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DIREITOS INDEMNIZATÓRIOS DO EMPREGADOR
ILÍCITO PENAL
PRESCRIÇÃO
Sumário
Os direitos indemnizatórios que derivam para o empregador de ilícito penal, cometido pelo trabalhador durante a atividade profissional e aproveitando o exercício dessa atividade, encontram-se sujeitos ao regime prescricional geral que decorre do artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil. Créditos indemnizatórios que derivem de comportamentos do trabalhador que constituam “desempenho” das suas obrigações laborais, e não constituam ilícito criminal em aproveitamento do exercício da atividade, estão sujeitos ao prazo geral do artigo 337º do CT.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.
EMP01..., S.A., idf. nos autos, vem intentar contra, AA, idf. nos autos, a presente ação com processo comum.
Invocou que o réu foi seu trabalhador a quem foi aplicada a pena disciplinar de despedimento a 7-11... réu não cumpriu as suas funções, cometendo diversas falhas, com repercussão nos serviços a prestar a vários clientes. Causou prejuízos vários.
O réu contestou invocando além do mais a prescrição.
Em resposta a autora refere estar em causa uma atividade delitual, aludindo ao direito de regresso quanto aos danos decorrentes da conduta ilícita e culposa do Réu, que lesou os direitos da A., dos seus clientes e dos colegas de trabalho do Réu.
- No despacho saneador conhecendo da exceção invocada, foi decidido verificar-se a prescrição, absolvendo-se o réu do pedido.
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Inconformada a autora interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
1º) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, que na sentença/saneador que proferiu, que julgou procedente a exceção de prescrição, uma vez que não existiu qualquer prescrição e o prazo de um ano não se aplicava aos presentes autos.
2º) A alegada prescrição a mesma não existe, pois não se aplica aos presentes autos o artigo 337º do Código de Processo de Trabalho, em pois está em causa uma atividade delitual, pretendendo a Recorrente, um direito de regresso dos danos decorrentes da conduta ilícita e culposa do Recorrido, que lesou os direitos da Recorrente, dos seus clientes e dos colegas de trabalho do Recorrido.
3º) Veja-se neste sentido o Acórdão do STJ de 03-02-2011, Proc. 1228/07.8TAGH.L1.S1 “1. O regime especial de prescrição dos créditos emergentes da violação de um contrato de trabalho, estabelecido nas leis laborais, só é aplicável aos créditos típicos da relação laboral, excluindo-se do seu âmbito os emergentes de uma relação de responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente quando esteja em causa uma responsabilidade delitual conexa com a criminal ou a entidade patronal exerça, no confronto de trabalhador que esteve ao seu serviço, um direito de regresso, pretendendo repercutir na esfera patrimonial do comissário o valor dos danos, decorrentes da conduta ilícita e culposa deste que lesou concomitantemente direitos de terceiro.”
4º) Portanto, os créditos abrangidos pelo artigo 337º nº1 do CT são aqueles que emergem diretamente do contrato de trabalho ou os que resultem da sua violação ou cessação. Se o crédito tiver por fonte um ato diverso do contrato de trabalho ou da sua cessação, ainda que exigível em virtude da cessação do contrato de trabalho, não se lhe aplica tal preceito legal.
4º) A apreciação da questão exige pois que atentemos na causa de pedir e no pedido formulado nos presentes autos, sendo que a Recorrente no seu pedido requer : “(…) a) ser o Réu condenado a pagar á A., a quantia de Euros 227389, 26 (duzentos e vinte e sete mil trezentos e oitenta e nove euros e vinte e seis cêntimos), a titulo de prejuízos patrimoniais resultantes do seu comportamento que levaram a perdas de clientes e aos prejuízos dai resultantes, acrescido dos respetivos juros vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento,
b) Ser o Réu condenado no pagamento dos prejuízos causados por perdas indiretas, como a imagem da A., perante os demais clientes, o desgaste das pessoas da A. nomeadamente os restantes trabalhadores, as horas extra que a A., pagou para tentar recuperar os clientes, as horas gratuitas e outras ofertas que foi obrigada a fazer para reparar os prejuízos que a conduta do Réu causou o que não sendo ainda possível determinar desde já se relega para execução de sentença; c) Ser o Réu condenado no pagamento das custas totais (…)”.
