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AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA
ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
VALOR REFORÇADO
Sumário
- Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação que seguem a forma de processo comum, o artigo 597.º, do Código de Processo Civil, confere ao juiz um amplo poder discricionário, nomeadamente quanto à necessidade e a adequação de convocar uma audiência prévia; - A decisão de dispensar a realização de uma audiência prévia, que assenta na discricionariedade quanto à adequação do acto, poderá ser sindicada se contender com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios – cfr. art.º 630.º, n.º 2, do Código de Processo Civil; - O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 22 de setembro, fixou a seguinte jurisprudência: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.» - A revogação do regime dos assentos anteriormente consagrado no artigo 2.º, do Código Civil, não permite desconsiderar o valor reforçado da interpretação resultante da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.
Texto Integral
Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório.
1.1. No dia 26/7/2023, a exequente Atticus - Stc, S.A., instaurou execução contra AA e BB, reclamando o pagamento da quantia € 7.007,37, que indicou igualmente como valor da execução. Apresentou a titular a execução uma livrança subscrita pelos executados, datada de livrança de 13/08/2002, e onde foi indicada a importância de € 5.971,68.
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1.2. Os executados deduziram oposição à execução por meio de embargos. Em síntese, referiram que:
- Em 17/04/2003 o Crédibanco – Banco de Crédito Pessoal, SA, propôs acção executiva para pagamento de quantia certa com base na livrança, sendo que a mesma foi extinta em data e por causa que desconhecem;
- Nos termos do disposto no artº 70.º § 1º da LULL, aplicável às livranças por via do artº. 77.º da LULL, todas as acções contra o aceitante/subscritor relativas a letra/livranças prescrevem em três anos a contar do seu vencimento;
- Prescrita a livrança, igualmente prescritos estão os juros, por força do disposto na al. d) do artº. 310.º do C. Civil;
- Reclama, ainda o exequente/embargado, na Liquidação da Obrigação despesas no valor de 700€ e 25,50€ referente a taxa de justiça de execução, sem nada alegar para fundamentar o apuramento daquele valor;
- O contrato de crédito subjacente à emissão da livrança, que, nos presentes autos, serve
de título executivo, foi outorgado em 21 de Janeiro de 1999, pelo valor de 2.000.000$00,
pelo prazo de 60 meses e amortizável em igual número de prestações; e,
- A 1ª prestação venceu-se no dia 5 de Março de 1999 e a 60ª prestação vencer-se-ia a 5 de Fevereiro de 2004.
Peticionam o seguinte:
a) Ser declarada a prescrição da livrança por força do disposto no artº. 70º § 1º da LULL;
b) Ser declarada a prescrição dos juros nos termos da al. d) do artº. 310º do C. Civil;
c) Ser declarada a improcedência da liquidação das despesas no valor de 700,00€, por
manifestamente infundada;
d) Em qualquer caso, deverão ser declaradas prescritas as obrigações decorrentes do contrato de empréstimo por força do disposto no artº. 310.º als. d) e c) do C. Civil; e,
e) A final ser decretada a extinção da execução e o consequente levantamento das penhoras, com custas a cargo do Embargado.
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1.3. Os embargos foram liminarmente admitidos e prontamente contestados pela embargada, que referiu o seguinte:
- Os executados – confessando o restante valor em dívida –, efetuaram pagamentos no valor total de € 2.615,02, nos dias 13/08/2002, 06/09/2002 e 11/10/2002;
- Os executados foram citados na anterior execução que lhes foi movida, através da penhora de bens móveis, em 04.02.2009, tendo sido esse o momento de interrupção do prazo nos termos do art. 323.º, n.º 1 e 4 CC;
- Se como título cambiário extravasa o prazo que se encontra estabelecido no artigo 70.º da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças, como bem referem os Embargantes, não extravasa no entanto a livrança ser título como mero quirógrafo nos termos do artigo 703.º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil. E estando perante uma causa de interrupção do instituto da prescrição, pode concluir-se que o prazo ordinário de 20 anos ainda não operou.
- Em razão da pandemia SARs-COV-2, ocorreu o alargamento do prazo de prescrição;
- Contra a invocação da prescrição do artigo 310.º, al. e), do Código Civil, sustentou que o contrato de mútuo celebrado entre as partes traduz-se exatamente num empréstimo de dinheiro, um contrato que pressupõe uma obrigação global, cujo pagamento se encontra escalonado.
Ou seja, traduz uma obrigação única para os devedores Embargantes, correspondente ao capital mutuado e aos respetivos juros remuneratórios; logo, trata-se de um único contrato, celebrado com os Embargante.
Ora, o direito sujeito a prazo mais curto do que o prazo ordinário de prescrição, fica sujeito a este último (prazo ordinário de 20 anos) se sobrevier sentença ou título executivo que reconheça o direito;
- Se assim não for entendido, isto representaria uma clara desprotecção do credor que nem sequer vê o valor do capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituindo, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor em detrimento do credor o que ataca o princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 e 62°, n° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
- Desde 2018 tem havido contactos com os os Embargantes, designadamente através do número ..., pertencente ao Embargante AA, o qual assumiu a dívida;
- Assume que assiste razão ao Embargante, pelo que os devedores nunca deverão ser penalizados em mais de cinco anos de juros;
Concluiu no sentido de:
- Serem julgadas totalmente improcedentes as exceções peremptórias extintivas de prescrição do título executivo e de prescrição das obrigações emergentes, por falta de fundamentos de facto e de direito;
- Ser julgado totalmente improcedente o pedido referente aos € 700,00, plasmados na liquidação das despesas, por se confirmar serem devidos, cfr. previsto contratualmente.
