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MÚTUO PAGÁVEL EM PRESTÇÕES
INCUMPRIMENTO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Sumário
I - O não pagamento, pelo devedor, de prestações pecuniárias devidas no âmbito de um contrato de mútuo representa o não pagamento de ‘quotas de amortização do capital’ devido. II - Tratando-se de incumprimento de ‘acordo de amortização’, o prazo de prescrição do direito do credor de exigir o pagamento das prestações é o de cinco anos, previsto na alínea e) do art.º 310.º do CC. III - Tendo-se verificado, mercê do não pagamento de alguma das prestações, o vencimento das restantes (art.º 781.º do Código CC) e, porventura, a subsequente resolução do contrato, o prazo de prescrição da obrigação ‘única’ daí resultante continua a ser o mesmo de cinco anos (AUJ do STJ n.º 6/2022, de 22-09-2022, publicado no DR, I-S-A). IV - A interpretação do art.º 310.º, alínea e) do CC, no sentido da sua aplicação às situações referidas em III, não viola os princípios da segurança jurídica, da igualdade de armas, da proporcionalidade e da confiança, não sendo, por isso, inconstitucional.
Texto Integral
Processo n.º 2687/23.7T8VLG.B.P2 - Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução de Valongo
Recorrente: A..., S.A.
Recorridos: AA
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.- Sumário
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.- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,
1.- AA deduziu os presentes embargos à execução que lhe move A..., S.A., batendo-se pela sua extinção.
Alegou, para tanto, e em suma, valendo-nos do que, a propósito, consta da sentença recorrida, ‘que nunca lhe foi comunicada a existência de qualquer contrato de cessão, concluindo, de tal facto, que o mesma não produz qualquer efeito.
Mais [alegou] que não foi integrado no PERSI e que a dívida exequenda está prescrita, por há muito estar esgotado o prazo de 5 anos previsto no art.º 310.º, alínea e) do CC, assim como o de 20 anos’.
2.- Recebidos os embargos e notificada a Exequente, esta, na contestação, valendo-nos novamente da sentença recorrida, sustentou ‘a sua legitimidade para a execução e a efetivação da notificação do executado do contrato de cessão de créditos que invoca no requerimento executivo e que a notificação da cessão do crédito ao devedor não é pressuposto da validade de cessão de créditos.
Mais [defendeu] que inexistia qualquer obrigação de integração do contrato dos autos no PERSI, porquanto a resolução do contrato que fundamenta a presente ação data de 31 de março de 2003 e o D.L. 227/2012 entrou em vigor a 1 de janeiro de 2013.
Finalmente, [defendeu] que não se verifica a invocada prescrição por, em 29 de maio de 2003, ter intentado uma ação executiva que interrompeu a prescrição, cujo prazo não é 5 anos como pretende o Executado, mas sim o prazo geral de prescrição de 20 anos, pois o montante do pagamento exigido corresponde a todo o capital em dívida; que, nos termos do n.º 1 do artigo 311º. do CC, o direito sujeito a prazo mais curto do que o prazo ordinário de prescrição fica sujeito a este último (20 anos), se sobrevier sentença ou título executivo que reconheça o direito, devendo ainda ter-se em conta a suspensão dos prazos de prescrição determinados pelo art.º 6.º da Lei n.º 16/2020 de 29 de maio e pelo n.º 3 do art.º 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro.
Mais [invocou] a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 310.º, n.º 1 al. e), no sentido de ser aplicável aos contratos de crédito resolvidos, por representar uma clara desproteção do credor, violando os princípios constitucionais previstos nos art.ºs 2.º, 12.º, n.º 2, 18.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 62.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa’.
3.- Notificado da contestação e documentos juntos, pronunciou-se o Embargante sobre a invocada interrupção da prescrição.
4.- Realizada audiência prévia com fundamento no facto de os autos disporem já de todos os elementos para o conhecimento das exceções deduzidas e do mérito da causa, as partes, através dos seus mandatários, pronunciaram-se do modo que reputaram adequado.
5.- Seguidamente, foi proferido:
i.- despacho a fixar em € 13.117,32 o valor da causa;
ii.- saneador sentença julgando procedentes os embargos de executado e, consequentemente, extinta a execução.
6.- Inconformada com esta decisão, dela veio a Embargada interpor o presente recurso, batendo-se pela sua revogação, com a consequente improcedência dos embargos.
Para o efeito, formulou as seguintes conclusões, assim transcritas:
A. O título executivo apresenta-se como requisito essencial da ação executiva e constitui instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, documento suscetível de, por si próprio, revelar com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta a formulação da pretensão exequenda.
B. A Apelante aquando da propositura da ação, não se limitou a invocar a existência do seu direito de crédito, tendo antes alegado no requerimento executivo de forma contextualizada e circunstancial os factos constitutivos da relação cambiária subjacente.
