LICENÇA DE SAÍDA JURISDICIONAL
IRRECORRIBILIDADE
ACTO DISCRICIONÁRIO
ACTO DECISÓRIO ORAL
MATÉRIA DE FACTO
Sumário

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
I. O despacho que recuse a concessão de licença de saída jurisdicional é irrecorrível por banda do recluso, por não constituir um direito fundamental.
II. O processo penitenciário jurisdicional, decidido em primeira instância por órgão dotado de independência e imparcialidade, constitui um meio bastante para garantir a legalidade da decisão que negue a licença de saída jurisdicional solicitada pelo recluso.
III. O legislador nacional pretendeu que a decisão deste procedimento fosse proferida de forma simples e célere, de modo a que os Juízes de Execução das Penas pudessem conhecer, atempadamente, tais pedidos e, assim, decidir prontamente, de modo a garantir os direitos da pessoa humana privada de liberdade, previstos nos arts. 20.º, n.º 1 e 30.º, n.ºs 4 e 5 da Constituição, respectivamente, dos arts. 6.º, 48.º, n.º 2 e 52.º, todos da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, e art. 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
IV. Não tendo o Tribunal da Relação conhecimento do teor dos pareceres transmitidos oralmente e do acto decisório também proferido de modo verbal, o mesmo mostra-se, em termos factuais, insindicável por este Tribunal.
V. Assim, pese embora o Tribunal Constitucional venha entendendo que a decisão de recusa da licença de saída jurisdicional solicitada pelo recluso seja recorrível, a verdade é que, na prática, a mesma esbarra com a circunstância da decisão ser meramente oral/verbal e, por isso mesmo, insindicável pelo Tribunal da Relação.

Texto Integral

= Decisão Sumária =

I. Relatório
No processo de licença de saída jurisdicional n.º 1608/12.7TXLSB-AL.L1 do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, Juízo de Execução das Penas, Juiz 5, em que é recluso AA, com os demais sinais nos autos, consta da parte decisória do despacho, datado de ........2025, o seguinte:
«“I - O recluso supra identificado requereu a concessão de uma licença de saída jurisdicional, nos termos do art. 189.º n.ºs 1 e 2 do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade, de ora em diante designado CEPMPL.
O requerimento foi instruído com os elementos previstos no n.º 3 do referido preceito, mostrando-se verificados os requisitos previstos no art. 79.º do citado diploma.
Designou-se dia e hora para a reunião do conselho técnico e o despacho foi notificado ao ministério público e comunicado ao estabelecimento prisional e aos serviços de reinserção social (art. 190.º do CEPMPL).
Realizou-se hoje a reunião do conselho técnico, onde foram prestados os esclarecimentos indispensáveis à apreciação do pedido.
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II – O tribunal é o competente.
O processo é o próprio e mostra-se isento de nulidades, exceções ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento do pedido formulado pelo requerente.
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III – Discutido o pedido no conselho técnico hoje realizado, foi por este emitido parecer:
Favorável, por maioria.
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IV – Não obstante o parecer do conselho técnico, mas quando vistos os elementos dos autos, os esclarecimentos prestados e os requisitos e critérios legais (art.s. 78.º e 79.º do CEPMPL), decide-se não conceder a requerida licença de saída jurisdicional, atendendo ao sério receio de insucesso, resultante: (i) da prática criminal imediatamente após a colocação em liberdade condicional, (ii) do facto de o recluso ainda não ter terminado o programa para agressores sexuais, o que se julga essencial quando vistos os crimes pelos quais reiteradamente cumpre pena, (iii) do facto de o apoio do recluso no exterior ser extremamente frágil (o pai teve um AVC e está vulnerável), e, por último, (iv) da circunstância de o recluso ter a sua situação jurídica indefinida, aguardando julgamento no processo 188/20.4...
Notifique a presente decisão ao ministério público e ao recluso.
Oportunamente, arquivem-se os autos.”».
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Não se conformando com o mencionado despacho, dele interpôs recurso o recluso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«A) O recorrente não se conforma com a douta decisão proferida pelo TEP, quanto à não concessão de saída jurisdicional( saída precária).
B) Ao condenado, é-lhe consagrado direito de recorrer das decisões contra si proferidas.
