuperem todas as falhas de uma mãe com limitações inatas, desde o primeiro relatório ao mais recente,
77ª)sem nunca se louvar o esforço por vezes desumano – no caso dos isolamentos de semanas num quarto, no ano que antecede a medida sub judice,
78ª)nem o tudo de bom que esta mãe fez ao longo de todos estes anos quase quatro anos.
79ª)A testemunha da mãe, a Sra Dra GG, Coordenadora da Formação da ABPG, afirmou que a BB ainda está em evolução;cfr audio de 6 de Março em curso com início às 16:54h
80ª)ou seja, a BB pode superar algumas das suas limitações com a idade.cfr audio de 6 de Março em curso com início às 16:54h
81ª)E como HH referiu na sua audição no debate judicial, a ABPG lecciona Cursos para Formandos com algum grau de deficiência, e como tal a Sra Dra GG terá certamente conhecimentos e experiência que lhe permitam dizer que a BB ainda pode evoluir.cfr audio de 6 de Março em curso com início às 11:31h
NORMAS VIOLADAS
82ª)O AC recorrido, violou assim o nº 2 do artigo 3º e 4º e 34º e as alíneas f) e g) do nº 1 do artigo 35º e nº 2 do artigo 49º da LPCJP e alínea d) do nº 1 do 1978º e 978º-A do C.Civil e os artigos 67º e 69º, 36º nºs 5 e 6 e 20º da CRP;
83ª)bem como, a própria ratio legis da Lei 147/99 que é a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, de forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral;
84ª)e ainda os artigos 23º e 25º da Portaria 450/23 de 22 de Dezembro.
85ª)Deverá ser excluída toda a matéria de facto dos pontos 6, a 13, 25 a 32, 36, 38, 40, 41, 42, 43, 55, 56, 59, 60, 71, 72, 75, 76, 77, 78, 92, 98,106, 113, porque foi valorada nas revisões e renovações da medida em vigor;
86ª)e excluído o facto não provado 1.2A inexistente nas alegações da advogada signatária;
87ª)deverá ser declarada a insuficiência de prova relevante no que refere aos isolamentos impostos à mãe e ao filho em 2024 sobre os quais não existe qualquer informação nos autos;cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
88ª)do mesmo modo que há insuficiência da matéria de facto sobre as causas do incidente que determinou a substituição da Técnica II, em 8 de Março de 2024;
89ª)bem como, por não se compreender a razão de não constarem de nenhum relatório da CI e da EMAT;
90ª)e finalmente, importa declarar a insuficiência da matéria de facto quando aos factos das fotos que estiveram na base do incidente que levou à substituição da Técnica em 8 de Março de 2024; que a mãe se compromete a juntar aos autos, logo que notificada para esse efeito;
91ª)Por tudo quando se deixou alegado, atentas as nulidades da falta de fundamentação da prova produzida pela EMAT, a falta de audição do pai, a insuficiência da matéria de facto, a inclusão na decisão dos factos provados de factos anteriormente valorados para revisão e renovações sucessivas da medida em vigor, a inclusão de facto inexistente, nos factos não provados, e o erro na interpretação e aplicação das normas violadas supra mencionadas;
92ª)deverá ser o AC recorrido anulado e substituído por outro em que se determine a medida de colocação do menor em Acolhimento Residencial no CAR desta Fundação do Projecto ..., até final do ano lectivo em curso,
93ª)CAR que o menor conhece e lhe permite concluir o ano lectivo na mesma Turma e com a mesma Educadora;
94ª)e uma vez aplicada esta medida, ser determinada a avaliação dos factos novos anteriores e posteriores - como a questão dos isolamentos de 2024 - e a evolução do agregado familiar mãe e do pai em meio natural de vida - no sentido de se continuar trabalhar para uma futura saída do menor para casa da mãe, com os poderes parentais devidamente regulados;
95ª)A aplicação desta medida, permite que tudo o que ficou por esclarecer e conhecer possa ser objecto de valoração, em sede da futura revisão da medida de AR.
96ª)Não havendo necessisade de se ordenar a reabertura do debate judicial ou a sua repetição para se voltar a ponderar a aplicação de medida extrema e mais gravosa;
97ª)porque resulta de abundante matéria de facto dada como provada, que a medida que melhor serve o superior interesse do menor e da mãe, do pai e todos os familiares de origem é a de Acolhimento Residencial, proposta pela EMAT em 19 Março de 2024;
98ª) sobre os isolamentos de 2024, só temos a prova da audição da mãe às perguntas do MP;cfr audio de 10 de Março em curso, com início às 10:19h
99ª) sobre o incidente que levou à substituição da Técnica II, como foi dispensada no debate judicial pelo MP, só temos como princípio de prova a audição de HH; cfr audio de 6 de Março em curso, com início às 11:31h
100ª)os presentes autos, são um processo de jurisdição voluntária ( cfr. artigo 100º LPCJP ) e nestes processos existe o dever de atender a todas as circunstâncias posteriores, mas também as anteriores que por ignorância, ou outro motivo ponderoso não tenham sido alegadas ( cfr, artigos 987º e 988º nº 1 do CPC ) nada foi feito no sentido de apurar em que medida os isolamentos ocorridos em 2024, reforçaram o vínculo afectivo, e provaram uma maturidade emocional da mãe, que deviam ser valorados, antes de aplicar a medida que nas suas doutas palavras, e cito com vénia: «… a solução mais extrema e gravosa da lei portuguesa, esqueçam lá a pena de morte ou os 25 anos de cadeia, não há nada mais grave e mais sério, do que a hipótese de dizer a alguém: - o filho já não é teu !...» aos 4.23 minutos das doutas alegações orais finais do MP e assim terminamos, pedindo e esperando desesperadamente, que este Venerando Tribunal, conceda esta oportunidade ao menor e aos seus pais e familiares de origem, assim se fazendo JUSTIÇA!!!
Contra alegou o Digno Magistrado do MºPº pugnando pela manutenção do decidido, nos seguintes, finais, termos:
1 – A decisão recorrida não padece de qualquer vício.
2 – Aderimos totalmente à respectiva fundamentação, de facto e de direito, salientando-se que a douta decisão ora colocada em crise pelo recorrente vale por si só, mostrando-se acertada na sua fundamentação e na correcta aplicação do Direito.
3- a decisão tomada, das mais difíceis que poderiam ser tomadas por um Julgador, foio com zelosa análise de todos os vastíssimos elementos probatórios disponíveis e emergentes das audiências de julgamento que demonstraram, sem margem para dúvida, que a progenitora não possuía as competência parentais necessárias.
4- o afecto e o carinho que a progenitora recorrente tem ao filho não se coloca em questão em momento algum. Simplesmente, amar não chega….
4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª- Nulidade da sentença por falta de fundamentação no que se refere à prova produzida em Juízo pelas Técnicas da EMAT e por preterição de audição do pai do menor
2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
3ª - Colocação do menor em Acolhimento Residencial.
5.
Apreciando.
5.1.
Primeira questão.
5.1.1.
Clama a recorrente que o acórdão é nulo desde logo porque não está devidamente fundamentado na parte em que se reporta à audição das técnicas da EMAT.
Isto porque nele não se mencionou concretamente o que elas verbalizaram: «nem uma frase das Técnicas; nem uma...», apenas se mencionando que se basearam nos depoimentos das mesmas.
A necessidade da fundamentação prende-se com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial.
Na verdade a fundamentação permite fazer, intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.
Ela é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
É que, uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos, pois que estes destinam-se a convencer que a decisão é conforme à lei e à justiça, o que, para além das próprias partes a sociedade, em geral, tem o direito de saber – cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 172 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, 3º vol., p.96.
Mas se assim é, dos textos legais e dos ensinamentos doutrinais se retira que apenas a total e absoluta falta de fundamentação pode acarretar a nulidade.
Na verdade a lei não comina com tão severo efeito uma motivação escassa, ou, mesmo deficiente. E onde a lei não distingue não cumpre ao intérprete distinguir.
Nem tal exigência seria de fazer considerando a «ratio» ou finalidade do dever de fundamentação supra aludidos.
O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável. Tal só acontece com a total falta de fundamentação. Se esta existe, ainda que incompleta, errada ou insuficiente tal arbítrio ou impossibilidade de impugnação já não se verificam.
O que nestes casos apenas sucede é que a própria decisão pode convencer menos, dada a debilidade ou incompletude dos seus fundamentos. Mas pode ser sempre atacável e modificável.
Assim sendo, a grande maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que só a carência absoluta de fundamentação e não já uma motivação escassa, deficiente, medíocre, incompleta ou errada, acarreta o vício da nulidade da decisão – cfr. Entre outros, Ac. do STA de 18.11.93, BMJ, 431º, 531 e Acs. do STJ de 26.04.95, CJ(stj), 2º, 57, de 17.04.2004 e de 16.12.2004, dgsi.pt.
Já o artº 607 nº4 do CPC impõe ao julgador, na fundamentação da decisão fáctica, desde logo através da indicação dos factos julgados provados e não provados, bem como a indicação dos elementos probatórios alicerçantes dos mesmos.
A cominação quanto a tal vício vem prevista no artº 662º nº2 al d), ou seja, a Relação deve determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente.