5º) Para além disso, cumpre referir que já no próprio articulado motivador do despedimento a A., nos seus vários artigos referiu os prejuízos que o Réu lhe causou e cujo ressarcimento seria devido, constando tal facto igualmente nas várias audiências de julgamento no âmbito do processo nº 5969/22.1T8GMR, deste mesmo Juízo de Trabalho.
6º) Nesta sede importa ter presente o disposto no art. 323.º do Código Civil, segundo o qual a “prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
7º) No nº 2 do preceito refere-se que dizendo que se a “a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
8º) Para além de não se aplicar o prazo de um ano, igualmente qualquer prescrição estaria interrompida, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
9º) Determina o artigo 337º nº1 do CT que “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele que cessou o contrato de trabalho.”
10º) Trata-se de uma regra especial que não tem em conta para o início da contagem do prazo de prescrição, a data do vencimento do crédito ou a data em que o trabalhador tem conhecimento do mesmo, possibilitando-lhe que reclame tais créditos – laborais – mais tarde, quando cesse o contrato de trabalho, leia-se, quando cesse a relação de dependência com o empregador. Nas palavras de Monteiro Fernandes “A contagem do prazo prescricional faz-se de acordo com o seu fundamento, que é o de que, durante a vigência do contrato, a situação de dependência do trabalhador não lhe permite, presumivelmente, exercer em pleno os seus direitos. Ou, como afirma Maria do Rosário da Palma Ramalho, esta regra pretende “(…) sobretudo ultrapassar a real dificuldade que assiste ao trabalhador de acionar o empregador na pendência do contrato de trabalho. Para compensação da maior facilidade de reclamação dos créditos, em que esta regra se traduz (na medida em que defere para mais tarde a possibilidade de reclamar os créditos), o prazo de prescrição é, todavia, mais curto do que os prazos previstos pela lei civil”.
Ainda de acordo com a citada Autora, “O conceito de créditos laborais constante desta norma é um conceito amplo, uma vez que se incluem aqui não apenas os créditos remuneratórios em sentido estrito, mas todos os créditos que resultem da celebração e da execução do contrato de trabalho, e ainda os que decorram da violação do contrato e da sua cessação.”
11º) Portanto, os créditos abrangidos pelo artigo 337º nº1 do CT são aqueles que emergem diretamente do contrato de trabalho ou os que resultem da sua violação ou cessação. Se o crédito tiver por fonte um ato diverso do contrato de trabalho ou da sua cessação, ainda que exigível em virtude da cessação do contrato de trabalho, não se lhe aplica tal preceito legal. 12º) Ao contrário do referido na decisão recorrida, consideramos que não estamos exclusivamente perante créditos diretamente emergentes do contrato de trabalho, ou que nasceram no âmbito de vigência do mesmo, e tão pouco de créditos que resultem da violação deste contrato ou da cessação do mesmo.
13º) Claro que o peticionado tem uma relação com o contrato de trabalho, mas uma relação conexa com este, uma vez que a presente ação destina-se a discutir uma atividade delitual, pretendendo a Recorrente, um direito de regresso dos danos decorrentes da conduta ilícita e culposa do Recorrido, que lesou os direitos da Recorrente, dos seus clientes e dos colegas de trabalho do Recorrido.
14º) Não podem configurar-se como créditos típicos de uma relação laboral os que emergem de uma relação delitual de responsabilidade civil extracontratual, conexa com a responsabilidade criminal em que concomitantemente incorreu o trabalhador, por os factos cometidos traduzirem simultaneamente uma violação de deveres funcionais do trabalhador e o cometimento de um ilícito penal por parte deste – não sendo, consequentemente aplicável, nesta peculiar situação, o curto prazo de prescrição anual, previsto nas leis laborais.