C) O art.º 236.º n.º 1, al. b) do CEP, consagra o direito ao condenado a recorrer contra as decisões contra si proferidas.
D) A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32.º n.º1, garante o direito ao recurso em processo penal, para além de que o processo penal tem estrutura acusatória.
E) Em matéria de concessão de saídas jurisdicionais, sempre que as mesmas forem recusadas, deve o arguido recluso ter direito a recorrer, caso entenda que a decisão contra si proferida o prejudica, como foi o caso.
F) Assim, vem o arguido recorrer da decisão do Tribunal de Execução de Penas que indeferiu a saída precária requerida.
G) O cumprimento de pena de prisão por um condenado visa, entre outras coisas, reeducar o indivíduo, ressocializa-lo e reintegra-lo na sociedade.
H) Estas são as finalidades da punição em penas de prisão.
I) Atendendo a estes princípios, é garantido que a Lei prevê a concessão de saídas jurisdicionais, previstas pelo art. 78.º do CEP, que refere que podem ser concedidas licenças de saída quando se verifiquem certos requisitos.
J) Trata-se, neste caso, de um verdadeiro poder-dever do Estado, a quem incumbe auxiliar o recluso (art. 2.º e 9.º da Constituição).
K) As chamadas saídas precárias assumem-se como uma das formas que os reclusos têm que contactar com o exterior e constituem um contributo ressocializador, essencial no processo de preparação progressiva do recluso para a sua libertação e reinserção na sociedade.
L) Sempre que é recusada uma saída jurisdicional, está posta causa a nova etapa da pena, ou seja, as medidas de flexibilização desta.
M) In casu, estamos, apenas, perante a concessão de uma licença de saída jurisdicional, que não altera o tipo de pena imposta ao recluso, que continua a ser de privação de liberdade em meio prisional, nem altera o conteúdo da sentença condenatória.
N) Por outro lado, o recluso, ora recorrente, mantêm a titularidade dos seus direitos fundamentais, a restrição destes direitos fundamentais foi definida por lei e tal restrição teve como fundamento o sentido da condenação e as exigências próprias da execução.
O) O recorrente, tem apoio familiar, quer emocional quer económico, e assim no exterior, trabalha diariamente no Estabelecimento Prisional, pelo que não se conforma com o indeferimento da saída jurisdicional solicitada.
P) Foram assim violados o disposto nos artigos 9.º, alíneas b) e d), 12.º, n.º 1, 13.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.ºs 1 e 2, 29º e o 32.º todos da CRP, bem como, os princípios da igualdade, proporcionalidade, não discriminação e dos fins das penas, para além dos princípios da sociabilidade e o “dever de ajuda”, que incumbe ao Estado perante os seus cidadãos”.
Q) As tarefas fundamentais do Estado, prescritas no artigo 9.º da Constituição, mormente a garantia dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelo princípio do Estado de direito democrático, constante da alínea b) do preceito, coincidem, no plano em que são convocados, com os concretos direitos, liberdades e garantias que se tenham por afetados e o princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição.
R) Por outro lado, o disposto na alínea d) do mesmo artigo 9.º, na parte em que consagra como tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade real dos portugueses, encontra conexão com a invocação de infração do princípio da igualdade, constante do artigo 13.º da Constituição.
S) Princípios que foram violados com a douta decisão proferida.
T) O princípio da igualdade, enquanto parâmetro constitucional capaz de limitar as ações do legislador, comporta reconhecidamente várias dimensões: proibição do arbítrio legislativo; proibição de discriminações negativas, não fundadas, entre os sujeitos; assim como eventual imposição de descriminações positivas, com projeções distintas tendo em conta as especificidades do âmbito material em causa.
U) O gozo prévio com êxito deste tipo de licença constitui o pressuposto da concessão de licenças (administrativas) de saída de curta duração e da colocação do recluso em regime aberto no exterior (cfr., respetivamente, o artigo 80.º, n.º 1, alínea b), e o artigo 14.º, n.º 4, ambos do CEP).
V) O princípio da dignidade da pessoa humana consignado no artigo 1.º da CRP impõe o reconhecimento de todos como sujeitos e a consequente possibilidade de cada um, autonomamente, exigir o respeito das leis que diretamente visem (também) tutelar os respetivos interesses.
W) A concessão de licença de saída jurisdicional requerida pelo recluso, visa a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade (cfr. o artigo 76.º, n.º 2, do CEP).