No caso vertente o vício não se verifica.
A julgadora mencionou que parte dos factos– vg. factos 17 a 75, 77, e 79 - foram dados como provados através da conjugação e ponderação dos relatórios sociais que foram juntos e dos depoimentos dos Técnicos da EMAT que acompanharam a situação, bem como dos Técnicos da Fundação onde mãe e criança se encontram.
Tal já seria suficiente para se considerar que inexiste fundamentação.
Pois que com tal indicação a parte afetada poderia já impugnar o valor e a relevância de tal indicação probatória, aduzindo que os depoimentos não sustentaram a convicção da Julgadora.
Porém, esta, seguidamente, até identificou as testemunhas, indicou a sua razão de ciência e qualificou os seus depoimentos.
Também estes elementos permitem uma apreciação e uma sindicância acrescidas dos mesmos.
Ademais a recorrente apenas se insurge contra uma menos adequada exposição discriminativa do teor dos depoimentos.
Mas não negando, contrariamente ao expendido na decisão, que as testemunhas não depuseram na forma, com o teor e no sentido do expendido na sentença; e, assim, esta menos bem apreciou os depoimentos e estes se revelaram irrelevantes para a prova dos factos a que foram reportados.
Concede-se que, efetivamente, uma maior concretização expositiva do teor dos mesmos se revelaria mais adequada às exigências e fitos da lei nesta matéria.
Mas, pelo que se referiu, e até pela postura da recorrente, a qual, substantivamente, não se insurge contra a posição do tribunal neste particular conspeto da (i)rrelevância dos depoimentos invocados para sustentar a convicção dos julgadores, a exposição fundamentadora plasmada na sentença relativamente aos técnicos e demais testemunhas, é a qb. para afastar o vício da falta de fundamentação.
5.1.2.
Mais invoca a insurgente a nulidade do acórdão por falta de audição do pai do menor no debate judicial.
Vejamos.
Na sessão de 10.03.2025 foi despachado quanto a esta matéria.
Indeferiu-se a audição por motivos formais e substantivos.
Naquela vertente considerou-se o pai notificado ao abrigo do artº 249º nº7 do CPC.
Nesta ótica considerou-se que a audição, perante o já constante nos autos, seria quase irrelevante.
Independentemente do bem, ou mal, fundado deste entendimento, o certo é que em tal despacho algo mais se exarou que se mostra determinante.
Assim, mencionou-se que o pai compareceu no dia 07 de março no tribunal e que ele foi informado da continuação do debate para o dia 10, bem como lhe foi fornecido o contacto da sua defensora.
Pelo que se pretendesse estar presente tinha todas as informações para o fazer.
A recorrente não impugna estes dizeres.
Antes fundamenta a sua posição em argumentos diversos, como seja: as pessoas que têm filhos acolhidos não terem meios para se deslocar.
Porém, este argumento não pode relevar.
Em primeiro lugar porque o pai, como dimana do despacho aludido, tinha conhecimento da nova data para a continuação do debate.
Em segundo lugar porque não se prova – aliás nem sequer é concretamente alegado – que este pai não se tivesse deslocado ao tribunal por falta de meios.
Aliás ele já se tinha antes deslocado, alegadamente tem emprego e até já casa arrendada tipo t3, pelo que não é crível que a insuficiência económica fosse o motivo da sua não comparência.
Consequentemente, improcedem estas alegadas nulidades.
5.2.
Segunda questão.
5.2.1.
No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.
Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.
O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.
Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.
Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.
Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.
Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.
Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.
Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.
O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.
Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 p.09P0114, in dgsi.pt..
Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que:
«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010,, p. 73/2002.S1. in dgsi.pt pt; e, ainda, Ac. STJ de 02-02-2022 - Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1.
5.2.2.
Por outro lado, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.
A lei - artº 640º do CPC - exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.
Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua (do recorrente), subjetiva, convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.
A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.
E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt.
5.2.3.
In casu.
Desde logo pretende a recorrente a eliminação de certos factos - pontos 6, a 13, 25 a 32, 36, 38, 40, 41, 42, 43, 55, 56, 59, 60, 71, 72, 75, 76, 77, 78, 92, 98,106, 113 - do rol dos provados porque entende que estão ultrapassados pois que foram já considerados para a aplicação da medida e para as suas revisões e renovações.
Este argumento não colhe.
Todos os factos que digam respeito aos pais e ao menor devem ser considerados independentemente da sua antiguidade ou contemporaneidade e de já terem, ou não terem, sido considerados em decisões anteriores.
Tal atendibilidade impõe-se, ou, ao menos, é aconselhável, para se ter uma visão global do iter vivencial do menor, dos pais e da família alargada, da sua evolução, positiva ou negativa, e do seu relacionamento; visão abrangente esta que é importante para uma mais conscienciosa decisão final.
Mais pretende exclusão do facto não provado 1.2 A, porque diz ser inexistente nas alegações da advogada signatária.
Tem ele o seguinte teor:
«O pai da progenitora, avô da criança, JJ vai mudar-se para a casa da avó DD, para prestar apoio à progenitora.»
Ora independentemente de o facto ter, ou não ter, sido alegado, certo é que ele foi dado como não provado.
Assim sendo, ele não pode ser considerado para a decisão da causa.
Esta não consideração e consequente irrelevância, tanto emerge, quando o facto, mesmo que tenha sido alegado, tenha sido dado como não provado, como quando, pura e simplesmente, não foi alegado.
Destarte, a pretendia exclusão assume-se inócua, sem qualquer relevância jurídica e sem afetação da decisão final, a qual, assim, se revela um ato inútil e, como tal, proibido por lei – artº 130º do CPC.
Mais invoca a recorrente
«…a insuficiência de prova relevante no que refere aos isolamentos impostos à mãe e ao filho em 2024 sobre os quais não existe qualquer informação nos autos»;
«a insuficiência da matéria de facto sobre as causas do incidente que determinou a substituição da Técnica II, em 8 de Março de 2024; (sem) se compreender a razão de não constarem de nenhum relatório da CI e da EMAT;
«a insuficiência da matéria de facto quando aos factos das fotos que estiveram na base do incidente que levou à substituição da Técnica em 8 de Março de 2024; que a mãe se compromete a juntar aos autos, logo que notificada para esse efeito.
Se bem interpretamos esta pretensão prende-se com o tentar provar a boa relação afetiva entre a díade mãe-filho (isolamentos).
E com o tentar provar que existiu uma atitude de retaliação, e para se verem livres si, por se queixar que o filho não era bem cuidado na creche, aparecendo, por exemplo, com assaduras no corpo (substituição da Técnica).
Quanto ao primeiro aspeto tal consideração é desnecessária pois que a boa relação entre a mãe e o filho já está provada – vg. pontos 73 e 74.
Quanto ao segundo o mesmo prende-se com um entendimento que em si mesmo se apresenta como algo inusitado.
Dada a excecionalidade do mesmo teria de ser alegado em termos factuais muito concretos.
E alegado atempadamente, antes do debate judicial, para que, sobre tal concreta factualidade, pudesse incidir prova.
Ora tal alegação, com o dito jaez e tempestividade, não se mostra efetivada.
Nem quando a mãe alegou, antes do debate judicial, nos termos do artº 114º da LPCJP, ela se referiu a este aspeto.
Aliás nem a mãe juntou aos autos os documentos, rectius fotos, tendentes a provar o ora apenas alegado.
E comprometendo-se a juntá-las apenas agora, o que se revela extemporâneo, porque inexistiu impossibilidade objetiva ou subjetiva para junção anterior.
Certo é que o processo assume o jaez de jurisdição voluntária, com as permissões legais de acrescidos poderes de indagação conferidos ao juiz.
Mas tais poderes não podem postergar os essenciais princípios da substanciação, do dispositivo e da auto responsabilidade, transformando-se um processo que se pretende justo e equitativo numa jurisdição arbitrária – cfr. Ac. TRP de 06.02.2020, p. 497/17.0T8OBR.P1 in dgsi.pt.
5.2.4.
Por conseguinte e no indeferimento da presente pretensão, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:
1. AA nasceu no dia ../../2021.
2. Encontra-se registado como filho de BB.
3. Decorreu termos sob o n.º 466/21.... ação de averiguação oficiosa da paternidade, onde se averiguou a paternidade da criança.
4. Em 7/12/2023 foi averbada, ao assento de nascimento, a paternidade, sendo o pai da criança, CC.
5. O processo de promoção e proteção iniciou-se na CPCJ ... na sequência de uma sinalização do serviço social do Centro Hospitalar ... dando conhecimento que, logo após o nascimento de AA, a sua progenitora revelou não ter competências para garantir os cuidados básicos da criança.
6. Com efeito, a progenitora, na maternidade, não direcionava a atenção para a criança, concentrando-se no seu telemóvel, dispersava com frequência e pedia ajuda para mudar a fralda e para pôr a medida do leite, mesmo após ter sido ensinada.
7. Cerca de um ano antes da criança nascer, a progenitora vivia com o progenitor, em ..., e, quando já se encontrava no final do seu tempo de gravidez, regressou à casa da avó, DD, onde residia antes de se mudar para ....