C. De facto, são descritos no requerimento executivo os intervenientes no contrato, o tipo de contrato, o incumprimento ocorrido e interpelação efetuada, os esforços desenvolvidos e que vieram a culminar na apresentação do requerimento executivo.
D. É este o regime legal consagrado no artigo 703.º, n.º 1, alínea c) do CPC, no qual a Apelante se apoiou para intentar a presente ação executiva, pelo que a exceção de prescrição invocada pelos Embargantes (Executados) não poderá proceder.
E. Tanto mais que a Apelante alegou no seu articulado contestação factos relevantes que obstam ao conhecimento do mérito da ação, por via da exceção perentória de prescrição.
F. Face à lei adjetiva vigente, é unânime o entendimento na doutrina e na jurisprudência de que o momento determinante para aferir do início do prazo de prescrição é a data em que ocorreu o vencimento obrigação.
G. Assim, não poderia o tribunal, para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição, aplicar o regime previsto na L.U.L.L., 77º e 70º, ainda que extinta a obrigação cambiária incorporada no título cambiário pelo decurso do prazo de prescrição, este pode continuar a valer como título executivo.
H. Aliás resulta do próprio Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/10/2019 indica que a reforma processual de 2013 suprimiu a regra da genérica exequibilidade dos documentos particulares (que antes constava do art. 46.º/1/c)); mas, quanto à ressalva/exceção estabelecida – possibilidade dos títulos de crédito poderem ser títulos executivos como quirógrafos – permanece válido o entendimento jurisprudencial/doutrinal antes firmado (em relação ao anterior art. 46.º/1/c)).
I. Assim, o Embargado tem o ónus de alegação no requerimento executivo dos factos constitutivos da relação subjacente; deve estar-se no domínio das relações imediatas; o negócio subjacente não pode ser solene; e, havendo oposição, o ónus da prova da existência da relação subjacente fica a cargo do exequente.”
J. Deste modo, quanto à não conhecimento pelo tribunal a quo do circunstancialismo fáctico de apenas sobrestar parte do capital mutuado como remanescente em dívida à data da resolução do contrato, e de este exigir a aplicação legal do prazo geral de prescrição de 20 (artigo 309.º), anos à obrigação subjacente, verifica-se a ausência inequívoca de apreciação e de pronúncia (artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC) sobre uma questão essencial que permitiria conhecer e concluir pela inexistência de qualquer exceção perentória extintiva de prescrição da dívida, repercutindo-se esta omissão na fundamentação errada e incompleta (artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC), de facto e de direito, aduzida pelo tribunal a quo.
K. A Apelante invocou expressamente na sua contestação a inconstitucionalidade da norma com base daquela interpretação.
L. No entanto, a hipótese de aplicação do prazo quinquenal ao capital, assume determinante importância, colocando em causa uma interpretação que, além de ilegal, é também inconstitucional M. O contrato aqui em apreço é um contrato de financiamento para compra de um veículo, celebrado entre as partes, que se traduz exatamente num empréstimo de dinheiro, um contrato que pressupõe uma obrigação global, cujo pagamento se encontra escalonado no tempo que se traduz numa obrigação única para os Embargantes, correspondente ao capital mutuado e aos respetivos juros remuneratórios;
N. Portanto trata-se de um único contrato, celebrado com os Embargantes, em que existe uma dívida previamente fixada, dívida esta que irá ser paga parcialmente, fraccionadamente, em diversas prestações previamente estipuladas.
O. As prestações fracionadas transmutaram-se numa única obrigação sujeita ao prazo prescricional ordinário, ou seja, foram destruídas pelo vencimento antecipado, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.
P. Não se enquadrando o capital no prazo de prescrição da alínea e), do art.º 310º C.C, nem na L.U.L.L., 77º e 70º.
Q. Aplicar ao presente contrato o prazo quinquenal com os pressupostos que o AUJ do STJ emitido em 30-06-2022 – processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 é inconstitucional, porquanto viola além do princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa.
R. De facto, por muito respeito que mereça a fundamentação jurídica do referido Acórdão para aplicar artigo 310.º alínea e) do C.C., o mesmo não pode ser generalizado a todos os processos que apresentem a mesma questão de direito omitindo a especificidade da causa, dado que parte de um estudo originariamente delineado para as situações de insolvência, e da preocupação do legislador em regular os casos em que um devedor acumulou inúmeros valores (prestações) em dívida, de tal modo que a sua concentração, acrescida de juros e outros encargos agrave a posição de fragilidade em que aquele se encontra.
S. Se assim não for entendido, isto representaria uma clara desproteção do credor que nem sequer vê o valor do capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituído, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor em detrimento do credor o que ataca o princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa.
T. A aplicação imediata da uniformização de uma nova corrente de pensamento e aplicação jurídica dos prazos de prescrição aos contratos de mútuo, quirógrafos e demais títulos executivos sem uma disposição transitória que gradue temporalmente essa aplicação é uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da Proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição.
