Em sede de ação em que o Autor aciona a Ré/seguradora para pagamento de quantia fixada em seguro facultativo de ressarcimento de danos próprios, o ónus da prova divide-se do seguinte modo:
. ao Autor incumbe a prova da factualidade que integra o facto que desencadeia a obrigação de pagamento – no caso, ocorrência de choque da viatura -;
. à Ré, a alegação de factualidade que excecione a sua obrigação de pagamento, nomeadamente a de que o acidente foi dolosamente causado.
João Venade.
Álvaro Monteiro.
António Carneiro da Silva.
AA, residente na Rua ..., ..., ..., Felgueiras, propôs contra
A..., S, A., com sede na Avenida ..., ..., Lisboa,
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a sua condenação no pagamento, a título de indemnização, do valor de 13.740 EUR pelos danos e prejuízos ocasionados no sinistro, a que acrescem juros à taxa legal vencidos e vincendos.
O sustento de tal pedido consiste na ocorrência de um sinistro que sofreu na condução de veículo automóvel quando este, em virtude de despiste, veio a colidir com muro em pedra. E, por esse motivo, a viatura sofreu danos que devem ser ressarcidos pela Ré ao abrigo de contrato de seguro que garante o risco de colisão.
. na data do alegado sinistro o piso estava seco;
. a causa para a alegadamente fuga da traseira do veículo e subsequente despiste foi a velocidade excessiva do veículo;
. o veículo não deixou rastos de travagem ou derrapagem no pavimento;
. o autor não perdeu a direção do veículo, como alega;
. entre o Autor e a Ré foram fixados os prejuízos no veículo seguro em 13.740 EUR.
Conclui pela improcedência da ação.
. Objeto do litígio - do direito do autor a receber da ré seguradora o valor peticionado a título de responsabilidade contratual pelos alegados danos sofridos em resultado do invocado acidente estradal.
questões a conhecer pelo tribunal.
. do conteúdo da responsabilidade civil da ré pelos alegados danos sofridos pelo autor em resultado do invocado acidente estradal.
E como
Temas de prova
«1. Da dinâmica do invocado infortúnio estradal sofrido – circunstâncias de tempo, lugar e modo.».
«1. A sentença recorrida que decidiu pela não responsabilização da Ré pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor na sequência do acidente em discussão nos autos, culminando na sua absolvição, padece de erro de julgamento e de falta de fundamentação.
2. Em virtude da desconsideração e não valoração na motivação da sentença de elementos essenciais carreados para os autos, ocorre um desvirtuamento da matéria factual levando a uma incorreta aplicação do direito às circunstâncias do caso concreto.
3. A decisão judicial proferida pelo Tribunal a quo padece, sempre com o devido respeito, de um notório error in judicando (erro de julgamento), porquanto ocorreu uma distorção da realidade factual com consequentes implicações na aplicação do direito.
4. Salvo o devido respeito, o Tribunal desconsiderou e não valorou elementos e informações relevantes que resultaram da prova que foi produzida nos autos, designadamente quanto ao estado do tempo, à ausência de marcas de travagem ou arrastamento no local do acidente, ao não acionamento dos airbags e à consideração do local onde ocorreu o sinistro.
5. Quanto ao estado do tempo no dia da ocorrência do sinistro e a influência do piso molhado no sinistro ocorrido, consta da D. Sentença: “Para além disso, o autor teria declarado que o tempo estaria bom, apesar de tal não constar do relatório.”, o que não corresponde à verdade e não se pode aceitar, pois das declarações de parte do A., resultou prova, precisamente, inversa, conforme se extrai das transcrições das declarações de parte do A. juntas aos autos.
6. Acresce que não resulta do articulado/alegação do Recorrente qualquer menção ao estado do tempo, verificando-se, assim, um notório erro do Mmo. Julgador, que apreciou de forma diversa as declarações de parte do Autor e a sua própria alegação em sede de petição inicial.
7. Do conteúdo das declarações de parte do Autor resulta, inequivocamente, que o piso da estrada onde ocorreu o sinistro se encontrava molhado, dado que no exato momento em que ocorreu o acidente estava a chuviscar e ainda, que tinha chovido mais intensamente da parte da manhã desse dia.
8. Tal facto que é, igualmente ao contrário do decido na D. Sentença, corroborado pela testemunha BB, que se deslocou no dia em que o acidente ocorreu, concretamente, imediatamente após o despiste; bem como da testemunha CC, funcionário da empresa de reboques, que também esteve no local dia em causa nos autos, cujas transcrições das declarações se juntam.
9. Todos estes depoimentos, contrariam a conclusão do Tribunal assente no alegado pela Ré, designadamente, do ponto 7 e 8 da sua contestação, bem como do «relatório de investigação» final junto sob documento n.º 1 e pelo depoimento da testemunha da Ré DD, concluindo-se que, no dia e hora do sinistro choveu, motivo pelo qual a estrada onde ocorreu o despiste estava, necessariamente, molhada.
10. Não se pode negar que, que constitui um fator que, naturalmente, contribuí para o desencadeamento dum acidente – como sucedeu no caso dos autos – contudo, tal circunstância não mereceu a consideração do Tribunal a quo, decisão com a qual não se concorda.
