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RELATÓRIO PERICIAL
RECLAMAÇÃO
SEGUNDA PERÍCIA
Sumário
Sumário: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – artº 663º nº 7 do Código de Processo Civil) I - De acordo com o disposto no artº 484º nº 1 CPC o resultado da perícia, seja ela singular ou colegial, expressa-se num relatório: num documento uno, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto. O relatório pericial não é, pois, uma soma de relatórios individuais, ainda que sob a aparência de um único documento. II - Mas a exigência de que o resultado da perícia se deva expressar num relatório uno não obriga, no caso de a perícia ser colegial, ao consenso, à unanimidade; a própria lei previne a possibilidade da unanimidade não existir e prevê o modo de actuação em tal caso (cfr. artº 484º nº 2 CPC). III - O Tribunal não pode conformar-se com a recusa de um perito em cumprir cabalmente as funções para que foi nomeado, ainda que com o argumento de que a reclamação apresentada incide exclusivamente sobre o “relatório pericial” subscrito pelos outros dois peritos e com fundamento na dissidência profissional que se tornou pessoal entre os peritos; e não pode simplesmente acolher essa recusa e determinar que a reclamação seja apreciada apenas pelos outros dois peritos. IV - Uma de duas : ou o Tribunal entende que um dos peritos, alguns deles, ou mesmo os três, actua com a falta de diligência exigível e com a sua conduta impossibilita a apresentação do relatório pericial em prazo e nos moldes legalmente estabelecidos, e deve destitui-lo ou destitui-los como prevê o artº 469º nº 2 CPC; ou [não sendo já viável ou não sendo requerido o pedido de escusa] verifica se ocorre uma situação de impedimento superveniente do Senhor Perito, originando o correspondente incidente que, decidido, conduzirá ao seu afastamento. V - Nos termos dos artºs 487º e ss. CPC, a realização de 2ª perícia pressupõe que sejam alegadas fundadamente razões de discordância quanto ao relatório, tem por objecto os mesmos factos sobre que incidiu a primeira, e destina-se a corrigir eventual inexactidão desta. VI - O que a lei exige é que a parte que a requeira alegue fundadamente as razões da sua discordância quanto ao relatório: que as alegue, não que as prove ou convença o Tribunal do seu mérito, porquanto a própria necessidade da prova pericial tem como pressuposto a falta de conhecimento do Tribunal acerca das matérias sobre que versa, uma vez que aquilo que singulariza a prova pericial é a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (cfr. artº 388º do Código Civil). VII - Por isso, tem sido entendimento da jurisprudência que não cabe ao Tribunal aprofundar o bem ou mal fundado da argumentação apresentada no requerimento para a realização da segunda perícia, devendo o juiz determinar a sua realização desde que conclua que a mesma não tem carácter impertinente ou dilatório.
Texto Integral
Acordam as Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
Nos presentes embargos de executado opostos por A e B à execução para prestação de facto que C contra eles promoveu, foi proferido despacho em 20/01/2025 (refª citius nº 155284623) que decidiu “indeferir a pretensão do Exequente, manifestada na reclamação ao relatório complementar, no sentido de ser ordenada e realizada segunda perícia”, com os seguintes fundamentos:
«Das reclamações apresentadas pelo exequente ao relatório pericial e relatório pericial complementar;
Nos presentes autos de oposição à execução mediante embargos de executado teve lugar a realização de audiência prévia, no âmbito da qual, com a presença e participação dos Ilustres Mandatários das partes, foi fixado o objeto do litígio – “Do cumprimento integral das obrigações constantes da sentença dada à execução” – e enunciados os temas da prova, a saber: (…)
Para além dos restantes requeridos e admitidos meios de prova (documental, testemunhal e declarações de parte), foi requerida e admitida a realização de prova pericial, tendo as partes indicado peritos e as concretas questões sobre as quais pretendiam que aqueles se pronunciassem, em conformidade com os temas da prova genericamente enunciados.