- Ser julgado totalmente improcedente a condenação da Exequente na totalidade das custas;
- Os executados devem ser condenados ao pagamento do valor que ainda remanesce em divida e os juros vincendos.
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1.4. Após ouvir os embargantes quanto à questão da invocada interrupção da prescrição decorrente do reconhecimento da dívida, foi fixado o valor da presente causa em € 7.007,37 e proferido saneador-sentença que decidiu julgar procedente a presente oposição mediante embargos de executado e, consequentemente, determinou a extinção da execução de que estes autos constituem apenso.
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1.5. Contra a sentença, o embargado interpôs o presente recurso de apelação em que formulou as seguintes conclusões:
“1- A Sentença recorrida foi proferida sem que o Tribunal a quo observasse previamente uma formalidade de cumprimento obrigatório, in casu, a convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório (artigo 591.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C.
2- Nem tampouco as partes foram notificadas pelo Tribunal a quo, informando-as da sua intenção em prescindir da audiência prévia e assegurando-lhes o direito ao contraditório, fundamentando uma eventual exigência de realização de audiência prévia.
3- A lei é clara ao afirmar que nestes casos o juiz não goza de tal discricionariedade, devendo assegurar o exercício do direito ao contraditório quanto às exceções dilatórias e ao mérito da causa.
4- Tanto mais que a Apelante alegou no seu articulado contestação factos relevantes que obstam ao conhecimento do mérito da ação, por via da excepção peremptória de prescrição, obrigando à produção de prova em audiência de julgamento.
5- Esta omissão do Tribunal a quo de não convocação das partes para audiência prévia consubstancia “uma nulidade traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve” (art. 195.º, n.º 1, do C.P.C.) e, em último termo, violador do direito constitucional do direito à jurisdição (artigo 20.º da CRP).
6- Ao fazê-lo, com desconsideração da sua função de apreciação e de pronúncia (artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC) sobre uma questão essencial, aliás a única tomada em conta na sentença, conduziu-o a uma errada e incompleta fundamentação de facto e de direito (artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC).
7- Para além disso, também se verifica omissão de pronúncia quanto à factualidade carreada para os presentes autos, em que o facto do tribunal a quo não se ter pronunciado nem ter conhecido o circunstancialismo do caso em concreto em discussão, o qual foi alegado em sede de contestação e dado como provado na sentença a quo, verificando-se uma e a ausência inequívoca de apreciação e de pronúncia (artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC) repercutindo-se esta omissão na total ausência de fundamentação por parte do tribunal no qua esta questão diz respeito, que, a ter sido feita, reverteria na íntegra a decisão de que agora se recorre!
8- Nesse sentido, o facto do tribunal não se ter pronunciado devidamente sobre a matéria supra descrita, impediu-o de se pronunciar devidamente, pois o seu conhecimento é oficioso, sobre o comportamento abusivo por parte dos Embargantes, atentatório dos mais elementares princípios de boa-fé processual, devendo a sua conduta integrar o instituto do Abuso de Direito na modalidade de venire contra factum proprium nos termos do artigo 334.º do Código Civil, verificando-se a ausência inequívoca de apreciação e de pronúncia (artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC) sobre uma questão essencial que permitiria conhecer e concluir pela inexistência de qualquer exceção perentória extintiva de prescrição da dívida, repercutindo-se esta omissão na fundamentação errada e incompleta (artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC), de facto e de direito, aduzida pelo tribunal a quo.
9- No âmbito dos presentes autos, o título executivo sub judice é uma livrança prescrita que, nos termos do artigo 703.º do CPC é considerado título executivo bastante enquanto documento quirógrafo/particular bastando ao credor que, para o efeito, alegue no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente, se os mesmos não constarem já do próprio título, facto que já demostrou ter sido feito e dado como provado.
10- E, tendo em conta a natureza do contrato, o que foi peticionado nos presentes autos foi o pagamento do valor em dívida à data do incumprimento do contrato, sendo que não se poderá considerar que se está perante quotas de amortização do capital, pois que apesar do pagamento das quantias devidas pelo incumprimento estar diferido no tempo, o que se trata no presente caso é tão só a liquidação do valor em dívida nesse momento. (sublinhado nosso).
11- Portanto trata-se de um único contrato, celebrado com a Embargante, em que existe uma dívida previamente fixada, dívida esta que irá ser paga parcialmente, fraccionadamente, em diversas prestações previamente estipuladas.
12- As prestações fracionadas transmutaram-se numa única obrigação sujeita ao prazo prescricional ordinário, ou seja, foram destruídas pelo vencimento antecipado, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.
13- Tratando-se de uma única obrigação pecuniária, por consequência não se poderá aplicar o disposto no artigo 310. º do CC, mas sim a regra geral, prevista no artigo 309.º do CC.
14- O crédito peticionado e que aqui se exige nos presentes autos não se reporta individualmente às quotas de amortização convencionadas, mas sim a todo o capital global da dívida, decorrente do vencimento das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do CPC.
15- Não se enquadrando o capital no prazo de prescrição da alínea e), do art.º 310º C.C.
16- Aplicar ao presente contrato o prazo quinquenal com os pressupostos que o Acordão
Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em 30-06-2022 – processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 é inconstitucional porquanto viola, além do princípio da segurança jurídica, os princípios basilares constitucionais previstos nos art.º 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa.