11. Na sua motivação o Mmo. Juiz, erradamente, concluí que com o piso molhado menos possível seria a tese relatada pelo Recorrente, dada a curta distância – 15 metros – percorrida, com a qual não se pode concordar, em face do exposto supra.
12. Resulta das regras da experiência comum que, após despiste, pode continuar a mover-se para a frente ou para os lados, dependendo da situação, sendo certo que pode ocorrer dentro de 15 metros, especialmente se a perda de controle for significativa. Se a estrada se encontrar molhada/húmida, com buracos ou com outros obstáculos – como se verificava no caso concreto, em que o A. alude à existência de uma tampa no local – o veículo pode perder aderência facilmente, resultando em movimentos inesperados, questão que não podia ignorar o Tribunal a quo, tanto mais que, nas suas declarações de parte, o A. explicou as circunstâncias concretas em que entrou em despiste, explicando o percurso desde a entrada na curva até ao local do embate.
13. Acresce que o Autor, aqui Recorrente, juntou aos autos – referência citius 9877244 em 03/09/2024 – certidão emitida pelo IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera, com informação da pluviosidade verificada no dia e local do sinistro, da qual resulta que no dia 08 de novembro de 2022, na localidade de ..., no concelho de Lousada, a quantidade de precipitação atingiu um valor na ordem de 25 milímetros, o que corrobora as afirmações do Autor e das testemunhas BB e CC, que estiveram no local do acidente, no dia do sinistro.
14. A certidão do IPMA constituí prova documental objetiva – para mais de acordo com as declarações de testemunhas com conhecimento do dia do acidente - e não pode ser afastada com base em declarações de testemunhas funcionários/colaboradores da Ré, muito mais quando o seu testemunho não resulta do conhecimento direto dos factos. Esta informação carreada para os autos pelo Autor não poderia ter sido desvalorizada pelo Tribunal recorrido, porquanto é objetiva e emitida pela única entidade fidedigna na matéria, que infirma a conclusão a que o tribunal a quo chegou no facto que deu como provado em 1.
15. Não obstante, o Mmo Juiz apenas atendeu, ao relatório elaborado pela Seguradora, aqui Recorrida, bem como às declarações prestadas pelas testemunhas por si indicadas, que não estiveram no local do acidente no dia em que o mesmo ocorreu e às quais têm interesse direto na tese da Ré, estando ao serviço da mesma para que esta fuja à sua responsabilidade contratualmente assumida perante o A.
16. A decisão do Tribunal a quo teve por base, também, a ausência de marcas de travagem ou de arrastamento no local do acidente, questão levantada unicamente pela testemunha EE, funcionário da empresa de peritagem, ou seja, uma testemunha comprometida com a tese da Ré que apenas de deslocou ao local do sinistro cerca de um mês após o mesmo – conforme depoimento que se mostra transcrito – pelo que não merece qualquer credibilidade, sobretudo, porque contraria uma prova objetiva e fidedigna trazida aos autos pelo IPMA.
17. Independentemente de se concluir pela existência ou não de marcas de travagem, não se pode olvidar que o de que a ausência de marcas de travagem ou derrapagem pode depender de várias circunstâncias, designadamente, as condições dos pneus, tipo de piso e condições do asfalto. No caso dos autos, a estrada encontrava-se molhada – o que deve ser dado como provado - o que poderá explicar a inexistência de marcas de derrapagem na estrada, questão que Tribunal recorrido ignorou.
18. O Tribunal desprezou a informação relevante e profissional da testemunha CC, motorista da empresa B..., testemunha isenta e imparcial, desconhecida da pessoa do A. e ao serviço de assistência em viagem da Ré, que a dada altura do seu depoimento, afirmou em julgamento que a curva onde ocorreu o sinistro é perigosa e que os despistes nesse local são frequentes dado tratar-se de uma curva fechada, o que também foi confirmado pela testemunha BB – cujos depoimentos se encontram transcritos e juntos aos autos – acrescentando no seu depoimento que é frequente, no seu trabalho, deslocar-se ao local do sinistro em causa nos autos, para ir buscar carros sinistrados, decorrentes de despiste, sobretudo, em alturas de chuva ou neve, sendo o acidente em causa nos autos apenas mais um dos muitos que ali ocorrem.
19. O Tribunal a quo entendeu, igualmente, que o acidente não ocorreu conforme relatado pelo Autor, dado que a distância reduzida – de cerca de 15 metros – entre a curva e o muro, onde a viatura embateu era muito curta para ser possível que o Autor perdesse o controlo da viatura e realizasse a manobra que descreveu, o que, também, não se pode aceitar, nem existe prova para tal, porquanto inexiste qualquer relatório pericial no que ao acidente respeita.
20. O condutor, A, foi surpreendido pelo derrapar do veículo, cuja traseira fugiu para a sua esquerda (atento o sentido de marcha), apenas teve tempo de o tentar controlar, segurando o volante, por forma a evitar uma colisão, conforme resulta das declarações do aqui Recorrente, prestadas no dia 20/09/2024 e que se mostram isentas e credíveis, que explicou e respondeu a todas as questões acerca da dinâmica do acidente de forma coerente, demonstrando a manobra e as tentativas para evitar o embate.