15º) O comportamento do Recorrido – para além de consubstanciar uma violação culposa dos deveres funcionais, decorrentes da relação laboral com a entidade empregadora – traduziu o cometimento de um facto ilícito e culposo no confronto de terceiro, totalmente estranho à relação laboral: os clientes que viram os seus projetos parados e que tiveram prejuízos que imputaram á Recorrente acabando por gerar prejuízo relevante, causalmente decorrente da conduta do Recorrido feita à total revelia da Recorrente, sendo que por tais danos, sofridos pelos clientes, teve a Recorrente de responder imediata e objetivamente na veste de comitente, por, independentemente de culpa da sua parte, responder, nos termos previstos no art. 500º do CC, pelos danos que o funcionário/comissário causou ao terceiro/lesado, já que estes decorreram inquestionavelmente do exercício das funções e tarefas que lhe estavam confiadas – ressarcindo, deste modo, os lesados pelos danos decorrentes, que, com a sua conduta irregular, naturalmente vinculou e responsabilizou a entidade em cujo nome e interesse atuava.
16º) Ora inexistindo, no caso, culpa concorrente da entidade empregadora pelos factos cometidos pelo comissário, tem o comitente que satisfez a indemnização devida ao cliente lesado direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, o qual se configura como direito de regresso (arts. 500º, nº3, e 497º, nº2, do CC).
17º) Em primeiro lugar, temos como seguro que num litigo com esta configuração não pode seguramente invocar-se o regime especial da prescrição de créditos laborais, já que a problemática da indemnização transcende manifestamente o plano das relações «internas» laborais entre entidade patronal e trabalhador: na verdade, este, para além de ter violado os deveres funcionais que o obrigavam no confronto da respetiva entidade empregadora, violou também ilícita e culposamente direitos de terceiro, originando a necessidade de a empresa o ressarcir dos danos causados, com fundamento na responsabilidade objetiva que, enquanto comitente, a vincula ; quando a entidade patronal demanda, em via de regresso, o trabalhador não está a pretender ser ressarcida por este de danos causados diretamente ao património social pela violação de deveres laborais, mas tão-somente a repercutir no autor material do facto ilícito e culposo o prejuízo que objetivamente teve de assumir , em primeira linha, perante o terceiro lesado.
18º) Aliás, só sendo possível exercer o direito de regresso depois de satisfeita a indemnização decorrente da atuação do comissário , seria manifestamente impossível aplicar a esta particular situação o regime contido no art. 381º do C. Trabalho, que conduziria à irremediável extinção dos créditos logo que tivesse decorrido 1 ano após a cessação da relação laboral: basta ponderar que, em muitos casos, o «acerto de contas» no confronto do terceiro lesado pode não estar encerrado no preciso momento em que cessou o contrato de trabalho – sendo obviamente insustentável a solução que conduzisse a ter como extinto, por prescrição, um crédito que só nasceu no património do credor em momento ulterior – aquele em que se tivesse assumido e liquidado a responsabilidade objetiva perante o terceiro /lesado, pagando-lhe a indemnização a que teria direito, para de seguida a repercutir, em via de regresso, na esfera patrimonial do próprio comissário, autor do facto ilícito e culposo.
19º) E, nesta perspetiva, que se tem por adequada, o quadro normativo que deve reger a prescrição é o que resulta do preceituado nos nºs 1 e 2 do art. 498º do CC: o prazo de prescrição é de 3 anos ( e não, como sustenta a entidade recorrida, o prazo de prescrição ordinária de 20 anos) ; mas – estando em causa a efetivação do direito de regresso - conta-se, não do momento do conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete, mas do momento do cumprimento pelo responsável prioritário da obrigação de indemnizar o lesado, que se pretende agora fazer repercutir na esfera patrimonial do autor do facto material : o comissário que lesou ilícita e culposamente os direitos do terceiro.
20º) Termos em que deve o recurso ser julgado procedente, devendo a decisão ser revogada por outra que determine o prosseguimento dos autos.
21º) A Douta sentença violou o disposto nos artigos 337ºdo Código de Processo de Trabalho e artigo 497º e 500 do Código Civil.
Em contra-alegações sustentou-se o julgado.
A Exmª PGA deu parecer no sentido da improcedência.