X) As chamadas saídas precárias assumem-se como uma das formas que os reclusos têm que contactar com o exterior, e constituem um contributo ressocializador, essencial no processo de preparação progressiva do recluso para a sua libertação e reinserção na sociedade.
Y) Um dos princípios orientadores na prossecução desse objetivo é o princípio nihil nocere, segundo o qual a execução, na medida do possível, deve evitar as consequências nocivas da privação da liberdade e aproximar-se das condições benéficas da vida em comunidade.
Z) Ora, o contacto com o exterior mediante saídas temporárias não só favorece a reinserção social do recluso, na medida em que evita os inconvenientes de uma permanência em reclusão por períodos demasiado longos, como assegura uma transição menos brusca da reclusão para a liberdade total.
AA) As saídas durante a execução da pena de prisão representam uma atenuação do princípio da continuidade da execução da pena privativa da liberdade, uma vez que o condenado é posto em liberdade durante alguns dias, valendo esse período como tempo de execução da pena (nº 1 do artigo 77º do CEPMPL).
BB) Dos artigos 76.º, nº 1, 78.º e 79.º, nº 2 do CEPMPL resulta que as saídas do estabelecimento «podem» ser concedidas verificados certos pressupostos, mas que só o «devem» ser em função da evolução da execução da pena, do ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar, das necessidades de proteção da vítima e das circunstâncias do caso concreto.
CC) Entendemos que o ora recorrente preenche todos os pressupostos necessários.
DD) A concessão da licença de saída jurisdicional, ainda que tenha por efeito a devolução do recluso à liberdade por alguns dias, representa uma etapa intermédia de um processo progressivo de preparação para a liberdade antecipada, que pode ser concedida verificados certos pressupostos e a par de outras medidas estabelecidas no CEPMLP.
EE) Ao ser-lhe negada a possibilidade de ter saída precária, está a ser violado o disposto nos artigos 9.º, alíneas b) e d), 12.º, n.º 1, 13.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.ºs 1 e 2, n.º 5 do art. 29º e o 32.º todos da CRP, bem como, os princípios da igualdade, proporcionalidade, não discriminação e dos fins das penas, para além dos princípios da sociabilidade e o dever de ajuda que incumbe ao Estado perante os seus cidadãos.
Sem prescindir do Douto Suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo em consequência ser revogada a decisão recorrida, nos termos da Motivação e Conclusões antecedentes, julgando procedente o presente recurso devendo ser deferida a saída precária requerida pelo recorrente
Assim decidindo, farão V.Exas. JUSTIÇA!»
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O Ministério Público, na 1.ª instância, respondeu ao recurso interposto pelo recluso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«1- Analisados e ponderados todos estes elementos, à luz do disposto no art.° 78.° do CEPMPL. impõe-se concluir que é prematura a concessão de uma licença de saída ao recluso.
2- As licenças de saída (jurisdicionais ou outras) integram uma fase muito relevante da execução da própria medida privativa de liberdade e carecem de uma cuidada avaliação dos seus pressupostos para serem concedidas, pelo que a sua concessão têm de ser fundamentada nos requisitos e critérios legais antes referidos.
3- Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, no caso dos autos verifica-se que a decisão judicial ora recorrida fez uma avaliação correta de tais requisitos e critérios legais, não se descortinando ainda razões para um voto de confiança ao recluso neste momento de execução da pena, quando afinal a gravidade da sua conduta criminosa se revela muito elevada, e dos autos não resultam elementos probatórios que revelam que tenha tido uma grande evolução ao nível da sua atitude face ao crime, e quando também as razões de prevenção geral se apresentam muito elevadas.
4- Identificaram-se como fragilidades pessoais o seu egocentrismo e falta de empatia, fatores que tendem a subsistir como elementos de risco de reincidência criminal.
5- Aliás, como se lê no acórdão do tribunal da relação de Lisboa, de 21/01/2015, proferido no processo n.º 7164/10.3TXLSB, o bom comportamento prisional não é nada que não seja exigível a um recluso - que conhece as consequências dos incumprimentos ao nível disciplinar - e não é suficiente para que seja concedida uma liberdade condicional.