17- Se assim não for entendido, isto representaria uma clara desproteção do credor que
nem sequer vê o valor do capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituído, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor em detrimento do credor o que ataca o princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa.
18- Sendo excessiva, inadequada e desnecessária face ao princípio já consagrado no art.
310.º, n.º 1 al. d) C.C. e a proteção que o mesmo dá aos devedores, isto considerando a fundamentação implícita no Ac. Uniformizador de Jurisprudência.
19- Enferma para tal de inconstitucionalidade a norma presente no artigo 310º, alínea a e) do CPC, por violação dos princípios constitucionais, da proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito.
20- Por todo o exposto, deverá aplicar-se ao caso sub judice o prazo de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil no que concerne ao prazo de prescrição.
21- No que concerne à interrupção do prazo de prescrição terá que se considerar como acto interruptivo o dia 04/02/2009, ou seja, a obrigação exequenda não se encontra prescrita, pois apenas ocorre o terminus do prazo em 2029.
22- Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência deverá ser o mesmo declarado nulo e realizada a devida audiência prévia; no caso de assim não se entender, deverá a sentença a quo ser revogada e substituída por uma que julgue totalmente improcedente os Embargos apresentados e o respectivo prosseguimento da Execução, com o que se fará inteira e acostumada JUSTIÇA!”.
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1.6. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.7. O Mmo. Juiz a quo desatendeu as arguidas nulidades, nomeadamente por ter sido fixado à presente causa o valor de € 7.007,37 e se ter feito uso possibilidade de proferir «despacho saneador, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 595.º» (cf. a alínea c) do referido artigo 597.º). Além disso e como decorre da alínea a) do referido artigo 597.º, que o tribunal deverá assegurar «o exercício do contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados» [itálico acrescentado]. Depreende-se, assim, a contrario, que o exercício do contraditório não tenha de ser assegurado se as exceções já tiverem sido debatidas nos articulados (como se verifica no presente caso com a exceção de prescrição invocada pelos Embargantes e única questão conhecida na decisão recorrida).
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1.8. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da recorrente e centram-se no seguinte:
- Arguidas nulidades da sentença;
- Determinação e cômputo do prazo de prescrição do direito da exequente; e,
- Invocada inconstitucionalidade do artigo 310.º, do Código Civil.
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2. Fundamentação.
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2.1. A arguida nulidade do saneador-sentença por preterição da realização da audiência prévia.
O Mmo. Juiz a quo expressamente justificou o conhecimento imediato da causa, nomeadamente ao exarar na decisão recorrida que:
“Considerando que, no caso dos autos, a causa é de valor não superior a metade da alçada da Relação e que a matéria de facto se reveste de simplicidade, sendo que as partes tomaram já posição expressa quanto às questões a apreciar, passar-se-á de imediato à prolação de despacho saneador, conhecendo-se do mérito da causa, uma vez que o estado do processo o permite, sem necessidade de mais provas (cf. artigos 6.º, n.º 1, 595º, n.º 1, 597.º, alínea c) e 732.º, n.º 2, do Código de Processo Civil)”.
Não obstante, a apelante começa por se insurgir contra a preterição da audiência prévia prevista no artigo 591.º, do Código de Processo Civil. Mas nada argumenta para afastar a previsão do art.º 597.º, alínea c), expressamente invocado na decisão recorrida.
O artigo 732.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, determina que, após a apresentação da contestação aos embargos, a oposição siga os termos do processo comum declarativo. O Código de Processo Civil acolhe o princípio da especialidade quanto à forma do processo, devendo ser observadas as disposições que especialmente regulam cada forma de processo. Só quando algo não estiver prevenido nas disposições próprias, é que se observam o que se acha estabelecido pelas disposições gerais e comuns – cfr. art.ºs 546.º e 549.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Quer o artigo 591.º, n.º 1, quer o artigo 597.º, alínea b), ambos do Código de Processo Civil, aludem à convocação da audiência prévia. Porém, não se afigura que se trate de uma inútil repetição, pois, apesar de se tratarem de disposições que regulam o processo comum, têm distintos âmbitos de aplicação e importam diferentes termos para o processo. A especialidade manifesta-se objectivamente no requisito do valor da acção: não superior a metade da alçada da Relação, na última disposição legal. Neste último caso, a lei confere alguma discricionariedade ao juiz, nomeadamente ao determinar a realização dos actos “consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo” – cfr. igualmente os art.ºs 6.º e 547.º, do Código de Processo Civil.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre:
“Ao juiz compete então nestas acções, decidir sobre a prática de certos actos que a lei insere na tramitação do processo comum de declaração, mas não se pode dizer que a regra é a de que os mesmos não sejam praticados (…)” – in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 4.ª Edição, Volume 2.º, pág. 673.
De notar, que o apelante não questionou o juízo de discricionariedade, nem justificou a imperiosa necessidade da realização do acto, para além da invocação do funcionamento do contraditório – o que não se reconhece pelas razões infra desenvolvidas.
