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DECLARAÇÕES DE PARTE
RELEVÂNCIA DOS FACTOS
DIREITO À PROVA
Sumário
I - As declarações de parte para além de terem tendo por objeto, nos termos do art.º 466.º, nº 1, do CPCivil “os factos em que [as partes] tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto”, deve ainda o juiz verificar se as declarações (i) versam sobre factos juridicamente relevantes, (ii) que se mostram controvertidos e (iii) que sejam suscetíveis de ser provados por esse meio de prova. II - A ponderação da relevância dos factos sobre os quais versa o depoimento deve ser feita tendo em conta o objeto do processo, afigurando-se que para essa análise deve ser adotado um critério de evidência, isto é, a pretensão da parte em prestar declarações só deve ser indeferida, com fundamento na irrelevância, quando for manifesto/flagrante que o assunto sobre o qual versam as pretendidas declarações é inócuo para a decisão, porque os factos alegados não podem conduzir ao resultado pretendido, independentemente da perspetiva em que nos coloquemos, da ação ou da defesa. III - As declarações de parte devem incidir sobre factos, donde, estão necessariamente excluídas as afirmações que se reconduzem a meras conclusões ou raciocínios valorativos formulados pela parte, não suficientemente concretizados ou densificados por via da indicação de ocorrências da vida real, de cariz objetivo ou subjetivo. IV - O principio de igualdade dos cidadãos perante a lei, consignada no artigo 13.º da CRP não impõe a uniformidade absoluta de regimes jurídicos para todos os cidadãos, consentindo a sua diversidade assente em diferença de situações. V - A estipulação, pelo legislador, de limitações aos meios de produção de prova, mormente por via da imposição de determinados requisitos de admissão, não configura, à partida, restrição intolerável ao direito à prova, como parte do direito à tutela jurisdicional efetiva, desde que essas limitações não possam ter-se como arbitrárias e desproporcionadas.
Texto Integral
Processo nº 17778/21.0T8PRT-C.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível do Porto-J3 Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. José Eusébio Almeida
2º Adjunto Des. Dr.ª Eugénia Marinho da Cunha
5ª Secção Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I-RELATÓRIO
Procede-se a inventário cumulado para partilha das heranças abertas por óbito de AA, BB e CC.
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Tendo o processo vindo a seguir os seus regulares termos, em 09/01/2025, o recorrente apresentou nos autos requerimento do seguinte teor: “DD, c.c. (cabeça de casal) nos autos supra identificados, tendo tomado conhecimento do despacho de 06/01/2025, vem requerer: 1) No dito despacho V. Exª admite a prestação de declarações de parte dos interessados EE e FF, entre outras, a matéria que tem que ver com mobílias e outros bens móveis referida na reclamação dos mesmos contra a relação de bens da Inventariada AA, nos pontos 1. a), b) e c) e ponto 2, e referida na reclamação dos mesmos contra a relação de bens dos Inventariados CC e BB, nos pontos 11 a 20 2) Sucede que no requerimento do c.c. de 22.11.2024, o mesmo, como determinado no despacho de V. Exª de 07-11-2024 discriminou os artigos da resposta que apresentou em 20.11.2023 à reclamação da relação de bens sobre os quais pretende prestar declarações de parte e sobre os quais pretende que os reclamantes EE e FF prestem depoimento de parte. E indicou, para além do mais, os artºs 57 a 62 dessa resposta que também têm que ver com mobílias e outros bens móveis, Porém, por despacho de 16-12-2024 foram indeferidos os requeridos depoimentos de parte dos interessados EE e FF e declarações de parte do c.c. relativamente a tal matéria “por ser conclusiva ou irrelevante para o objeto da reclamação“. 3) Pelo que por identidade de razões, face à decisão anterior de V. Exª, deve ser indeferida a prestação de declarações de parte pelos interessados EE e FF à matéria que tem que ver com mobílias e outros bens móveis detalhada supra no nº 1) deste requerimento, ou se assim não se entender, por estar em causa matéria igual, deve determinar-se a prestação de declarações de parte do c.c. e depoimentos de parte dos interessados EE e FF à matéria dos artºs 57 a 62 da resposta que o c.c. apresentou em 20.11.2023 à reclamação da relação de bens, o que se requer.”