21. Acresce, relevar também, a isenção e credibilidade, o depoimento da testemunha CC, com larga experiência em rebocar carros sinistrados e cuja vida profissional passa por percorrer vários quilómetros na estrada, que admite como possível e provável a tese do Autor, em face da sua experiência profissional que o levou a ir por várias vezes ao mesmo local, levantar carros despistados.
22. No esclarecimento a instâncias do Mmo. Juiz, não se descarta a tese do Recorrente, ou seja, admite-se a possibilidade de, após entrar na curva à direita a traseira do carro fugiu para a esquerda e, ainda que o A tentou controlar o automóvel, o que não conseguindo, tendo acabado por ir em frente e embater num muro em pedra, situação que resulta das regras da experiência comum.
23. Acresce que, se atentarmos às fotografias cedidas pelo rebocador e por esta empresa junta aos autos, constantes no relatório de investigação junto pela seguradora, as rodas da frente do veículo sinistrado encontravam-se, no dia do acidente, ligeiramente viradas para a esquerda, atento o sentido da marcha a que seguia o veículo, – facto que foi invocado pela testemunha CC, conforme depoimento que se junta com as motivações de recurso – o que demonstra que o Recorrente tentou evitar o embate, guinando o volante para a esquerda.
24. Isto porque, é do senso comum e resulta das regras da experiência que verificando-se uma colisão e com o impacto, as rodas da frente de um carro podem ficar de acordo com o último movimento realizado. A título de exemplo, se o carro bate de frente num objeto fixo – como um muro, no caso dos presentes autos – as rodas dianteiras podem ficar presas numa posição, alinhadas com a direção em que estavam no momento da colisão. Portanto, as dianteiras, na maioria das vezes, não retornam à posição original após um acidente, e podem permanecer "travadas" na direção do último movimento, dependendo da gravidade do impacto.
25. Fundamentou ainda o Tribunal a quo a não verificação do embate por o airbag do carro não ter disparado, porém o Tribunal esqueceu-se a quo que o seu acionamento depende de vários fatores e não apenas da velocidade do veículo, concretamente, do tipo de colisão, da intensidade e local do impacto, dos sensores e ângulo do impacto e, por último, das próprias condições do sistema do airbag (falhas ou defeito). Caso o carro colida frontalmente com um objeto sólido e parar bruscamente, é muito provável que o airbag acione. Mas se o impacto for lateral – como no caso concreto - traseiro, ou com uma desaceleração gradual, ele pode não ser acionado mesmo a 50 km/h.
26. Isto posto, o não acionamento do airbag pode depender de vários fatores, sendo necessário que a colisão aconteça dentro de um determinado padrão, o que pode não ter sucedido in casu e não fez desencadear o acionamento dos airbags ou ter ocorrido uma falha no sistema, o que o Tribunal a quo desvalorizou.
27. Uma das questões a que o Mmo. Juiz faz referência na sua motivação para por em causa a versão do acidente do A e considerá-la «suspeita» tem que ver com as características no local onde se verificou o acidente, na qual segundo a tese da Ré – erroneamente sufragada na D. Sentença - o local onde ocorreu o acidente era um sítio isolado, sem habitantes, nem casas por perto, o que foi, claramente, desmentido em audiência de discussão e julgamento, pelo Recorrente, porquanto resulta das suas declarações que após o embate e percebendo que não dispunha de triângulo no veículo para sinalizar o acidente, se deslocou a uma casa que se encontrava nas proximidades – pertencente ao cunhado da testemunha BB – para solicitar um triângulo, o que foi confirmado pela testemunha e resulta da visualização em audiência do mapa do local e respetivo confronto com as testemunhas via googlemaps, do qual resultam a existências das casas.
28. Inexistindo testemunhas que assistiram ao acidente e não tendo existido prova direta, designadamente testemunhal, do alegado pela Ré seguradora, quer quanto à dinâmica do acidente, quer quanto ao estado do tempo, não se percebe em que fundamentos assentaram a convicção do Tribunal para decidir que o acidente foi provocado voluntariamente pelo Recorrente, quando as provas produzidas em julgamento indicam que o acidente foi ocasional e causado pelo despiste involuntário, conforme resulta da prova que supra se transcreveu e que implica decisão diversa da do Tribunal a quo.
29. A prova transcrita, demonstrou ser isenta, imparcial e objetiva, sendo as testemunhas pessoas estranhas ao A. – um morador na zona e um funcionário da empresa de Reboques ao serviço da assistência em viagem da Ré e a prova documental, máxime a certidão sobre o estado do tempo emitida pelo IPMA indubitável. Deve, em face disso, conjugadamente ser devidamente valorada e credibilizada, impondo-se a condenação da ré a pagar a quantia de 13.740,00€ ao abrigo do contrato de seguro celebrado.