U. Apesar de aqui a Embargada não ter intentado esta nova ação executiva dentro do prazo prescricional da relação cartular, prevista no artigo 70.º da LULL, a Embargada intentou dentro do prazo prescricional dos 20 anos, bastando à Exequente alegar os factos constitutivos da relação subjacente, seja no título cambiário ou, na ausência deste, no próprio requerimento executivo, como se verifica no caso concreto.
V. Sendo excessiva, inadequada e desnecessária face ao princípio já consagrado no art. 310.º, n.º 1 al. d) C.C. e a proteção que o mesmo dá aos devedores, isto considerando a fundamentação implícita no Ac. Uniformizador de Jurisprudência.
W. Enferma para tal de inconstitucionalidade a norma presente no artigo 310º, alínea e) do CPC, por violação dos princípios constitucionais, da proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito.
X. Entende a Embargada que a decisão da qual se recorre já se encontrava viciada pela decisão anterior do Saneador Sentença.
Y. Não existe diferenças substanciais entre a Sentença de 20/01/2025 e o Saneador Sentença de maio de 2024.
Z. Não aceita a Embargada que já exista uma decisão à priori, sem que os factos sejam novamente discutidos e analisados.
7.- O Embargante não respondeu ao recurso.
8.- O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
9.- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes:
.- da nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação;
.- da prescrição do direito de crédito exequendo;
.- da inconstitucionalidade da interpretação do art.º 310.º, alínea e) do CC, no sentido da aplicação do prazo de prescrição de 5 anos nele previsto ao direito de crédito exequendo.
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III.- Da Fundamentação III.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso foram considerados provados os seguintes factos:
1 – Em 14 de julho de 2023 a exequente interpôs a ação executiva de que estes são apenso, indicando como título executivo “Livrança” e alegando, na descrição dos factos que:
.- “2. Por contrato de Cessão de Créditos celebrado no dia 18 de maio de 2012, em Lisboa, o Banco 1..., S.A. cedeu à Banco 2..., S.A.R.L., ora Requerente, os créditos que detinha sobre os ora executados, incluindo capital, juros indemnizações e quaisquer outras obrigações pecuniárias, conforme documento Nº. 1 e Nº 2 que ora se junta. .- 3. Cessão essa notificada aos Executados nos termos do artº. 583º. Nº. 1 do Código Civil, conforme doc. Nº. 3. .- 4. Posteriormente, em 16 de março de 2021, foi celebrado um contrato de cessão de créditos, entre Banco 2..., S.A.R.L., na qualidade de cedente e A... STC, S.A. na qualidade de cessionária, conforme Documento Nº. 4. .- 5. Contrato pelo qual foram transmitidos os créditos e as garantias que a cedente tinha sobre os executados, conforme documento Nº. 5 tendo sido essa cessão notificada aos Executados nos termos do artº. 583º. Nº. 1 do Código Civil – conforme documento Nº. 6.
.- 6. A cedente primária, no âmbito da sua atividade, celebrou com os ora executados o contrato, ao qual foi atribuído o n.º ..., conforme Documento nº. 7. .- 7. O referido contrato tinha como objeto um mútuo. .- 8. Ora apesar de devidamente interpelado para regularizar a dívida em que ocorreu, pelo não pagamento do montante total em incumprimento, o ora Requerido não efetuou, até à presente data, qualquer pagamento. Nem prestou qualquer justificação, situação que motivou a resolução do contrato e o preenchimento da livrança conforme Documento nº. 8. .- 8. No contrato ora mencionado, o valor concedido foi de €14.261,48 (catorze mil duzentos e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos), a ser liquidado em 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 347,72€ cada, perfazendo o valor total das prestações em € 17.956,72 (dezassete mil novecentos e cinquenta e seis euros e setenta e dois cêntimos) - cfr. doc. n.º 7. 9. Conforme o “Descritivo do Bem e Condições de Financiamento”, o vencimento da primeira prestação dar-se-á no dia 07.10.2000, ou seja, no mês seguinte ao da celebração do contrato, sendo que as restantes prestações vencer-se-ão ao mesmo dia dos períodos sucessivos.(…) 11. Até à resolução do contrato sub judice os aqui Executados, entre Dezembro de 2002 e Março de 2003 foram liquidadas 4 prestações. 12. Face ao constante incumprimento, o bem financiado foi entregue ao Cedente Primário, e vendido pelo valor de € 5.786,00 (cinco mil setecentos e oitenta e seis euros) – conforme doc. n.º 10. 13. Face ao incumprimento reiterado dos aqui Executados, foi resolvido o contrato e preenchida a livrança pelo valor de € 6837,41, não tendo havido posteriormente qualquer pagamento, conforme documento n.º 8 e 9. 14.- Uma vez que, até à presente data, os ora Executados não pagaram qualquer quantia, são devidos juros de mora, calculados sobre o capital 6837,41€, à taxa legal de 7% e 4%, desde a data de vencimento da livrança (09-04-2003) até à presente data (10-07-2023), acrescido de despesas advindas da interposição da presente ação. 15. Desde já se referencia que se deve considerar quanto ao presente titulo a suspensão em 87 dias e em 74 dias que adveio da previsão imposta nos diplomas Lei.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril e da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro”.
