Sumário:
1 - Nos termos do art.º 1974º, nºs. 1 e 2, do CC, a adoção só pode ser decretada quando:
- Apresente reais vantagens para o adotando, não bastando que as traga apenas para os adotantes, resultando deste pressuposto que o instituto da adoção se encontra centrado na pessoa do adotando, e não na do adotante, como em tempos sucedeu;
- Se funde em motivos legítimos, irradiando se as adoções tiverem em vista, por exemplo, a prejudicar terceiros ao nível de direitos sucessórios;
- Não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adotante, pretendendo se evitar que os restantes filhos dos adotantes não sofram consequências e carências injustificadas em virtude da adoção;
- Seja razoável supor que entre o adotante e o adotado se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação, exigindo-se que adotante e adotado possuam as condições indispensáveis (por exemplo ao nível da idade, mas não só), que permitam supor fundadamente que entre ambos se estabelecerá um vínculo afetivo psicológico semelhante ao da filiação; e
- O adotando tenha estado ao cuidado do adotante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência do vínculo, requisito que é facilitado com a introdução do instituto da confiança do menor com vista à adoção, permitindo que, através de uma experiência prévia da relação de convívio, se possa avaliar, fazendo um juízo de prognose futura, da conveniência para o adotando do pedido de adoção.
2 - A estes acrescem requisitos especiais, específicos para a adoção plena e singular, quais sejam, de acordo com o disposto no art.º 1979º e 1980º, ambos do CC, quando se trate, como no nosso caso, de adoção de filho do cônjuge:
- Ter o adotante mais de 25 anos de idade;
- Ter o adotando menos de 18 anos à data da petição judicial de adoção.
3- Tais requisitos mais não visam que assegurar as condições sociológicas, de maturidade e de estabilidade individual necessárias para a constituição de um vínculo afetivo psicológico entre adotantes e adotado semelhante ao da filiação natural.
4 – Os requisitos específicos têm natureza imperativa não podendo ser afastados com fundamento no superior interesse do adotando.
Relatora: Maria Gomes Bernardo Perquilhas
Vindo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Família e Menores de Santarém – Juiz 1
Recorrente: AA
Acórdão proferido na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
1 – AA requereu a adoção de BB, filho da sua esposa, CC.
Pelo tribunal recorrido foi proferido despacho liminar no qual se decidiu improcedente o pedido formulado, que se transcreve:
Nos presentes autos, por acção entrada em juízo no dia 11 de Março de 2025, AA requereu a adoção do filho da sua mulher, BB, nascido em ... de ... de 2006.
Conforme dispõe o artº 1980º do Código Civil:
“ Podem ser adotadas as crianças:
a) Que tenham sido confiadas ao adotante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção; b) Filhas do cônjuge do adotante.
2 O adotando deve ter menos de 18 anos e não se encontrar emancipado à data do requerimento de adoção.”
De acordo com o referido preceito legal, apenas é permitida a adoção de menores de 18 anos.
Ora, no caso em apreço, o BB completou 18 anos de idade no dia ... de ... de 2024, ou seja, já é maior de 18 anos de idade.
Deste modo, o jovem já não poderá ser adotado.
Embora admirando o acto de carinho, dedicação e verdadeira parentalidade para com o BB por parte do requerente, a acção não pode proceder.
Assim, sem mais delongas, declaro improcedente a acção, por inadmissibilidade legal da adoção do BB.
Custas pelos mínimos a cargo do requerente.
Notifique.