30. Não foi realizada nenhuma perícia quanto acidente e a informação trazida aos autos pelos peritos da Recorrida não é fidedigna, nem isenta, porquanto é prestada por testemunhas com interesse na causa, que não são especialistas na matéria, advindo o seu conhecimento em meras suposições, pois só foram ao local do sinistro cerca de um mês depois do mesmo, pelo que não poderia o Tribunal a quo sobrevalorizar os seus depoimentos relativamente à demais prova produzida.
31. A absolvição da Recorrida não se coaduna com a prova produzida, designadamente das declarações de parte do Autor de minuto 00:00:01 a 00:34:57 ouvida em 20/09/2024 e do depoimento das testemunhas BB de minuto 00:00:04 a 00:28:06 ouvida em 01/07/2024, FF de minuto 00:00:01 a 00:13:47, ouvida a 01/07/2024 e CC de minuto 00:00:01 a 00:25:43 ouvida em 20/09/2024, – cujos depoimentos se encontram, ao abrigo do disposto no art.º 640º, nº2 do CPC, transcritos – uma vez que da mesma decorre diametralmente o oposto: da ocorrência de um acidente de forma fortuita e cuja responsabilidade pelo ressarcimento dos danos incumbe à Ré/recorrida.
32. Acresce ainda que, num primeiro momento, a seguradora/ recorrida reconheceu o acidente da forma descrita pelo A., razão pela qual, por indicação desta, o salvado foi vendido à empresa C..., empresa indicada pela seguradora.
33. Não faz qualquer sentido a Ré assumir a responsabilidade, dar indicações para vender a viatura sinistrada do A – que esse podia até, querendo, mandar reparar a expensas próprias - para, posteriormente, deixar de assumir uma responsabilidade contratualmente assumida perante o A.
34. Perante tudo o exposto, da conjugação da matéria de direito e matéria de facto, deve a matéria de facto provada ser alterada, nos seguintes termos, passando a constar como factos provados o seguinte:
“1.No dia 08 de novembro de 2022, pelas 17h00, na Rua ..., sita na freguesia ..., concelho de Lousada, distrito do Porto, o autor seguia no seu veículo automóvel, de marca Mercedes – Benz, modelo ..., com matrícula ..-AU-.., circulando na Rua ..., quando após entrar numa curva à direita, a traseira da viatura automóvel derrapou, tendo o autor perdido o controlo do carro acabando por embater no muro de pedra ali existente, imobilizando-se a viatura de seguida.”
35. Deverá ser aditada a matéria de facto dada como provada, nos seguintes termos:
“6. No dia do sinistro estava a chover, encontrando-se, por isso, o piso molhado.
7. Nessa sequência, o veículo derrapou tendo o autor perdido o seu controlo.”
36. A motivação que culminou na decisão ora impugnada não se traduz na realidade ontológica, pelo que a questão material controvertida foi apreciada em desconformidade com a lei em virtude do afastamento da matéria factual quer pela ignorância operada pelo Tribunal recorrido no conhecimento de elementos essenciais carreados para os autos oportunamente quer pela falsa representação da matéria produzida no processo.
37. Nestes termos, chamado a conhecer do mérito da ação e as insuficiências de que padece a Douta Sentença recorrida, deverá o Tribunal ad quem, ouvida a prova gravada, revogar a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo e, consequentemente, decidir pela condenação da Ré ao pagamento dos danos sofridos pelo A. em resultado do invocado acidente estradal, condenando-a ao pagamento da quantia peticionada, valor constante da matéria dada como provada.
38. O Tribunal a quo, além de uma errada interpretação da matéria de facto, também é omisso no dever de fundamentação decisões judiciais, que resulta de imposição constitucional, nos quadros do n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, densificando-se legalmente, desde logo, no prescrito no art.º 154.º do CPC.
39. A sentença em recurso decidiu pela absolvição da Ré, mas sem qualquer fundamentação, enveredando apenas pela tese apresentada pela Ré, ora Recorrida, limitando-se a “não crer na descrição trazida pelo autor”, sem qualquer justificação.
40. Compulsada a D. sentença recorrida, verifica-se que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo não fundamentou devidamente aquela sua decisão em termos de direito, nem faticamente, omitindo a sua fundamentação e não especificando, em concreto, os fundamentos de facto que o levaram a optar pela não responsabilização da Ré, o que culimou na sua absolvição.
41. Destarte, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo deveria ter indicado especificadamente (em termos de fundamentação de facto) as razões ou circunstâncias que a levaram a optar pela tese da Ré/Recorrida, bem como a explicar juridicamente porque não considerou a posição do Autor, subsumindo tal fundamentação ao direito aplicável. E ao não o fazer, ou seja, ao não fazer qualquer especificação dos fundamentos de facto e de direito, diminuta e errada aplicação do direito, o Mmo. Juiz da 1ª instância impede automaticamente a 2ª instância ou as partes de poder efetuar o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.
42. E sendo assim, tal sentença é nula por falta de fundamentação, como decorre dos normativos legais supracitados.
43. A necessidade imposta pela decisão, para além de ser totalmente omissa a fundamentação consubstancia uma nulidade, nos termos dos arts. 607º, nº4, e 615º, nº1, al. b) do Código de Processo Civil.