2 – O requerimento executivo veio acompanhado de cópia:
a) - do contrato de cessão de créditos celebrado entre o Banco 1..., S.A. e a Banco 2..., SARL em 18 de maio de 2012.
b) - do contrato de cessão de créditos celebrado entre a Banco 2..., SARL e a exequente em 16 de março de 2021.
c) - do contrato nº. ..., junto como Doc. 7 e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.
d) - da livrança no valor de € 6.837.41 sendo a data de emissão 2003/03/25 e de vencimento 2003/04/09, constando como beneficiário o Banco 1... e como subscritores BB e AA, residentes na Rua ..., ..., 3º. Esq. em ....
e) - da carta datada de 5 de novembro de 2002, dirigida a BB, residente na Rua ..., ..., 3º. Esq. em ... dando-lhe conta do valor da venda do veículo automóvel matrícula ..-..-IB e de que o valor remanescente do contrato é de € 6.307,98.
f) - da carta datada de 26 de março de 2003, dirigida a CC dando-lhe conta que o contrato de empréstimo pessoal com o nº ..., fora denunciado por falta de pagamento exigindo-se agora o pagamento da totalidade do valor em dívida”, mais o informando de que iria proceder ao “preenchimento da livrança de caução” pelo valor de € 6.837,41 e que a mesma deveria ser paga até ao dia 9 de abril de 2003, data que seria aposta na livrança.
g) - da carta datada de 2 de julho de 2012, dirigida ao executado BB, para a morada atrás referida, dando-lhe conta da cessão de créditos celebrada entre o Banco 1..., S.A. e a Banco 2..., SARL.
h) - carta datada de 7 de junho de 2021, dirigida ao executado BB, para a morada atrás referida, dando-lhe conta da cessão de créditos celebrada entre a Banco 2..., SARL e a exequente.
3.- Em 14 de julho de 2023 a exequente pagou a quantia a que alude a al. a) do nº. 6 do artº. 724º. do CPC e em 20 de setembro de 2023 juntou aos autos o original da livrança referida em 2.
4.- Em 28 de setembro de 2023 foi proferido despacho a convidar o exequente a juntar aos autos cópia legível do documento 5 que acompanhou o requerimento executivo, despacho a que a exequente deu cumprimento em 9 de novembro de 2023.
5.- O executado foi citado para os termos da presente execução em 28 de dezembro de 2023 na Travessa ... em ....
6.- Nos termos do contrato nº. ..., junto como Doc. 7 e em cumprimento do mesmo foi entregue ao mutuário a quantia de Esc. 2.859.170$00 para o financiamento da aquisição do veículo automóvel de marca Rover, modelo ... com a matrícula ..-..-IB.
7.- Nos termos do mesmo contrato o empréstimo concedido deveria ser reembolsado em 60 prestações iguais, mensais e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira em 7 de outubro de 2000 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
8.- Em 5 de novembro de 2003 a Banco 1... dirigiu ao embargante carta que endereçou para a Rua ..., ..., 3º. Esq. em ..., dando-lhe conta do valor da venda do veículo automóvel matrícula ..-..-IB e de que o valor remanescente do contrato era de € 6.307,98, carta essa acompanhada de um plano de pagamento do referido valor e juros.
9.- Em 26 de março de 2003 a Banco 1... dirigiu ao embargante, para a morada atrás referida, uma carta dando-lhe conta de que o contrato de empréstimo pessoal com o nº ..., fora “denunciado por falta de pagamento” exigindo-se agora o pagamento da totalidade do valor em dívida”, mais o informando de que iria proceder ao “preenchimento da livrança de caução” pelo valor de € 6.837,41 e que a mesma deveria ser paga até ao dia 9 de abril de 2003, data que seria aposta na livrança.
10.- A carta atrás referida foi recebida em 31 de março de 2003.
11.- Em 29 de maio de 2003 a Banco 1... deduziu contra os executados ação executiva para pagamento de quantia certa dando à execução a livrança referida em 2, execução que correu termos no 10.º Juízo Cível, 3ª. Secção, dos Juízos Cíveis de Lisboa, sob o nº. 21049/03.6YXLSB.
12.- A carta para citação do executado para os termos da ação atrás referida foi depositada no recetáculo do correio da casa sita na Travessa ..., ..., casa ..., r/chão esq., ..., no dia 15 de fevereiro de 2006.
13.- A execução atrás referida foi extinta em 10/03/2014.