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Sobre o assim impetrado recaiu o seguinte despacho: “Ref.ª Citius 41215733 (09.01.2025): Efetivamente, não é a circunstância de os art.ºs 57.º a 62.º da resposta também terem “que ver com mobílias e outros bens móveis” que os torna relevantes para a decisão desta parte da causa. Desde logo, a relevância aferir-se-á pelo carácter factual do conteúdo dos referidos artigos (que, no caso vertente, não têm, mas apenas carácter meramente opinativo) e pela circunstância de a questão dos valores dos bens aí aludidos também ser objeto da prova (que não é, pois a discordância quanto ao valor dos bens será apreciada na sede própria, ou seja, na conferência de interessados–art.ºs 1111.º e 1114.º do C.P.C.). Pelo exposto, indefiro o requerido. Notifique.”
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Não se conformando com o assim decidido veio o cabeça de casal interpor o presente recurso rematando com as seguintes com as seguintes conclusões: (…)
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir: a)- saber se devia ou não ter sido admitida a prestação de declarações de parte dos interessados EE e FF relativamente a matéria da reclamação à relação de bens por eles apresentada e nos moldes requeridos; b)- saber, em caso de resposta positiva à questão enunciada, se devia ou não ter sido admitida a prestação de declarações de parte do cabeça de casal relativamente a matéria da mesma natureza por ele vertida na resposta à citada reclamação.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual a ter em conta para a resolução das questões enunciadas é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida.
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III. O DIREITO
Como acima se referiu são suas as questões a decidir: a)- saber se devia ou não ter sido admitida a prestação de declarações de parte dos interessados EE e FF relativamente a matéria da reclamação à relação de bens por eles apresentada e nos moldes requeridos; b)- saber, em caso de resposta positiva à questão enunciada, se devia ou não ter sido admitida a prestação de declarações de parte do cabeça de casal relativamente a matéria da mesma natureza por ele vertida na resposta à citada reclamação.
Todavia, por estarem interligadas, iremos apreciá-las em conjunto.
Como se evidencia do histórico dos autos o tribunal recorrido em 07/11/2024 proferiu o seguinte despacho: “(i) Dos interessados Reclamantes: Notifique os Reclamantes para, em 10 dias, discriminarem os artigos do requerimento de reclamação sobre os quais pretendem prestar declarações, nos termos dos arts. 466.º, n.º 2, e 452.º, n.º 2, do C.P.C., sob pena de indeferimento deste meio probatório. (ii) Do cabeça-de-casal: Notifique o cabeça-de-casal para, em 10 dias, discriminar os artigos da sua resposta à reclamação sobre os quais pretende prestar declarações e sobre os quais pretende que os Reclamantes prestem depoimento de parte, nos termos dos arts. 466.º, n.º 2, e 452.º, n.º 2, do C.P.C., sob pena de indeferimento destes meios probatórios”.
Nesta sequência recorrente e recorridos apresentaram nos autos, respetivamente, em 21/11/2024 os seguintes requerimentos: “4) Conforme determinado no citado despacho de V. Exª discrimina os artigos da resposta apresentada em 20.11.2023 pelo c.c. à reclamação da relação de bens sobre os quais pretende prestar declarações de parte e sobre os quais pretende que os reclamantes EE e FF prestem depoimento de parte: artigos 4º, 5º, 7º a 16º, 19º a 27º, 41º, 42º, 44º, 48º, 54º, 55º, 57º a 62º, 65º, 75º a 81º, 85º a 87º (bis), 90º a 92º”.
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“EE e FF, reclamantes nos autos de inventário supra identificados, em cumprimento do douto despacho proferido por este tribunal, VÊM Especificar a matéria sobre a qual devem ser ouvidos nas suas declarações de parte: ASSIM, I. Relativamente á reclamação contra a relação de bens da Inventariada AA, devem ser ouvidos sobre a matéria vertida nos pontos: 1. a), b) e c) e ponto 2.; II. Relativamente á reclamação contra a relação de bens dos Inventariados CC e BB, devem ser ouvidos sobre a matéria vertida nos pontos: 1 a 6; 8, 9 e 11 a 20”.
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Sobre tais requerimentos recaiu, em 16/12/2024, o seguinte despacho: “4) Admito a prestação de depoimento de parte dos interessados EE e FF à matéria dos art.ºs 4º, 5º, 7º a 16º, 24º a 27º, 92º da resposta à reclamação. Admito a prestação de declarações de parte do cabeça-de-casal à mesma matéria. Indefiro os depoimentos e declarações relativamente à restante matéria indicada, por ser conclusiva ou irrelevante para o objeto da reclamação”.
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Em 03/01/2025 os interessados EE e FF apresentaram nos autos o seguinte requerimento: “EE E FF, interessados nos autos de inventário supra identificados, notificados do despacho de V.Ex.ª de 17/12/2024 vêm esclarecer que, por requerimento enviado aos autos no dia 21/11/2024, com a Ref: 50548679, especificaram a matéria sobre a qual pretendem ser ouvidos nas suas declarações de parte, pelo que requerem sejam admitidas as declarações de parte às matérias indicadas”.