8. À data do nascimento da criança a progenitora não tinha rendimentos e residia na Rua ..., ..., ..., com a avó paterna desta (e bisavó da criança), DD, tetraplégica e um tio, KK, com problemas relacionados com o consumo de bebidas alcoólicas, com poucos hábitos laborais e com défice cognitivo.
9. A CPCJ ... realizou, em 16/7/2021, uma visita à habitação e foi possível constatar que a habitação se encontrava suja e desorganizada, com dejetos de cão no chão; o quarto da avó encontrava-se sujo, com restos de uma caixa com fruta podre numa cadeira; O quarto da progenitora tinha a cama feita mas encontrava-se desorganizado, com roupa por trás e por baixo da cama, o roupeiro tinha roupa amontoada até ao teto, sem estar dobrada, havia estantes também com roupa até teto; O quarto do tio KK tinha roupa suja espalhada em todo o lado, lixo no quarto e a casa de banho com dejetos no chão; a cozinha tinha louça de vários dias por lavar e no frigorífico estava sopa azeda e alimentos estragados.
10. Na CPCJ foi proposta a aplicação de uma medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora em contexto residencial, porém a progenitora não concordou com a aplicação dessa medida, tendo retirado o consentimento necessário para intervenção daquela entidade o que determinou a remessa do processo para o Tribunal e a manutenção do AA no hospital.
11. Por despacho de 6/8/2021 foi aplicada à criança a medida provisória de apoio junto da mãe, condicionada ao efetivo acolhimento e manutenção desse acolhimento em casa de acolhimento adequada para mães com filhos.
12. Em 10/8/2021, e em cumprimento do despacho proferido, a criança e a progenitora integraram a Comunidade de Inserção do projeto ..., pertencente à Fundação ....
13. A criança foi do hospital para a fundação.
14. Nessa data, a progenitora adotou uma postura de respeito e aceitação quanto às orientações e recomendações transmitidas pelos técnicos.
15. Foi feita uma nova visita domiciliária em 4/8/2021, à habitação referida em 9. e a habitação encontrava-se limpa e minimamente organizada. No quarto da progenitora existiam utensílios e mobiliário para bebé, nomeadamente uma cama de grades, um berço, duas cadeiras auto, vestuário, fraldas, toalhetes com aparência de terem sido recentemente adquiridos.
16. A 7/9/2021 foi aplicada, por acordo, medida de apoio junto da mãe a cumprir na Comunidade Inserção ...- Fundação ..., pelo período de 12 meses, a qual foi sendo objeto de revisão e prorrogações sucessivas, por despachos de 6/7/2022, de 11/10/2022, de 13/4/2023 e de 19/12/2023.
17. No âmbito da execução da medida, foi definido um Plano de Intervenção Individual direcionado às principais dificuldades apresentadas pela progenitora com o objetivo do desenvolvimento de competências básicas ao nível da parentalidade, de forma a aprender a prestar os melhores cuidados à criança.
18. No primeiro mês, a progenitora não tinha assimilado os cuidados necessários que a criança necessitava, evidenciando lacunas ao nível dos cuidados de higiene para com a criança e cuidados de higiene pessoais, bem como de alimentação, porquanto não controlava o horário de amamentação da criança.
19. Também não era cumpridora das regras da comunidade, nomeadamente ao nível do cumprimento do horário da utilização do telemóvel.
20. No entanto, nos meses seguintes, a progenitora revelou-se preocupada, atenta e afetuosa com a criança.
21. No entanto, sempre que existia necessidade de ser chamada à atenção, BB tinha tendência para desculpabilizar as suas lacunas através de terceiros, recorrendo com facilidade à mentira, ao invés de reconhecer os erros, circunstância que se veio a manter até ao presente.
22. Decorridos 7 meses de acolhimento, a progenitora apresentou uma pequena evolução a diversos níveis, nomeadamente na prestação de cuidados básicos à criança, ao nível do banho, muda da fralda e alimentação, apesar de ainda serem notórias bastantes dificuldades.
23. Após a entrada na instituição a progenitora realizou uma formação de pastelaria, no âmbito da sua inscrição no IEFP.
24. Em fevereiro de 2022, iniciou uma formação em Informática na escola profissional ....
25. Em fevereiro de 2022 a progenitora, antes de sair para a formação que frequentava, de manhã, não deu o biberon ao AA, e, questionada com a situação, respondeu que estava quase na hora de entrar que o deixou para que as funcionárias lhe dessem.
26. No dia 23/02/2022, fez apenas 150g de leite para o bebé, quando a criança já bebia 250g.
27. A progenitora não sabia as medidas do leite necessárias e não esterilizava os biberons.
28. Aos 6 meses do AA, BB iniciou a aprendizagem da confeção das sopas e fruta aconselhadas pelo pediatra. Inicialmente teve alguma dificuldade, mas, com orientação acabou por aprender e conseguir, mais tarde, realizar estas refeições de forma autónoma.
29. No entanto, apesar de ter aprendido a confecionar sopa, veio a demonstrar-se que não equilibrava a variedade de alimentos necessários para a dieta da criança, não colocando em prática as orientações dadas para tal, mesmo depois de lhe ser dado um caderno com os legumes e vegetais que devia incluir em casa sopa.
30. Não providenciava, por vezes, de forma atempada, as refeições da criança, lembrando-se, perto da hora de comer que não tem sopa ou fruta feita.
31. Quando não fazia sopa, dizia que a criança não precisava de a comer pois já tinha comido “farinha”.
32. Frequentemente deixava o leite aberto no quarto, com elevadas temperaturas, o que fazia com que este azedasse e com que a progenitora tivesse de abrir, todos os dias, um pacote de leite novo.
33. Atualmente, dá bolachas de chocolate ou guloseimas antes das refeições, o que leva a que a criança não tenha fome ao jantar.
34. Quando cozinha para si e para criança, opta por pratos simples como massa com salsichas, douradinhos ou ovo estrelado.
35. No que diz respeito aos cuidados de higiene pessoal, desde entrada na instituição também houve tentativas de alteração de alguns hábitos, no entanto, sem sucesso.
36. Embora, a progenitora tenha evidenciado melhorias ao nível da limpeza e do espaço pessoal entre agosto de 2022 e outubro de 2022, a verdade é que continuou sempre a revelar pouca capacidade para manter o espaço individual do filho limpo e organizado o que faz com tenha que ser controlada diariamente pelos técnicos e colaboradoras.
37. Como tal, a progenitora mantém, frequentemente, o espaço pessoal desorganizado e sujo, com poucos cuidados de higiene.
38. Quando a criança usava fraldas, verificava-se, no quarto, acumulação de fraldas sujas, não só no caixote do lixo, mas também espalhadas pelo quarto.
39. Mantém, também, bolachas espalhadas pelo quarto, roupa misturada com bolachas, chocolates misturados com lixo e vários brinquedos espalhados pelo chão, com peças pequenas, passíveis de serem levadas à boca pela criança.
40. No mês de julho de 2022, a progenitora realizou videochamadas com indivíduos do sexo masculino, com conversas de conteúdo íntimo, ocorridas no período noturno, com a criança presente.
41. No dia 09/02/2022 a progenitora foi sozinha com a criança a consulta no Pediátrico em Coimbra, e conseguiu reproduzir e entender o que lhe disseram e fez tudo de forma autónoma.
42. No entanto, em 7/8/2022, a progenitora e a criança foram ao serviço de urgência, acompanhados de uma técnica, porque a criança apresentava borbulhas pelo corpo todo, que se veio a revelar uma infeção bacteriana e a progenitora já não conseguiu transmitir essas informações às técnicas.
43. Também no ano de 2022, numa altura em que a criança apresentou temperatura febril durante a noite, a progenitora, na manhã seguinte, não voltou a medir a febre.
44. Atualmente a progenitora apresenta dificuldades em assimilar as indicações e, consequentemente, em transmiti-las e reproduzi-las.
45. Atualmente, quando a criança está doente não consegue tomar as devidas providências, no sentido de este melhorar, pois bloqueia.
46. Não tem consciência quando a situação se agrava e é preciso ir ao médico, não tem consciência da medicação que tem de ser tomada a determinadas horas nem o que fazer quando a febre aumenta.
47. A progenitora não distingue brufen de ben-u-ron, nem identifica um antibiótico.
48. Atualmente, são as colaboradoras da instituição que ministram e gerem a medicação à criança e à progenitora.
49. Desde a entrada na instituição que a progenitora não apresenta qualquer consciência do valor do dinheiro, tendo sempre demonstrado incapacidade na gestão económica.
50. Desde abril de 2023 a progenitora frequenta uma formação na Associação Popular de Beneficência de ..., na área da restauração.
51. Desde abril de 2023 aufere mensalmente a quantia de Eur.290,00 a título de bolsa de formação que frequenta na Associação Popular de Beneficência de ..., acrescido de Eur.241.55 de prestações familiares pagas pela Segurança Social.