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Inconformado com o decido veio o requerente da adoção recorrer, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) Decidiu o tribunal a quo pela improcedência da acção de constituição de adoção plena, por inadmissibilidade legal da adoção de BB.
b) Inconformado com a douta sentença proferida, vem o Recorrente recorrer da mesma por entender que não pode colher o único motivo que determinou a improcedência da acção, ou seja, a inadmissibilidade legal da adoção do jovem BB, em virtude de este já ter 18 anos de idade.
c) É, pois, neste ponto que reside a discordância do Recorrente da douta sentença proferida, ou seja, na interpretação da norma constante do n.º 2 do artigo 1980.º do CC, no sentido da exclusão da possibilidade de adoção de maiores de 18 anos.
d) Segundo o artigo 36.º, n.ºs 1 e 7 da Constituição da República Portuguesa: “Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade. (…) A adoção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação”.
e) O Tribunal é a entidade competente em matéria de adoção (artigos 1.º, n.º 2, alínea d) e 28.º da Lei n.º 143/2015, de 08 de setembro), o qual exerce no processo de adoção as funções que a Constituição lhe confere, garantindo o cumprimento da lei, assegurando a promoção e defesa dos direitos das crianças e fazendo prevalecer o seu superior interesse, sem prejuízo da consideração devida aos interesses legítimos das famílias biológicas e dos adotantes ou candidatos à adoção.
f) O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, limitou a sua convicção e decisão ao estatuído no artigo 1980.º do Código Civil, nomeadamente ao factor idade do adotando BB, o qual, tem actualmente 18 anos de idade, sem sequer ter em conta os demais preceitos legais referentes ao instituto jurídico “adoção” e, bem assim, à jurisprudência que decidiu em sentido contrário, ou seja, que os 18 anos de idade não poderão ser um condicionalismo para que o jovem adotando não possa ser adotado (Acórdão n.º 132/2022 da 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, processo n.º 533/2021).
g) O Tribunal a quo decidiu – mal – pela improcedência da acção de constituição de adoção plena do jovem BB sem sequer proceder à sua audição, bem como à audição do adotante, nos termos e para os efeitos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 54.º do Regime Jurídico do Processo de adoção, conforme peticionado.
h) Dúvidas não poderão existir, porque documentalmente provado que, o Recorrente e a mãe do jovem BB, CC, casaram um com o outro, em 21/07/2012.
i) O jovem BB, nascido a .../.../2006, é fruto da anterior relação da sua mãe com DD.
j) O jovem BB, não tem qualquer lembrança de conviver e residir com o pai biológico, uma vez que o mesmo saiu de casa quando aquele tinha cerca de 6 meses de idade.
k) O Recorrente e a mãe do BB iniciaram uma relação quando este tinha cerca de 1 ano de idade.
l) O Recorrente assumiu o papel de um verdadeiro pai, participando nos banhos, refeições e brincadeiras do jovem, dedicando lhe toda a sua atenção e tempo possível.
m)Para o jovem BB, o seu pai sempre foi e será o Recorrente e começando a aperceber se de que o último nome da mãe é o nome de família do Recorrente, ou seja, “EE”, começou a pedir para ter também o nome do “pai”, pois, quando apresentasse o seu documento de identificação a alguém que no mesmo estivesse escrito o nome “EE” que é o nome do “pai”.
n) O Recorrente não tem filhos próprios nem em comum com a mãe do BB.
o) Desde sempre foi intenção do Recorrente e da mãe do BB, em virtude da ausência absoluta do pai biológico, tratar do processo de adoção junto dos serviços da Segurança Social, contudo, dada a burocratização envolta no processo de adoção e o facto de o pai biológico do BB se encontrar em parte desconhecida, os mesmos, com muita pena, acabaram por abolir essa hipótese.
p) O jovem BB não mantém qualquer contacto com a família biológica paterna.
q) O Recorrente e o BB tratam se por pai e filho.
r) O jovem BB, agora com 18 anos de idade, completados em ... passado, pretende ter a possibilidade de decidir, salvo o devido respeito, sem consentimento do pai biológico que apenas o registou, ser adotado pelo Recorrente, ou seja,
s) o Recorrente pretende adoptar o jovem BB e este, por sua vez, pretende ser adotado pelo Recorrente, ambos tendo plena consciência, de todos os direitos e obrigações subjacentes.
