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FALTA DE FORMA LEGAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
SUBSTITUIÇÃO DE PENA DE PRISÃO
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da Relatora) I. A nulidade por omissão de pronúncia, só existe se o Tribunal não se pronunciar sobre uma “questão concreta” e não sobre um determinado argumento utilizado pelo recorrente, quanto a essa questão. Segundo Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal III, 2ª edição Verbo 2000) “a omissão de pronúncia é um vício que resulta da violação da lei, quanto ao exercício do poder jurisdicional. Trata-se de um vício quanto aos limites desse exercício”. E é pacífico o entendimento na jurisprudência de que a omissão de pronúncia se verifica quanto o juiz deixa de proferir decisão sobre questões que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por “questões”, os problemas concretos a decidir. No mesmo sentido deste entendimento, a doutrina esclarece porém que “o julgador não tem de analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes (…)” (in Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Coimbra Editora, 1985). II. Ponderando estes ensinamentos, não se vê no caso dos autos, onde o Tribunal de 1ª instância omitiu pronúncia, relativamente a “questões concretas” sobre as quais se devesse pronunciar, não se verificando assim o vício de omissão de pronúncia a que alude o artº 379º/1/c) do C.P.P, nem se vê que a decisão condenatória não se encontre devidamente fundamentada. Na realidade, analisada a sentença recorrida, constata-se que nela estão indicados os factos provados e os não provados, as provas em que o Tribunal a quo se baseou para dar como assentes os factos, a análise critica dessas mesmas provas e, de seguida, os motivos de direito que fundamentam a condenação e a escolha da natureza da pena e determinação da sua medida concreta. Tudo em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 al. a) e b) do artº 374º do C. P. Penal. Por seu turno, a decisão recorrida também não condenou o recorrente por factos diversos daqueles descritos na acusação e não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento. Ao contrário do alegado pelo arguido recorrente, não é verdade que o Tribunal a quo, se tenha limitado a determinar o seu regime punitivo com base nos seus antecedentes criminais - resulta da simples leitura da sentença recorrida, em especial no que respeita à sua motivação da decisão sobre a matéria de facto - em que assentou a decisão sobre a escolha da natureza da pena e determinação da sua medida - e bem assim, das conclusões do recurso do arguido acima mencionadas, ser manifestamente improcedente, a sua pretensão de imputar à decisão da 1ª instância, as nulidades do artº 379º a) e c) do C.P.P. No caso em apreço, é pois infundada essa imputação de nulidades, quando se percebe dessa leitura que, ao contrário do alegado, a decisão do Tribunal recorrido, de afastamento do regime da suspensão da execução da pena ou do regime de permanência na habitação, não assentou de forma única e exclusiva na existência de antecedentes criminais do arguido – sendo também manifestamente improcedente, a sua pretensão de imputar à sentença, a nulidade por falta de fundamentação, por inexistir uma qualquer manifesta violação do preceituado no artº 374º/2 do CPP. III. É de indeferir a pretensão do arguido - condenado pela 5ª vez, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem carta -, no sentido de afastar a efectividade da pena de prisão de curta duração, que lhe foi aplicada na 1ª instância, quando resultar claramente expresso na decisão recorrida, ser inquestionável que o arguido manifesta uma grave falta de preparação para manter uma conduta lícita e revela uma personalidade desconforme ao direito e ao padrão do homem médio, suposto pela ordem jurídica, porquanto evidencia propensão para praticar actividades delituosas da mesma natureza (delitos de condução sem habilitação legal) e outras, e um claro desrespeito pelas solenes advertências contidas nas anteriores condenações proferidas pelos Tribunais. Isto é, tal pretensão de ver a pena de prisão efectiva de 8 meses, ser substituída pelo regime da suspensão da execução da pena ou pelo cumprimento em regime de permanência na habitação, deve ser julgada improcedente, quando se constata que o agente é novamente nos presentes autos, condenado pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, apesar de já ter cumprido varias outras penas de diferente natureza, pela prática do mesmo crime, e todavia não se coibiu de voltar a delinquir - donde se impõe concluir que a efectividade da pena de prisão se torna necessária, a fim de prevenir que o arguido cometa novos crimes e deste modo possa sentir a gravidade da sua conduta.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
1 - No processo nº 2/24.1PTAGH, do Juízo Local Criminal de Angra do Heroísmo, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia de ..., concelho da ..., nascido em ........1967, solteiro, aposentado por invalidez, residente na ..., imputando-lhe o MP, a prática de um crime de condução sem habilitação legal, p.p pelo artº 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3/1.
O arguido não contestou.
Realizado o julgamento, por sentença proferida em ...-...-2024, foi o arguido condenado, nos seguintes (transcritos) termos:
Decisão.
Face ao exposto, julgo a acusação procedente e, em consequência, condeno o arguido AA, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º, nº 1, do DL 2/98, de 3/1, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
Custas.
Vai o arguido condenado nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC – Artigo 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, por referência à Tabela III anexa, e artigo 513º do Cód. Processo Penal. A taxa de justiça será reduzida a metade por efeito da confissão, nos termos do artigo 344º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal.
Períodos de privação da liberdade.
Não existem períodos de privação da liberdade a referir.
Notifique.
2 – Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, sendo que a respectiva motivação apresentada, termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
1-O tribunal recorrido, apreciando a conduta do arguido, apenas se debruça sobre o desvalor da sua ação e as condenações anteriores, não se referindo ao seu comportamento e postura perante o tribunal, para efeitos de eventual aplicação do instituto da suspensão de pena nos termos do artº 50º do CP.
2-Do mesmo modo, e novamente por referência às circunstâncias pessoais do recorrente, não fundamenta por que razão não lhe é aplicável o instituto do regime de permanência na habitação nos termos do artº 43º nº 1 do CP.
3- Porquanto não resulta de um poder discricionário, mas de um poder/dever vinculativo, deveria por um lado o tribunal ponderar a aplicação de tais institutos por referência à postura, comportamento e condições do arguido, e por outro explicitar fundamentadamente a opção pela respetiva não aplicação.
4-Não o fazendo, incorre na nulidade a que se refere o artº 379º, nº 1 alíneas a) e c).