Também Miguel Teixeira de Sousa se manifestou no sentido de se considerar a discricionariedade conferida pelo artigo 597.º, do Código de Processo Civil, no seguinte comentário:
“O tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Atendendo a que o estado dos autos nos permite conhecer do mérito da causa, nos termos do disposto nos artigos 593/1, 591/1 alínea d). 595/1, alínea b) e 597/1, alínea b) do Código de Processo Civil, e tendo presente o dever de gestão processual e o princípio de adequação formal previstos nos artigos 6/1 e 547 do Código de Processo Civil, ouçam-se as partes em 10 dias, quanto à dispensa da realização de audiência prévia e a prolação de saneador sentença. Notifique.” A circunstância de se invocar, entre outros preceitos, o disposto no art. 597.º, n.º 1, al. b), CPC pode levar a concluir que os embargos de executado têm um valor não superior a metade do valor da alçada da Relação. Se assim é (mas não se garante que seja), então a decisão da 1.ª instância não merece nenhuma censura e o acórdão da RP deveria ter-se limitado a reconhecer ao tribunal de 1.ª instância o poder discricionário de dispensa da audiência prévia” – Post no Blog do IPPC de 4/7/2022, em comentário ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/11/2021, disponível na página https://blogippc.blogspot.com/2022/07/jurisprudencia-2021-232.html.
Como se mencionou no antecedente relatório e não vem impugnado na presente apelação, foi fixado à presente causa o valor de € 7.007,37. Consequentemente, impõe-se reconhecer que:
a) É aplicável ao presente caso a disciplina especialmente prevista no art.º 597.º, do Código de Processo Civil, nomeadamente quanto à discricionariedade da convocação de audiência prévia;
b) Em termos gerais, não cumpre sequer apreciar a bondade dos argumentos expressamente utilizados pelo Mmo. Juiz para dispensar a convocação dessa audiência – cfr. art.º 630.º, n.º 2, do Código de Processo Civil; e,
c) Em termos de eventual contensão dessa decisão com o princípio do contraditório, os argumentos apresentados pelo apelante não colhem, como vai infra consignado.
Não havendo a expressa exigência da convocação da audiência prévia, a omissão da sua realização revela-se inconsequente, isto é não gera a arguida nulidade do saneador-sentença.
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2.2. A arguida nulidade do saneador-sentença por violação do princípio do contraditório.
A apelada também invoca a nulidade da decisão por violação do princípio do contraditório, nomeadamente quando invoca que “a Embargada teria a possibilidade de defender-se das excepções deduzidas, alegar o abuso de direito por parte dos Embargantes, que, tendo pago parte do valor em dívida vêm agora alegar a prescrição do crédito a seu bel prazer, confrontar para tal a factualidade dada como provada no ponto 7 da sentença a quo, “7- Com referência ao contrato mencionado no ponto 5, supra, os Embargantes efetuaram pagamentos no valor total de € 2.615,02 (dois mil, seiscentos e quinze euros e dois cêntimos), sendo que o último pagamento ocorreu em 11.10.2002”.
Porém, tal argumentação não faz o menor sentido e está frontalmente desencontrada dos termos da oposição à execução por meio de embargos. A apelada já teve oportunidade de se defender das excepções invocadas pelos embargantes no momento em que contestou os embargos. Como é óbvio, a finalidade da audiência prévia não é a de permitir à embargada a defesa contra as excepções deduzidas, pois o juiz, após receber o último articulado (precisamente a contestação da embargada), por regra, não irá convocar uma audiência prévia para permitir o contraditório à embargada. Isso seria uma insinuação em como a contestação se tinha revelado um acto inútil e daí decorreria a “necessidade” de convocar uma audiência prévia... O juiz até pode convocar a realização de uma audiência prévia, conforme é expressamente admitido pelo artigo 597.º, do Código de Processo Civil, mas seguramente terá outra finalidade, como, por exemplo, assegurar o exercício do contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados.
Por conseguinte, uma vez que a embargada já teve oportunidade debater as excepções deduzidas pelos embargantes e de invocar o abuso de direito, a dispensa da realização da audiência prévia não consubstancia qualquer violação do princípio do contraditório.
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2.3. A arguida nulidade por omissão de pronúncia.
A apelante insurge-se igualmente contra a nulidade da sentença por omissão de pronúncia “quanto à factualidade carreada para os presentes autos, em que o facto do tribunal a quo não se ter pronunciado nem ter conhecido o circunstancialismo do caso em concreto em discussão, o qual foi alegado em sede de contestação e dado como provado na sentença a quo, verificando-se uma e a ausência inequívoca de apreciação e de pronúncia (artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC) repercutindo-se esta omissão na total ausência de fundamentação por parte do tribunal no qua esta questão diz respeito, que, a ter sido feita, reverteria na íntegra a decisão de que agora se recorre!”
Porém, a apelante não concretiza a factualidade pertinente que alegou que não foi considerada e de que forma a mesma imporia uma diferente solução jurídica. Por outro lado, não se vislumbra que o tribunal se deixou de pronunciar sobre questões que devesse apreciar – cfr. art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Cumpre notar que na contestação não foram concretizados factos que evidenciem que a conduta dos embargantes integre o instituto do Abuso de Direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, como é defendido em sede de recurso. E mesmo agora, a apelante também não se mostrou capaz de apontar os factos relevantes que impunham uma tomada de posição expressa pelo tribunal.
A embargada limitou-se a esboçar na contestação umas ideias, a pretexto da duplicidade (?) dos embargantes, nomeadamente porque:
- Os executados – confessando o restante valor em dívida –, efetuaram pagamentos no valor total de € 2.615,02, nos dias 13/08/2002, 06/09/2002 e 11/10/2002; e,
- Desde 2018 tem havido contactos com os Embargantes, designadamente através do número ..., pertencente ao Embargante AA, o qual assumiu a divida.