__Apesar de não reconhecer fundamento à sua condenação, aceita a sua reclusão e apresenta uma adaptação adequada ao meio prisional, pautada pelo respeito pelas normas e para com os outros e aceitou de forma ambígua a sua integração do programa de ofensores sexuais.
6- Por fim, sendo certo que, que o arrependimento e reconhecimento do ilícito perpetrado não são fatores imprescindíveis à concessão da liberdade condicional - nem aliás tal foi, por nós afirmado - o certo é que tais circunstâncias não podem deixar de ser ponderadas em sede de personalidade do condenado e refletir-se na apreciação da evolução desta no cumprimento da pena.
7. Tanto mais quando é consabido que a reiteração criminosa no âmbito de crimes sexuais “cometidos por adultos na pessoa de crianças” é muito elevada, precisamente porque aqueles se encontram incapazes de interiorizar o mal perpetrado, vendo a sua conduta como normal e até resultado de uma pretensa sedução das vítimas, embora escondam por saberem que a sociedade a condena e a entende como repugnante.
8- Assim e como o próprio recorrente afirma “as licenças de saída do estabelecimento não são um direito do recluso” e se fez depender a sua concessão de ponderações no domínio da prevenção geral e da prevenção especial, tendo o tribunal apenas um poder dever de as apreciar e não um dever de concessão...
9. Resulta na verdade do Artigo 78.º - Requisitos e critérios gerais, que;
Podem ser concedidas licenças de saída quando se verifiquem os seguintes requisitos:
1- Fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes o que ainda não se pode concluir;
b) Compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social;
O que não se pode concluir pela prática reiterada de crimes graves similares
c) Fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade.
O que não se pode concluir pela pendência de processo penal em curso, com eventual agravação das penas.
10. Não esquecendo até que é a própria Recomendação R 2014(3), de 19/2/2014, do Conselho da Europa, que define um “a) ‘agente perigoso’ como ‘aquele que foi condenado por um crime sexual grave ou muito grave contra as pessoas e que apresenta uma alta probabilidade de reincidir, praticando mais crimes do mesmo tipo...
11-
2 - Tendo em conta as finalidades das licenças de saída, ponderam-se na sua concessão:
a) A evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade;
Que ainda é pouco expressiva
b) O ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar;
Que é similar ao que permitiu ou não foi impeditivo á prática de crimes
c) As circunstâncias do caso;
Que são de gravidade substancial
d) Os antecedentes conhecidos da vida do recluso.
Expressos na prática de crimes
Pelo exposto mantendo a douta decisão farão a costumada JUSTIÇA»
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Nesta instância, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, nos seguintes termos:
«Acompanhamos na íntegra a bem fundamentada resposta do Exmº Senhor Magistrado do Ministério Público da 1.ª instância, por concordarmos com os argumentos e fundamentos esgrimidos para rebater as pretensões do recorrente, objeto do recurso, nada mais tendo a acrescentar para além do que ali foi dito.
Pelo exposto, somos de parecer que o recurso interposto pelo recluso AA, deve ser julgado improcedente e, consequentemente, o Despacho recorrido deve ser mantido.»
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Após o exame preliminar do recurso em apreço, afigura-se-me que este deve ser rejeitado.
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II. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal, cfr. arts. 402.º, 403.º, e 412.º, n.º 1, todos do CPP.
Assim, e vistas as conclusões do recurso, a questão a decidir consiste em saber se deve ser concedida a licença de saída jurisdicional (doravante LSJ) ao recluso, ora recorrente, sem prejuízo, porém, da apreciação da questão prévia que se prende com a (ir)recorribilidade do despacho em crise.
A. Da (ir)recorribilidade do despacho de não concessão da LSJ pelo recluso:
Como decorre do disposto no art. 405.º do CPP, a decisão do tribunal superior que, na sequência de reclamação, admita o recurso não vincula o tribunal de recurso.
Isto significa que, pese embora o recurso tenha sido admitido, tal decisão não nos vincula.
Todavia, queremos deixar claro que compreendemos as razões subjacentes à procedência da reclamação do despacho que não admitiu o recurso, porquanto atendeu à jurisprudência do Tribunal Constitucional (doravante TC), em particular o Ac. n.º 652/2023 que julgou “inconstitucional a norma contida nos arts. 196.º, n.º 2, e 235.º, n.º 1, do (CEPMPL), interpretados no sentido da irrecorribilidade do despacho que indefira liminarmente o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional com fundamento na verificação de que a situação jurídico-penal do recluso não se encontra estabilizada”.