t) O artigo 1980.º do Código Civil refere que: “Podem ser adotadas as crianças (…) filhas do cônjuge do adotante (n.º 1 alínea b)) e que o adotando deve ter menos de 18 anos”… (n.º 2).
u) In casu, dúvidas não existem de que o jovem BB é filho da cônjuge do Recorrente, conforme se atesta pelos documentos juntos com a petição inicial.
v) Não obstante, pese embora, o BB tenha atingido a maioridade em ... passado, certo é que a palavra deve constante no n.º 2 do referido preceito legal não deve ser entendida no sentido de que apenas podem ser adotados menores de 18 anos.
w) Assim se mostra evidenciado no Douto Acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 132/2022 (Processo n.º 533/2021 da 1.ª Secção, Relator Conselheiro José António Teles Pereira) o qual decidiu – e bem – que o requisito menoridade não deve sobrepor se nunca aos princípios constitucionais relativos à protecção da família.
x) O jovem BB viveu desde sempre com a mãe e, desde um ano de idade, também com o Recorrente.
y) O Recorrente e o jovem BB desenvolveram entre si uma relação de afeto e de cuidado própria entre pai e filho, inserida numa dinâmica familiar, tratando se por pai e filho, e sendo vistos como tal perante outros familiares, amigos e instituições, designadamente, na escola e em toda a comunidade.
z) O jovem BB é filho único de CC sendo que o Recorrente não tem filhos em comum com a sua mulher nem de outros relacionamentos anteriores.
aa) Ora, neste sentido, muito bem estabeleceu o Douto Acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 132/2022 que: …”A conjugação das duas normas [artigo 36.º da CRP e artigo 1980.º do CC] deve permitir concluir que, não obstante a lei poder regular os termos em que o processo de adoção deve decorrer e quais os respetivos requisitos, não deve ser o requisito da maioridade do adotando a determinar se A. deve ou não ter a possibilidade de vir a ter presente na sua vida um pai (…) de a realidade jurídica refletir isso mesmo, caso venham a verificar se os restantes requisitos a que a lei alude e relativamente aos quais não se coloca, a nosso ver, qualquer questão de possível inconstitucionalidade”... bb) Mais referindo o Douto Acórdão o seguinte: …”não sendo a letra da lei substantiva muito clara – deve não significa o mesmo que apenas e comportando perfeitamente as duas soluções em conflito, parece de considerar que, produzindo a adoção efeitos mesmo depois da maioridade, não se encontram razões sólidas para rejeitar a aplicação de um instituto que tantas vantagens pode acarretar para os adotandos e até para os adotantes….
cc) Sendo a adoção fonte de uma relação jurídica familiar (artigo 1576.º do Código Civil), não se justifica limitar a constituição de um vínculo familiar a um requisito formal, como a idade, se todos os requisitos substantivos estiverem preenchidos”....
dd) Mais refere o Douto Acórdão n.º 132/2022: …” Pode argumentar se que a adoção não permite a adoção de maiores, porque aí já não é necessário regular as responsabilidades parentais e os adotantes já não terão os deveres inerentes, isto é, o dever de guarda, de educação, de assistência, de representação, etc., mantendo se apenas uma projeção do regime no domínio sucessório,
ee) contudo, esse argumento não colhe mesmo à luz da leitura mais tradicional da lei, pois que se o requerimento der entrada no Tribunal na véspera de o adotando ter 18 anos, o requerimento será apreciado e a adoção pode vir a ser decretada relativamente a alguém com 18 ou mais anos”.
ff) Acresce que, nos termos dos artigos 1905.º, n.º 2 e 1880.º, ambos do Código Civil, actualmente, as obrigações para os pais decorrentes das responsabilidades parentais, nomeadamente, o pagamento das despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos, mantém se para depois da maioridade e até que o filho complete a sua formação profissional, com o limite dos 25 anos de idade.