5-Sem prejuízo do exposto, o recorrente, encontrando-se familiar e socialmente inserido, e tendo confessado os factos na integra, é legítimo concluir que a mera ameaça de prisão realiza os fins da punição, pelo que será de aplicar o regime da suspensão de pena nos termos do artº 50º do CP.
6-Não o fazendo, ofende o princípio da proporcionalidade e da equidade na escolha das penas, com assento constitucional, e bem assim viola o disposto do artº 70º do CP, nos termos do qual deve ser dada sempre prevalência às penas não privativas da liberdade, sempre que estas realizarem a finalidade da punição.
7-Do mesmo modo, e pelas mesmas razões, entendendo não ser de aplicar a suspensão de pena deveria ainda assim o tribunal recorrido optar pelo regime de permanência na habitação nos termos do artº 43º nº 1 al. A) do CP.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e nessa conformidade, ser declarada a nulidade da sentença recorrida por violação do disposto no artº 379º nº 1 al. a) e c), com as legais consequências; sem prejuízo, ser em todo caso determinada a suspensão da pena a aplicada por igual período nos termos do artº 50º do CP ou subsidiariamente, caso assim não se entenda, ser aplicado o regime vertido no artº 43º nº1 al. a), eventualmente com alguma ou algumas das cominações e obrigações constantes do n.º 4 do referido diploma;
Fazendo-se assim justiça.
3- O recurso do arguido foi admitido na 1ª instância, por despacho de ...-...-2025.
4- O Ministério Público na 1ª instância, apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso, tendo terminado a sua resposta com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
1. A única questão a decidir é a a saber se a pena aplicada ao arguido, deve ser executada em meio prisional ou não.
2. Sendo esta a quinta condenação pela pratica de idêntico crime ao dos autos e, depois do recorrente já ter beneficiado de três penas de prisão suspensas na sua execução e, de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, a progressão natural e óbvia em termos punitivos é a pena de prisão efetiva.
3. A pena de prisão ora aplicada não deve ser substituída por uma pena de diferente espécie, por tal não se revelar suficiente nem eficaz do ponto de vista das intensas exigências de prevenção especial que se fazem sentir, não merecendo a sentença recorrida de qualquer censura.
Termos em que, Venerandos Desembargadores, deve a pena recorrida manter-se incólume e o arguido condenado a expiá-la em contexto prisional, nos termos e fundamentos expostos, assim se fazendo justiça.
5- Nesta Relação, a Srª Procuradora Geral Adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P, emitiu parecer, onde acompanha o entendimento preconizado na resposta ao recurso do M.P na 1ª instância, subscrevendo o não provimento deste, em face das razões ali expressas, bem como das que foram avançadas na sentença recorrida.
6- Foi oportunamente cumprido o artº 417º/2 do C.P.P, não tendo sido oferecida resposta.
7- Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II - Questões a decidir
Delimitação do objecto do recurso As questões suscitadas pelo arguido e recorrente AA, segundo as conclusões da sua motivação, são as seguintes:
A) Da nulidade da sentença por falta de fundamentação e não ponderação do Tribunal a quo, acerca de uma questão sobre a qual se devia pronunciar – o que determina a sua nulidade, nos termos do artº 379º/1 a) e c) e artº 374º/2 do C.P.P – conclusões 1 a 4.
B) Impugnação da natureza da pena (prisão efectiva), aplicada na 1ª instância – conclusões 5 a 7.
III- Fundamentação de Facto
A decisão recorrida
Na sentença recorrida o Tribunal a quo considerou provado o seguinte:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1.) No dia ... de ... de 2024, pelas 17h30, o arguido conduzia o motociclo de marca ..., de matrícula ..-..-ZP, na ..., no sentido ....
2. Nestas circunstâncias, o arguido embateu na traseira do veículo de matrícula ..-RI-.., que se imobilizou para deixar passar um peão na passadeira.
3. Abandonou o local antes da chegada das autoridades policiais.
4. O arguido não era titular de carta de condução.
5. O Arguido sabia que não se encontrava legalmente habilitado para conduzir e que a condução de veículos a motor na via pública só é permitida a quem se encontra legalmente habilitado para o efeito.
6. Não obstante, o arguido quis conduzir o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar descritas.
7. Agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida.
8. O arguido tinha ido buscar o motociclo à ..., local onde a tinha deixado no dia anterior após ter ido para o mato com amigos, para o levar para a garagem de um amigo em ....
9. O arguido aufere uma pensão de invalidez no montante de €500.
10. Reside sozinho em casa arrendada, pagando €200 de renda mensal.
11. Não consegue tirar a carta de condução por perceber mal o português escrito.
12. Pela prática a ... de ... de 2002 de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e um crime de condução sem habilitação legal, foi o arguido condenado por sentença de ... de ... de 2003, transitada em julgado a ... de ... de 2003, na pena de 7 meses de prisão, suspensa por 12 meses (Processo 33/02.2...).
13. Pela prática a ... de ... de 2005 de um crime de injúria agravada, foi o arguido condenado por sentença de ... de ... de 2006, transitada em julgado a ... de ... de 2006, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 2 anos (Processo 330/05.5...).
14. Pela prática em ... de um crime de tráfico de estupefacientes, foi o arguido condenado por sentença de ... de ... de 2007, transitada em julgado a ... de ... de 2008, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 2 anos e 6 meses (Processo 4/00.3...).
15. Pela prática a ... de ... de 2012 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de ... de ... de 2012, transitada em julgado a ... de ... de 2012, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por 1 ano (Processo 741/12.0...).
16. Pela prática em ... de um crime de tráfico de estupefacientes, foi o arguido condenado por acórdão de ... de ... de 2018, transitado em julgado a ... de ... de 2018, na pena de 1 anos e 2 meses de prisão, suspensa por 1 anos e 2 meses (Processo 2/13.7...).
17.) Pela prática em ... de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, foi o arguido condenado por sentença de ... de ... de 2018, transitada em julgado a ... de ... de 2018, na pena de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa por 2 anos e 7 meses (Processo 388/15.9...).
18.) Pela prática a ... de ... de 2019 de um crime de condução sem habilitação legal, foi o arguido condenado por sentença de ... de ... de 2019, transitada em julgado a ... de ... de 2019, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por 1 ano (Processo 39/19.2...).