E tal decisão teve, entretanto, ressonância nos recentes Acs. n.ºs 598/2024 e 259/2025 e, ainda, a decisão sumária n.º 121/2025, todos do TC (ambos publicados na página institucional do Tribunal Constitucional) que julgaram “inconstitucional a norma contida nos artigos 196.º, n.ºs 1 e 2, e 235.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, interpretados no sentido da irrecorribilidade do despacho que indefere o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional”, já sem qualquer motivo de facto subjacente à não concessão de LSJ.
Ora, sempre com o devido respeito por entendimento distinto, discordamos desta posição - que não tem força obrigatória geral - e aderimos, no essencial, aos argumentos expendidos nos Acs. n.ºs 560/2014 e 752/2014, também do TC (publicados na página institucional do Tribunal Constitucional), que não julgaram inconstitucionais aquelas normas e, consequentemente, defenderam a irrecorribilidade do despacho de não concessão de licença de saída jurisdicional.
E há que dizer que, no caso vertente, aquele primeiro acórdão citado na reclamação não tem aplicação, pois que os fundamentos para a não concessão de LSJ extravasaram, e muito, a indefinição da situação jurídica do recluso/recorrente, como facilmente se depreende do teor do despacho em crise e supra transcrito.
Porém, já o mesmo não se pode dizer quanto aos segundo e terceiro e à decisão sumária, que defendem a recorribilidade sem mais, isto é, independentemente da razão de facto em que a decisão se baseou.
Daqui se infere que, em face da posição por nós adoptada, poderíamos, desde logo, rejeitar liminarmente o recurso, porquanto somos a entender que tal despacho é irrecorrível, como o diz expressamente o CEPMPL, sem que exista, salvo melhor opinião, qualquer violação do direito à tutela jurisdicional efectiva e de recurso previstos nos arts. 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) e sem que esteja sequer posto em causa o disposto nos arts. 6.º, 48.º, n.º 2 e 52.º, todos da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais (doravante CEDF) nem tão-pouco o art. 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (doravante CEDH).
E como nota o Ac. do TC n.º 752/2014 a que aludimos «a intervenção judicial na concessão da licença de saída do estabelecimento prisional representa já o acesso do recluso a um grau de jurisdição, ou seja, à tutela jurisdicional mínima que é coberta pelo n.º 1 do artigo 20.º da CRP. Não sendo a licença de saída um direito fundamental do recluso, mas apenas uma medida individual de reinserção social, o legislador não está vinculado a garantir que decisão judicial que a conceda ou negue tenha que ser reapreciada por um tribunal de segunda instância. Se o legislador não sujeitar essa decisão a recurso, isso significa que um processo penitenciário jurisdicional, decidido em primeira instância por órgão dotado de independência e imparcialidade, constitui um meio bastante para garantir a legalidade da decisão que concede ou negue a licença de saída jurisdicional (cfr. artigo 203º da CRP)” e que “[o] processo de licença de saída jurisdicional, tal como está desenhado nos artigos 189.º a 193.º do CEPMPL, não é um processo destinado a prevenir ou a compor um conflito entre o recluso e a administração prisional, pois o interesse atuado no processo é um só: a socialização do recluso. A forma desse processo não corresponde ao modelo de um «processo de partes», em que o interesse do recluso se confronta com interesses contrapostos da administração penitenciária. Mesmo a defesa da sociedade, que é uma das finalidades da execução das penas (n.º 1 do artigo 2.º do CEPMPL)”, havendo “fundamento razoável para diferenciar os poderes do Ministério Público dos poderes do recluso quanto à legitimidade para recorrer da decisão judicial que nega a licença de saída.” (sublinhado nosso).
Neste aresto considerou-se, ainda, que a licença penal não era um direito reconhecido aos reclusos. Salientou-se, nomeadamente, que as decisões do TEP que lhe dizem respeito tinham um carácter discricionário, reiterando assim as apreciações que fez no seu acórdão n.º 560/2014. Tendo o Tribunal de Justiça considerado que o recorrente não podia alegar, de forma defensável, ser titular de um «direito» reconhecido na ordem jurídica interna. Acolheu, assim, a excepção da inaplicabilidade do art. 6.º da CEDH (cfr. Boulois, já referido, § 104, e Jaurietta Ortigala c. Espanha (dec.), n.º 24931/07, 22 de janeiro de 2013) (§§13 e 14; assim também, mais recentemente, o acórdão de 30.05.2023, caso Jorge Manuel Frutuoso da Costa c. Portugal, §§7/8).