14.- Em 2 de julho de 2012 a Banco 1... dirigiu ao embargante, para a Rua ..., S/numero, casa ..., em Valongo, uma carta registada com aviso de receção dando-lhe conta da cessão de créditos celebrada entre o Banco 1..., S.A. e a Banco 2..., SARL.
15.- A carta atrás referida foi devolvida com a menção “Objecto não reclamado”.
16.- Em 7 de junho de 2021 foi dirigida ao embargante, para a mesma morada, uma carta dando-lhe conta da cessão de créditos celebrada entre a Banco 2..., SARL e a exequente.
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III.II.- Do objeto do recurso 1.- Da nulidade da sentença recorrida
Invoca o Apelante que a sentença recorrida é nula por duas ordens de razões: porque não se debruçou sobre questão que, na sua ótica, devia ter conhecido; por não ter fundamentado devidamente a decisão proferida.
Vejamos, reportando a análise a fazer autonomamente quanto a cada um dos vícios invocados.
Quanto ao primeiro, está ele previsto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, nos termos do qual, reportando-nos àquilo que aqui importa considerar, é, de facto, nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
A nulidade em apreço está conexionada com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, segundo o qual deve o juiz, na sentença, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Do que se trata aqui é, como decorre dos normativos legais supra transcritos, de uma ‘omissão de pronúncia’ do tribunal relativamente a “questões” de que devesse conhecer, o que afasta, por conseguinte, a não consideração de simples argumentos, razões ou juízos valor aduzidos pelas partes em suporte da solução que preconizam para a concreta questão em litígio.
Como referia José Alberto dos Reis, “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.
Segundo o Autor, “[q]uando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V., Coimbra, 1984, p. 142 e 143).
No mesmo sentido, diz-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 08-05-2019 que “a omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre as questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido”.
Reportando-se, segundo o mesmo aresto, “o vocábulo legal – ‘questões’ – não [a] todos os argumentos invocados pelas partes”, mas “apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir”, o que nele está pressuposto é, na verdade, “as concretas controvérsias centrais a dirimir” (Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt.).
Trata-se aqui, de resto, de jurisprudência uniforme dos nossos tribunais superiores, como se pode ver, além do acima citado, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2005; da Relação de Coimbra de 28-06-2022; da Relação de Évora de 21-03-2017; da Relação de Guimarães de 12-10-2023; e da Relação do Porto de 25-03-2019 (todos disponíveis na internet, no sítio acima indicado).
De referir, ainda, que o caminho a seguir para aferir se houve ou não omissão de pronúncia relevante é, como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, o de “interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão” (In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, 2022, p. 794).
A diferente leitura que o tribunal faça dos factos ou do direito relativamente à que é feita por alguma das partes, mesmo que tal importe a desconsideração da argumentação factual ou da construção jurídica desta, não constitui, por isso, omissão de pronúncia se, da análise da sentença no seu todo, resultar com clareza que a questão não deixou de ser efetivamente apreciada, ainda que sob um enquadramento diverso do preconizado pela parte.
No caso em apreço, é clara a inexistência do vício apontado pelo Apelante à sentença recorrida.
Estava em causa a apreciação da questão de saber qual o prazo de prescrição aplicável ao crédito exequendo: se, como se concluiu na sentença recorrida, o de 5 anos, previsto na alínea e) do art.º 310.º do CC; se, como defendido pela Apelante, o ordinário de 20 anos, previsto no art.º 309.º do CC.
Lida a sentença recorrida, dela resulta que a Sr.ª Juíza que a elaborou enquadrou a questão do ponto da sua qualificação jurídica. Aludiu, também, às divergências de posição doutrinais e jurisprudenciais existentes sobre qual o prazo de prescrição aplicável a casos como o dos autos e justificou a opção por uma das posições com base na jurisprudência decorrente do AUJ n.º 6/2022 (D.R. I.S. de 22-09). Finalmente, tendo por base esta argumentação jurídica, subsumiu os factos aos normativos que considerou aplicáveis, mormente àqueles que conduziriam, de acordo com a Apelante, à interrupção do prazo de prescrição atendível e concluiu no sentido de que o direito desta estava prescrito. Isto, sem deixar de apreciar a questão, também suscitada pela Apelante, da inconstitucionalidade da interpretação que fez do art.º 310.º, al. e) do CC.
Ou seja, a sentença recorrida apreciou a questão objeto do litígio em todas as vertentes que havia que apreciar. Fê-lo, outrossim, não só de forma pormenorizada, mas também exaustiva, expondo cada um dos argumentos de que se serviu para justificar a decisão que tornou.
Não há, pois, qualquer omissão de pronúncia atendível, desatendendo-se, consequentemente, a pretensão da Apelante.
Segundo esta, a sentença recorrida também estaria ferida do vício do art.º 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, por conter fundamentação “errada e incompleta”.
De acordo com aquele normativo, a sentença é, com efeito, nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.