19.) Pela prática ... de ... de 2019 de um crime de condução sem habilitação legal, foi o arguido condenado por sentença de ... de ... de 2019, transitada em julgado a ... de ... de 2020, na pena de 5 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica (Processo 37/19.6...). Quanto aos factos não provados, ficou consignado na sentença, o seguinte:
Nenhuns outros factos resultaram provados. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de facto nos seguintes termos:
Os factos assentaram essencialmente na confissão dos factos efectuada pelo arguido, o qual descreveu a sua actuação tal como ficou acima retratada.
Quanto às condições sócio-económicas do arguido, valorou o tribunal as suas declarações em sede de audiência de julgamento, as quais se mostraram credíveis.
Em relação aos antecedentes criminais, o tribunal tomou em consideração o CRC do arguido junto a fls. 76 e seguintes.”
ANALISANDO
A) Da nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia – artº 379º/1 c) do CPP e por falta de fundamentação, violando o preceituado no artº 374º/2 do CPP- artº 379º/1 a) do C.P.P.
O recorrente alega, em suma, que «o tribunal não ponderou devidamente, como era sua obrigação, a aplicação do instituto da suspensão da pena, nos termos do artº 50° do CP, nem fundamentou devidamente a não aplicação do instituto do regime de permanência na habitação, nos termos do artº 43º/1 do C.P, incorrendo, pois, a decisão em vício de nulidade, nos termos do artº 379°, n°1, al.a) e c)» do Código de Processo Penal.
Ou seja veio invocar nos termos a seguir transcritos, que o Tribunal a quo: “Apenas e tão só se faz referência ao passado criminal do arguido, e ao desvalor inerente à sua conduta, sem referenciar o seu comportamento perante os factos e a postura evidenciada perante o tribunal, em que confessou os factos na totalidade. De resto, grande parte dos factos dados por provados resultam das declarações do arguido, que descreveu os atos concretos que materializaram a conduta criminosa. Não relevou nem fundamentou devidamente o tribunal recorrido, a opção pela não suspensão da pena, à luz da postura do arguido perante os factos que lhe eram imputados como impõe o artº 50.º do CP, ou pela não aplicação do regime vertido no artº 43º do CP; Não o fazendo, incorre na nulidade prevista no artº 379º, nº 1, alíneas a) e c) do CPP, que aqui se invoca, com as legais e devidas consequências”.
O MP. veio contrapor a esta pretensão do arguido, que os pontos 2.3.5.12, 15 e 18 da factualidade provada na sentença, são os fundamentos adequados e suficientes em que o Tribunal a quo assentou a sua decisão de opção pela efectividade da pena de prisão, concretamente aplicada no caso em apreço, sendo que para tal decisão, relevou a existência de antecedentes criminais do arguido, mas em especial, o facto de este ser reincidente na prática de crimes da mesma natureza do crime destes autos e ter já beneficiado no passado de penas suspensas na sua execução e do regime de permanência na habitação, sem que tais sanções tivessem impedido que voltasse a praticar o crime objecto destes autos.
Quid júris?
A nulidade por omissão de pronúncia, encontra-se prevista na alínea c) do nº 1 do artº 379º do C.P.P onde se preceitua o seguinte: é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e consubstancia-se assim na omissão de apreciação e decisão sobre uma questão colocada pelas partes, ou sobre uma questão de que o Tribunal deveria conhecer. O arguido veio em resumo, alegar que a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artº 379º/1/c) do C.P.P, por ter a condenação do Tribunal a quo numa pena de prisão efectiva, assentado numa apreciação que foi feita de forma ligeira e vaga, sobre a possibilidade de suspensão de execução da pena, sem a necessária justificação concreta e específica que lhe era exigível, para justificar a não suspensão da execução da pena, limitando-se apenas a fundamentar o afastamento desse regime da suspensão da execução, com o facto de o arguido ter antecedentes criminais, o que no seu entender, se revela manifestamente insuficiente.
Defende pois que o Tribunal a quoincorreu na nulidade de omissão de pronúncia prevista no artº 379º/1/c) do C.P.P. pois que claramente se verificou uma falta de fundamentação sobre os motivos, que o levaram à denegação desse regime da suspensão da execução da pena (e subsidiariamente da aplicação do regime de permanência na habitação), havendo assim uma omissão de pronúncia sobre questão em relação à qual, o Tribunal a quo estava obrigado a pronunciar-se. Do mesmo modo imputa à sentença a falta de fundamentação exigida pelo artº 374º/2 do CPP, o que a verificar-se efectivamente, se traduziria na nulidade prevista no artº 379º/1 a) do CPP.
Na verdade, alegou este recorrente, ser a sentença condenatória nula, por falta de fundamentação, nos termos do artº 374º/2 do C.P.P, invocando para o efeito, não se entender quais os motivos/razões de facto em que assentou a convicção do Tribunal a quo, para lhe aplicar uma pena de prisão efectiva, alegando em síntese que inexistem factos suficientes para a sua condenação.
Não lhe assiste razão.
Concordamos inteiramente com a apreciação que nesta parte foi feita pelo M.P na 1ª instância, (resposta essa acolhida e reproduzida pelo M.P no seu parecer lavrado nesta Relação) e que aqui deixamos transcrita em resumo e fazemos nossa (com sublinhados nossos): “Assim, À QUINTA CONDENAÇÃO pela pratica do crime de condução sem habilitação legal, depois de já ter sido beneficiado com 3 PENAS DE PRISÃO SUSPENSAS NA SUA EXECUÇÃO e com uma PENA DE PRISÃO EM REGIME DE PERMANÊNCIA na habitação, a progressão natural e óbvia em termos punitivos é a pena de prisão efetiva. Pois nenhuma outra travou o recorrente- como não trava - de continuar a conduzir sem habilitação legal. Com a agravante, neste caso, de ter causado um acidente de viação e de ter abandonado o local, a fim de não ser detido. - PONTOS PROVADOS EM 3 E 5.”
É verdade que as decisões dos Tribunais, nos termos do disposto no nº 1 do artº 205º da Constituição da República Portuguesa e artº 97º/5 da C.P.P, devem ser fundamentadas na forma prevista na lei, sendo imperativo que, nas mesmas, sejam especificados os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, sobre a matéria de facto e sobre o regime sancionatório aplicado, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção, sendo além do mais admissíveis todas as provas que não sejam proibidas por lei (artº 125º do Código de Processo Penal).