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Sobre o assim impetrado recaiu, em 06/01/2025 o seguinte despacho: “Ref.ª Citius 41149415 (03.01.2025): Têm razão os Requerentes. Por lapso do signatário, que não atentou no requerimento de 21.11.2024, foi proferida a terceira parte do despacho de 16.12.2024. Importa, assim, proceder à sua retificação, nos termos dos art.ºs 613.º, n.º 2, e 614.º, do C.P.C. Pelo exposto, admito a prestação de declarações de parte dos Reclamantes à matéria indicada. Notifique”.
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Feita esta breve resenha história do processado vem o apelante alegar que o despacho recorrido supratranscrito no relatório viola os preceitos constitucionais dos artigos 13.º e 18.º da CRPortuguesa e artigo 4.º do CPCivil.
Efetivamente, alega o apelante, o referido despacho admite a prestação de declarações de parte dos interessados EE e FF, entre outras, a matéria que tem que ver com mobílias e outros bens móveis e seus valores referida na reclamação dos mesmos contra a relação de bens da Inventariada AA, nos pontos 1. a), b) e c) e ponto 2, e referida na reclamação dos mesmos contra a relação de bens dos inventariados CC e BB, nos pontos 11 a 20, mas já não admite quer as suas declarações de parte quer as dos referidos interessados à matéria dos artigos 57º a 62º da sua resposta à reclamação de bens que também têm que ver com mobílias e outros bens móveis.
Que dizer?
Salvo o devido respeito e respeitando-se entendimento diverso, as situações não são idênticas no que se refere ao vertido na reclamação à relação de bens apresentada pelos recorridos e o vertido pelo apelante na resposta à referida reclamação e, concretamente, o que consta dos artigos 57º a 62º da referida peça.
Analisando.
As declarações de parte como meio de prova foram introduzidas com o Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, tendo por objeto, nos termos do art.º 466.º, nº1, “os factos em que [as partes] tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto”. Trata-se de preceito inovador, passando a admitir-se expressamente o chamado testemunho de parte, cujo valor probatório é apreciado livremente pelo tribunal, sem prejuízo de poder ser valorado como confissão (nº 3 do preceito e cf. ainda o art.º 607.º, nº 5 do mesmo diploma legal).
Ora, para que sejam admitidas as declarações de parte, além de ter de incidirem sobre factos em que o declarante tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto, deve o tribunal verificar se as declarações (i) versam sobre factos juridicamente relevantes[1], (ii) que se mostram controvertidos e (iii) que sejam suscetíveis de ser provados por esse meio de prova[2], de sorte que, não se verificando qualquer dessas hipóteses, é incontornável que se impõe o indeferimento da requerida prestação de declarações pela parte, sendo inútil averiguar se as declarações se inserem no âmbito do objeto permitido; essa é a solução que diretamente resulta do funcionamento dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual (cf. os artigos 6.º, nº 1, 130.º e 443.º, nº 1 do CPCivil).
Na reclamação apresentada, em 16/10/23, pelos interessados EE e FF à relação de bens apresentada pelo apelante nela se pede a correção, reformulação (falta de relacionação de algumas verbas) e retificação de alguma das verbas, quer relativamente à relação de bens da inventariada, AA, quer em relativamente à relação de bens dos inventariados, CC e BB.
Acontece que, a ponderação da relevância dos factos sobre os quais versa o depoimento deve ser feita tendo em conta o objeto do processo que, no caso, se reconduz, essencialmente, a saber se a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal apresenta as deficiências invocadas pelos recorridos, afigurando-se-nos que para essa análise deve ser adotado um critério de evidência, isto é, a pretensão da parte em prestar declarações só deve ser recusada, com fundamento na irrelevância, quando for manifesto/flagrante que a matéria indicada é inócua para a decisão, porque os factos alegados não podem conduzir ao resultado pretendido, independentemente da perspetiva em que nos coloquemos, da ação ou da defesa.[3]
Diante do exposto torna-se evidente a relevância das declarações de parte dos recorridos como meio de prova para se aquilatar dos fundamentos por eles alegados na reclamação à relação de bens e, como tal, deviam como, aliás, o foram ter sido admitidas, razão pela qual não temos a censurar, sob esse conspecto, ao despacho proferido em 06/01/2025.
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Evidentemente que, as mesmas considerações valeriam, mutatis mutandis, para o impetrado pelo apelante relativamente quer às suas declarações de parte quer as dos recorridos, relativamente à matéria factual vertida na sua resposta à reclamação destes.