A nulidade derivada da falta de fundamentação aqui prevista pressupõe a total ausência ou a falta absoluta de fundamentação, não se bastando com a mera insuficiência ou incompletude da mesma.
Como referem Antunes Varela, José Miguel Bezerra e Sampaio Nora “[p]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (in Manual de Processo Civil, Coimbra, 1985, p. 687).
No mesmo sentido apontava Alberto dos Reis, segundo o qual “[o] que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade”, sendo que “[p]or falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Por isso, de acordo com o mesmo, “[s]e a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade” (in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1981, Vol. V, p. 124).
De referir que uma tal posição doutrinal constitui jurisprudência largamente acolhida pelos tribunais superiores, exemplificando-se tal constatação com os Acórdãos do STJ de 09-10-2019, proferido no processo 2123/17.8LRA.C1.S1; de 15-05-2019, proferido no processo n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1; e de 02-06-2016, proferido no processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1,S1; todos eles enunciados, por seu turno, no Acórdão do mais alto Tribunal de 03-03-2021, proferido no processo 3157/.8T8VFX.L1.S1 (Acórdão(s) disponível(eis) na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
No caso, não padece a sentença recorrida do vício invocado pela Apelante.
Com efeito, e como se disse já atrás, a Sr.ª Juíza que elaborou a sentença fez uma apreciação exaustiva da questão que lhe incumbia conhecer. Enquadrou-a juridicamente e explicitou as razões que a levaram a concluir no sentido em que concluiu. Fê-lo, também, de modo claro e compreensível, permitindo a qualquer das partes no processo perceber a razão pela qual decidiu como decidiu. Tanto assim que a Apelante, tendo percebido os fundamentos da decisão, surge no recurso a impugná-los, aduzindo uma profusão de argumentos que, na sua ótica, conduziriam a um diverso resultado. Ou seja, fundamentou a decisão.
Pode-se discordar da fundamentação utilizada e, a partir da fundamentação, da decisão tomada. Mas que se trata de decisão suportada num conteúdo substancial relevante é um dado indesmentível.
Não há, pois, nulidade atendível com o fundamento em apreço, desatendendo-se a argumentação da Apelante também nesta parte.
2.- Da prescrição do direito de crédito exequendo
Esta execução tem como título executivo um documento que constitui uma livrança.
Porque prescrito, contudo, pelo decurso do prazo de 3 anos previsto no art.º 70.º da LULL, o direito ‘cartular’ correspondente, o documento surge a suportar a execução, não na qualidade de título cambiário, mas de ‘quirógrafo’ das obrigações decorrentes do contrato que está na origem da sua subscrição.
Ou seja, como título executivo enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art.º 703.º do CPC, complementado com os factos constitutivos da relação subjacente que a Apelante, como exequente, alegou no requerimento executivo.
O contrato que subjaz a tal título é, como decorre dos factos provados, um contrato de mútuo, celebrado em 07-09-2000, por via do qual o credor originário emprestou ao mutuário a quantia de, então, 2.859.170$00, com vista ao financiamento da aquisição de um veículo automóvel por este (v. facto provado n.º 6).
Nos termos do contrato, o empréstimo deveria ser reembolsado em 60 prestações iguais, mensais e sucessivas de capital e juros, vendendo-se a primeira em 07-10-2000 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes (v. facto provado n.º 7).
Temos, assim, um contrato que encerra em si um acordo de amortização, que prevê uma obrigação de restituição de capital que, apesar de única, vê o seu cumprimento, como se referiu na sentença recorrida, protelado “no tempo, através de sucessivas prestações, a pagar em datas diferidas, que não têm de ser regulares no tempo, até que o montante da dívida se encontre completamente pago.
Enquanto acordo de amortização, à obrigação de pagamento de cada uma das prestações acordadas no plano de amortização nele estipulado, é aplicável, como decorre da alínea e) do art.º 310.º do CC, o prazo de prescrição de cinco anos.
No caso dos autos, todavia, está em causa a cobrança coerciva, não de prestações, mas da parte do crédito que permaneceu em dívida e respetivos juros depois de, em face do incumprimento do mutuário, o mutuante ter despoletado o vencimento das demais prestações nos termos do art.º 781.º do CC e, posteriormente, declarado resolvido o contrato.
A questão que aqui se coloca é, pois, a de saber se a essa obrigação de pagamento integral do crédito ainda em dívida continua a ser, como decidido na sentença recorrida, aplicável o referido prazo de 5 anos de prescrição, ou se, pelo contrário, tratando-se agora de prestação “única”, é-lhe aplicável, como defendido pela Apelante, o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no art.º 309.º do CC.
Ora, como salientado na sentença recorrida, os entendimentos dividiam-se neste tipo de situações quanto ao prazo de prescrição atendível, ora optando uns pela primeira solução, ora optando outros pela segunda.