44. Em face de tudo o alegado, deverá, em recurso, ser revogada a sentença recorrida, devendo ser substituída por outra que considere a dinâmica do acidente conforme descrita pelo Autor e, em consequência, condene a Ré ao pagamento dos danos sofridos por este, num total de 13.740,00€, ao qual acrescem juros de mora à taxa legal.».
. nulidade da sentença por falta de fundamentação;
. apreciação da matéria de facto, referente à circunstância de o tribunal ter julgado provado que o choque da viatura com o referido muro foi intencional;
. consequências jurídicas dessa apreciação ao nível do pagamento da indemnização peticionada.
2.1). De facto.
Resultaram provados os seguintes factos:
«1. No dia 08 de novembro de 2022, pelas 17h00, na Rua ..., sita na freguesia ..., concelho de Lousada, distrito do Porto, o autor seguia no seu veículo automóvel, de marca MERCEDES- BENZ, modelo ..., com matrícula ..-AU-.., circulando na Rua ..., quando, após entrar numa curva à direita, atendendo o seu sentido de marcha, dirigiu o veículo para a direita, saindo da estrada e embatendo depois num muro de pedra ali existente, imobilizando-se a viatura de seguida.
2. Após, o autor acionou os serviços de assistência em viagem, que fotografou a viatura e local do acidente, mas não se chamou a autoridade policial.
(Dos estragos e respetivo custo)
3. Com a aludida colisão o veículo sofreu estragos, avaliados com a intervenção da ré e aceites por esta em 13.747,00€, fazendo depender o pagamento do “grau de responsabilidade que se vier a apurar”.
(Da apólice)
4. O veículo automóvel MERCEDES-BENZ, modelo ..., com matrícula ..-AU-.., à data do referido sinistro, estava seguro na ré, através da apólice n.º ...,
5. Fazia parte do plano/produto denominado “VALOR MAIS”, um seguro “contra todos os riscos”, as seguintes coberturas e consequentes capitais seguros:
a. Responsabilidade civil danos corporais – 6.070.000,00€;
b. Responsabilidade civil danos materiais – 1.220.000,00€;
c. Despesas de tratamento do condutor – 1.500,00€;
d. Despesa de tratamento de ocupantes – 1.000,00€;
e. Morte ou invalidez permanente – 10.000,00€;
f. Despesas de tratamento de cães e gatos – 500,00€;
g. Quebra de vidros – 1.000,00€;
h. Choque, Colisão e/ou Capotamento – 16.677,81€, com franquia de 250,00€;
i. Furto ou Roubo – 16.677,81€;
j. Incêndio, Raio ou Explosão – 16.677,81€, com franquia de 250,00€;
k. Fenómenos da Natureza – 16.677,81€, com franquia de 250,00€;
l. E Atos de Vandalismo - 16.677,81€, com franquia de 250,00€.».
E resultou não provado:
A. Que nas circunstâncias de tempo e espaço mencionados em 1, após entrar na curva ali referida, a traseira da viatura automóvel derrapou, tendo o autor perdido o controlo do carro, acabando por embater no muro de pedra acima referido.».
A). Da nulidade da sentença.
O recorrente suscita a nulidade da sentença por existir falta de fundamentação da mesma; no entanto, claramente, que não ocorre a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, b), do C. P. C.. Na verdade, o tribunal fundamentou a decisão, quer quanto à matéria de facto, quer quanto ao direito. O que sucedeu foi que, concluindo, após o fundamentar, que o choque (colisão nas palavras do tribunal) foi intencional, em termos jurídicos a conclusão única a retirar era a improcedência da ação por não se tratar de um risco que pudesse ser coberto pela Ré.
A questão prender-se-á com a correção ou não do decidido, matéria que não inquina a validade da sentença.
Improcede esta argumentação.
Facto provado 1 e facto não provado A).
1. No dia 08 de novembro de 2022, pelas 17h00, na Rua ..., sita na freguesia ..., concelho de Lousada, distrito do Porto, o autor seguia no seu veículo automóvel, de marca MERCEDES- BENZ, modelo ..., com matrícula ..-AU-.., circulando na Rua ..., quando, após entrar numa curva à direita, atendendo o seu sentido de marcha, dirigiu o veículo para a direita, saindo da estrada e embatendo depois num muro de pedra ali existente, imobilizando-se a viatura de seguida.
A. Que nas circunstâncias de tempo e espaço mencionados em 1, após entrar na curva ali referida, a traseira da viatura automóvel derrapou, tendo o autor perdido o controlo do carro, acabando por embater no muro de pedra acima referido.
Em relação ao facto provado, o recorrente pretende que se altere o mesmo, referindo-se que quando após entrar numa curva à direita, a traseira da viatura automóvel derrapou, tendo o autor perdido o controlo do carro, acabando por embater no muro de pedra ali existente, imobilizando-se a viatura de seguida, eliminando-se a menção a que o Autor dirigiu a viatura para a direita.