gg) Por outro lado, sucede que ser pai e ser filho não se reduz ao exercício das responsabilidades parentais com o conteúdo a que alude o artigo 1878.º do Código em referência, pelo que a relação de filiação perdura para além dos 18 anos, ainda que as responsabilidades parentais cessem – artigo 1877.º.
hh) O argumento da maioridade é suscetível de ser ultrapassado através dos outros requisitos (substantivos) de que depende a constituição do vínculo.
ii) Dúvidas não podem subsistir de que o efeito preclusivo da maioridade na constituição do vínculo da adoção, neste caso, viola a Constituição da República Portuguesa (art. 36.º, n.º 1, primeira parte, e n.º 7), não se devendo aplicar, pois, a norma do art. 1980.º, n.º 2 do Código Civil, quando interpretada no sentido de excluir a possibilidade de vir a ser requerida a adoção de um jovem com mais de 18 anos por quem o trata como filho desde tenra idade, tendo se estabelecido entre ambos a relação efetiva de afeto, cuidado e assistência, própria de pai e filho.
jj) Como requisitos gerais da adoção o artigo 1974.º do Código Civil estabelece que: “A adoção visa realizar o superior interesse da criança e será decretada quando apresente reais vantagens para o adotando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adotante e seja razoável supor que entre o adotante e o adotando se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação. (n.º 1) O adotando deverá ter estado ao cuidado do adotante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência da constituição do vínculo.” (n.º 2)
kk) Salvo o devido respeito, não pode o requisito da menoridade do adotando ser o único factor a considerar para que venha a ser concedida a adoção plena por parte do cônjuge da progenitora, ora Recorrente, como fez o Tribunal a quo, fazendo uma interpretação literal e simplista da norma do artigo 1980.º, n.º 2 do Código Civil, decidindo pela improcedência da acção.
ll) Na verdade, a conjugação do artigo 1980.º, n.º 2 do Código Civil com os princípios constitucionais relativos à proteção da família, determina que o efeito preclusivo da maioridade na constituição do vínculo da adoção viola claramente a Constituição da República Portuguesa, não podendo, pois, o requisito da menoridade sobrepor se nunca aos princípios constitucionais relativos à protecção da família.
mm) E, assim, como já supra referido, o Douto Acórdão do Tribunal Constitucional (n.º 132/2022), decidiu não ser de aplicar, por violação da CRP (artigo 36.º, n.º 1, primeira parte e n.º 7 e artigo 277.º, n.º 1), a norma do n.º 3 (actual n.º 2) do artigo 1980.º do Código Civil, “quando interpretada no sentido de excluir a possibilidade de vir a ser requerida a adoção de um jovem com mais de 18 anos, filho do cônjuge do requerente e que o trata como filho desde os 5 anos de idade, tendo se estabelecido entre ambos a relação efetiva de afeto, cuidado e assistência, própria de pai e filho”’.
nn) No presente recurso está, pois, em causa a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 1980.º, n.º 2 do Código Civil quando interpretada no sentido de o requisito da menoridade dever existir à data do requerimento (judicial) da adoção, no caso do adotando ser filho do cônjuge do adotante.
oo) Na verdade, a par dos requisitos gerais da adoção previstos no artigo 1974.º do Código Civil – devidamente preenchidos no caso dos autos – deve também atender se à importância e relevo dos afetos estabelecidos entre o Recorrente e o jovem BB como critério de vinculação familiar nos casos da adoção de filho da cônjuge.
pp) Mais do que o laço biológico, é o vínculo caraterizado pela convivência, assistência e afetividade durante praticamente toda a vida do jovem BB, uma vez que, pai ou mãe é aquele que cria.
qq) Pela adoção, o adotado adquire a situação de filho do adotante e integra se na família deste, extinguindo se as relações familiares entre o adotado e os seus ascendentes e colaterais naturais, sem prejuízo do disposto quanto a impedimentos matrimoniais nos artigos 1602.º a 1604.º (artigo 1986.º, n.º 1, do Código Civil).