A solução da questão tornou-se, contudo, e entretanto, pacífica, mercê da jurisprudência uniformizada pelo AUJ do STJ n.º 6/2022, publicado no D.R. I-S, de 22-09, nos termos da qual:
“I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas."
Ou seja, face a tal decisão da mais alta instância, com a qual se pretendeu, precisamente, em nome da segurança jurídica, pôr termo à divergência de posições sobre a questão de direito aqui em análise, à luz da mesma legislação, firmou-se o entendimento de que a obrigação em causa estava sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos previsto na alínea e) do art.º 310.º do CC.
Ora, como referido no Acórdão da Relação do Porto de 10-07-2024 (proferido no processo n.º 5793/23.4T8PRT-A.P1, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt), “aos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência o legislador não atribuiu a força obrigatória geral de que gozavam os Assentos em função do primitivo artigo 2.º do Código Civil, que foi revogado, mas têm os mesmos um valor reforçado, já que emanam do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, sendo o seu não acatamento pelos tribunais motivo para recurso, nos termos do artigo 629º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil.”
Por conseguinte, “[o] Juiz estará (…), em princípio, vinculado à doutrina fixada pelos acórdãos uniformizadores de jurisprudência que visam manter a segurança e a certeza e do sistema jurídico. Doutro modo, estaria esvaziado de sentido prático e de qualquer utilidade o recurso destinado a fixar jurisprudência uniforme, que não tem outro desiderato que o de evitar a incerteza que surge quando sobre uma mesma questão se prolatam sucessivamente e contraditoriamente decisões que acolhem duas ou mais correntes jurisprudenciais.”
Ora, na decisão recorrida, nada mais se fez do que observar essa jurisprudência uniformizada e o certo é que não se vê que, nestes autos, haja razão para dela divergir, concordando-se, na íntegra, com ela.
É incontornável o argumento expendido no AUJ assim como que “[p]ara efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros”.
Nenhuma censura merece, por conseguinte, a aplicação do referido prazo prescricional de cinco anos ao caso dos autos.
Ora, a divergência manifestada pelo Apelante no recurso cinge-se ao prazo de prescrição atendível ao caso. Quanto à inexistência de causas interruptivas do prazo e, concluindo-se que o prazo de prescrição atendível é o de 5 anos, que este prazo já decorreu nada diz.
Assim, assente que o prazo de prescrição atendível é aquele de 5 anos, assente está, também, que o direito do Apelante prescreveu, nenhuma censura merecendo, por isso, a sentença recorrida ao assim concluir.
Improcede, pois, a pretensão do Apelante também nesta parte.
3.- Da inconstitucionalidade da interpretação do art.º 310.º, alínea e) do CC, no sentido da aplicação do prazo de prescrição de 5 anos nele previsto ao direito de crédito exequendo
Invoca o Apelante que aplicar ao caso dos autos o prazo de prescrição de 5 anos com os pressupostos previstos no referido AUJ é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da segurança jurídica, da igualdade de armas e da proporcionalidade, decorrentes, segundo o mesmo, dos art.ºs 2.º; 12.º, n.º 2; 18.º, n.ºs 1 e 2 e 62.º, n.º 1 da CRP.
Na sua perspetiva, são diversas as circunstâncias destes autos e as que estiveram na origem da prolação do AUJ, isto é: casos de insolvência ou de preocupação do legislador em evitar que um devedor some várias prestações em dívida em termos tais que a sua concentração, acrescida de juros e outros encargos, agrave a posição de fragilidade em que se encontra.
Outrossim, a não se se entender assim, daí resultaria uma clara desproteção do credor, que nem sequer veria como possível recuperar o valor do capital mutuado e já vencido. Isto, tanto mais que o devedor já se encontra garantido pela prescrição quinquenal dos juros prevista na alínea d) do art.º 310.º do CC. Daí resultaria, por conseguinte, a desproteção das instituições de crédito, que assim se veriam impedidas de, em caso de incumprimento, reaver o capital que emprestaram.
Discorda-se, contudo, desta posição, entendendo-se que, pelo contrário, não há qualquer inconstitucionalidade da interpretação do preceito em apreço decorrente do AUJ e sufragada na sentença recorrida.
Na verdade, como acima referido, a circunstância de ser única a obrigação exequenda, pelo facto de se ter operado o mecanismo do art.º 781.º do CC e a subsequente resolução do contrato, mantém intocada a natureza das obrigações inicialmente assumidas. Como se disse no referido AUJ, o que se alterou foi ‘o momento da exigibilidade das prestações, mas não o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros’.
As razões justificativas da aplicação do prazo de prescrição de 5 anos constante da alínea e) do art.º 310.º do CC são, por conseguinte, as mesmas, quer se esteja perante a cobrança coerciva de prestações singulares, quer se esteja perante a cobrança da totalidade das prestações, depois de provocado o seu vencimento universal e a resolução do contrato.