Pede ainda que se aditem factos relativo à circunstância de estar a chover no dia do sinistro e que, estando o piso molhado, o veículo derrapou, perdendo o condutor/Autor o controle da mesma.
Vejamos.
Nesta ação o Autor pretende acionar um contrato de seguro de danos próprios em que é objeto seguro a viatura que sofreu danos em virtude do embate acima referido. Como tal, compete ao mesmo alegar e provar que ocorre o circunstancialismo que preenche o risco coberto, no caso (e sem prejuízo de maior detalhe na apreciação desta questão em sede de fundamentação jurídica), o choque do veículo e consequentes danos (artigo 342.º, n.º 1, do C. C.).[1]
Por outro lado, à seguradora, para afastar a sua responsabilidade, cabe demonstrar que ocorre algum circunstancialismo que afaste o funcionamento da cláusula contratual, alegação que pode incluir factos que impliquem que afinal não se está perante um ato fortuito/acidente mas antes se está face a um ato deliberado em provocar danos e assim, por exemplo, se simulou um acidente (artigo 342.º, n.º 2, do C. C.).
Dito isto, verifica-se que o tribunal recorrido, no facto provado 1), menciona que o Autor, conduzindo a viatura, após a fazer entrar numa curva à direita, dirigiu-a para a direita, saindo da estrada, embatendo o veículo num muro de pedra.
Em primeiro lugar, a referência a dirigir, na nossa opinião, não significa sem mais que se esteja a dar como provado um ato intencional, no sentido de que se quis virar a direção do veículo para a direita para embater no muro; num despiste, o condutor pode dirigir a viatura para qualquer lado porque entende que é a melhor forma de a poder controlar e evitar um acidente, não se podendo então concluir que está deliberadamente a provocar um embate.
Em segundo lugar, ouvindo a prova realizada na audiência de julgamento e lendo a decisão, percebe-se que o tribunal efetivamente escreveu dirigiu no sentido de que o Autor deliberadamente quis provocar o embate. Na realidade, na decisão menciona-se, na análise jurídica, que:
«Com efeito, perante o contorno dos factos alegadamente geradores dos danos, não é possível proceder à sua integração no campo previsional das cláusulas de seguro contratadas, apontando-se à circunstância de as tribulações em apreço resultarem de uma conduta intencional do tomador do seguro, a não de um evento sob domínio de uma álea.» - nosso realce -.
E, durante o julgamento, na inquirição do averiguador a prestar serviços à Ré, DD, este mencionou que o embate se lhe afigurava controlado, tendo o juiz referido que seria assim um embate dirigido.
Por isso, pensamos que efetivamente o tribunal acaba por dar como provado que o embate foi intencional (querido pelo Autor).
Sucede que, naturalmente, o Autor não alegou essa factualidade e, lendo toda a contestação, também a Ré não o alegou. Esta parte, depois de colocar várias dúvidas sobre a versão do Autor, acaba por mencionar que face ao exposto, a ré só pode desconhecer, como desconhece, a ocorrência do sinistro participado e invocado nos autos (artigo 36.º, da contestação).
No artigo 21.º, do mesmo articulado, refere-se que o autor não perdeu a direção do veículo, como alega, o que surge na sequência de situações que a Ré entende que demonstram que não é possível que o acidente tenha ocorrido como o Autor descreve. Mas, em rigor, nunca a Ré alega que o acidente foi intencionalmente provocado; o que alega é que o embate não pode ter ocorrido como descrito pelo mesmo Autor e que é a este que cabe o ónus de provar que o acidente ocorreu como participado (artigo 37.º, do referido articulado).
Ou seja, a Ré, não alegando que o acidente foi intencionalmente causado pelo Autor, certamente para a defraudar no sentido de pagar uma indemnização por um risco que teria sido artificialmente criado, faz pender para o Autor o ónus de demonstrar como ocorreu toda a dinâmica do embate; se tal será uma regra a atender quando se aciona um seguro de responsabilidade civil obrigatório, no âmbito da circulação estradal (o autor tem de alegar e provar que o embate ocorreu nas circunstâncias que alega), na ação que nos ocupa o Autor apenas tem de alegar, no caso, que houve um choque e não como é que o mesmo ocorreu.
A seguradora, se entender que a explicação do segurado não colhe e permite concluir que não houve uma colisão involuntária, para poder afastar a sua responsabilização (neste âmbito do que está em análise), tem que provar que não houve aquele caráter fortuito.
Por isso, não alegando a Ré que o embate foi intencional, dirigido, controlado, para nós nunca podia o Tribunal dar como provado que o embate foi dirigido, no sentido de intencionalmente querido, por o artigo 5.º, n.º 1, a), parte final, do C. P. C. o impedir: Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Se a factualidade essencial (no caso, de uma exceção) não for alegada, o tribunal não pode julgá-la, incorrendo num excesso de pronúncia que tornaria a sentença nula (nulidade que não foi invocada pelo que, a solução, seria a eliminação do facto por não ter alegação que a sustente).[2]
Mas, prosseguindo, mesmo que se pudesse entender que a Ré, por alegação indireta, acaba por referir que o embate foi querido pelo Autor, para nós, não há prova suficiente para que assim se possa concluir.