Apresentados os quesitos por ambas as partes, foi elaborado relatório pericial composto por duas partes: (i) a primeira subscrita pelo Sr. Engenheiro AR (perito nomeado pelo Tribunal) e pelo Sr. Engenheiro MC (perito indicado pelo executado); (ii) a segunda parte subscrita pelo Sr. Engenheiro RO (perito nomeado pelo exequente).
O exequente apresentou reclamação contra o relatório apresentado – na parte que vem subscrita pelo Sr. Engenheiro AR (perito nomeado pelo Tribunal) e pelo Sr. Engenheiro MC (perito indicado pelos executados), alegando que o mesmo “tem uma estrutura confusa e contraditória, tendo os Peritos (nomeados pelo Tribunal e pelo Executado) optado por incluir considerandos genéricos que, salvo melhor entendimento, não só não dão qualquer resposta às questões que foram elencadas nos quesitos apresentados por ambas as partes, como também omitem factos importantes para a análise do documento, e fazem afirmações contraditórias com aquilo que é o entendimento cientifico relativamente a algumas matérias”. Mais alega que “os Peritos (nomeados pelo Tribunal e pelo Executado) optaram por responder à maior parte dos Quesitos apresentados através de remissões para o Relatório Preliminar – que apenas contém considerações muito genéricas e com pouco rigor científico – evitando assim dar resposta concretas e factuais aos quesitos apresentados.” Pugna, a final, no sentido de (i) ser ordenada a realização de segunda perícia, por perícia colegial, a efetuar por peritos do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, sobre os quesitos já previamente apresentados por ambas as partes; (ii) serem os peritos notificados para completar, esclarecer e fundamentar o relatório pericial, através de documento escrito, relativamente às deficiências, obscuridade, contradição e omissões ínsitas no mesmo.
Os executados pronunciaram-se sobre a reclamação apresentada pelo exequente, concluindo no sentido de que “deve ser recusado o pedido de nova perícia, assim como também devem ser indeferidas as reclamações apresentadas, sem prejuízo de os Senhores peritos serem ouvidos em Tribunal, prestando aí os seus esclarecimentos”.
Em face da discordância dos Senhores Peritos quanto à apresentação de um relatório único, subscrito por todos, o Tribunal designou diligência de audição dos Senhores Peritos, sensibilizando-os a apresentarem, em conjunto, documento de resposta à reclamação apresentada pelo exequente e respetiva pronúncia dos executados, para o que foi fixado o prazo de 3 meses, hipótese que o Sr. Engenheiro RO (perito nomeado pelo exequente) declinou, com o argumento de que a reclamação apresentada tinha por objeto, apenas, a parte do relatório elaborado e subscrito pelos outros dois Senhores Peritos.
Considerando a impossibilidade de apresentação de resposta conjunta à reclamação apresentada pelo exequente, foi determinado, por despacho de 23.11.2022, a realização de segunda perícia colegial a efetuar por peritos do LNEC, o que também não se mostrou viável, atenta a resposta daquele organismo.
Nesta medida, em face da posição do Sr. Engenheiro RO (perito nomeado pelo exequente) e dando cumprimento ao solicitado pelo exequente na sua reclamação, o Sr. Engenheiro AR (perito nomeado pelo Tribunal) e Sr. Engenheiro MC (perito indicado pelos executados) elaboraram “relatório pericial complementar”, o qual foi notificado às partes em 06.07.2023, e que mereceu a pronúncia das mesmas, insistindo, o exequente, pela realização de uma segunda perícia.
Apreciando.
C intentou a execução de que dependem estes autos contra A e B com base na sentença proferida em 26.09.2016 (confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01.06.2017) no processo…, que correu termos na Instância Local - Secção Cível – J… – …, que, julgando parcialmente procedente a ação, condenou os RR. (ora executados/opoentes), além do mais, a procederem à eliminação dos defeitos melhor descritos a 14. do julgamento de facto.