Efectivamente, o reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido pode ou não ser um facto relevante – cfr. art.º 325.º, do Código Civil. Não obstante, é mister que o reconhecimento terá que ser expresso (não bastando alegar que o devedor “assumiu” a dívida numa conversa telefónica, por se tratar de um mero juízo conclusivo e opinativo; o que interessa é apenas saber o que é que o embargante AA terá dito e em que medida é que essa conversa também implica o reconhecimento do direito pela embargante BB; se apenas “assumiu” uma obrigação natural, etc.) ou tácito se resultar de factos que inequivocamente o exprimam. Também importa considerar que o reconhecimento interrompe a prescrição (inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente), mas não faz “renascer” o direito: Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – cfr. art.ºs 304.º e 326.º, do Código Civil. Os pagamentos parciais nos idos de 2002 ou as conversas telefónicas desde 2018 não importam qualquer alteração em termos de conhecimento da questão da prescrição ou do conhecimento de qualquer eventual abuso de direito.
Em consequência, não se julga verificada tal invocada nulidade.
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2.4. Foi julgado provado que:
1. Atticus - STC, S.A., mediante requerimento executivo que deu entrada em juízo no dia 26.07.2023, instaurou contra AA e BB, a ação executiva para pagamento de quantia certa de que estes autos constituem apenso, pedindo o pagamento da quantia de €7.007,37.
2. Indicou, como título executivo, «Livrança» e, como fundamento da Execução, alegou os seguintes factos [cf. requerimento executivo apresentado nos autos principais]: 1- Em finais de 2000 (inscrição n.º 24 à Apresentação 29/20001026), a Mello Crédito – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito foi incorporada por fusão na Credibanco – Banco de Crédito Pessoal, S.A. 2- Por escritura pública outorgada em 23/12/2004, o Banco Comercial Português, S.A., incorporou, por fusão, o Credibanco – Banco de Crédito Pessoal, S.A., com sede na Rua Augusta, em Lisboa, pessoa colectiva n.º ..., com o capital social de €35090000, matriculada na conservatória do registo comercial de lisboa sob o n.º …. 3 - A 13/05/2005, por operação de aumento de capital realizada em espécie, os elementos patrimoniais activos e passivos que se mostram afectos ao exercício de actividade de concessão de crédito ao consumo, não automóvel, nos pontos de venda, incluindo todos os créditos sobre clientes e as garantias que lhes estejam associadas e que, no Banco Comercial Português, S.A., constituem uma unidade económica autónoma de negócio, passam para a Crédilar – Instituição Financeira de Crédito, S.A. 4 - A 30/01/2006, a Credibom – Instituição Financeira de Crédito, S.A., incorporou por fusão a Credilar - Instituição Financeira de Crédito, S.A., sendo que em 17/10/2007, por alteração ao pacto social, mudou-se a firma social de Credibom – Instituição Financeira de Crédito, S.A. para Banco Credibom, S.A. 5- Por Contrato de Cessão de Créditos assinado no dia 18 de Maio de 2012, em Lisboa, o Banco Credibom, S.A., cedeu à sociedade Prime Credit 3, S.Á.R.L., ora Requerente, os créditos que detinha sobre os ora Executados, incluindo capital, juros, indemnizações e quaisquer outras obrigações pecuniárias, conforme Documento N.º 1 e N.º 2 que ora se junta. 6. Cessão essa notificada aos Executados nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil, conforme Documento N.º 3. 7. Posteriormente, em 16 de março de 2021, foi celebrado um contrato de cessão de créditos, entre PRIME CREDIT 3, S.À.R.L, na qualidade de cedente e, ATTICUS – STC, S.A., na qualidade de cessionária, - conforme Documento N.º 4 8. Contrato pelo qual foram transmitidos os créditos e as garantias que a cedente detinha sobre os Executados, conforme Documento N.º 5 tendo sido esta cessão essa notificada ao Executado, nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil – conforme Documento Nº 6 9. A Cedente primária, no âmbito da sua actividade, celebrou com os ora Executados, o/contratos, ao qual foi atribuído o n.º ..39, conforme Documento N.º 7 10. O referido contrato, tinha como objecto, um empréstimo para Obras. 11. No contrato ora mencionado, o valor concedido foi de € 9.975,96 (nove mil novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos)- 2.000.000$- , a ser liquidado em 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de € 211,37- 42376$00- cada, perfazendo o valor total das prestações em €12.769,30 (doze mil setecentos e trinta e nove euros e trinta cêntimos)- 2.560.060$- cfr. doc. n.º 7. 12. Conforme o “Condições Gerais”, na Clausula 3, n.º 2 al. b), o vencimento da primeira prestação dar-se-á no dia 05.03.1999, ou seja, no segundo mês seguinte ao da celebração do contrato, sendo que as restantes prestações vencer-se-ão ao mesmo dia dos períodos sucessivos 13. Os pagamentos efectuavam-se através de débito automático da conta de que os clientes eram titulares do, o que no caso em apreço, o débito era efectuado da conta n.º ..., conforme condições particulares. 14 – Ora, apesar de devidamente interpelados para regularizar a dívida em que incorreram, pelo não pagamento do montante total em incumprimento, os ora Executados, tendo sido resolvido e preenchida a livrança 3m 13/08/2002, somente liquidaram 2615,02€ (dois mil seiscentos e quinze euros e dois cêntimos), sendo que o último pagamento ocorreu em 11/10/2002, conforme Documento N.º 8 e N.º 9. 15- Os pagamentos supra mencionados foram imputados aos juros nos termos do art. 785.º C.C. 16. Ademais, foi proposta ação executiva, a 17/04/2003, processo executivo n.º 15700/03.5 YXLSB, 7.º Juizo Civel de Lisboa, tendo sido em 04/02/2009 através da penhora de bens móveis tomado conhecimento daquela execução, o que promoveu interrupção da prescrição nos termos do art. 323.º, n.º 1e n.º 4 do C.C., conforme cópia requerimento executivo e auto de penhora que se junta como Documento N.º 10 e 11 17. Desde já se referencia que se deve considerar quanto ao presente titulo a suspensão em 87 dias e em 74 dias que adveio da previsão imposta nos diplomas Lei.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril e da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro. 18 – Os documentos juntos preenchem os requisitos destas disposições legais pelo que lhes deve ser reconhecida a natureza de títulos executivos, nos termos do art. 703, n.º 1 al. c) CPC 19 – A dívida é certa, líquida e exigível.».