Não há testemunhas presenciais do acidente, em especial e, obviamente, quanto às apresentadas pela Ré (averiguadores e avaliador de danos), pelo que só dispomos das declarações do Autor. Ora, numa situação em que não há testemunhas de como ocorreu o embate, mesmo num depoimento que não suscite dúvidas e em que os elementos objetivos (danos na viatura no que se refere à sua localização, extensão, posição da viatura após embate e eventuais vestígios no solo – rastos de travagem -) não forneçam elementos contraditórios àquele depoimento, sempre este deve ser ponderado com cuidado atento o ostensivo interesse que tem no desfecho da ação.
No caso, o Autor visa que a Ré lhe pague uma quantia que, porventura, de outro modo, pode não obter com a venda da viatura, já com onze anos à data do embate; mas, ainda assim, teria que se retirar do referido depoimento e dos restantes elementos objetivos, matéria que pudesse levar o tribunal a concluir que, seguramente, o embate foi intencionalmente provocado. Mas, com o devido respeito pela forte e pormenorizada atuação da Ré, pensamos que não se produziu prova nesse sentido.
Desde logo, não assume relevo que as duas testemunhas averiguadoras, apresentadas pela Ré –DD e EE -, afirmem que o Autor admitiu verbalmente que fazia seguir a 90 Kms./hora quando nem o referiu em julgamento nem há qualquer depoimento escrito seu, no processo de averiguações, nesse sentido. Tratam-se de afirmações que não obtêm qualquer tipo de comprovação, nem pelo próprio Autor nem de algum documento junto aos autos. E daí, toda a análise que estes mesmos averiguadores fazem no sentido de que seguindo àquela velocidade, não era possível ocorrer a manobra que o mesmo referiu e que os danos seriam maiores, deixa de ter sustentação.
Por outro lado, em acidentes de viação, pensamos que há sempre que deixar alguma margem de manobra para que se possa admitir que haja movimentação do veículo de modo que, aparentemente, possa ser estranho mas que, por algum motivo (reação do condutor ao virar o volante, ao travar, desnorte, confusão e/ou inexperiência do condutor, condições do piso, circulação de veículos em sentido contrário, …) acaba por suceder. Daí que afirmar-se que é impossível a manobra suceder como sucedeu só poderia resultar comprovada se, com os elementos objetivos da dinâmica do embate, fosse a explicação seguramente mais correta.
No caso, não encontramos essa explicação pois:
. o Autor afirma que o piso estava molhado, a informação do I. P. M. A. (junta em 03/09/2024) refere que choveu naquele dia e freguesia, pelo que não vemos como podem os averiguadores, que não estavam no local, afirmar com segurança que o piso estava seco.
Também o funcionário da empresa que efetuou o reboque da viatura (CC) confirmou o mesmo, tendo mencionado que tinha a ideia de que o piso estava molhado, sendo que também BB (dono de terreno próximo ao local do embate) afirmou que o tempo estava chuvoso);
. não se sabendo a velocidade a que seguia o veículo, não vemos que os danos – frente danificada – não possam ocorrer a uma velocidade mais reduzia do que a entendida pelos averiguadores;
. a manobra alegadamente efetuada pelo Autor – tentou corrigir para a esquerda quando o veículo fugiu para a direita mas acabou por embater no muro à direita, conforme o que escreveu no documento n.º 1 junto com a contestação – relatório de investigação -, não se nos afigura impossível de suceder. O veículo guina para a direita, vira-se a direção para a esquerda e acaba por ir embater para o lado direito por, no decurso da condução, não se ter logrado controlado a direção.
O tribunal assenta que a traseira da viatura só podia fugir para a esquerda por a curva ser para a direita mas não sabemos quando ocorre o despiste, se já na curva ou antes da mesma, além de que não temos dados que permitam dar alguma explicação para o alegado despiste (e pode a viatura ter tido um desvio mais ligeiro à frente para a esquerda que poderia eventualmente explicar um desvio da traseira para a direita). Mas a ausência de dados não significa que haja prova da intenção no embate, apenas que não se prova como ocorreu a dinâmica até ao embate, matéria que, repete-se, o Autor não tinha de provar.
. os airbags não terem disparado, além de não se saber se estavam em correto funcionamento, pode dever-se não só à velocidade do embate como ao ângulo em que o mesmo ocorre; e do não funcionamento não se retira qualquer facto instrumental para que o embate fosse intencional – os airbags poderiam ter funcionado e o embate resultar de uma atuação deliberada -.
Mesmo a circunstância de o Autor estar eventualmente a dirigir-se para o seu local de trabalho, estando de baixa médica, acaba por não ter a força suficiente para inquinar totalmente a sua explicação para estar a conduzir – apesar de baixa, iria tratar de um assunto pessoal e o patrão pediu para lhe levar uns materiais -. Não sabemos se assim foi mas não se pode afirmar que é de todo impossível; mais inócuas são as afirmações dos averiguadores, sem estarem comprovadas nos autos, de que não fazia sentido aquele trajeto feito pelo Autor atenta a distância e condições da estrada.