No olvidamos, obviamente, que no acórdão de 18.10.2005, caso Schemkamper c. França, o TEDH havia concluído que a omissão de previsão de um direito ao recurso da decisão denegatória da licença de saída fazia o Estado requerido incorrer em violação do art. 13.º da CEDH [§44. Todavia, já no acórdão de 03.04.2012, da Grande Chambre, caso Boulois c. Luxemburgo, entendeu-se que essa omissão não importa violação do art. 6.º da CEDH, §§95/105, assim também o acórdão de 22.01.2013, caso Jacinto Jaurrieta Ortigala c. Espanha, §§40/42.
De todo o modo, ainda que se acolhesse a admissibilidade do recurso como defende o Tribunal Constitucional, sempre diríamos o seguinte.
Da eventual concessão de LSJ:
Pretende o recorrente que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência revogada a decisão e deferida a “saída precária” requerida.
Sem o mínimo de fundamento legal, como veremos.
Como é consabido, uma LSJ [ou como se denominava na anterior legislação “saída precária”], no contexto da execução da pena, é uma autorização para um recluso sair do estabelecimento prisional por um período determinado, com o objectivo de fortalecer laços familiares e sociais e prepará-lo para a vida em liberdade.
Tal autorização depende, em primeira-mão de um requerimento por si formulado, seguido da realização de um Conselho Técnico (doravante CT) presidido pelo(a) Juiz/Juíza de Execução das Penas (doravante JEP) e no qual participam o Ministério Público, o(a) Director(a) do Estabelecimento Prisional (doravante EP), o(a) Chefe do serviço de vigilância e segurança, o(a) Responsável para a área do tratamento penitenciário, o(a) Responsável da equipa dos serviços de reinserção social e o(a) Funcionário de justiça (ou, neste último caso, não sendo possível a sua presença – o que sucede na maioria dos casos -, com assessoria do(a) Funcionário(a) do EP nos termos do art. 12.º, n.º 1, al. m) da Portaria n.º 286/13, de 9 de Setembro, ao “preparar e secretariar os conselhos técnicos, executando as decisões que no mesmo venham a ser aprovadas, no âmbito das respetivas competências”), no âmbito do qual são apresentados os respectivos pareceres de forma oral, com a subsequente prolação, igualmente oral, do despacho pelo(a) JEP, a conceder, ou não, tal pedido.
Assim, como nota Anabela Rodrigues, a própria forma de “licença” que reveste a decisão sobre a autorização de saída do estabelecimento prisional admite um certo grau de discricionariedade (in “A Posição Jurídica do Recluso na Execução da Pena Privativa de Liberdade, Seu Fundamento e âmbito”, Coimbra, 1982, págs. 50 a 52, nota 145), a que se junta a circunstância de, podendo ter lugar em momentos mais próximos do cometimento do crime, as ponderações inscritas no domínio das finalidades de prevenção geral da pena assumirem maior intensidade.
Há que concluir, assim, que a normação relativa à LSJ não reveste as características de regulamentação directamente atinente à realização concreta da reacção criminal, que encontre inscrição nas garantias de defesa em processo criminal asseguradas no 32.º, n.º 1 da CRP.
Feito este pequeno enquadramento, analisemos os seguintes aspectos:
i. Da natureza do acto decisório em crise e da sua fundamentação:
No termos do art. 146.º, n.º 1 do CEPMPL «[O]s actos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»
Por seu turno estabelece o disposto no art. 154.º do mesmo diploma legal que «[S]empre que o contrário não resulte da presente lei, são correspondentemente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.»
Assim, ao contrário do regime recursivo em sede de decisão final de concessão ou recusa de liberdade condicional (ou revogação da primeira), em que é permitido questionar a bondade da decisão ou mesmo invocar a nulidade decorrente da falta de fundamentação nos termos do disposto no art. 379.º n.º 2 CPP (aplicável ex vi art. 154.º do CEPMPL supra citado), com vista à reapreciação pelo tribunal superior das questões de facto e de direito, nos termos do art. 237.º do CEPMPL, neste acto decisório, ao invés, a fundamentação pode ser simples e escorreita dada a sua particular natureza.