3. A Exequente, no requerimento executivo, procedeu à liquidação da obrigação da seguinte forma [cf. requerimento executivo apresentado nos autos principais]: «Valor Líquido: 3 398,12 € Valor dependente de simples cálculo aritmético: 2 883,75 € Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 725,50 € Total: 7 007,37 € À quantia em dívida, acrescem juros de mora calculados sobre o capital, à taxa legal de 7% e 4%, desde o vencimento da livrança até à presente data. - Pagamentos realizados no âmbito do processo: 2615,02€ - valor vencimento livrança: 5971,68€ - Com os pagamentos imputados à divida nos termos do art. 785.º CPC, remanescem de: - capital: 3 398,12 € - Juros: 2 883,75 € - Despesas: 700€ - Taxa de Justiça de Execução: € 25,50. Acrescem, ainda, os juros vincendos desde a presente data e até efectivo e integral pagamento».
4. A Exequente juntou, com o requerimento executivo, além do mais, cópia da livrança emitida por Banco Mello, subscrita pelos ora Embargantes, AA e BB, da qual consta, como local e data de emissão, Lisboa, 2002-07-30, como data de vencimento, 2002-08-13, como importância, €5.971,68, constando ainda a menção ao valor “Do contrato de crédito n.º …39” [cf. livrança cuja cópia se mostra junta com o requerimento executivo e cujo original se mostra junto aos autos com o requerimento de 21.02.2024]
5. Entre o Banco Mello, S.A. e os ora Embargantes, foi celebrado, mediante acordo escrito, denominado “Crédito imediato”, com data 21.01.1999, um contrato de mútuo, mediante o qual aquele concedeu a estes um financiamento no valor de 2.000.000$00 (correspondente a €9.975,96), a ser liquidado em 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 42.376$00 (correspondente a €211,37) cada, perfazendo o valor total das prestações em 2.560.060$00 (correspondente a €12.769,30), com vencimento da primeira prestação no dia 05.03.1999 e as restantes no dia 5 dos meses subsequentes [cf. documento n.º 1, junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]
6. A livrança referida no ponto 4, supra, foi subscrita pelos embargantes como garantia do cumprimento do contato referido no ponto 5, supra.
7. Com referência ao contrato mencionado no ponto 5, supra, os Embargantes efetuaram pagamentos no valor total de € 2.615,02 (dois mil, seiscentos e quinze euros e dois cêntimos), sendo que o último pagamento ocorreu em 11.10.2002.
8. Mediante requerimento executivo que deu entrada em juízo no dia 17.04.2003, o Crédibanco – Banco de Crédito Pessoal, S.A., instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa, para pagamento da quantia de € 3.517,11, acrescida de juros vincendos até integral pagamento, tendo apresentado como título executivo a livrança referida no ponto 4., supra [cf. cópia do requerimento executivo junto como documento n.º 10 com o requerimento executivo apresentado nos autos principais]
9. A referida execução correu termos no, então, 7.º Juízo Cível – 2.ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o n.º 15700/03.5YXLSB, da qual os aí Executados, ora Embargantes, tiveram conhecimento no dia 04.02.2009, através duma diligência de penhora de bens móveis [cf. auto de penhora junto com o requerimento executivo e com a contestação, como documento n.º 7]
10. Na referida execução, que se encontra arquivada, por despacho de 22.11.2011, transitado em julgado em 06.12.2021, foi declarada interrompida a instância, determinando-se que os autos ficassem a aguardar a eventual ocorrência de deserção da instância, nos termos do artigo 291.º, n.º 1, do CPC de 1961 [cf. certidão junta aos autos com o requerimento de 20.11.2024]
11. Os Executados, ora Embargantes, foram citados para a execução de que estes autos constituem apenso no dia 19.09.2023 [cf. avisos de receção juntos aos autos principais em 22.09.2023 e 10.11.2023].
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2.5. A questão da prescrição.
A apelante centrou a sua argumentação em torno do entendimento expresso no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/01/2022, no processo n.º 22815/19.6T8PRT-A.P1, desvalorizando a consagração de uma distinta solução, por meio do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 22 de setembro (publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22, págs. 5-15), que fixou a seguinte jurisprudência:
«I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
Tal solução foi correcta e expressamente acolhida pela decisão recorrida. Pior ainda: por um lado, a apelante invoca o princípio da segurança jurídica e os princípios basilares constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa. Mas, por outro lado, argumenta contra o reflexo pacificador e de consolidação da segurança jurídica inerente à uniformização da jurisprudência, nomeadamente quando refere que: “Não se concebe que um Acórdão Uniformizador do STJ, embora pesaroso no seu nome, seja vinculativo a decisões de tribunais de qualquer hierarquia, sendo jurisprudência guia, mas não é fonte de direito desde que os Assentos (art. 2.º C.C.) foram revogados”.