Contudo, para além destas considerações abstractas e defesa de princípios gerais consagrados no nosso ordenamento constitucional e processual penal, o arguido, acaba por não concretizar muito bem, de que forma entende ter sido violado no caso ora em apreço, a fundamentação da decisão sobre o regime sancionatório fixado, nos termos exigidos pelo artigo 205º da C.R.P e artº 374º/2 do C.P.P.
Na realidade que questões em concreto, entende o arguido, que não foram alvo de pronúncia pelo Tribunal a quo (dando azo ao vício da omissão de pronúncia)? Onde se encontra a falta de fundamentação por ele apontada à sentença?
Das conclusões deste arguido recorrente, não vislumbramos resposta para estas questões.
Segundo Germano Marques da Silva in “Curso de Processo Penal III, 2ª edição Verbo 2000” a omissão de pronúncia é um vício que resulta da violação da lei quanto ao exercício do poder jurisdicional. Trata-se de um vício quanto aos limites desse exercício”.
E é pacífico o entendimento na jurisprudência, de que a omissão de pronúncia se verifica quanto o juiz deixa de proferir decisão sobre questões que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por “questões”, os problemas concretos a decidir.
No mesmo sentido deste entendimento, a doutrina esclarece porém que “o julgador não tem de analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes (…)” (in Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Coimbra Editora, 1985).
Tal como já acima se disse, a nulidade por omissão de pronúncia só existe se o Tribunal não se pronunciar sobre uma “questão concreta” e não sobre um determinado argumento utilizado pelo recorrente, quanto a essa questão.
Resulta que na decisão recorrida, o Tribunal também não condenou o recorrente por factos diversos daqueles descritos na acusação e não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, tendo fundamentado devidamente todo o processo de escolha da natureza da pena e determinação da sua medida concreta.. Por tudo o acima exposto e em conclusão, uma vez que da sentença constam exactamente as razões de facto e de direito que levaram à decisão sobre a pena aplicada ao arguido, não se vê onde o Tribunal de 1ª instância tivesse omitido pronúncia relativamente a “questões concretas” sobre as quais se devesse pronunciar no presente caso, não se verificando assim o vício de omissão de pronúncia a que alude o artº 379º/1/c) do C.P.P.
Concordamos por isso inteiramente com as considerações feitas pelo M.P na sua resposta ao recurso, quanto a estas nulidades, e nessa medida, pelas razões supra expostas, julgamos improcedente as nulidades de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia, suscitadas ao abrigo do artº 379º/1/a) e c) do C.P.P, decaindo assim o seu recurso neste segmento – não se mostra comprovado, ter existido qualquer condenação deste arguido, assente em decisão não suficientemente fundamentada, de facto ou de direito.
Com efeito e em resumo, podemos dizer que uma decisão é nula quando se verifique qualquer das situações referidas nas alíneas a) a c) do nº 1 do artº 379º do C.P.P.
Isto é, de acordo com o disposto no artº 379º, nº 1 do C.P.P. a sentença (ou acórdão) é nula quando:
- não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artº 374º do mesmo diploma legal (fundamentação, enumeração dos factos provados e não provados, decisão);
- quando condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora das condições previstas nos arts. 358º e 359º do C.P.P. - alteração substancial ou não substancial;
- ou quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Desta forma, só a ausência total de referência às provas que serviram para fundamentar a decisão ou a omissão da indicação dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, é susceptível de integrar, a violação do comando ínsito naquele normativo legal e a consequente nulidade a que alude a alínea a) do nº 1 do artº 379º do C.P.P., o que claramente não se verificou no caso em apreciação.
No presente caso, facilmente se constata também, que o Sr Juiz do Tribunal da 1ª instância explicitou, de forma inequívoca, quais foram os elementos “que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu que a sua convicção se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (citando Marques Ferreira, Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, pág. 228 e ss ).
Na verdade, indicou, como acima ficou já dito, quais foram as razões de facto e de direito subjacentes à sua decisão referente à definição do regime sancionatório do arguido, nomeadamente quanto à determinação do quantum da pena (que não faz parte do objecto do recurso) ou quanto à opção pela efectividade da pena de prisão concretamente determinada ( pena de 8 meses de prisão efectiva), explicando porque houve necessidade de afastamento do regime da suspensão da execução pena, bem como a razão de ser inviável a aplicação do regime de permanência na habitação, cfr passagem da sentença que abaixo se transcreve.
E, por último, todos os elementos acima mencionados, permitem seguir, de forma segura e inequívoca, o exame do processo lógico ou racional que esteve na base da decisão de condenação do Tribunal a quo e do seu processo de escolha da natureza da pena e determinação da sua medida concreta, nos termos supra mencionados.
Importa notar que a fundamentação não tem de se conformar com um modelo rígido e uniforme, devendo ser mais ou menos aprofundada, consoante as particularidades de cada caso: a existência ou inexistência de versões contraditórias ou de pontos que hajam de ser esclarecidos, de forma a que sejam perceptíveis os motivos pelos quais a convicção do Tribunal se orientou num sentido e não noutro.
O que se exige é que o Tribunal, a partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a sua convicção, enuncie as razões de ciência extraídas destas, os motivos porque optou por uma das versões em confronto, quando as houver, os motivos da credibilidade dos depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, de forma a permitir a reconstituição e análise crítica do percurso lógico que seguiu na determinação dos factos como provados ou não provados.
Em resumo, lendo a decisão recorrida, repete-se, é fácil constatar que ela cumpre minimamente os supra citados desideratos legais.
Melhor dizendo, analisada a sentença recorrida, constata-se que nela estão indicados os factos provados e os não provados, as provas em que o Tribunal a quo se baseou para dar como assentes os factos, a análise critica dessas mesmas provas e, de seguida, os motivos de direito que fundamentam a condenação e a escolha da natureza da pena e determinação da sua medida concreta.
Tudo em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 al. a) e b) do artº 374º do C. P. Penal.