rr)No entanto, se um dos cônjuges adopta o filho do outro – como na hipótese sub judice – mantêm se as relações entre o adotado e o cônjuge do adotante e os respetivos parentes (artigo 1986.º, n.º 2, do Código Civil).
ss) Como bem refere Guilherme de Oliveira, “[por] oposição ao parentesco natural, que é o parentesco assente no vínculo de sangue, a adoção é assim um parentesco legal, criado à semelhança daquele. Não quer isto dizer, porém, que se trate de uma ficção da lei. O que acontece é que a adoção assenta em outra verdade, uma verdade afetiva e sociológica, distinta da verdade biológica em que se funda o parentesco” (Manual de Direito da Família, 2.ª ed., Coimbra, 2021, p. 539).
tt) Nos termos do artigo 1974.º do Código Civil, a adoção “[…] visa realizar o superior interesse da criança e será decretada quando apresente reais vantagens para o adotando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adotante e seja razoável supor que entre o adotante e o adotando se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação” e “[o] adotando deverá ter estado ao cuidado do adotante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência da constituição do vínculo”.
uu) Dúvidas não existem de que, in casu, tendo em conta o superior interesse do jovem BB, ainda que maior, sendo adotado pelo Recorrente, tal processo apenas trará reais vantagens e benefícios para ambos, os quais vêm formalizada a sua situação jurídica de pai e filho, há muito desejada.
vv) Pois que ser pai e ser filho não se reduz ao exercício das responsabilidades parentais com o conteúdo a que alude o artigo 1878.º do Código Civil, uma vez que a relação de filiação perdura para além dos 18 anos, ainda que as responsabilidades parentais cessem, ou seja,
ww) os efeitos da filiação vão para além da maioridade, no que respeita ao dever de respeito, de auxílio e de assistência (artigo 1874.º do Código Civil) e no que é relativo à componente emocional que também constitui e define o ser humano, no que é simbólico, como é ter o mesmo apelido – EE da mãe e do Recorrente.
xx) Reitera se, pois, que o único filho que o Recorrente tem é o jovem BB, filho da sua mulher e de quem sempre cuidou como se seu filho de sangue fosse.
yy) Motivo pelo qual, no mesmo sentido do Douto Acórdão n.º 132/2022, no caso dos presentes autos, a norma contida no n.º 2 do artigo 1980.º do Código Civil, deve ser interpretada no sentido segundo o qual não se pode excluir a possibilidade de adoção de um jovem com idade superior a 18 anos à data de entrada do requerimento do adotante no tribunal, quando se trate de filho do cônjuge do requerente, tratado pelo adotante como filho desde a infância, tendo se estabelecido entre ambos uma relação de afeto, cuidado e assistência idêntica às que habitualmente se estabelecem entre pai e filho.
zz) Por tudo o supra exposto é, pois, para o Recorrente incompreensível e inaceitável a prespectiva literal e simplista subjacente à improcedência da acção de constituição de adoção plena do jovem BB, ou seja, a maioridade deste, uma vez que ser pai e ser filho não se reduz ao exercício das responsabilidades parentais com o conteúdo a que alude o art. 1878.º do Código em referência,
aaa) ou seja, no que respeita ao dever de respeito, de auxílio e de assistência (art. 1874.º do Código Civil) e no que é relativo à componente emocional que também constitui e define o ser humano, no que é simbólico, como é ter o mesmo apelido dos membros que integram o respetivo agregado familiar, a relação de filiação perdura para além dos 18 anos, ainda que as responsabilidades parentais cessem (art. 1877.º do Código Civil).