Acontece que, o vertido pelo apelante, nos artigos 57º a 62º da sua resposta, é preponderantemente conclusivo (opinativo), tal como já tinha assinalado o tribunal recorrido no despacho prolatado em 16/12/2024.
Ora, as declarações terão de incidir sobre factos, donde estão necessariamente excluídas as afirmações que se reconduzem a meras conclusões ou raciocínios valorativos formulados pela parte, não suficientemente concretizados ou densificados por via da indicação de ocorrências da vida real, de cariz objetivo ou subjetivo.
Efetivamente, escalpelizando os artigos em questão verifica-se que as expressões:
“Avaliada como quase nada valendo”-encerra juízo conclusivo sobre o valor;
“Que não têm valor e não foram deitados ao lixo porque o pai gostava de guardar bastantes coisas”-conclusão sobre a utilidade dos objetos e a razão da sua conservação;
“O pequeno escritório seja inutilizável”–é um juízo conclusivo sobre a funcionalidade;
“Atribuem valores irrelevantes”–avaliação subjetiva e não factual;
“Que nunca foi cotado como pintor em vida” e “ia ser cotado depois da morte”–são inferências subjetivas e conclusões;
“Atribuem valor ao cofre correspondente ao peso do aço, ignorando o valor do mecanismo”–é uma apreciação conclusiva e não apenas factual;
“A atribuição de valores até parece ter um toque de cliente de loja de chineses”–expressão subjetiva e conclusiva, com tom depreciativo; “Não faz sentido responder a alguns pontos”– juízo conclusivo e opinativo;
“Isso seria dispêndio de tempo infrutífero, para além de fastidioso”–juízo valorativo e não factual.
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Portanto, tal como, sublinhou o tribunal recorrido, não é a circunstância de os citados artigos 57º a 62º da resposta à reclamação versarem sobre mobílias e outros bens móveis que os torna relevantes para a decisão da reclamação, mas sim o seu carater factual nos moldes suprarreferidos e que, manifestamente, os mesmos não têm.
Acresce que, como aí também se refere, a questão dos valores dos bens aí aludidos também será objeto da prova que será apreciada na sede própria, ou seja, na conferência de interessados (cf. artigos 1111.º e 1114.º do CPCivil).
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Diante do exposto torna-se evidente que não foram violados os citado preceitos constitucionais nem o artigo 4.º do CPCivil correlacionado com o primeiro dos citados normativos constitucionais.
Importa salientar, desde logo, que o tribunal recorrido não proferiu qualquer despacho de indeferimento do requerido meio de prova (declarações de parte), limitando-se a restringir as declarações de parte pedidas pelo apelante a determinada matéria, segundo o julgamento que fez.
Acontece que, em abstrato, dir-se-á, que a estipulação, pelo legislador, de limitações aos meios de produção de prova, mormente por via da imposição de determinados requisitos de admissão, não configura, à partida, restrição intolerável ao direito à prova, como parte do direito à tutela jurisdicional efetiva, desde que essas limitações não possam ter-se como arbitrárias e desproporcionadas.
Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros “[c]oncretamente, no que à produção de prova se refere, o Tribunal Constitucional tem entendido que um tal direto não implica necessariamente a admissibilidade de todos os meios de prova permitidos em direito em qualquer tipo de processo e independentemente do objeto do litígio e não exclui em absoluto a introdução de limitações quantitativas na produção de certos meios de prova. Todavia as limitações à produção de prova não podem ser arbitrárias ou desproporcionadas (Acs. nºs 209/95, 604/95 e 681/06)”.[4]
Ora, ponderando a restrição feita no despacho recorrido relativamente aos requisitos de admissibilidade deste meio sobre os citados artigos da resposta à reclamação da relação de bens, que corresponde, aliás, à indicada por esta Relação, afigura-se-nos que aquela interpretação não peca por ser desconforme aos apontados princípios constitucionais.
Para além disso, a igualdade perante a lei pretende apenas afastar a discriminação das pessoas, todos, perante o normativo tem direito a beneficiar dos direitos legislados e a sujeitar-se aos deveres que ele impõe. O que implica tratamento semelhante para os que se encontram em situações semelhantes.
Como se diz em parecer da Comissão Constitucional[5](…) “tem de entender-se em princípio que viola a regra constitucional da igualdade, o preceito que da relevância a um destes títulos, para, em função dele beneficiar ou prejudicar um grupo de cidadãos perante os restantes”.