52. Antes dessa data recebia, mensalmente, pelo menos, o valor das prestações familiares pagas pela segurança social.
53. Não tem quaisquer despesas com estadia, alimentação e vestuário, sendo-lhe tudo assegurado pela instituição.
54. No entanto, desde que deu entrada na instituição até à presente data não conseguiu reunir quaisquer poupanças, sendo que, pelas contas feitas pela instituição, a progenitora auferiu, desde que lá está, um valor global de Eur.14.000,00 e, atualmente, apenas tem, no máximo, Eur.200,00.
55. Em datas não concretamente apuradas, mas entre a entrada na instituição e abril de 2022, a progenitora realizou vários levantamentos de Eur.200,00, que alegou ter transferido para o progenitor (ainda que a paternidade não estivesse, ainda, averbada).
56. Em data não concretamente apurada transferiu Eur.800,00 para o progenitor da criança.
57. Além disso, solicita, frequentemente, dinheiro emprestado às outras utentes, dizendo-lhes por vezes, que depois lhes devolve um valor superior ao emprestado.
58. Realiza, com frequência, compras online.
59. No ano de 2022, a progenitora colocou a criança sozinha no elevador para o transportar para o piso superior.
60. No ano de 2022 a criança estava constantemente no carrinho, sendo que a progenitora o retirava, apenas, para lhe dar as refeições o que levou a equipa técnica da fundação a retirar-lhe o carrinho.
61. Atualmente, a criança está constantemente no colo, sendo que os técnicos chamam à atenção à progenitora para a criança não andar ao colo, uma vez que é preciso estimular a sua autonomia.
62. Em algumas situações, a progenitora apresenta um nível de preocupação excessiva e injustificada perante pequenas situações de cariz de saúde física do menino.
63. Apresenta dificuldades em agir quando a criança chora, não conseguindo identificar o motivo do choro nem acalmá-lo, o que a leva a telefonar às colaboradoras/técnicas, quando a criança chora.
64. Apresenta, também dificuldade em agir e em tomar as devidas providências quando a criança se magoa ou quando faz uma birra.
65. Apresenta dificuldades em assimilar horários de compromissos como o dia em que recebe a alimentação, as quantidades necessárias, bem como recados ou indicações que lhe tenham sido transmitidos.
66. Apresenta dificuldades em seguir uma rotina e em mantê-la.
67. Apesar de a criança ter roupa adequada à idade a progenitora veste-lhe roupa desapropriada, de tamanhos desajustados face à idade e, às vezes, não lhe veste cuecas.
68. Igualmente veste-o, por vezes, de forma desadequada às condições climatéricas.
69. Em setembro de 2024 a criança iniciou um novo ciclo, com a sua integração no Jardim de Infância ....
70. Quanto à mochila da criança, a progenitora mistura, frequentemente, roupa suja com os lanches da criança.
71. Quando AA iniciou o controlo dos esfíncteres diurno, a progenitora não foi capaz de acatar as orientações que lhe eram dadas, tendo tomado as decisões autonomamente, o que levou a vários acidentes.
72. Na consulta de desenvolvimento que AA realizou, a medica alertou para o atraso a todos os níveis que a criança revela pela falta de espaço/estimulação da progenitora em proporcionar desenvolvimento de autonomia e ao nível da comunicação.
73. No que concerne à qualidade da relação mãe–filho existe uma relação de proximidade entre a progenitora e o filho, sendo que a progenitora tem ligação afetiva ao filho.
74. Ao nível da vinculação, a progenitora assume com frequência demonstrações de carinho e preocupação, sendo que a criança a reconhece como uma figura de referência, reconhecendo-a sempre que a vê.
75. Nos Natais de 2021 e 2022, foi autorizado que a progenitora e a criança passassem o Natal no agregado da bisavó da criança, uma vez que havia retaguarda e supervisão de EE (prima em segundo grau da progenitora).
76. A 9/11/2023 a EMAT concluiu que a progenitora não revelava competências para assumir a educação do filho sozinha.
77. No período da Páscoa de 2024 não foi autorizada a saída do menor com a progenitora, uma vez que inexistia retaguarda familiar e a progenitora foi, durante uma semana, para casa da sua avó, deixando a criança aos cuidados da instituição.
78. A 19/3/2024 a EMAT concluiu que a progenitora não conseguiu ultrapassar a necessidade de supervisão de terceiros no que diz respeito à prestação dos cuidados básicos ao filho, estando dependente de supervisão permanente, razão pela qual foi proposta a medida de acolhimento residencial.
79. No período das férias de verão de 2024 não foi autorizada a saída do menor com a progenitora por se considerar que a progenitora não apresentava competências parentais para salvaguardar o bem-estar físico e psíquico da criança.
80. A 22/11/2024 a EMAT concluiu que:
i. a progenitora não conseguiu desenvolver competências básicas a nível da gestão doméstica e da parentalidade, de forma a facilitar a sua autonomização de vida.
ii. A progenitora, que no início da intervenção, chegou a conseguir evoluir nalgumas competências básicas de higiene de espaço, acabou por revelar ter conseguido uma evolução limitada e insuficiente.
iii. “Embora com ligação afetiva ao filho, não conseguiu ultrapassar a necessidade de supervisão de terceiros no que diz respeito à prestação dos cuidados básicos ao filho, continuando a não assumir responsabilidade por aquilo que faz, demonstrando imaturidade no seu desenvolvimento pessoal e social.”
iv. “Não pode, esta EMAT considerar a continuação da permanência da criança mais tempo junto da progenitora, muito mais, estando a ser nítido que mesmo em contexto protegido, os cuidados necessários ao bom desenvolvimento e bem e estar da criança estão a ser posto em causa, não estando ainda descurados por existir vigilância de terceiros a esses cuidados. Revela-se, também, que o progenitor não se encontra disponível para se constituir como alternativa a criança, pois os contatos mantidos com este têm sido nulos.”
81. No Natal de 2024 não foi autorizada a saída do menor com a progenitora. No entanto, a progenitora ausentou-se, durante cerca de uma semana, para passar o natal junto da sua avó, ficando a criança aos cuidados da instituição.
82. Desde janeiro de 2024, a progenitora ausentou-se, pelo menos uma vez por mês, para estar com o namorado, deixando o AA aos cuidados da instituição.
83. No mês de setembro de 2024, a progenitora ausentou-se da instituição para auxiliar nas vindimas na avó.
84. A progenitora tem uma incapacidade multiuso de 60%.
85. A progenitora apresenta, ao nível da função cognitiva, um potencial intelectual muito inferior (QI verbal de 67 e QI Não verbal de 65), sendo que as aptidões mais deficitárias são a compreensão verbal, o raciocínio lógico-associativo, o raciocínio abstrato, o raciocínio numérico, a riqueza do vocabulário e o nível de conhecimentos gerais.
86. Apresenta um quadro de Perturbação do Desenvolvimento Intelectual de gravidade moderada, que afeta os domínios concetual (e.g. capacidades académicas num nível elementar, dificuldade em completar tarefas concetuais do dia-a-dia, nos seus vários domínios), social (e.g. dificuldade em perceber, interpretar corretamente pistas sociais; discernimento social e capacidade de tomadas de decisão limitadas) e prático (independência para cuidar das necessidades pessoais e de terceiros pode ser atingida mas impõe um período extenso de instrução e tempo).
87. Tal quadro indica necessidade de assistência contínua/regular, ajuda nas tomadas de decisão, suporte social e outros tipos de suporte temporalmente extensos para alcançar/manter um desempenho de nível adulto.
88. Em termos de personalidade, a progenitora apresenta:
i. Baixa conscienciosidade, isto é, um estilo funcional pouco regrado/organizado e pouco autodisciplinado, tendência ao não cumprimento dos deveres, fraca perseverança/esforço de realização e predisposição para o desleixe, procrastinação e inércia, pelo que, para garantir um adequado funcionamento global, necessita de orientação/supervisão.
ii. Baixa autoconsciência social, valores morais pouco desenvolvidos e tendência a atuações mais egoístas que altruístas;
iii. Valor muito elevado na faceta da vulnerabilidade, o que indica predisposição para credulidade, sugestionabilidade e fraca resistência à influência de terceiros (e reforça a necessidade de beneficiar de orientação/supervisão para conseguir tomar decisões e reger a sua vida)
89. Na perícia realizada à progenitora concluiu-se que a progenitora tem um estilo parental adequado, embora abaixo da média, capacidade para prestar suporte físico e emocional ao menor e vinculação afetiva forte e positiva.
90. Todavia, concluiu-se, igualmente, que não possui competências cognitivas, funcionais, socioeconómicas e familiares para, de forma autónoma e sem apoio e supervisão de proximidade, proporcionar ao menor a estabilidade e os cuidados de que necessita. Por outro lado, existe o risco de, com facilidade, poder vir a tomar decisões impulsivas, emocionais e não racionalmente determinadas, colocando-se a si e ao menor em risco.
91. No âmbito da formação que a progenitora se encontra a realizar na Associação Popular de Beneficência de ..., na área da restauração, a progenitora é assídua, pontual e esforçada.
92. A progenitora considera estarem reunidas as condições para regressar a casa da avó DD, uma vez que KK, tio da progenitora, já não tem problemas com os consumos de álcool.
Quanto ao progenitor
93. Apesar da paternidade ter sido averbada apenas em 7/12/2023, o progenitor visitou a criança no hospital aquando o nascimento.