Sucede que a jurisprudência fixada tem vindo a ser seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no acórdão de 14/11/2024, onde expressamente se considerou que:
“Esta factualidade reúne em si mesma as três premissas acima referidas, afinal recondutiveis a duas, a saber, 1) o prazo de prescrição aplicável às quotas antecipadamente vencidas é de cinco anos, nos termos da al. e), do art.º 310.º, do C. Civil e 2) esse mesmo prazo de prescrição pode ser invocado pelo fiador contra o qual é requerida execução para obtenção de pagamento do remanescente dessa totalidade. E tais premissas conduzem necessariamente à conclusão de que, por força da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 6/2022 e do disposto no n.º 1, do art.º 306.º, do C. Civil, tendo decorrido mais de cinco anos entre o vencimento antecipado em 18/11/2015 e a data de entrada do requerimento de execução em 12/01/2023, as obrigações exequendas se encontram extintas por prescrição, procedendo os embargos, com a consequente extinção da execução. Acresce que, como também aduzido no acórdão recorrido, esta Revista não contém quaisquer especificidades que permitam a este Supremo Tribunal afastar a sua decisão da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 6/2022. Em face do estado jurisprudencial desta questão após a prolação e publicação do Acórdão n.º 6/2022 não vislumbramos fundamento para a persistência e/ou renovação da questão da aplicação do prazo geral do art.º 309.º, do C. Civil, ao crédito exequendo, uma vez que a apelante não invoca argumentação nova, que cumpra conhecer e nesse conhecimento encerrasse a virtualidade de decisão que divergisse da Jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 6/2022. Com efeito, para além do valor inerente à jurisprudência em geral, como conjunto das decisões dos Tribunais, ao nível da fundamentação das decisões judiciais imposta pelo n.º 1, do art.º 205.º, da Constituição da República Portuguesa e recebida pela lei ordinária, in casu, pelo n.º 3, do art.º 8.º, do C. Civil e pelo art.º 154.º, do C. P. Civil, na sua função de interpretação da lei, por aplicação dos critérios estabelecidos pelo art.º 9.º, do C. Civil, o acórdão uniformizador apresenta um valor próprio, que lhe advém do seu regime processual, estabelecido pelos art.ºs 688.º a 695.º, do C. P. Civil e da sua função de uniformização de decisões judiciais futuras, em nome dos valores da certeza e segurança jurídicas, necessários ao regular funcionamento do comércio jurídico. Relativamente à primeira asserção, do valor interpretativo da jurisprudência, trata-se de uma função que pacificamente lhe é reconhecida pela doutrina e de que os tribunais fazem uso comum na formação das suas decisões e que, em conjunto com os desenvolvimentos doutrinais sobre a mesma matéria, fazem parte das legis artis das decisões judiciais, ainda que, nessa função interpretativa, lhe não seja reconhecida a natureza jurídica de fonte de direito. (…) Quanto à segunda asserção, relativa à existência de acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) e ao seu valor para as decisões judicias posteriores, este Supremo Tribunal tem decidido uniformemente que a interpretação consagrada pelos AUJ não pode deixar de ser respeitada, sem prejuízo do eventual desenvolvimento doutrinal e jurisprudencial da matéria que suscite nova discussão e conduza à inflexão da orientação fixada nesses acórdãos Uniformizadores. Esta é a valoração que vem sendo feita uniformemente por este Supremo Tribunal de Justiça, neste sentido se tendo pronunciado, entre outros, os acórdãos de 11/09/2014, 12/05/2016 - em cujo sumário se exara que os AUJ “…criam um precedente qualificado de carácter persuasivo, a desconsiderar apenas com fundamento em fortes razões ou especiais circunstâncias que não tenham sido suficientemente ponderadas” – 24/05/2016, 04/02/2020, 10/11/2020 - que decidiu, além do mais que a figura processual dos AUJ “…não é violadora do princípio constitucional da separação de poderes…” - 31/01/2023, que lhes atribui “…uma força de persuasão qualificada” e de 14/03/2023, que os qualifica como “… precedente judiciário qualificado, dotado de especial força de persuasão…”. Esta jurisprudência sobre o valor interpretativo qualificado dos AUJ corresponde, aliás, ao desenvolvimento da doutrina sobre a matéria, a qual, partindo da comparação com a força obrigatória geral que assistia aos Assentos, antes previstos no art.º 2.º, do C. Civil, para denegar aos AUJ essa mesma força, lhes reconhece, todavia, um valor acrescido para as decisões judiciais posteriores. (…) Atentas, pois, a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no caso sub judice nem a decisão de primeira instância, que se limitou a acolher laconicamente a pretensão de inaplicabilidade do AUJ n.º 6/2022, nem a pretensão da Revista em si mesma, se estruturam em argumentação nova que nos permita reconsiderar a interpretação estabele-cida por este AUJ n.º 6//2022 relativamente ao prazo de prescrição aplicável em caso de vencimento antecipada das quotas de restituição e remuneração de capital. Não tendo ocorrido alteração ou evolução significativa ao nível das relações jurídicas inerentes à espécie contratual em causa e das obrigações por elas constituídas a interpretação consagrada pelo AUJ n.º 6/2022 não pode, pois, deixar de ser respeitada, sem prejuízo do eventual desenvolvimento doutrinal e jurisprudencial da matéria que suscite nova discussão e conduza à inflexão da orientação fixada no acórdão Uniformizador, como também decidido, entre outros, pelos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 28/09/2022,13/10/2022, 29/11/2022, 29/2/2024e de 29/5/2024” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 275/23.7T80ER-8.L1.S1.