A factualidade com interesse é a que resulta do precedente relatório, e o teor da petição inicial, cujos termos se dão por reproduzidos, da qual constam designadamente os seguintes artigos:
“9 . A principal função do Réu enquanto Diretor Operacional é planear, coordenar e manter os clientes devidamente informados o que não aconteceu, porque o mesmo não possui a capacidade que o mesmo alegava possuir para tal, revelando uma grande irresponsabilidade e alheamento pelo trabalho, demonstrando completo desinteresse pelo cumprimento das tarefas que lhe estavam adstritas.
10º O Réu não apenas não cumpriu as suas funções perante a A., conforme estava previsto e havia prometido, sendo que a titulo de exemplo o Planeamento Consultoria não era informado atempadamente ao cliente e este apenas recebia emails automáticos e não correspondendo ao que era efetuado posteriormente pelo consultor. O que gerava durante a semana uma completa confusão para os consultores.
15º O Réu a mote próprio fazia uma alteração constante do planeamento. Apesar de possuir instruções da A., de que o planeamento deveria estar fechado até quinta feira ao final do dia e validado com os clientes, depois na sexta feira pelas 14.00 horas, saia um email de confirmação com os clientes, em virtude do comportamento do Réu, existiram vários clientes a reclamar que não tinham confirmado o planeamento e os próprios consultores da A., nunca sabiam se o que era definido á sexta se iria realizar durante a semana
20º O Réu demonstrou durante todo o tempo que trabalhou para a A., que não possuía conhecimento e controlo do estado dos projetos que são a sua responsabilidade, efetuando uma gestão danosa e levando muitas vezes a uma ocupação permanente das equipas em reuniões, devido ao fato de não existir um planeamento correto e assertivo, conforme flui dos vários emails trocados que igualmente se juntam e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
A A., devido ao comportamento do Réu e á sua falta de profissionalismo e incompetência viu-se a braços com várias reclamações de clientes.
28º Desde que Réu assumiu as suas funções de Diretor Operacional surgiram várias reclamações de clientes, algumas delas a colocar fim à parceria, sendo a titulo de exemplo os seguintes: EMP02..., Lda, EMP03..., Lda EMP04..., Lda, EMP05..., Lda, EMP06..., Lda., entre outros infra melhor descritos.
36º Assim, com a conduta e comportamento laboral do Réu a A., tem tido um conjunto vasto de reclamações e prejuízos, que derivaram do seu mau desempenho profissional, junto de vários clientes, nomeadamente o cliente EMP02..., Lda que se apresentou descontente face á evolução do projeto, ameaçou com rescisão contratual e avanço de medidas legais. 46º Com a sua descrita conduta, o Réu AA cometeu, intencional e injustificadamente, em infrações disciplinares por violação dos seus deveres de respeito para com os seus superiores hierárquicos e colegas de trabalho, bem como o de realizar o trabalho com zelo e diligência e de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeitar à execução, disciplina e segurança no trabalho, em nada tendo contribuído para a manutenção desta última no interior das instalações da empresa, bem como de promover ou executar os atos tendentes á melhoria da produtividade da empresa,
49º Com o comportamento do Réu a A., teve inúmeros prejuízos, quer diretos, quer indiretos, nomeadamente a sua boa reputação, como sendo uma empresa séria e cumpridora dos contratos em que se envolvia,
50º sendo que diretamente perdeu os seguintes clientes e contratos, com a respetiva duração prevista, conforme se passa a descriminar (…)
64º Nesta perspetiva, de um empregador razoável, a conduta do Réu revelou uma falta de profissionalismo, rigor, ética e empenho no trabalho, não lhe tendo aportando ao longo do tempo em que perdurou a relação laboral qualquer valor, em particular na fidelização dos clientes, e cumprimento de prazos numa empresa como a A., que obedece a rígidos princípios de qualidade e que se encontra certificada, levando a que a mesma perdesse inúmeros clientes e contratos que se traduzem nos prejuízos supra referidos, exclusivamente imputáveis á conduta do Réu.”
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber se ocorreu a prescrição dos créditos invocados pela autora, empregadora.
A autora defende que o prazo prescricional aplicável não é o do artigo 337º do Código do Trabalho, devendo este ser interpretado no sentido de abranger apenas os créditos típicos da relação laboral, desse âmbito se excluindo os emergentes de uma relação delitual de responsabilidade civil.