Por seu turno, a decisão recorrida também não condenou o recorrente por factos diversos daqueles descritos na acusação e não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento. Não padece, pois, a decisão recorrida das apontadas nulidades ou de qualquer outra. Em conclusão, o que resulta da simples leitura da sentença recorrida, em especial no que respeita à sua motivação da decisão sobre a matéria de facto - em que assentou a decisão sobre a escolha da natureza da pena e determinação da sua medida - e bem assim, das conclusões do recurso do arguido acima mencionadas, é ser manifestamente improcedente, a sua pretensão de imputar à decisão da 1ª instância, as nulidades do artº 379º a) e c) do C.P.P.
Desde logo, se percebe dessa leitura que, ao contrário do alegado, a decisão do Tribunal recorrido, de afastamento do regime da suspensão da execução da pena ou do regime de permanência na habitação, não assentou de forma única e exclusiva na existência de antecedentes criminais do arguido – sendo manifestamente improcedente, a sua pretensão de imputar à sentença, a nulidade por falta de fundamentação, por inexistir uma qualquer manifesta violação do preceituado no artº 374º/2 do CPP.
Verificando-se pelo contrário, que na fundamentação da decisão proferida em 1ª instância, foram inteiramente respeitados os preceitos legais aplicáveis na matéria, nomeadamente o artº 205º da C.R.P e o artº 374º/2 do C.P.P.
Por isso, repetimos, a invocação das nulidades da sentença recorrida, conforme o supra referido, não passa na realidade de uma manifestação de discordância do arguido quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, que não cabe no artº 379º ou 380º do C.P.P.
E nessa medida, podemos concluir, tal como o M.P, não assistir qualquer razão ao arguido, pois não padece, a decisão recorrida das apontadas nulidades e o recurso do arguido improcede neste segmento.
B) Da natureza da pena de prisão, aplicada na 1ª instância
No que respeita à fundamentação da decisão, sobre a natureza da pena e determinação da sua medida concreta, o Tribunal a quo, decidiu do seguinte modo:
“Da determinação da medida concreta da pena.
A aplicação de uma pena tem como fundamento a prevenção geral de integração e a prevenção especial, isto é, visa a tutela de bens jurídicos, através da censura e responsabilização do agente pelo comportamento delinquente e a reinserção deste na sociedade, constituindo a sua culpa um limite intransponível da pena a aplicar.
Há que ter em conta todos os factos descritos e o disposto nos art.ºs 70º e 71º do C. Penal.
No caso concreto, tanto a ilicitude do facto como a culpa do arguido se mostram de grau médio a elevado.
Cabe constatar que o arguido conduziu um veículo todo-o-terreno destinado principalmente à diversão e gosto de conduzir fora da estrada, veículo esse que havia sido utilizado no dia anterior e agora pretendia guardar.
Causou um acidente de viação, felizmente apenas com danos físicos.
O arguido já não é delinquente primário, tendo mau comportamento anterior.
À data dos factos havia já cometido e sido condenado por três crimes de tráfico de estupefaciente e um de injúria e incorrido ainda na prática de quatro crimes rodoviário, três de condução sem habilitação e um de condução perigosa. Todas as condenações, com excepção da última, foram em pena de prisão e todas estas foram, sem excepção, suspensas na sua execução.
Já por via da última condenação o arguido perdeu efectivamente a sua liberdade, mas evitando-se o último recurso do encarceramento em meio prisional, pois o arguido cumpriu a pena em regime de permanência na habitação.
Tal, manifestamente, não resultou em qualquer modificação do seu comportamento.
As necessidades de prevenção especial manifestam-se, portanto, candentes.
Por seu turno, as exigências de prevenção geral mostram-se rigorosas, atenta a ressonância ético-social da conduta desviante do arguido nesta nossa comunidade, estando o crime de condução em estado de embriaguez, a par do crime de condução sem habilitação legal, no topo dos crimes mais praticados e nos quais se verifica maior grau de reincidência.
E não por acaso, no relatório do European Transport Safety Council de 2023, Portugal surge ainda em quinto lugar no número de mortos por milhão de habitantes (62 por milhão), bem acima da média europeia de 46 por milhão, apesar de apresentar melhorias ao longo dos anos, tendo, contudo, sofrido um agravamento de 15% no número de mortos entre 2021 e 2022, bem acima do aumento do volume de tráfico1.
Nas palavras expressivas do Acórdão da Relação de Lisboa de 13/07/2016, Processo 202/16.8PGDL.L1-3 (pesquisável em www.dgsi.pt) o “álcool na condução rodoviária é uma praga que os portugueses têm de erradicar, como já aconteceu noutros países”. Depois de fazer referência às estatísticas dos acidentes de viação, dos feridos e mortos que aqueles deixam atrás de si, bem como dos números de processos envolvendo crimes rodoviários, conclui aquele tribunal assim: “O que cremos com isto tudo realçar é que a criminalidade rodoviária seja no círculo dos crimes relativos à condução sob a influência de álcool, seja na condução sem carta, seja em situações com consequências mais graves, como é o caso do homicídio negligente, seja na desobediência ou recusa a ordens que têm a ver com o fiscalização do trânsito, têm um peso desproporcionado no âmbito do conjunto de crimes que abrangem o sistema penal e exigem, por isso, uma perceção específica por parte de quem aplica as leis, designadamente em termos de valoração da prevenção.”
A favor do arguido pouco ou nada abona. Confessou os factos, mas numa situação em que foi encontrado em flagrante delito, sendo certo que, nas palavras do Professor Eduardo Correia (in "Lições de Direito Criminal" II Vol., pág. 387) "não deve ter nenhum significado a confissão do criminoso preso em flagrante delito e de uma maneira geral, em todos os casos em que se lhe torna claro que a prova está feita por outros meios".
Não tem as condições para se habilitar para a condução, pois mal sabe ler português.
A pena de multa, face ao descrito cenário, não é comunitariamente aceitável, sendo manifesto que o arguido não soube aproveitar as oportunidades que lhe foram dadas para se emendar e para demonstrar que havia interiorizado a censurabilidade da sua conduta.
É ainda patente que a conduta destes autos não constituiu um acto isolado e esporádico na vida do arguido mas antes um acto de total indiferença e mesmo desprezo pela proibição de condução de viaturas a motor enquanto não estiver habilitado para tal.
Torna-se inevitável pois a aplicação de uma pena de prisão, que no caso se julga adequada se não for superior a oito meses de prisão.