94. Após essa data, não mais contactou com a criança, até ter sido convocado no âmbito dos presentes autos, em 9/5/2024.
95. Em 9/5/2024 CC foi ouvido e manifestou intenção de contactar com a criança.
96. Nessa sequência, autorizaram-se os contactos do progenitor com a criança.
97. O progenitor contactou com a criança cerca de 4 a 5 vezes, através de videochamadas realizadas para o telemóvel da progenitora. No entanto, a progenitora colocava alguns entraves, pelo que lhe foi transmitido que podia contactar a instituição, o que o progenitor nunca fez.
98. O progenitor não contacta a progenitora nem a criança desde julho de 2024.
99. À data de 14/06/2024 o progenitor residia com a companheira, LL, com a qual mantinha um relacionamento há cerca de 1 ano.
100. Residiam numa barraca de tijolo, com fracas condições de habitabilidade e que não dispõe de água, carecendo o casal de usar garrafões de água para cozinhar, para a sua higiene e lavagem de roupa. Dispõem de eletricidade através de uma puxada elétrica da casa da mãe de CC, que sita nas imediações. CC referiu que já efetuou algumas obras, dividindo o espaço com um quarto, espaço para cozinhar, sala e casa de banho.
101. Reconhece não reunir de momento condições habitacionais para receber o filho na sua morada, o que espera reverter no futuro.
102. O progenitor nunca visitou a criança na instituição.
103. Quanto à personalidade do progenitor, não decorre da avaliação um perfil que per si obstaculize o exercício do papel parental embora se identifiquem fragilidades cognitivas e um conjunto de vivências, ao longo do seu percurso desenvolvimental, passíveis de fragilizar os seus recursos psicológicos.
104. Assinalam-se fatores com potencial impacto no exercício da parentalidade como a organização de personalidade caracterizada por imaturidade e uma gestão do seu quotidiano assente no concreto, evidenciando-se limitações no que respeita à capacidade de abstração - que implica refletir e formular hipóteses, com recurso ao pensamento indutivo e dedutivo.
Quanto aos restantes familiares:
105. A bisavó da criança, DD é tetraplégica, encontra-se acamada, pelo que depende de terceiros para a realização das atividades da vida diária.
106. Quando a progenitora e a criança deram entrada na fundação, a bisavó DD, telefonou, pelo menos uma vez, para a instituição, questionando quando a progenitora podia regressar, mas nunca questionando sobre a criança.
107. A EMAT concluiu, em 22/11/2024, que “O apoio que BB poderá ter da parte da avó não se constituirá exequível para as condições mínimas necessárias que permitissem que o AA permanecesse junto da mãe, em meio natural de vida”.
108. EE, prima em terceiro grau da progenitora (porque a mãe de EE é prima da avó DD), inicialmente prestava alguma ajuda pontual, tendo, ao longo da execução da medida, deixado de prestar apoio à família.
109. Desloca-se frequentemente a ....
110. Não manifestou disponibilidade em receber a criança e a progenitora na sua habitação.
111. MM, namorado da progenitora, tem 21 anos e reside em ....
112. Em julho de 2024, a progenitora iniciou uma relação amorosa com MM, que conheceu através da internet (redes sociais), tendo ambos iniciado o namoro cerca de 2 dias depois de se conhecerem.
113. Anteriormente, a progenitora tinha outro namorado.
114. MM auxiliou a avó da progenitora, DD, nas vindimas de 2024, juntamente com a progenitora.
115. MM passou o Natal de 2024 com a progenitora e a avó desta.
116. MM contactou com a criança, apenas, por videochamada, nunca tendo estado presente em qualquer interação entre a progenitora e a criança.
5.3.
Terceira questão.
5.3.1.
Existe uma plêiade de legislação tendente à proteção da criança na mais ampla perspetiva.
Assim, desde logo os seguintes Princípios da DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 1386 de 20 de Novembro de 1959 consagram que:
Princípio 4.º
A criança…. Tem direito a crescer e a desenvolver-se com boa saúde; para este fim, deverão proporcionar-se quer à criança quer à sua mãe cuidados especiais, designadamente, tratamento pré e pós-natal. A criança tem direito a uma adequada alimentação, habitação, recreio e cuidados médicos.
Princípio 6.º
A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afecto e segurança moral e material; salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas têm o dever de cuidar especialmente das crianças sem família e das que careçam de meios de subsistência...
Princípio 7.º
…O interesse superior da criança deve ser o princípio directivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais. …a sociedade e as autoridades públicas deverão esforçar-se por promover o gozo destes direitos.
Depois, no direito interno, desde logo ao nível constitucional, prescreve o artº 69º da Constituição:
1. As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
2. O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal”.
Finalmente, no direito ordinário, urge atentar no disposto na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro , adiante, LPCJP, máxime nos seguintes preceitos:
Artº. 3º, que rege quanto à legitimidade/necessidade/oportunidade da intervenção:
1 – A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
2 – Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
…
Artº 4º, que estipula quanto aos princípios orientadores da intervenção.
«A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;
e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;
i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;
k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.
(sublinhado nosso)
Artº 34º que prescreve quanto à finalidade das medidas de intervenção:
As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e proteção, visam:
a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
Artº. 35º que consagra , tipificadamente, as medidas de promoção e proteção.
1 - As medidas de promoção e proteção são as seguintes:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento residencial;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
2 - As medidas de promoção e de proteção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza, e podem ser decididas a título cautelar, com exceção da medida prevista na alínea g) do número anterior.
3 - Consideram-se medidas a executar no meio natural de vida as previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 e medidas de colocação as previstas nas alíneas e) e f); a medida prevista na alínea g) é considerada a executar no meio natural de vida no primeiro caso e de colocação, no segundo e terceiro casos.
O perigo a que alude o artº 3º traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem.
Não se exigindo a verificação da efetiva lesão, bastando, por isso, a criação de um real ou, através de um adequado juízo de prognose em função dos factos apurados, muito provável sério e grave perigo, ainda longe de dano – cfr. Ac. da RC de 13.02.2007, p. 1337/05.8TBVNO.C1 in dgsi.pt.
E sendo que a situação de perigo deve ser atual e persistente à data da decisão, conforme decorre do artigos 4º, al. e) e 111º, do diploma em equação.
Relativamente aos princípios orientadores da intervenção do artº 4º relevam, determinantemente, os supra sublinhados n artº 4º da LPCJP.
Quanto às medidas do artº 35º, elas são elencadas pela ordem de preferência e prevalência tida pelo legislador como mais adequada, pelo que daqui ressuma que deve dar-se prioridade, na medida do possível, às medidas a executar em meio natural de vida, máxime no seio da família, preferentemente da biológica..
Relativamente à medida mais extrema, qual seja a confiança para futura adoção, rege o artº 1978º do CCivil, a saber:
«Confiança com vista a futura adopção
1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) Se os pais tiverem abandonado a criança;
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.»
Vemos assim que para que esta medida seja decretada, mister é que se encontrem presentes dois requisitos, a saber:
i) Um de cariz mais específico e objetivo, consistente na verificação de alguma das situações taxativamente previstas nas alíneas do nº 1, as quais demonstram um quadro de perigo ou desinteresse para o menor;
ii) Outro de cariz mais genérico e subjetivo, dimanante ou consequência de qualquer uma daquelas situações, qual seja, que delas derive a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação.
Tais requisitos são autónomos e cumulativos, devendo ambos estar demonstrados – Neste sentido, cfr. Ac. TRG de 06.12.2007,p. 2145/07-1; Ac. TRC de 02.10.2012, p. 732/10.5TBSCD; Ac. TRC de 27.04.2017, p. 268/12.0TBMGL.C2; Ac. TRL de 29.06.2017, p. 369/11.1T2AMD.L1–2; Ac. TRP de 06.02.2020, p. 497/17.0T8OBR.P1; Ac.TRP de 07.06.2021, p. 401/19.0T8OBR-A.P1; Ac. TRP de 04.03.2024, p. 324/20.0T8SJM.P1, todos in dgsi.pt.
E, assim, não bastando a verificação e prova de qualquer das circunstâncias objetivas tipificadas.
Sendo, pois, condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrarem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação.
Na verdade:
«A situação tipificada na alínea d) do referido normativo, que os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, ponham em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor, exige que o mencionado perigo seja grave.
Na aplicação de uma medida de promoção e protecção deve observar-se o princípio da proporcionalidade, contemplado no art. 4º, alínea e), da Lei 147/99 (LPCJP);
Um dos princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo é o da prevalência da família, o que significa que, neste domínio, deve ser dada prevalência às medidas que integrem a criança na sua família (art. 4º, g), da LPCJP).» - Ac. TRC de 02.10.2012, p. 732/10.5TBSCD.
«Em regra e por força do primado da família biológica há que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vê que há possibilidade destas encontrarem o seu equilíbrio.» - Ac. TRE de 06.12.2007, p. 2256/07-3.
Assim:
« A possibilidade de uma criança poder ser acolhida numa eventual situação mais propícia à sua manutenção e educação, não justifica, só por si, que esta seja retirada aos seus pais biológicos e confiada para futura adopção, mormente quando entre aquela e estes existem fortes laços afectivos.» - Ac. TRP de 06.02.2020, p. 497/17.0T8OBR.P1.