Ou seja, sendo tal acto decisório um mero despacho - e não sentença, ou, na jurisdição que ora nos ocupa, decisão de concessão ou recusa de liberdade condicional ou revogação desta -, é bastante/suficiente a sua fundamentação sintética, quer factual quer jurídica.
Dito de outro modo, perante o teor do aludido despacho, atrás transcrito, afigura-se-nos, que o mesmo dá suficiente cumprimento ao disposto no art. 146.º do CEPMPL, respeitando o disposto no art. 205.º, n.º 1, da CRP, já que especifica os relevantes motivos da decisão.
Assim, torna-se, pois, necessário saber em que contexto concreto este tipo de acto decisório é tomado pelo(s) JEP.
Como é sabido, tais requerimentos são apresentados pelos reclusos e são levados a CT para apreciação e decisão, numa ordem de grandeza que ultrapassa, muitas vezes, a centena, com um incremento significativo nos períodos que antecedem as festividades do Natal e Páscoa e, ainda, as festas populares, podendo ultrapassar, nessas ocasiões, as duas centenas.
Por esse motivo, o legislador nacional, ciente da escassez dos meios que tem ao seu dispor, quis - e a nosso ver bem - agilizar (como, aliás, já o fazia na legislação anterior) o procedimento, com a implementação de decisões meramente orais, simples, céleres e, acrescentamos nós, possíveis nestas condições concretas, num universo anual de cerca de 45000 pedidos apreciados em todos os cinco Tribunais de Execução das Penas (doravante TEP) - cfr. estatística recente e constante do sistema citius.
Isto significa que o legislador pretendeu que a decisão deste procedimento em particular fosse proferida de forma simples e rápida, de modo a que os JEP pudessem conhecer, atempadamente, tais pedidos e, assim, decidir prontamente.
Ou seja, se assim não fosse, seria muito difícil, para não dizer mesmo de todo impossível, uma tomada de decisão em tempo, situação essa sim, violadora dos direitos da pessoa humana privada de liberdade, previstos nos arts. 20.º, n.º 1 e 30.º, n.ºs 4 e 5 da CRP, respectivamente, dos arts. 6.º, 48.º, n.º 2 e 52.º, todos da CEDF, e art. 5.º da CEDH.
Assim, perante questões simples e evidentes, o dever de fundamentação, que visa evidenciar as razões da bondade da decisão e dar satisfação à exigência de total transparência, facultando aos destinatários imediatos a sua apreensão e compreensão e possibilitando o tribunal superior conhecer as razões subjacentes, permitindo-lhe a sua total sindicância, pode e deve (cfr., aliás, se propugna no actual projecto inovador “Meenos” –“Memória para uma Escrita Natural, Óbvia e Simples” para uma linguagem clara e eficaz na Justiça, que o Conselho Superior da Magistratura tem em curso) assentar numa breve referência ao(s) fundamento(s) de facto (e de direito) da decisão.
Ora, no caso vertente, lida a decisão supra transcrita e para onde remetemos por razões de economia processual, é notório que o recorrente a apreendeu e compreendeu, pois que a escalpelizou nas motivações, e que, por outro lado, a mesma é clara e está fundamentada, sendo várias as razões por que não foi concedida a LSJ.
ii. Da (in)competência dos Tribunal da Relação:
Nos termos do disposto no art. 428.º do CPP os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
Como consabido, a matéria de facto pode ser sindicada no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP, no que se convencionou chamar de “revista alargada”, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6.
Enquanto no primeiro caso estamos circunscritos ao exarado na decisão final proferida, no segundo a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência (ou, no caso, CT), mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Aqui chegados, há que relembrar que, em face da realização de um CT, realizado oralmente e com decisão judicial, também, oral - como o é a decisão da LSJ -, este Tribunal não conhece as razões de facto subjacentes aos pareceres apresentados, nem estes estão reduzidos a escrito, ao contrário do que se passa, por ex., no processo de liberdade condicional.