A substituição da pena de prisão por pena de multa, nos termos do artigo 43º do Código Penal, não é possível face à necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.
A simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão também não realizam de fora adequada e suficiente as finalidades da punição, como resulta patente das condenações já sofridas.
A substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade, já depois de várias ameaças de condenação em prisão e de uma efectiva privação da liberdade, previsivelmente não sortirá qualquer efeito no arguido.
O regime de permanência na habitação foi já aplicado e experimentado, sem sucesso.
Impõe-se a aplicação de uma efectiva pena de prisão.”
O arguido veio discordar do regime sancionatório a ele aplicado, alegando que se revela exagerado e desadequado à gravidade do crime por ele praticado e às necessidades punitivas que se colocam, apelando ao preceituado no artº 70º do CP, nos termos do qual o legislador impõe que se dê prevalência às penas não privativas da liberdade sempre que estas forem suficientes para realizarem as finalidades da punição.
Alega para o efeito o seguinte (conclusões 5 a 7): “(…) encontrando-se familiar e socialmente inserido, e tendo confessado os factos na integra, é legítimo concluir que a mera ameaça de prisão realiza os fins da punição, pelo que será de aplicar o regime da suspensão de pena nos termos do artº 50º do CP. Não o fazendo, ofende o princípio da proporcionalidade e da equidade na escolha das penas, com assento constitucional, e bem assim viola o disposto do artº 70.º do CP, nos termos do qual deve ser dada sempre prevalência às penas não privativas da liberdade, sempre que estas realizarem a finalidade da punição. Do mesmo modo, e pelas mesmas razões, entendendo não ser de aplicar a suspensão de pena deveria ainda assim o tribunal recorrido optar pelo regime de permanência na habitação nos termos do artº 43º nº 1 al. a) do CP.”
Conclui, pedindo que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra, que determine a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado ou subsidiariamente, lhe seja aplicado o regime de permanência na habitação p.p no artº 43º/1 a) do CPP.
O M.P na 1ª instância pelo contrário, concorda com a natureza e medida concreta da pena que foi aplicada pelo Tribunal a quo, a qual considera justa, adequada e bem fundamentada, concluindo que a decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, nem merece qualquer reparo.
Quid Júris?
A pena de prisão efectiva (8 meses de prisão) que foi imposta ao arguido/recorrente é uma pena demasiado gravosa, face à respectiva moldura legal abstracta prevista para o ilícito por ele praticado?
Deve tal pena ser suspensa na sua execução, nos termos do artº 50º do C.P ou caso assim não se entenda, deverá tal pena de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação ao abrigo do artº 43º/1 a) do C.P.?
Entendemos que não assiste razão ao arguido e que o mesmo não invocou quaisquer factos com aptidão, para impugnar a decisão do Tribunal nesta matéria relativa à escolha da natureza da sanção a aplicar.
Constituem finalidades das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do mesmo diploma legal.
A determinação da medida da pena, será pois efectuada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em vista a protecção do bem jurídico em causa e a reintegração do agente na sociedade. Atender-se-á igualmente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Em caso algum a pena ultrapassará a medida da culpa do agente, esta vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da acção praticada (artºs 40º e 71º, ambos do Código Penal).
Serão tidas em conta as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial.
A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente.
O Sr. Juiz do Tribunal a quo, optou pela aplicação ao arguido de uma pena privativa da liberdade, que fixou em 8 meses de prisão, por entender que apenas a efectividade do seu cumprimento, satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial que o caso suscita e é adequada à culpa do arguido.
Na verdade, o artº 43º/1 e artº 45º do C.P impunha que o Tribunal a quo ponderasse a substituição desta pena de 8 meses de prisão, por uma pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade, o que não deixou de ser oportunamente feito, tendo ficado ainda expresso porque razão não foi relevada a confissão do arguido, conforme passagem que a seguir se recorda (com sublinhados nossos) : “ A favor do arguido pouco ou nada abona. Confessou os factos, mas numa situação em que foi encontrado em flagrante delito, sendo certo que, nas palavras do Professor Eduardo Correia (in "Lições de Direito Criminal" II Vol., pág. 387) "não deve ter nenhum significado a confissão do criminoso preso em flagrante delito e de uma maneira geral, em todos os casos em que se lhe torna claro que a prova está feita por outros meios". Não tem as condições para se habilitar para a condução, pois mal sabe ler português. A pena de multa, face ao descrito cenário, não é comunitariamente aceitável, sendo manifesto que o arguido não soube aproveitar as oportunidades que lhe foram dadas para se emendar e para demonstrar que havia interiorizado a censurabilidade da sua conduta. É ainda patente que a conduta destes autos não constituiu um acto isolado e esporádico na vida do arguido mas antes um acto de total indiferença e mesmo desprezo pela proibição de condução de viaturas a motor enquanto não estiver habilitado para tal. Torna-se inevitável pois a aplicação de uma pena de prisão, que no caso se julga adequada se não for superior a oito meses de prisão. A substituição da pena de prisão por pena de multa, nos termos do artigo 43º do Código Penal, não é possível face à necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. A simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão também não realizam de fora adequada e suficiente as finalidades da punição, como resulta patente das condenações já sofridas. A substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade, já depois de várias ameaças de condenação em prisão e de uma efectiva privação da liberdade, previsivelmente não sortirá qualquer efeito no arguido. O regime de permanência na habitação foi já aplicado e experimentado, sem sucesso. Impõe-se a aplicação de uma efectiva pena de prisão.”
É verdade que a primeira opção a fazer é entre a pena de multa e a pena de prisão. Para tanto, importa atender ao disposto no artº 70º do Código Penal, segundo o qual deve o Tribunal, sempre que for aplicável em alternativa uma pena não privativa e uma pena privativa da liberdade, optar por aquela não importe privação de liberdade. Esta preferência encontra-se, contudo, condicionada ao facto de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso vertente, o Tribunal a quo constatou que o arguido sofrera já 8 condenações, 4 das quais pela prática de crime de idêntica natureza ao que ora se discute e tendo já sido sujeito por três vezes pela prática deste crime de condução sem carta a penas de prisão suspensas na sua execução e uma vez ao regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Assim, tendo por base as finalidades das penas de protecção de bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade (artigo 40º, n.º 1 do Código Penal), entendeu o Tribunal de 1ª instância, não ser de optar por pena não privativa da liberdade neste caso, porquanto, face ao rol de antecedentes criminais do arguido, era manifesto o seu desrespeito e a indiferença pelas decisões dos Tribunais, sendo tal facto revelador de que uma simples pena de multa não assegurava de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Decidiu-se assim que a pena de prisão não deve ser substituída por multa ou outra pena não privativa da liberdade, nomeadamente, não deve ser suspensa, nem substituída por trabalho a favor da comunidade, devendo ser efectivamente cumprida.