O que implica o binómio igualdade de direitos/igualdade de condições, ou seja, o principio da igualdade dos cidadãos perante a lei consignada no citado artigo 13.º da CRP não impõe a absoluta uniformidade de regimes jurídicos para todos os cidadãos, qualquer que seja a situação em que se encontrem, permitindo diversidade de regimes justificada por diferença de situações, sendo que, no caso em apreço, como acima se assinalou, as situações de pedido de declarações de parte feitas pelo apelante e pelos apelados eram, efetivamente, distintas.
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Mas ainda que assim não se entendesse importa, relativamente à questão da violação dos citados normativos constitucionais, dizer o seguinte.
A respeito da conformidade da interpretação das normas jurídicas com o direito constitucional refere Gomes Canotilho: “[o] princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”.[6]
A inconstitucionalidade deve ser suscitada de forma processualmente adequada junto do tribunal que proferiu a decisão, de forma a obrigar ao seu conhecimento (art.º 72.º LTC ).
Ou seja, recai sobre o recorrente o ónus de colocar a questão de inconstitucionalidade, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível e segundo os requisitos previstos na lei.
Esta tem sido, aliás, a interpretação desenvolvida pelo Tribunal Constitucional, como disso dá nota, entre outros, o Ac.do Tribunal Constitucional nº 560/94[7] quando observa: ”[d]e facto, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver–o que, obviamente, exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e percetível.
Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão da constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo.
A exigência de um cabal cumprimentos do ónus da suscitação atempada–e processualmente adequada–da questão de constitucionalidade não é, pois–[…]-, uma “mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se, sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julga-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão”.
No caso presente o apelante não indica as concretas normas jurídicas que contrariam os preceitos constitucionais enunciados (artigos 13.º e 18.º CRP), ou, o segmento interpretativo adotado e que contraria tais preceitos constitucionais, o que impede a apreciação da constitucionalidade.
Por outro lado, a mera afirmação que o despacho recorrido violou os citados preceitos constitucionais (artigo 13.º e 18.º), não equivale a suscitar, validamente, uma questão de inconstitucionalidade normativa.
A válida imputação de inconstitucionalidade a uma norma (ou a uma sua dimensão parcelar ou interpretação), impõe, a quem pretende atacar, na perspetiva da sua compatibilidade com normas ou princípios constitucionais, determinada interpretação normativa, indicar concretamente a dimensão normativa que considera inconstitucional, o que também não ocorre no caso concreto.
Nesta perspetiva, considera-se que o apelante não suscitou, validamente, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa limitando-se, “summo rigore”, a discordar da decisão recorrida, que entende ser limitativa do seu direito de pedir as declarações de parte nos termos em que o fez, ou seja, situamo-nos no âmbito da estrita apreciação do mérito do julgamento feito no despacho recorrido.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo apelante (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 26 de junho de 2025.
Manuel Domingos Fernandes
José Eusébio Almeida
Eugénia Cunha
________________ [1] Sendo unânime o entendimento de que os factos que são inócuos para a decisão a proferir, segundo as várias soluções plausíveis de direito, nem sequer devem ser objeto de ponderação pela Relação em caso, por exemplo, de impugnação do julgamento de facto; cf., a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ de 13-07-2017, processo: 442/15.7T8PVZ.P1.S1 (Relator: Fonseca Ramos) e do TRC de 25/10/2011, processo 1006/10.7TBCVL.C1 (Relator: Henrique Antunes) e de 12/06/2012, processo nº 4541/08.3TBLRA.C1 (Relator: António Beça Pereira), acessíveis in www.dgsi.pt. [2] O que não acontece nas hipóteses de prova tabelada, impondo-se por exemplo a aplicação, por similitude de razões, do regime previsto nos arts. 393.º a 395.º do Cód. Civil. [3] A este propósito refere Luís Filipe Pires de Sousa: “O princípio da relevância da prova opera como um filtro para a admissão das provas no processo. Em caso de dúvida sobre a relevância final da prova, atento o direito constitucional à prova (analisado infra) e as consequências gravosas da eventual procedência de recurso sobre o despacho que rejeite o meio de prova (cf. art.º 644º., nº 2. Al. d) do CPC), deverá ser adotado o princípio pró-admissão da prova ou princípio de inclusão, o qual propiciará uma decisão mais fundamentada, mais segura e mais célere” (in “As declarações de parte. Uma síntese”, abril de 2017, acessível in “As declarações de parte Uma síntese 2017”.pdf (tribunais.org.pt). [4] In Constituição Portuguesa Anotada, 2010, Tomo I, Wolters Kluwer e Coimbra Editora, pág. 443. [5] In Pareceres volume I, pág. 11. [6] J. J. Gomes Canotilho in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, (7ª Reimpressão) Coimbra, Almedina, 2003, pág.1226. [7]Acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.