Assim, se em termos jurídicos, afigura-se-nos que o JEP interpretou e aplicou a lei como o devia fazer - e fê-lo - com uma fundamentação simples, clara e escorreita, já que permitiu ao recorrente apreender as razões da não concessão da requerida LSJ, já tal aferição não se mostra possível quanto à questão de facto.
Mas antes de passarmos à questão de facto, há que dizer, ainda, que as medidas de flexibilização, que são naturalmente importantes para o condenado/recluso, podem nunca vir a ser aplicadas em função, por ex. do comportamento do condenado/recluso intra muros ou por não ter sequer qualquer retaguarda no exterior, ou por outras razões, nomeadamente a sua indefinição jurídica, já que a concessão de LSJ pode colocar em causa quer a execução da pena de prisão que naquele momento está a cumprir quer as razões de segurança e tranquilidade da ordem públicas que se impõem no caso.
Isto para concluir que não se compreende o argumento do recorrente quando afirma que foram violados os princípios da «igualdade, proporcionalidade, não discriminação e dos fins das penas, para além dos princípios da sociabilidade e do “dever de ajuda”, que incumbe ao Estado perante os seus cidadãos”», pois que a sua concessão, não constitui um direito absoluto do recluso e/ou de aplicação obrigatória e vinculativa para os JEP e depende, naturalmente, das circunstâncias próprias de cada recluso.
Vejamos, agora, a questão propriamente dita da “impugnação” da matéria de facto.
Neste aspecto, não tendo este Tribunal conhecimento do teor dos pareceres transmitidos oralmente, dada a simplificação do procedimento a que já aludimos, e sendo o acto decisório proferido de forma verbal, ainda que ulteriormente transcrito na acta, o mesmo mostra-se, em termos factuais, insindicável por este Tribunal, já que se desconhecem as condições de vida pessoal do recluso e a sua evolução intra muros.
E a circunstância de alguns pareceres serem favoráveis e outros desfavoráveis, como consta da acta, nada nos adiantam em concreto, pois que as condições de reclusão e de vida do recluso são discutidos oralmente no CT, não sendo objecto de documentação áudio, situação que impossibilita a sindicância por banda deste Tribunal. Sendo certo que, no caso vertente, os pareceres desfavoráveis são precisamente os do responsável para a área do tratamento penitenciário e do responsável dos serviços de reinserção social, ou seja, dos profissionais que fazem um acompanhamento directo, próximo e pessoal da evolução do recluso na cadeia e no exterior desta, situação que não é - há que dizê-lo frontalmente - de somenos importância.
E há que dizer, ainda, que não está vedada ao legislador nacional a possibilidade de implementação de procedimentos simplificados que permitam decisões céleres e respeitadoras dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, como é o caso da decisão que incide sobre uma LSJ, nem tão-pouco lhe está vedado considerar que determinados procedimentos sejam irrecorríveis – se assim não fosse, toda e qualquer decisão tomada por um juiz [sobre quem ainda recaem desconfianças absolutamente incompreensíveis num Estado de Direito como é o nosso, decorridos que se mostram 50 anos sobre o 25 de Abril de 1974] era susceptível de ser questionada, situação que causaria, como é bom de ver, um entorpecimento inadmissível e intolerável do funcionamento da Justiça.
No caso em apreço, pese embora o TC entenda que este tipo de decisão em particular é recorrível por banda do recluso, a verdade é que, na prática, a mesma esbarra com a circunstancia de se tratar de mera decisão oral e, por isso, insindicável em termos factuais pelo Tribunal da Relação.
Por conseguinte, é notório que não assiste qualquer razão ao recorrente, não tendo sido violadas quaisquer disposições legais, sendo o presente recurso manifestamente improcedente.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, determina-se a rejeição do presente recurso por inadmissibilidade, em conformidade com o disposto nos arts. 417.º, n.º 6 al. b) e 420.º, n.º 1 al. a), ambos do CPP, sendo certo que, conforme expusemos, sempre seria de rejeitar por manifesta improcedência.
Custas pelo recluso recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs, acrescida de igual montante pela rejeição, cfr. arts. 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1 e 420.º, nº 3, todos do CPP e art. 8.º, n.º 9 do RCP e tabela III anexa a este último diploma legal.
Notifique.
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Comunique, de imediato, à primeira instância
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Lisboa, 23 de junho de 2025
Marlene Fortuna