Pelo que:
«…Na determinação do “superior interesse da criança” deve ser visada a protecção física, moral e social do menor mas não pode postergar-se o direito da família biológica, se subsistir a relação afectiva entre a criança e os seus progenitores.
Não pode ser decretada a medida de confiança a instituição com vista a adopção relativamente a crianças com base na pobreza da mãe e na genérica imputação de dificuldades cognitivas mesmo que com rebate sobre o exercício da parentalidade, quando é patente o afecto que a progenitora por eles nutre e do exame de personalidade a que foi sujeita resulta que tais limitações podem ser supridas ou pelo menos minoradas com adequada assistência.» - Ac. TRG de 06.12.2007,p. 2145/07-1.
É que:
«a medida de confiança para futura adopção não pode ser tomada como se tratasse de um castigo aos pais, face ao seu errático comportamento, em virtude de não terem assumido plenamente as suas responsabilidades parentais relativamente ao menor…» - Ac. TRP de 06.02.2020, p. 497/17.0T8OBR.P1.
(Todo o sublinhado nosso)
5.3.3.
O caso vertente.
5.3.3.1.
O tribunal recorrido decidiu aduzindo o seguinte, sinótico e essencial, discurso argumentativo:
…dos factos tidos como assentes conclui-se que, ao longo de três anos e meio, a progenitora não conseguiu, adquirir as competências necessárias para, por si só, cuidar do seu filho, garantir-lhe a segurança e o equilíbrio emocional necessários a um desenvolvimento harmonioso e saudável, razão pela qual a situação de perigo se mantém. E essa situação de perigo subsume-se, de uma forma genérica e em resumo do que se disse aos seguintes factos: a progenitora não consegue prover à alimentação adequada, regular e equilibrada da criança; não consegue manter, com carácter regular, o quarto da criança limpo, arrumado, organizado, cuidado e seguro; não consegue reagir em situações de crise, como choros, birras, quedas e doenças da criança; não consegue adotar as medidas necessárias quando a criança está doente; não consegue vesti-lo adequadamente, quer às condições climatéricas quer com roupa adequada à idade, demonstrando total desleixo no bem-estar e cuidados do filho; não consegue antecipar situações que coloquem em causa a segurança da criança e expõem-no às mesmas; não consegue enviar-lhe uma mochila adequada para a escola, onde não misture o lanche com a roupa suja; não estimula o desenvolvimento da criança; não consegue fazer uma gestão adequada do dinheiro que recebe, por forma a assegurar que tem dinheiro disponível para prover ao sustento, alimentação, habitação e educação da criança. …
…a verdade é que a situação de perigo existe porque se a progenitora fosse deixada, sozinha, com a criança, fora da instituição, não seria capaz de lhe providenciar os cuidados básicos acima referidos.
E tal circunstancialismo mostra-se cientificamente comprovado pelo exame pericial que foi realizado e que concluiu que a progenitora não possui competências para, de forma autónoma e sem supervisão, proporcionar a estabilidade e os cuidados que a criança precisa (facto provado 90).
Destarte, verifica-se que a criança se encontra numa situação de perigo para a sua saúde, para o seu bem-estar e desenvolvimento, em conformidade com o artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) e f) da LPCJP, devendo ser aplicada, em seu benefício, uma medida de promoção e proteção destinada a afastar essa mesma situação e cuja determinação será norteada pelos princípios supra mencionados constantes do artigo 4.º da LPCJP.
Note-se que, ao longo de todo o período que passaram na Fundação, desde o nascimento do AA, a progenitora, embora tenha demonstrado uma ligeira evolução inicial (tendo aprendido a confecionar sopas, tendo procurado manter o quarto limpo em alguns períodos e tendo até conseguido, numa fase inicial, decorar e reproduzir as indicações do médico), decorridos esses meses iniciais revelou a total falência da medida.
Por maioria de razão, se dentro da Fundação, com a ajuda dos especialistas e uma enorme retaguarda, sem o pagamento de quaisquer despesas a medida falhou, é impensável a alteração da medida para um apoio junto da mãe fora da instituição. …ainda que se pudesse considerar, fruto da intervenção da fundação, que a progenitora podia ter consigo a criança, desde que tivesse uma supervisão adequada, como tem na instituição, a verdade é que inexiste qualquer pessoa que possa fazer essa supervisão…ou retaguarda possível para a progenitora.
Em face do exposto, a medida de apoio junto da mãe, esgotou e excedeu, em larga medida, o período pelo qual deveria vigorar, e não obteve nenhum resultado que permita, com segurança, determinar a sua cessação e a conclusão de que a criança já não está em perigo…
Inexistem, por isso, alternativas para a medida de confiança a pessoa idónea.
Neste contexto, restam as medidas de colocação, a saber, o acolhimento familiar ou residencial e a medida de confiança com vista a adoção, que foi promovido pelo Ministério Público.
A medida de acolhimento residencial seria adequada caso se conseguisse afirmar que, mantendo-se a criança acolhida, separada da sua progenitora, esta conseguiria reunir as condições e capacidades necessárias para ter a criança consigo, sem necessidade de qualquer retaguarda. Ora, tal hipótese é, comprovadamente, inverosímil pois não é possível perspetivar qualquer alteração futura de comportamento. É certo que no início se verificaram ligeiras melhorias, mas a verdade é que, após as ligeiras melhorias, inexistiu qualquer evolução. A progenitora, durante mais de três anos e meio não alterou o seu comportamento, não conseguiu adaptar as suas condutas a aprender, a preparar-se para a cessação da medida e para se autonomizar. Se não o fez durante todo este tempo, não pode dizer-se que o fará a partir de agora.
Na verdade, não há absolutamente nada que indique que alguma coisa tenha mudado, desde o início do acolhimento, que permita que isso possa acontecer de modo saudável. E não há perspetiva de isso acontecer pois, como resultou do exame pericial que lhe foi realizado, a progenitora não possui competências “para, de forma autónoma e sem apoio e supervisão de proximidade, proporcionar ao menor a estabilidade e os cuidados de que necessita”.
A aplicação de uma medida de acolhimento residencial trazia uma questão para cima da mesa: Até quando? Até quando é razoável esperar a mudança de comportamento da mãe? Até quando é razoável manter a vida da criança à espera que a mãe mude, que adquira as competências necessárias para cuidar do filho de forma adequada? Que ponha os interesses do filho em primeiro lugar? Que lhe presta a afeição adequada? Que mantenha o espaço em que a criança reside organizado, limpo, cuidado? Que o vista adequadamente? Que aprenda a cuidar dele quando está doente? Que não ponha a sua segurança em risco? Que lhe faça uma mochila para a escola com o lanche e sem colocar roupa suja? Que queira passar o natal com ele e não deixar o filho sozinho nessa época? Não há tempo suficiente que possa decorrer que faça com que a mãe altere o seu comportamento. E não há porque se durante 3 anos não o fez, tendo todas as ferramentas para o fazer, não há razão para que agora o faça. Não há, porque a progenitora não reconhece as suas próprias incapacidades, entendendo que o único problema que a impedia de ir para casa era o seu tio ser alcoólico…
Como tal, a medida de acolhimento residencial mostra-se inócua, incapaz de dotar os progenitores das competências necessárias.
Cumpre, então, verificar os pressupostos da medida de confiança com vista a adoção. Esta medida é aplicada em benefício da criança quando os vínculos afetivos próprios da filiação não existam ou se encontrem seriamente comprometidos, tendo o legislador traduzido em hipóteses objetivas a verificação deste pressuposto geral – cf. artigo 1978.º, n. º1 do Código Civil aplicável ex vi artigo 38.º-A, da LPCJP.
O legislador procurou traduzir, através da formulação de hipóteses objetivas as situações que espelham esse comprometimento sério dos vínculos filiais – cf. artigo 1978.º, n.º 2, do Código Civil. Sem prejuízo, importa sublinhar que a mera subsunção de uma dada factualidade a uma dessas hipóteses não é suficiente para que se reúnam os pressupostos para decretar esta medida, exigindo-se sempre que dessa situação se retire o preenchimento do n.º 1 do preceito legal isto é o comprometimento sério dos vínculos próprios da filiação.
Atentos os factos provados supra explanados, relativamente à progenitora, ressalta a situação objetiva prevista na alínea d) do n. º1, do artigo 1978.º, do Código Civil.
A hipótese representada por este preceito legal assenta na ideia de que se mantém uma certa relação entre pais e filhos mas onde se verifica a colocação em perigo da criança, por ação ou por omissão, no sentido dado pelo já referido e analisado artigo 3.º, da LPCJP – cf. artigo 1978.º, n.º3 do Código Civil. Não se exige por este preceito que a situação de perigo se verifique atualmente, como resultado de uma ação concreta dos pais que efetive uma determinada lesão. Exige-se sim que, caso fosse colocada junto dos pais, a criança fique em perigo.
Como foi amplamente demonstrado pelos factos provado e pelo que já se disse acima quanto à existência de perigo, a mãe coloca em perigo a segurança, a saúde e o desenvolvimento da criança pela total incapacidade de prestar à criança os cuidados necessários à sua idade e de lhe oferecer um ambiente saudável e seguro.