Tendo por base o disposto no artº 43º do Cód. Penal, adianta-se desde já que, atenta a necessidade de prevenir por parte do arguido, o cometimento de futuros crimes nomeadamente idênticos ao dos autos, afigura-se-nos que a substituição da pena de 8 meses de prisão por uma pena de multa ou pelo regime de cumprimento da pena em permanência na habitação, se revelaria sem dúvida uma sanção ineficaz para assegurar as finalidades de punição, estando totalmente postas de parte no caso dos autos, como aliás ficou expressamente dito na sentença.
Na verdade, para além de ser esta a quinta vez que o arguido é condenado pela prática deste tipo de ilícito criminal, o facto é que não denota ainda consciência da gravidade da sua conduta e da necessidade de se afastar da prática de crimes, revelando uma falta evidente de conformação com o direito, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral e especial.
Por essa razão, torna-se necessário que este encare e tome consciência da decisão de punição da sua conduta proferida nestes autos, onde se optou por aplicar uma sanção mais severa, privativa da liberdade, para assim permitir que o agente interiorize a gravidade do seu comportamento.
Por outro lado, e de harmonia com o disposto no artº 50º do Cód. Penal, o Tribunal só pode suspender a execução da pena de prisão aplicada, em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As penas devem ser aplicadas com um sentido ressocializador, devendo o Tribunal por isso, quando aplica uma pena de prisão até 5 anos, suspender a sua execução, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura do arguido. Este juízo não assenta numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição.
Todavia, in casu, por crimes de condução de veículo a motor, sem habilitação legal, já lhe fora aplicada, pena de prisão suspensa na sua execução por três vezes e uma outra vez, já fora condenado em regime de permanência na habitação, e todavia, não obstante tais condenações, o arguido reiterou novamente em ........2024, na prática factos de idêntica natureza, que são objecto deste processo, revelando assim, não ter interiorizado a necessidade de se abster deste tipo de comportamento, ou seja, sem que o arguido tenha interiorizado suficientemente o desvalor da sua conduta, mantendo-se afastado da prática de crimes, em especial da prática de crimes de condução de veículos a motor sem habilitação legal. De facto, é inegável neste caso, que a simples censura do facto e ameaça da pena de prisão, não foi suficiente para afastar o arguido da prática deste tipo de ilícito, nem tão pouco permitiu dissuadi-lo de assumir tal conduta, revelando este assim, um total desvalor pela ordem jurídica no que concerne aos seus ditames relacionados com a condução de veículos a motor.
O arguido insiste em violar a lei, sem qualquer respeito pela mesma, não servindo as anteriores condenações como forma de o educar para o direito e de o fazer interiorizar estes valores sociais e jurídicos. Pelo exposto, torna-se evidente que a mera censura do facto e a ameaça da pena de prisão não é suficiente, para levar o arguido a deixar de praticar novos ilícitos desta índole, razão por que não poderá ser aplicada neste caso, a suspensão da execução da pena de prisão.
Acresce que também não se nos afigura adequada a substituição da pena de prisão, por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artº 58º do C.P. face às inúmeras condenações já sofridas pelo arguido, que não surtiram efeito para o afastar da prática de factos, nomeadamente condenações em penas de prisão suspensas na sua execução (que comportam ameaças de aplicação de penas de prisão).
Assim, cremos que no caso concreto só o contacto com o ambiente prisional poderá consciencializar o arguido da gravidade da sua conduta e também das consequências que dela podem advir de forma a afastá-lo da prática deste tipo de ilícito e dissuadi-lo de assumir tal conduta.
Aqui chegados, não podemos deixar de concordar então, com a decisão do Tribunal a quo, pois que atento tudo o exposto, nomeadamente a matéria de facto apurada, quer aquela que integra o ilícito objecto destes autos, quer aquela respeitante à situação pessoal e antecedentes criminais do arguido, a substituição da pena de prisão por uma pena de multa ou por trabalho a favor da comunidade, não se revela adequada por serem elevadíssimas as necessidades de prevenção especial sentidas no caso sub Júdice, face à sua conduta anterior à prática do crime destes autos.
Poderá contudo a efectividade da pena de prisão aplicada ser revogada, no pressuposto de ser ainda viável o cumprimento da pena de prisão aplicada, em regime de permanência na habitação (RPH) ao abrigo do artº 43º/1 a) do C.P ?
O regime de permanência na habitação surge com a reforma do Código Penal operada pela Lei 59/2007 de 4/9 e permite que a privação da liberdade ocorra extramuros, como alternativa à prisão no Estabelecimento Prisional.
A sua execução pressupõe também sempre o consentimento do condenado e a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos artºs 1º nº 1 /b), artº 2º, artº 3º artº 4º/1/3, artº 5º, artº 6º, artº 7º, artº 8 e artº9º da Lei nº 33/2010 de 2/9 – artº 9º da Lei 59/2007 de 4/9.
Evita-se com tal regime, os inconvenientes do efeito criminógeneo das curtas penas de prisão em instituição e permite-se por outro lado acautelar a socialização do agente do crime, mantendo as suas ligações à família/e ao seu meio social.
Contudo, o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, regulado no artº 43º/1 do C.P foi expressamente afastado pelo Tribunal a quo, por tal ser exigível em função da necessidade de acautelar prementes razões de prevenção geral (em função da elevada sinistralidade que se faz sentir nas estradas portuguesas) e sobretudo razões de prevenção especial.
Ou seja, tal regime seria apenas de aplicar, se o Tribunal concluísse que no caso em apreço, esta forma de cumprimento realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que não sucedeu.