Pelo exposto, pensamos que a única factualidade, referente ao embate, que resulta manifesta que ocorreu é o próprio choque da viatura contra o muro em pedra (desde logo porque o que o recorrente não o questiona); saber se houve despiste, derrapagem da viatura, é matéria que, pelo que se referiu, não se apura.
A questão de estar ou não a chover, sendo um facto instrumental, acaba por não ter relevância face à ausência de demonstração do motivo porque ocorreu o embate.
Assim, o facto provado 1) passa a ter a seguinte redação:
No dia 08 de novembro de 2022, pelas 17h00, na Rua ..., sita na freguesia ..., concelho de Lousada, distrito do Porto, o autor seguia no seu veículo automóvel, de marca MERCEDES- BENZ, modelo ..., com matrícula ..-AU-.., circulando na Rua ..., acabando por vir a embater num muro de pedra ali existente, imobilizando-se a viatura de seguida.
Mantém-se o facto não provado.
Não se defere ao aditamento de no dia do sinistro estava a chover, encontrando-se, por isso, o piso molhado pelo motivo que já referimos.
Entre Autor e Ré foi celebrado um contrato de seguro facultativo, em que a Ré assumiu a obrigação de indemnizar aquele por um determinado valor caso o veículo automóvel segurado sofresse danos em resultado de, no que aqui releva, choque, colisão e/ou capotamento, indemnização essa no valor de 16.677,81 EUR, com franquia de 250 EUR – facto provado 5, alínea h) -.
Trata-se de um contrato de seguro facultativo, celebrado ao abrigo do disposto no artigo 123.º, e seguintes, do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/04, (Regime jurídico do contrato de seguro), mencionando-se no artigo 137.º que no seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros.
A questão da aplicabilidade em concreto daquela cláusula contratual já foi, senão na totalidade, na sua clara maioria, solucionada na apreciação da impugnação da matéria de facto quando concluímos que ao Autor apenas cabia a prova de que tinha havido um choque da viatura contra um outro objeto que não um veículo automóvel (nets último caso seria uma colisão).
E essa prova foi efetuada – facto provado 1 -.
Competindo à Ré a prova do caráter doloso do acidente (que afastaria a sua responsabilidade nos termos do artigo 46.º, daquele regime jurídico do contrato de seguro[3]), a mesma não o consegui demonstrar.
Não foram suscitadas quaisquer outras questões no recurso nem existe matéria que possa ser conhecida oficiosamente.
Deste modo, nada obsta a que o Autor possa acionar o seguro de modo a obter o pagamento da quantia acordada.
Esta, atendendo aos factos, seria no valor de 16.677,81 EUR, com franquia de 250 EUR, como já mencionado; no entanto, o Autor aceitou que a Ré o indemnizasse em 13.740 EUR (valor proposto pela mesma que já incluirá o desconto da franquia, conforme documento n.º 5, junto com a petição inicial) pois assim o menciona na petição inicial, formulando o respetivo e coerente pedido nesse valor (artigo 51.º, da petição inicial, realidade que pensamos não está vertida no facto provado por um lapso quanto ao valor) e é esse o valor do seu pedido, também refletido na pretensão recursória.
Deste modo, tem a Ré de pagar ao Autor a quantia de 13.740 EUR, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação por inexistir prova sobre outro momento em que aquela se tenha constituído em mora.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor quantia de 13.740 EUR, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento.
Custas do recurso a cargo de Autor e Ré, na proporção do respetivo decaimento (momento de vencimento dos juros de mora.)
Registe e notifique.
Porto, 2025/06/26.
João Venade
Álvaro Monteiro
António Carneiro da Silva
________________
[1] A título de mero exemplo, Acs. S. T. J. de 15/09/2022, processo n.º 508/18.8T8MTS.P1.S1., 24/05/2022, processo n.º 2237/20.7T8PNF.P1.S1, R. P. de 08/10/2024, processo n.º 767/21.2T8PNF.P1, todos em www.dgsi.pt.
[2] Veja-se Miguel Teixeira de Sousa, blog de processo civil, em anotação a Ac. da R. P. desta mesma secção, de 09/05/2024, processo n.º 479/20.4T8STS.P1, em que menciona que «Tem-se por muito discutível que a nulidade da sentença por excesso de pronúncia possa ser de conhecimento oficioso de um tribunal de recurso» ao contrário do que ali foi decidido; atente-se no que o mesmo autor refere no C. P. C. online, em anotação 6, ao artigo 5.º.
Vejam-se ainda Ac. da R. P. de 08/01/2024, processo n.º 20183/21.5T8PRT-A.P1 e de 23/01/2025, processo n.º 6578/23.3T8VNG.P1, ambos em www.dgsi.pt.
[3] 1 - Salvo disposição legal ou regulamentar em sentido diverso, assim como convenção em contrário não ofensiva da ordem pública quando a natureza da cobertura o permita, o segurador não é obrigado a efetuar a prestação convencionada em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado.
2 - O beneficiário que tenha causado dolosamente o dano não tem direito à prestação.