Refere estar em causa uma atividade delitual, pretendendo a Recorrente, um direito de regresso dos danos decorrentes da conduta ilícita e culposa do Recorrido, que lesou os direitos da Recorrente, dos seus clientes e dos colegas de trabalho do Recorrido. Referencia o Ac. STJ de 03-02-2011, Proc. 1228/07.8TAGH.L1.S1. Para apreciação da questão, importa atentar no pedido e na causa.
A recorrente assenta o seu pedido contra o recorrido em danos alegadamente por este provocados, referenciando o seu comportamento enquanto trabalhador e no desempenho das suas funções laborais. Assim a título de exemplo os artigos da petição acima transcritos.
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Consta do artigo 337º, do CT:
Prescrição e prova de crédito
1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
(…)
Tem a jurisprudência interpretado de forma restritiva a expressão “créditos emergentes do contrato de trabalho”, aludindo a que se refere aos créditos que emergem diretamente do contrato de trabalho.
Assim, se na origem do crédito estiver um ato diverso do contrato – da sua execução, da sua violação ou cessação -, não se aplica o prazo de prescrição estipulado na norma. A jurisprudência tem-se reportado a responsabilidade decorrente de ilícitos criminais.
Assim no Ac. do STJ de 14-5-2003, processo nº 03S3688, a propósito do artigo 38º da LCT, refere-se:
“ Quanto a este ponto, a jurisprudência do STJ começou por entender que o prazo de um ano previsto no artigo 38º, nº 1, da LCT respeita aos créditos derivados diretamente das relações essenciais do trabalho (entre os quais se poderão considerar, a título de exemplo, os aspetos retributivos), ao passo que os derivados de factos ilícitos de natureza criminal, que em muito transcendem a simples violação de deveres laborais, são regulados pela lei geral que, no caso, é a prevista no artigo 498º, nº 3, do Código Civil, e que remete para o disposto no artigo 118º do Código Penal (acórdão de 24 de Outubro de 1980, BMJ nº 300, pág. 319).”
Trata-se dos casos em que o empregador poderia deduzir o pedido cível no processo penal, “ou em separado, perante o tribunal cível, caso se verificasse alguma das circunstâncias descritas no artigo 72º” do CPP”, conforme mesmo acórdão.
E continua o acórdão:
“E se o réu tivesse optado por qualquer destas soluções, sem dúvida que se aplicaria o regime prescricional previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil, ficando a prescrição do direito indemnizatório sujeita ao prazo mais longo que se encontre previsto na lei penal para o tipo de crime em causa.
Ora, desde que se aceite, verificados os demais requisitos da sua admissão, que o tribunal de trabalho é igualmente competente para conhecer de um pedido reconvencional fundado na prática de crime, não se vê qualquer motivo para deixar de aplicar ao caso os mesmos critérios jurídicos de apreciação.
Qualquer outra solução afrontaria de modo flagrante a unidade do sistema jurídico.”
Trata-se de comportamentos que cometidos embora no exercício profissional, ocorrem em aproveitamento desse exercício, não constituindo o comportamento, em si, ato de execução do contrato. Não são de abranger os casos em que o direito indemnizatório resulta do incumprimento de obrigações contratuais, como falta de diligencia, incompetência profissional etc…
Assim refere-se ainda no mesmo:
“ Ora, os direitos indemnizatórios que derivam para o empregador de ilícito penal cometido pelo trabalhador durante a atividade profissional e aproveitando o exercício dessa atividade - como sucede quando o trabalhador se apropria de bens que pertencem à entidade patronal, desviando o valor de vendas de produtos existentes em estabelecimento comercial - não constituem, em rigor, um crédito resultante à relação laboral, mas antes um crédito atinente a uma relação jurídica delitual de responsabilidade civil, que, sendo inteiramente distinta daquela, apenas mantém, no plano dos factos, uma conexão espácio-temporal com a prestação do trabalho.”