E se são as mesmas, não só não há qualquer tratamento diferenciado na aplicação do prazo de prescrição de 5 anos a casos como o dos autos, como não há restrição desproporcional de direitos do credor.
Acresce que, do que se trata aqui é do instituto jurídico da prescrição, a qual assenta, como refere Manuel de Andrade, na “negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei” e que faz “presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de protecção jurídica” (in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Coimbra, 1987, p. 445).
São, por isso, segundo Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, Coimbra, Vol. I, p. 274), “razões de interesse e ordem pública (interna) que estão [na sua] base”, já que “destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico”.
Do entendimento de que a casos como o dos autos se aplica o prazo de prescrição de 5 anos não só não advém, por conseguinte, incerteza jurídica, como, pelo contrário, é condição essencial para assegurar essa mesma certeza. Entender-se que, nestes casos, o prazo de prescrição era o de 20 anos, promoveria a inércia do devedor e, consequentemente, a eternização da cobrança coerciva do crédito e - aí sim - a violação do princípio da segurança jurídica.
De referir, ainda, que a Apelante insurge-se no recurso contra a aplicação indiscriminada da jurisprudência do referido AUJ sem consideração pelas particularidades do caso concreto.
Mas se há caso cujas particularidades reforçam a adesão àquela jurisprudência uniformizada é exatamente o caso dos autos.
Com efeito, estamos aqui perante obrigação que tem a sua génese num contrato de mútuo celebrado em 07-09-2000, isto é, há mais de 24 anos.
Para cobrança coerciva da quantia exequenda, o credor originário já instaurara, em 20-05-2003, isto é, há mais de 22 anos, uma ação executiva (que correu termos no 10.º Juízo Cível, 3ª. Secção, dos Juízos Cíveis de Lisboa, sob o nº. 21049/03.6YXLSB) que, por motivos àquele imputáveis, foi extinta em 10-03-2014, isto é, há mais de 11 anos.
Entretanto, o ‘testemunho’ do crédito originário já foi transmitido por duas vezes por cessão de créditos: uma primeira celebrada em 18-05-2012 e uma outra – a que conferiu legitimidade à Apelante – em 16-03-2021.
A cobrança coerciva do crédito exequendo arrasta-se, assim, há mais de 24 anos, os executados já foram alvo, há mais de 22 anos, de execução que não conduziu a lado nenhum e que terminou por motivos imputáveis ao exequente há mais de 11 anos e nem a assunção da titularidade do crédito por três entidades distintas foi suficiente para a sua cobrança.
O caso dos autos é, pois, um lídimo exemplar de inércia e negligência do credor no exercício do seu direito e, portanto, um caso em que toda a razão de ser do instituto jurídico da prescrição – que faz “presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de protecção jurídica” – se faz sentir.
Uma última nota quanto ao argumento da Apelante de que a “aplicação imediata” do AUJ “sem uma disposição transitória que gradue temporalmente essa aplicação” ofende “o princípio da confiança ínsito no principio do Estado de Direito democrático plasmado no art.º 2.º da Constituição”.
Tal argumento não tem razão de ser, porque parte de um pressuposto errado.
A jurisprudência uniformizada decorrente do AUJ não introduziu nenhuma novidade no sistema jurídico. A aplicação pelos tribunais do prazo de prescrição de 5 anos a casos como o dos autos já era uma constante antes da sua prolação. Sucedeu que, a par dessa aplicação, jurisprudência havia, também, que reputava aplicável o prazo de 20 anos e, com o AUJ, pôs-se termo a essa divergência de interpretações do regime legal, chancelando-se a primeira como sendo a interpretação a seguir.
Do AUJ não adveio, por conseguinte, com “aplicação imediata”, como que um regime jurídico diverso do anteriormente existente, mas o mesmo regime, só que agora sujeito, já não ao duplo tratamento jurídico que anteriormente era dado à questão nele apreciada, mas apenas a um deles.
Nenhuma violação há, por conseguinte, do princípio da confiança ínsito ao Estado de Direito democrático como apregoado pelo Apelante.
Pelo contrário, a aplicação da jurisprudência uniformizada pelo AUJ pôs fim às dúvidas sobre os termos da aplicação de um determinado instituto jurídico a um determinado tipo de casos e estabeleceu um critério orientador de decisão com o qual todos passaram a poder contar e seguir. E isso mais não é do que a expressão exata do princípio da confiança.
Não há, pois, inconstitucionalidade atendível, nenhuma censura merecendo, por conseguinte, a sentença recorrida na parte em que assim o concluiu.
Em suma, improcede o recurso e há que confirmar, na íntegra, a sentença recorrida.
***
Porque vencida no recurso, suportará a Apelante as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
***
IV.- Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, confirmar, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Notifique.
***
Porto, 26-06-2025
(assinado eletronicamente) Os Juízes Desembargadores,
José Manuel Correia
João Venade
Isoleta de Almeida Costa