As várias condenações por crimes anteriormente praticados, num total de 8, que ao recorrente foram já impostas, sendo que do conjunto delas, 4 foram motivadas por conduzir veículos a motor sem carta, revelam que outras sanções menos graves, tal como as sanções económicas (pena de multa) ou mesmo de censura mais grave (pena de prisão suspensa na sua execução, pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade ou pena de prisão substituída por pena de multa), não seria, agora idóneas para o afastar de conduzir veículos automóveis sem estar habilitado legalmente para o efeito – ponderando ainda que no caso presente, a confissão do arguido tem pouco relevo, nos termos que ficaram exarados, na sentença. Improcede pois a pretensão do arguido, de ver aplicado o regime de permanência na habitação, previsto no artº 43º do C.P
Com efeito, afigura-se-nos que só a privação da liberdade realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que deve a pena de prisão aplicada ao arguido ser cumprida de forma “efectiva”.
Constata-se assim, que em relação a estas duas últimas medidas sancionatórias alternativas à prisão efectiva e supra analisadas, (regime da suspensão da execução da pena ou regime de permanência na habitação), são sempre as elevadas exigências de satisfação da prevenção especial e geral suscitadas no caso concreto, que inviabilizam a sua aplicação.
Assim, se a situação objecto deste nosso processo, se tratasse da primeira condenação ou quanto muito da segunda vez que estivesse em causa o julgamento do arguido por este tipo de ilícito (condução de veículo automóvel sem habilitação legal) faria no nosso modo de ver, todo o sentido ponderar a eventual aplicação de outro tipo de penas, nomeadamente de penas de natureza não privativa da liberdade.
Mas neste momento, tendo em atenção o que ficou provado em 11) a 19) na sentença condenatória proferida no Tribunal recorrido, afigura-se-nos que bem andou esse Tribunal a quo quando decidiu aplicar-lhe uma pena de prisão efectiva no presente caso.
Como claramente ficou expresso na decisão recorrida, é inquestionável que o arguido manifesta uma grave falta de preparação para manter uma conduta lícita e revela uma personalidade desconforme ao direito e ao padrão do homem médio suposto pela ordem jurídica, porquanto patenteia propensão para praticar actividades delituosas da mesma natureza (delitos de condução sem habilitação legal) e outras, e um claro desrespeito pelas solenes advertências contidas nas anteriores condenações proferidas pelos Tribunais.
Na verdade, e apesar de já ter cumprido varias outras penas de diferente natureza, pela prática do crime ora em análise nos presentes autos, o arguido não se coibiu de voltar a delinquir, donde se conclui que a efectividade da pena de prisão se torna necessária a fim de prevenir que o arguido cometa novos crimes e deste modo possa sentir a gravidade da sua conduta.
Também nós entendemos que só esta sanção é adequada a levar o arguido a reflectir sobre os efeitos perversos da sua actuação e a contribuir para uma alteração da sua conduta no futuro, de modo a que quando for restituído à liberdade, saia com vontade de aprender a respeitar e cumprir as regras do C.E e as normas da segurança rodoviária, a fim de poder circular nas vias públicas, sem colocar em risco outras vidas, conduzindo uma viatura automóvel devidamente habilitado para o efeito, isto é, sendo titular da respectiva carta de condução.
Terá assim durante o tempo de reclusão em cumprimento da pena agora aplicada, oportunidade para além de poder receber formação básica para ler escrever, perceber que as regras relativas à segurança rodoviária contidas no C.E e também no C.P não se criaram sem uma razão muito forte: nomeadamente a de não se poder assacar a ninguém, o risco de poder perder a vida na estrada, em resultado da incúria de terceiros, que de forma voluntária e consciente decidem conduzir viaturas automóveis, sem estarem minimamente habilitados para o efeito (por não terem frequentado aulas teóricas e práticas de condução aptas a transmitir todos os conhecimentos que são necessários para se poder circular nas vias públicas) não sendo assim titulares do respectivo título (carta de condução), que lhes confere o direito a essa circulação.
Admitimos que a privação da liberdade do recorrente em resultado do cumprimento de uma nova pena de prisão por este tipo de ilícito, lhe possa causar desconforto, mas será exactamente essa situação de privação, que poderá no futuro, levá-lo finalmente à compreensão das razões que o impedem de continuar em liberdade, enquanto persistir na condução de veículos automóveis sem ser titular de uma carta de condução.
Acontece porém que neste momento, não estamos convencidos que o recorrente já tenha efectivamente interiorizado essa compreensão e se afaste de conduzir veículos automóveis até obter o título que o habilite legalmente para esse efeito.
E acima de tudo, certamente que a comunidade não compreenderia que quem já foi condenado 4 vezes numa pena, por conduzir sem carta, não fique privado da liberdade, quando se trata de julgar factos de idêntica natureza por ele praticados pela 5ª vez, de forma voluntária e consciente.
Tudo isto, permite assim concluir, assim que o arguido nada trouxe em sede de recurso, que permita alterar a pena que lhe foi imposta.
Em resumo e tudo visto, afigura-se-nos que só a privação da liberdade, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que deve a pena de prisão aplicada ao arguido ser cumprida de forma efectiva.
As condenações anteriores impostas ao recorrente – penas de prisão suspensas na sua execução e aplicação do regime de permanência na habitação - e a sua persistência em conduzir veículos a motor na via pública, sem para tanto se encontrar habilitado, não permitem acolher a sua pretensão que agora formula por via deste recurso.
E isso mesmo foi dito na sentença recorrida, ao considerar-se adequada a aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva, decisão com a qual concordamos (neste sentido veja-se o Ac. da Relação de Évora de 19.2.2013 in processo nº 85/12.7GBCCH.E1 e de 7.12.2012 in processo nº 30/12.0GTBJA.E1 e ainda o Ac.do S.T.J de 13.9.2007 in processo nº 07P2795). IV – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar não provido o recurso interposto pelo arguido AA e manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
b) Condenar o arguido em taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) Ucs.
Lisboa, 27 de Junho de 2025 Ana Paula Grandvaux Barbosa Francisco Henriques Maria da Graça dos Santos Silva
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1. Ranking EU Progress On Road Safety, 17th Road Safety Performance Index Report, June 2023, págs. 13 e 18, pesquisável em: https://etsc.eu/wp-content/uploads/ETSC-17th-PIN-Annual-Report-DIGITAL-1.pdf.