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando se a decisão recorrida e substituindo se a mesma por outra, que declare a constituição de adoção plena de BB por AA, nos termos e para os efeitos do artigo 1979.º e seguintes do Código Civil, em virtude de o responsabilidade limitada jovem ser filho da sua cônjuge, consigo residindo desde um ano de idade, tendo se estabelecido entre ambos uma relação de afeto, cuidado e assistência idêntica às que habitualmente se estabelecem entre pai e filho, não devendo aplicar se, por violação da CRP (artigo 36.º, n.º 1, primeira parte e n.º 7 e artigo 277.º, n.º 1), a norma do n.º 2 do artigo 1980.º do Código Civil, quando interpretada no sentido de excluir a possibilidade de vir a ser requerida a adoção de um jovem com mais de 18 anos, filho da cônjuge do Recorrente e que o trata como filho desde o seu primeiro ano de vida, tendo se estabelecido entre ambos a relação efetiva de afeto, cuidado e assistência, própria de pai e filho.
b) Conceder, por força da adoção Plena, ao jovem adotado a perda do apelido “Oliveira” e a atribuição do apelido “EE” passando o seu nome a ser FF. c) Consequentemente, por força da adoção Plena, ordenar junto do registo civil, a alteração do assento de nascimento do jovem, com o n.º ... do ano de ..., eliminando se os elementos de identificação do pai biológico (DD) e avós paternos (GG e HH) e, consequentemente, requerendo o respectivo averbamento do nome do Adotante Recorrente, na qualidade de pai, AA, de 48 anos de idade, casado, natural da freguesia de ..., concelho de ..., filho de II e JJ, residente na ....
Para tanto, desde já, requer a V. Exa., Venerando Juiz Relator, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 1, alínea d) do CPC, se digne ordenar as diligências que considere necessárias, designadamente, a audição do Adotante Recorrente e do Adotando BB.
Decidindo assim V. Exas, Venerandos(as) Desembargadores(as), com a habitual Justiça.
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O MP concluiu a sua resposta concluindo como se segue:
1ª – Dispõe o artº 1980º, nº 2 do Código Civil, que “ O adotando deve ter menos de 18 anos à data do requerimento de adoção.”
2ª No caso sub judice, a acção foi instaurada no dia 11 de Março de 2025, data em que o adotando BB já havia completado 18 anos de idade há cerca de 6 meses.
3ª No caso sub judice não correu termos qualquer fase administrativa, sendo que a presente acção foi instaurada decorridos seis meses após o adotando BB ter completado 18 anos de idade.
4ª A presente acção jamais poderia proceder, uma vez que o adotando já era maior de 18 anos de idade aquando da sua instauração.
5ª A sentença recorrida não violou qualquer preceito legal, motivo pelo qual deverá ser mantida.
6ª Por todo o exposto, o presente recurso deverá ser julgado improcedente, e consequentemente, a decisão recorrida manter se na íntegra.
Este o nosso entendimento.
V. Excelências, contudo, decidirão de JUSTIÇA!
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
A - DE FACTO
Para decisão do presente Recurso fixam-se os seguintes factos:
A petição inicial deu entrada em juízo no dia 11 de março de 2025.
AA, requerente da adoção, casou com CC, sem convenção antenupcial, no dia ... de ... de 2012.
O adotando BB nasceu no dia ... de ... de 2006 e é filho de CC e de DD.
Não correu termos qualquer fase administrativa, previa à dedução da ação especial de adoção.
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Os factos elencados colhem a sua demonstração nas certidões dos assentos de nascimento e cessamento juntos aos autos, e na p.i..
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III – Apreciação do mérito do recurso:
1. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia se na seguinte questão:
A maioridade do adotando constitui ou impedimento inultrapassável da adoção.
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2. Conhecendo e decidindo:
De acordo com o art.º 1586º, do CC, a adoção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas, nos termos dos artigos 1973º e seguintes.
A adoção é, assim, a par do casamento, filiação e da afinidade, fonte de relações jurídicas familiares.