Relativamente ao progenitor, o comprometimento sério dos vínculos da filiação é refletido no manifesto desinteresse que este revela pelo filho, preenchendo assim o disposto no artigo 1978.º, n. º1, alínea e). Concretizando, o pai apenas visitou o filho no hospital e depois esteve quase 3 anos sem procurar a criança. Após a intervenção do Tribunal, telefonou cerca de 4 a 5 vezes e, depois disso, não mais procurou estabelecer contacto com o filho. Demonstra assim um total desinteresse por este, o que compromete a qualidade dos vínculos filiais, podendo mesmo afirmar-se que, face ao desconhecimento pessoal de ambos, os laços inexistem.
De toda a argumentação supra aduzida é de concluir que se encontram seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação.
Neste sentido, constata-se uma total incapacidade dos progenitores para a prestação de cuidados e para a criação de vínculos afetivos. Os pais não demonstram a preocupação, a vinculação e o amor urgente e incondicional, típicos e próprios dos vínculos filiais, não resultando nenhum indício que possa fazer crer que estão interessados em recuperá-los.
É certo que a afirmação da quebra dos vínculos da filiação, e a consequente aplicação de uma medida de confiança com vista a adoção representa uma brusca alteração no projeto de vida de criança, no entanto, a questão que se deve colocar é a de saber se não é mais ameaçador para o desenvolvimento da criança a permanência num contexto familiar desestruturado ou essa quebra na filiação…
Verificado este circunstancialismo, acrescido do facto de não existirem familiares alternativos idóneos, capazes e disponíveis, o projeto de vida da criança terá, necessariamente, de passar pela oportunidade de ter uma nova família, que cuide, proteja e promova os seus direitos, que a ela se afeiçoe...»
5.3.3.2.
Perscrutemos.
Sdr. não se acompanham, na integra, todas estas considerações.
Em primeiro lugar, versus o expendido, não se alcança como mais correto e fidedigno que a mãe, ao longo da execução da medida, não tenha, de todo, evoluído positivamente no sentido de aquisição de competências e na tomada de atitudes e assunção de conduta mais adequadas e tendentes à prossecução e salvaguarda dos direitos e interesses do filho.
Antes, pelo contrário, se provando que ao longo destes três anos, existiu uma evolução positiva neste particular.
Vejam-se os factos provados nos pontos 20, 22, 23, 24, 28, 36, 41 e 91.
Certo é que tal evolução se revelou algo intermitente e incipiente.
E, seguramente, ainda não suficiente para a consecução do desiderato precípuo do processo e da sua vivência enquanto mãe, qual seja: a aquisição das aludidas competências e a assunção de atitudes e condutas que se revelem adequadas e suficientes para cuidar do filho na mais ampla perspetiva, desde logo no atinente às suas necessidades materiais.
Mas, apesar dos seus handicaps, liminarmente genéticos e inatos, como seja a sua incapacidade multiuso de 60%., transparece, do computo geral da atuação desta mãe, uma vontade e um desejo de, com o auxilio de quem de direito, poder vir a assumir, plena, adequada e proficuamente, a sua, natural, função maternal.
Em segundo lugar urge atentar não apenas nas negativas, mas também nas positivas, caraterísticas da sua personalidade e nas suas (in)competências pessoais.
Para tanto revela-se essencial a perícia psicológica de 28.02.2023.
Ora nesta, apesar de se lhe apontarem aspetos negativos – cfr. ponto 88 –, também se lhe reconhecem pontos positivos.
Tanto assim que nela se concluiu que «a progenitora tem um estilo parental adequado, embora abaixo da média, capacidade para prestar suporte físico e emocional ao menor e vinculação afetiva forte e positiva» - ponto 89.
Esta conclusão naturalmente que adveio de verificações científicas quanto à idiossincrasia e personalidade a ela atinentes e que não foram incluídas nos factos dados como provados.
As quais, algumas, aqui se plasmam, a saber:
-A mãe manteve uma atitude educada, comunicativa, colaborante e afável.
-Manteve discurso coerente, lógico e sequencial.
-Não se verificaram evidencias de psicopatologia.
-A avaliação não apontou para indicadores de perturbação grave de personalidade (apesar dos aspetos referidos no ponto 88).
-Demonstrou capacidade para gerir o stress associado ao papel parental (quiçá devido ao papel protetor da medida), revelando-se até hiperprotetora.
-Ausência de comportamentos aditivos etílicos ou de drogas.
-Capacidade para identificar as necessidades do menor e para as satisfazer (ainda que com necessidade de supervisão).
-E concluindo-se que, nas condições atuais, ou seja, com o auxílio decorrente da medida, a presença do menor com a mãe não constitui uma situação de risco/perigo para este.
-Sugerindo-se a manutenção da medida, que se tem demonstrado profícua.
-Porém, esta manutenção necessitará sempre de apoio/monitorização/supervisão prestada de forma contínua/regular.
Temos assim que a mãe outrossim revelou na perícia médica aspetos positivos.
E, também, et pour cause, nas condições atuais, o menor não se encontra numa situação de perigo grave.
Objeta-se no Acordão que tal se verifica por virtude da medida e do auxílio da instituição.
Poderá ser, e, em princípio, assim é.
Seja como for, o cerne da questão é saber o que acontecerá no futuro, ou seja, qual a evolução da situação vivencial da família envolvente do menor, rectius da mãe.
Aqui o Acordão conclui, num juízo de prognose póstuma, que a mãe não irá adquirir competências e assumir atitudes consentâneas com a defesa dos interesses e direitos do filho.
Como tal, a medida de acolhimento residencial mostrar-se-ia inócua, porque incapaz de dotar os progenitores das competências necessárias.
Esta conclusão alicerça-se apenas nos aspetos negativos apurados quanto à mãe e numa interpretação pessimista de que ela não vai mudar no futuro.
Mas tal exegese parece-nos mostrar-se demasiado pessimista e causticante para com a progenitora.
Pois que, como se viu, ela evoluiu positivamente ao longo do processo, ainda que não com a magnitude, relevância e suficiência exigíveis e desejáveis.
Assim, também é de admitir, no aludido juízo de prognose, mas numa perspetiva mais positiva e esperançosa, que a progenitora, doravante, e consciente do risco de vir a perder o filho, se mostre ainda mais resoluta para a necessidade de adotar uma atitude mais proactiva positiva no sentido de adquirir as competências e tomar as atitudes necessárias para adequadamente cuidar mesmo.
Aliás, esta possibilidade foi admitida pela Srª Psicóloga que a acompanha, a qual verbalizou que as melhorias a nível de organização psico social podem verificar-se até por volta dos 35 anos, não excluindo que a mãe ainda as venha a adquirir, sendo que ela tem 31 anos.
Ademais, e como expende a recorrente, até Março de 2024, todos os elementos probatórios e respetivas decisões foram no sentido da renovação da medida de apoio junto da mãe.
Nesta data foi proposto o acolhimento residencial.
E apenas em novembro daquele ano se sugerindo a confiança para a adoção.
Ora não se vislumbrando, para esta mudança, aliás drástica para o menor e a mãe, a invocação de facto alicerçante - o qual apenas poderia ser atual, superveniente e gravoso -, mal se compreende que se tenha desvalorizado um largo lapso de tempo, decorrido desde 2021 e até março de 2024, em benefício de um curto período temporal que medeou entre março e novembro de 2024; e, pelo que decorreu neste período, se tenha concluído pela estrita necessidade da adoção.
Em terceiro lugar, the last but not the least, passe o anglicismo, ou seja, por último mas não de somenos, prova-se inequivocamente a clara e forte relação afetiva recíproca entre mãe e filho – cfr relatório supra citado e pontos 62, 73 e 74.
Ou seja, a díade está profunda e positivamente ligada em termos emocionais e afetivos.
E constituindo a mãe para o menor a sua única ou, ao menos, essencial, referência parental em termos de ligação psicológica.
A assim ser, e pelo menos relativamente à mãe, não se provou que os laços afetivos próprios da filiação inexistam ou estejam seriamente comprometidos.
Antes pelo contrário; como se viu, eles revelam-se fortes, intensos.
O que, naturalmente, acarreta para o menor um sentimento e uma perceção de bem estar e conforto quando se encontra junto da progenitora.
O menor ama a mãe e tem uma mãe que o ama, a qual, dentro das suas fraquezas e défices, congénitos e/ou de personalidade e/ou a si imputáveis, quer assumir – naturalmente que com ajuda institucional - o seu papel de progenitora de forma o mais profícua possível.
A assim ser, o corte, abrupto, cerce e definitivo, dos contatos do menor com a mãe conduziria, em princípio, a que este ficasse numa situação de isolamento afetivo.
O qual, naturalmente, e porque ele está a atingir uma idade em que as relações e os respetivos sentimentos são já memorizáveis, se revelaria nocivo, com consequências que o poderiam marcar, negativa e indelevelmente, para todo o seu futuro.
Efetivamente:
« …da qualidade das trocas, fisiológicas e psicológicas, entre a mãe e o bebé, dependerá a segurança deste, condição sine qua non da formação equilibrada do ego e do desenvolvimento harmonioso da personalidade» - Berthe Reymond Rivier in O desenvolvimento Social da Criança e do Adolescente, ed. Aster, 1983, p. 41.