Ou seja, a apelante limita-se a repetir argumentos que já foram discutidos e rejeitados pelos Tribunais Superiores, pelo que nada mais nos resta do que reiterar do que reiterar o entendimento acolhido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 22 de setembro, considerando ainda o longuíssimo tempo decorrido desde a última interpelação dos devedores.
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2.6. A questão da inconstitucionalidade do artigo 310.º, na interpretação do AUJ n.º 6/2022.
Argumenta ainda a recorrente “que a norma do artigo 310º do CPC é inconstitucional na medida da determinabilidade da própria norma, que através de uma disposição indeterminada em demasia obsta à certeza e segurança jurídica e conduz a uma grande margem de imprevisibilidade, veja-se a imensa querela que a sua interpretação tem vindo a ocupar ao longo dos anos. Esta situação de indeterminabilidade gera não só um efeito inibitório desmesurado como a própria indeterminação dispositiva gera uma situação de restrição excessiva aos credores que vêm cada vez mais dificultado a recuperação dos seus créditos”.
Entende-se que a linha argumentativa da apelante revela sucessivas contradições, pois:
1) Uma das principais funções ou efeitos decorrentes do AUJ n.º 6/2022 é precisamente acabar com qualquer indeterminação que obste à certeza e segurança jurídica e que conduza a uma grande margem de imprevisibilidade. Com a publicação do acórdão uniformizador, em princípio, foi resolvido o problema da determinação do prazo de prescrição em que ocorra o vencimento antecipado de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros;
2) A fixação de jurisprudência no sentido de se considerar um prazo de cinco anos (ao invés do prazo ordinário de vinte anos) não deverá gerar um efeito inibitório desmesurado. Muito pelo contrário, crê-se que, com a solução acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça, os credores até ficarão mais desinibidos e propensos a exigir o pronto pagamento do capital mutuado e juros;
3) Não se vê de que forma é que a interpretação sufragada no AUJ n.º 6/2022 gera uma situação de restrição excessiva. Ou seja, de que forma é que se manifesta o excesso? O prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, do Código Civil, restringe excessivamente a possibilidade do exercício do direito do credor neste? E nos demais casos aí previstos? Mesmo considerando a latitude acrescida que decorre das várias causas legais de suspensão
e de interrupção da prescrição? A apelante não esclareceu tais questões, de forma a favorecer o debate de argumentos e até subverteu o funcionamento dos princípios em matéria de prescrição, ao referir que não pode “o Credor ver a sua posição fragilizada quando face à inércia do devedor em cumprir com a obrigação a que está adstrito, que ele próprio se colocou”. Ora, subjacente ao funcionamento da prescrição está a pacificação e a segurança jurídica, em face da inércia ou negligência do credor e não do devedor. ”Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non securit ius)” – Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, 1992, Volume II, pág. 445-446.
De resto, já o acórdão desta Secção de 22/5/2025 desatendeu tal argumentação, ao referir o seguinte: “Argumenta a apelante que «a aplicação cega» daquele AUJ desprotege as instituições que concedem crédito e que em caso de incumprimento ficam «impedidas de reaver até o capital que emprestaram». Porém, o prazo de 5 anos de prescrição não impede o exercício do direito de crédito, sendo certo que o mais plausível é que as instituições de crédito não tenham interesse em deixar arrastar a situação de incumprimento. E na verdade, no mesmo ano em que enviou a carta de resolução do contrato, a Credibom SFAC instaurou a execução (Proc. 29756/03.2YXLSB) que depois foi extinta por deserção da instância. Além disso, a apelante nem sequer é a mutuante e decorre do requerimento de 10/10/2023 e dos documentos juntos ao requerimento executivo que só adquiriu o crédito exequendo em 16/03/2021 por compra à anterior cessionária. Ora, decorridos tantos anos sobre a carta de resolução só de si se pode queixar a apelante por ter adquirido um crédito cuja cobrança não foi obtida em execução que tinha sido extinta por deserção da instância no ano de 2010, sem se assegurar de que não corria o risco de se defrontar com a sua prescrição. Concluindo, no caso concreto é manifesto que os princípios constitucionais invocados pela apelante não são afrontados pela interpretação da lei ordinária, concretamente o art.º 310º al e) do CC acolhida no AUJ nº 6/2022” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 2693/23.1T8OER-A.L1-6.
Logo, não se afigura que os princípios constitucionais da proporcionalidade, da segurança jurídica e da proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito apenas possam ser salvaguardados com a consagração do longuíssimo prazo ordinário de prescrição de vinte anos. Para mais, aliado a múltiplas causas de legais de suspensão e de interrupção da prescrição.
Em suma, improcedem as conclusões da apelação.
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3. Decisão:
3.1. Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença.
3.2. As custas são a suportar pela apelante.
3.3. Notifique.
Lisboa, 26 de Junho de 2025
Nuno Gonçalves
Cláudia Barata
Jorge Almeida Esteves