Trata se de uma relação familiar que tem na sua base, não um facto biológico, a procriação, mas antes uma realidade sentimental, social e afetiva tão (ou mais) real que aquele laço biológico.
O instituto da adoção radica na ideia de que a criança, enquanto sujeito autónomo de direitos, tem o direito a um desenvolvimento sadio e harmonioso, o que supõe um ambiente de afeto e responsabilidade e a ausência de descontinuidades graves no acompanhamento afetivo e educacional da criança.
A família, enquanto núcleo socializador essencial, é o meio privilegiado para a concretização desse direito fundamental da criança.
É indiscutível o primado da família biológica ou natural consagrado no direito constitucional da família e na lei ordinária, patente no art.º 36.º da CRP e nomeadamente no art.º 1979.º do CC. Na verdade, a nossa lei fundamental, para além de consagrar o direito a constituir família, a par deste protege e consagra o direito e dever de educação e manutenção dos filhos (art.º 36.º, n.º 5 da CRP), proibindo expressamente a separação dos filhos dos pais a menos que salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (art.º 36.º, n.º 6 da CRP), o que é regulado no já referido art.º 1979.º do CC.
Assim, quando a permanência da criança no seu meio familiar natural faz perigar o seu crescimento harmonioso, revelando-se a colaboração, assistência e apoio do Estado e da sociedade infrutífera na recuperação, em tempo útil, da função parental, há que procurar uma solução alternativa, o que é plenamente conseguido através do instituto da adoção, com a integração da criança num meio familiar substitutivo.
Além desta situação, o instituto adoção mostra-se ainda adequado e responde a situações em que se encontrem crianças/jovens, que não se encontram em situação de perigo e por isso não existe nem o legislador exige decisão judicial prévia declarando a sua adotabilidade, como sejam as adoções de filho de cônjuge, dado que a relação existente se considera já como laço emocional de pertença equiparado a filiação de facto ou socio-afetiva.
A adoção pode classificar-se de conjunta ou plural, quando realizada por casal (art.º 1979º, nº1, do CC), ou singular, quando realizada por uma só pessoa (1979º, nº 2, do mesmo diploma legal).
Em qualquer dos casos, nos termos do art.º 1974º, nºs. 1 e 2, do CC, a adoção só pode ser decretada quando:
- Apresente reais vantagens para o adotando, não bastando que as traga apenas para os adotantes, resultando deste pressuposto que o instituto da adoção se encontra centrado na pessoa do adotando, e não na do adotante, como em tempos sucedeu;
- Se funde em motivos legítimos, irradiando se as adoções tiverem em vista, por exemplo, a prejudicar terceiros ao nível de direitos sucessórios;
- Não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adotante, pretendendo se evitar que os restantes filhos dos adotantes não sofram consequências e carências injustificadas em virtude da adoção;
- Seja razoável supor que entre o adotante e o adotado se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação, exigindo-se que adotante e adotado possuam as condições indispensáveis (por exemplo ao nível da idade, mas não só), que permitam supor fundadamente que entre ambos se estabelecerá um vínculo afetivo psicológico semelhante ao da filiação; e
- O adotando tenha estado ao cuidado do adotante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência do vínculo, requisito que é facilitado com a introdução do instituto da confiança do menor com vista à adoção, permitindo que, através de uma experiência prévia da relação de convívio, se possa avaliar, fazendo um juízo de prognose futura, da conveniência para o adotando do pedido de adoção.
A estes requisitos gerais acrescem requisitos especiais, específicos para a adoção plena e singular, quais sejam, de acordo com o disposto no art.º 1979º e 1980º, ambos do CC, quando se trate, como no nosso caso de adoção de filho do cônjuge:
- Ter o adotante mais de 25 anos de idade;
- Ter o adotando menos de 18 anos à data da petição judicial de adoção.