Acrescenta esta prestigiada autora:
«A melancolia dos bebés separados da mãe foi observada em crianças, privadas da mãe, depois de um mínimo de seis meses de boas relações…durante o primeiro mês de separação o bebé chora……e agarra-se ao observador. No decurso do segundo mês o choro transforma-se em gemido, o peso diminui…verifica-se uma paragem no desenvolvimento. No mês seguinte…há regressão, o quociente de desenvolvimento baixa rapidamente …a criança recusa qualquer contacto…repudia a alimentação, deixa de dormir…depois do quarto mês de separação dá-se a letargia mais completa: não há choro nem gemidos, o olhar torna-se imóvel e rígido, o atraso motor e intelectual não cessa de se agravar. Segundo Spitz…se a separação ultrapassar cinco meses as perturbações tenderão a tornar-se irreversíveis…
Pelo contrário, se antes deste limiar crítico dos cinco meses a criança é entregue à mãe, dá-se uma recuperação rápida, quase milagrosa…
Não admira que assim seja, pois a relação objetal estabelece-se precisamente durante esse período…indicando…que a mãe se lhe tornou o objeto único» - Aut. e Ob. cits. ps. 43/44. (sic)
Certo é que os afetos não são tudo, sendo que as condições materiais e pessoais dos pais e da família alargada, bem como as respetivas condutas e atitudes (ou omissões) atinentes ao filho se assumem como elementos necessários e a considerar para a tomada da decisão.
Porém, as boas e positivas ligações afetivas são a «base», o «caldo», sem os quais nenhuma relação de paternidade/filiação pode ser construída de forma positiva, profícua e gratificante.
E, na verdade, no presente caso, esta base existe; e existe de forma muito vincada, sólida e sedimentada.
Nesta conformidade, a medida de confiança do menor com vista a uma futura adoção não pode, nas atuais circunstâncias, ser decretada.
Não apenas porque surgiria sem a necessária sustentabilidade factual legalmente exigível para o preenchimento dos seus requisitos supra aludidos, ao menos o do corpo do nº1 do artº 1978º do CCivil, qual seja: que os laços afetivos próprios da filiação inexistam ou estejam seriamente comprometidos. .
Como porque, na prática, e por virtude de descompensação afetiva e possível trauma psicológico decorrentes da falta da mãe, se poderia revelar contraproducente para o efeito pretendido, qual seja: proporcionar ao menor uma situação vivencial adequada à sua proteção no futuro.
Numa outra perspetiva mais legalista e positivista pode dizer-se que tal medida iria contra os aludidos princípios de proporcionalidade e atualidade, de responsabilidade parental e do primado da continuidade das relações psicológicas profundas, previstos no artº 4º da LPCJP.
Até porque se verifica que esta mãe, mesmo à sua maneira e com os seus handicaps e falhas, está a esforçar-se, de um modo aparentemente genuíno e até sofrido, para não perder um filho com o qual mantém uma profunda e positiva ligação emocional e afetiva, no que é correspondida pelo menor.
Há, pois, que conceder-lhe mais algum tempo para que ela possa demonstrar e convencer que, com a melhoria das suas condições e competências e o auxílio que deve merecer das instituições competentes, possa vir a assumir a sua natural condição de progenitora suficientemente protetora do filho.
Devendo continuar a insistir-se na monitorização e auxílio para a aquisição, ganho e aperfeiçoamento das condições materiais, como sejam, profissionais, habitacionais, etc., e das competências pessoais, vg, ao nível da saúde, máxime na área emocional, organizacional e volitiva, dos pais, principalmente da mãe.
De notar que, relativamente ao pai, tanto quanto se alcança, não se encontram nos autos as perícias médicas e os relatórios sociais que foram ordenados- cfr. fls. 170.
O que deverá ser efetivado, ou atualizadamente re-efetivado, pois que não está demonstrado que ele se tenha alheado definitivamente do filho e totalmente demitido das suas responsabilidades parentais, podendo, se tal não se verificar, vir a ser um auxiliador, ao menos a nível material.
Certo é que o quid fulcral e a pedra de toque na exegese e decisão nesta matéria é a defesa do superior interesse da criança e do jovem.
Mas tal não implica, inelutavelmente, a postergação e desatendimento de outros interesses, posto que sejam legítimos e atendíveis.
É o que dimana do disposto no artº 4º da LPCJP quando estatui na sua al. a) que devem ser considerados «outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;»
Com este jaez se assume, patentemente, e pela natureza das coisas, o interesse de um pai ou de uma mãe, que, apesar das suas dificuldades e insuficiências, manifesta inequívoco e genuíno amor pelo filho, bem como vontade de ultrapassar tais dificuldades e insuficiências.
E, assim, com ele querer continuar a trilhar, de um modo adequado e protetor – mesmo que com auxílio permanente de terceiros - o resto do seu caminho da vida.
Destarte, se for perspetivável a possibilidade da conciliação e tutela, total ou parcial, dos interesses em presença, esta via é óbviamente preferível à completa postergação e desatendimento de um deles.
Ora pelo que supra se expendeu, esta possibilidade de acolhimento do interesse maternal da progenitora e da sua conjugação com o superior interesse do menor não se antolha, neste momento, inelutável e totalmente, inviável.
Em sentido idêntico e para uma situação similar já se decidiu.
Assim:
«Pese embora exista debilidade mental moderada da progenitora, prestação de trabalho irregular do progenitor, significativa dependência do Rendimento de Inserção Social, deficientes condições de higiene, salubridade e privacidade da habitação (social), com negligência na prestação de cuidados de saúde e higiene de três filhos com 3, 8 e 9 anos de idade, não deve ser aplicada a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção (ainda que restrita), quando, cumulativamente:
a) As crianças estão acolhidas na mesma instituição há cerca de dois anos;
b) Essa instituição situa-se na área da residência dos progenitores, facilitando, desejavelmente, os contactos;
c) As crianças são ali regularmente (quase diariamente) visitadas pelos progenitores, principalmente pela mãe que ali colabora activamente na prestação de cuidados directos;
d) Os pais sempre mostraram grande interesse pelo exercício da parentalidade, com manifestações continuadas e progressivas de afecto e carinho pelos filhos;
e) As crianças anseiam pela visita dos pais;
f) E passaram a frequentar o domicílio familiar no Natal, aos fins-de-semana e nas férias escolares, com resultados positivos, mesmo ao nível da higiene e segurança, tendo construído com elas, pelo menos as mais velhas, uma relação afectiva longa, regular e estruturada;
g) Os pais esforçaram-se e melhoraram as condições de higiene da residência, e contam mudar de habitação durante os próximos dias, tendo arrendado casa para o efeito; e
h) As crianças não foram vítimas de maus tratos físicos e psicológicos, ou de outros comportamentos que comprometessem séria, perigosa e definitivamente a continuidade do vínculo parental biológico.» - Ac. TRP de 03.02.2011, p. 901/08.8TMPRT.P1.
Neste aresto mais se desenvolvendo, nos seguintes termos, os quais, mutatis mutandis, tem validade para o caso decidendo:
«A consciência da importância da primazia da família biológica, impõe dar apoio às famílias que, não obstante apresentarem disfuncionalidades, não comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante para a criança e manifestam a possibilidade de encontrarem o respectivo equilíbrio em tempo útil.
O acolhimento em instituição das crianças em regime de grande proximidade com os pais, a aprofundar no futuro, com uma oportuna ponderação da possibilidade da família voltar a receber as crianças, então com apoio no domicílio e na comunidade escolar, afigura-se-nos a protecção mais adequada, ajustada e proporcional às exigências ditadas pelo caso na defesa do (seu) superior interesse.»
Enfim, este será um caso –mais um- em que as instituições devem abordar e dilucidar com generosidade, humanidade, persistência, mas alguma paciência e tolerância -perante o feitio aparentemente algo arisco da mãe-, e quasi espírito de missão.
Por conseguinte, estamos em crer que a melhor solução para o caso passará, - para já, e dando uma última oportunidade à mãe -, pela aplicação da medida de acolhimento residencial proposta em março de 2024 pela EMAT.
A cumprir na Comunidade Inserção ...- Fundação ....
Pelo período de 12 meses.
Na modalidade de planeada – nº1 do artº 51º da LPCJP.
A executar por perspetivação - e sem prejuízo de outras diligências concretas tidas por convenientes pela instituição acolhedora para averiguação da situação vivencial, e sua evolução, dos pais, máxime da mãe - dos atos e diligências orientadores previstos no nº2 do citado artº 51º.
Sendo que, durante a execução da medida, se for entendido que a mãe não fica a residir com o menor, deverão ser-lhe proporcionadas visitas e estadias assíduas, de preferência diárias.
Procede, na sua essencialidade relevante, o recurso.
6.
Deliberação.
Termos em que se acorda julgar o recurso procedente, revogar a sentença e, agora, aplicar ao menor AA, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, nos termos sobreditos.
Sem custas por isenção subjetiva do Mº Pº.
Coimbra, 2025.06.24.