O Ac. STJ de 28 de junho de 2006, Processo 05S3917, seguiu este entendimento, referindo:
“De resto, "[n]em faria sentido que, se um trabalhador ou a entidade patronal praticasse um ato criminalmente punível, mas que infringisse simultaneamente qualquer dos deveres impostos pelo citado Regime Jurídico [do Contrato Individual de Trabalho], o pedido da respetiva indemnização prescrevesse, não segundo a regra do Código Civil combinada com a do Código Penal, mas de harmonia com o prescrito no n.º 1 do referido artigo 38.º" 10) ...
Conclui-se, pois, sufragando os fundamentos dos citados Acórdãos de 24 de outubro de 1980 e de 13 de maio de 2004, que os direitos indemnizatórios que derivam para o empregador de ilícito penal, cometido pelo trabalhador durante a atividade profissional e aproveitando o exercício dessa atividade, encontram-se sujeitos ao regime prescricional geral que decorre do artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil.”
No mesmo sentido RG de 19-4-2018, processo nº 2857/17.7T8VCT.G1 e Ac. STJ de 3-11-2011, onde se refere:
“face à razão de ser de tal norma especial, esta não pode ter o sentido de reduzir o prazo geral de prescrição a que as normas conjugadas do Código Civil e do Código Penal sujeitam os créditos emergentes de responsabilidade civil pela prática de ilícito criminal, nem o sentido de incluir tais créditos no regime de imprescritibilidade relativa - até à cessação do contrato - atribuído aos créditos emergentes da simples violação dos típicos deveres que constituem o núcleo essencial da relação jurídica laboral.”
A propósito da razão de ser deste especial regime refere-se no ac. RG de 12-4-2024, processo nº 387/23.7T8GMR-A.G1.:
“ Por reporte ao prazo mais curto previsto na lei laboral, como sendo ditado por razões de certeza de direito e de dificuldade de prova[ Ac. do STJ de 21/02/2006- www.dgsi.pt ], ou, com enfoque no momento em que o prazo começa a correr, na inibição e receio do trabalhador face ao empregador/no estado de subordinação jurídica que o contrato de trabalho supõe [ prescrição dos créditos laborais (nótula sobre o rt. 381.º do Código do Trabalho) – João Leal Amado, Prontuário de Direito do trabalho, n.º 71, pág. 69.], no entanto, considerando que durante a vigência da relação laboral os créditos são imprescritíveis, tendemos a concordar com Júlio Gomes quando escreve que “o que parece estar em jogo é que as partes não se sintam compelidas a recorrer aos tribunais, durante a vigência do contrato de trabalho sob pena de perderem os seus direitos, já que esse recurso aos tribunais teria frequentemente sequelas sobre a continuação da relação laboral.”[ Direito do Trabalho, Vol. I – relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 904; sobre o tema e do mesmo autor, Do fundamento do regime da prescrição dos créditos laborais, pág.s 361/362, in file:///C:/Users/MJ01520/Downloads/11433-Artigo-20521-1-10-20220510%20(2).pdf ].
Assim, e conforme se defende neste acórdão, não serão abrangidos ainda créditos com outra origem que não o contrato sua violação ou cessação.
No caso presente os comportamentos imputados ao trabalhador constituem violação de obrigações contratuais, como resulta aliás claro dos próprios termos da petição inicial. Não é imputado qualquer ilícito criminal, nem ato estranho ao cumprimento das obrigações contratualmente assumidas. São créditos típicos da relação laboral, sendo aplicável o prazo prescricional do artigo 337º do CT, como se decidiu no tribunal recorrido. Considerando a data de cessação da relação laboral, os créditos estão prescritos.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão.
Custas pela recorrente.
Os direitos indemnizatórios que derivam para o empregador de ilícito penal, cometido pelo trabalhador durante a atividade profissional e aproveitando o exercício dessa atividade, encontram-se sujeitos ao regime prescricional geral que decorre do artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil.
Créditos indemnizatórios que derivem de comportamentos do trabalhador que constituam “desempenho” das suas obrigações laborais, e não constituam ilícito criminal em aproveitamento do exercício da atividade, estão sujeitos ao prazo geral do artigo 337º do CT.
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Guimarães, 18 de junho de 2025
Antero Veiga
Maria Leonor Barroso
Vera Maria Sottomayor