Tais requisitos mais não visam que assegurar as condições sociológicas, de maturidade e de estabilidade individual necessárias para a constituição de um vínculo afetivo psicológico entre adotantes e adotado semelhante ao da filiação natural.
Como explica Ana Rita Alfaiate (Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Clara Sottomayor (ccord.), 2.ª Ed., Maio 2022, 8. Procurando-se, acima de tudo, alguém que assuma as responsabilidades relativamente à criança, o seu cuidado e educação, as funções tradicional e naturalmente associadas aos pais de filhos menores, a adoção em Portugal não consagra a possibilidade de adoção de adultos1.
No caso sub judice, não restam dúvidas que os requisitos específicos não se mostram verificados uma vez que o adotando era já maior à data da entrada da ação em juízo.
A questão que importa analisar é se estes requisitos, concretamente o incidente sobre a idade do adotando é ou não impeditivo do decretamento da adoção.
Não temos dúvidas que sim.
Na verdade, este é um requisito de legalidade estrita que não pode ser afastado com fundamento no superior interesse do menor, já que não está em causa o decretamento da adoção relativamente a uma pessoa menor de idade, sendo que ainda que de menor de idade se tratasse os requisitos de legalidade estrita não podem ser afastados com fundamento no superior interesse da criança.
O recorrente invoca os acórdãos do Tribunal Constitucional N.º 132/2022, n.º 320/2000 e n.º 551/03. Contudo, três notas se impõem; a primeira, que resulta da mera análise dos referidos acórdãos, é que apenas o mais recente declara inconstitucional a interpretação que as instâncias judiciais haviam feito da norma em causa, concretamente sobre o momento relevante para efeitos da verificação do requisito em causa – data da apresentação da candidatura ou data da entrada em juízo do requerimento inicial; a segunda nota é que a declaração de inconstitucionalidade não ter força obrigatória geral; a terceira nota, como bem nota o MP na sua resposta, no caso não existiu qualquer fase administrativa, já que o afasta desde logo a sua aplicação ao caso concerto: Refira-se que a jurisprudência constitucional invocada pelo Recorrente, decidiu “julgar inconstitucional a norma contida no n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil, interpretado no sentido segundo o qual se exclui a possibilidade de adoção de um jovem com idade superior a 18 anos à data de entrada do requerimento do adotante no tribunal, quando se trate de filho do cônjuge do requerente, tratado pelo adotante como filho desde a infância, tendo-se estabelecido entre ambos uma relação de afeto, cuidado e assistência idêntica às que habitualmente se estabelecem entre pai e filho, quando aplicado aos casos em que, à data em que o candidato a adotante apresentou o requerimento inicial junto do organismo de Segurança Social, o adotando fosse menor e não emancipado, atingindo a maioridade no decurso da fase administrativa”.
Ou seja, esse Acórdão decidiu a inconstitucionalidade da supra referida norma nas situações em que o adoptando, que seja filho do cônjuge do requerente, tratado pelo adoptante como filho desde a infância, tendo-se estabelecido entre ambos uma relação de afecto, cuidado e assistência idêntica às que habitualmente se estabelecem entre pai e filho, à data em que o candidato a adoptante apresentou o requerimento inicial junto do organismo de Segurança Social, o adoptando fosse menor e não emancipado, atingindo a maioridade no decurso da fase administrativa.
No caso sub judice não correu termos qualquer fase administrativa, sendo que a presente acção foi instaurada decorridos seis meses após o adoptando BB ter completado 18 anos de idade.
Nestes termos, e tendo em conta a natureza imperativa da norma em causa, que fixa requisitos de legalidade estrita, nenhuma razão existe nos autos que permita afastar a sua aplicação.
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IV - DECISÃO:
Face ao exposto Acorda-se nesta Relação de Évora:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente mantendo se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente fixando se no mínimo a taxa de justiça devida.
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Évora, 25 de junho de 2025
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1. Nesta mesma anotação a autora aborda o Ac. do TC acima referido.↩︎