Decorre do referido ponto 14 da matéria de facto da sentença dada à execução o seguinte: “(…).”
O exequente configurou a respetiva pretensão da seguinte forma (cf. requerimento executivo): “(…)”
Ou seja, excetuando as alíneas m) e n) do ponto 14 da matéria de facto provada na sentença dada à execução (para o qual se remete no respetivo dispositivo), o exequente entende que os executados/opoentes não procederem à eliminação dos defeitos descritos nas alíneas a) a l) do referido ponto 14, o que foi impugnado pelos executados na petição inicial da presente oposição.
É este o objeto da presente oposição, que conduziu à enunciação, juntamente com os Ilustres Mandatários das partes (em sede de audiência prévia), dos temas da prova supra identificados e que determinou, além do mais, a realização da prova pericial.
Partindo deste pressuposto e da finalidade da perícia realizada – sem prejuízo da resposta dada às concretas questões colocadas por cada uma das partes –, analisado criticamente o respetivo relatório, constata-se que os Srs. Peritos (nomeado pelo Tribunal e indicado pelos executados/opoentes), após fazerem um enquadramento geral (cf. pontos 3 a 3.3 – folhas 3/102 a 9/102), se pronunciaram expressamente sobre os pontos sob discussão, identificados no ponto 14 dos factos provados constantes da sentença dada à execução, sendo que o Sr. Perito indicado pelo exequente se limitou a dar resposta aos “quesitos” sugeridos pelas partes, tendo-se recusado a elaborar relatório conjunto, não tendo, sequer, apresentado relatório singular (cf. folhas 28/102 a 102/102).
Da análise crítica do relatório apresentado – cf. fls.10/102 a 38/102 –, resulta que os Srs. Peritos se pronunciaram, expressa e individualizadamente, sobre cada uma das alíneas identificados no ponto 14 dos factos provados constantes da sentença dada à execução, explicando se os trabalhos aí referidos foram, ou não, executados e, na afirmativa, se o foram corretamente, sustentado as suas conclusões em argumentos/razões de ordem técnica, acompanhadas de reportagem fotográfica com vista a uma melhor perceção da fundamentação exposta, o que culminou nas conclusões constantes de fls.39/102 e 40/102.
O mesmo se pode afirmar na parte respeitante à resposta dada aos quesitos apresentados pelas partes, sendo natural e compreensível que algumas delas se mostrem prejudicadas pelo teor do relatório para o qual os Srs. Perito pontualmente remeteram.
Ora, dispõe o artigo 388º do Código Civil que “(…)”.
A perícia é um meio de prova a que as partes ou/e o tribunal podem lançar mão quando se revele necessário recorrer ao conhecimento técnico de outrem, os peritos, os quais pronunciando-se sobre a questão solicitada expõem as suas observações e as suas impressões pessoais sobre os factos presenciados, retirando conclusões objetivas dos factos observados e daqueles que se lhes ofereçam como existentes.
“A prova pericial – conceptualizada no artigo 388.º do Código Civil – é realizada por pessoas idóneas conhecedoras de factos que exigem conhecimentos especiais estranhos ao tribunal ou quando os factos relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial.
Os peritos farão uma perceção, ou apreciação técnica, em áreas onde são especializados. Como escreveu o Prof. Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil”, 135) esta prova “traduz-se na percepção por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legitima susceptibilidade) das pessoas em que se verificam tais factos.” [cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Setembro de 2009, proferido no Processo 161/05.2TBVLG.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.]
Dispõe o artigo 485º do Código de Processo Civil que: “(…)
Decorre do nº2 do artigo 485º do Código de Processo Civil que o relatório pericial, previsto no artigo 484º desse diploma, pode ser objeto de reclamação por deficiência, obscuridade ou contradição ou, ainda, por ausência/deficiente fundamentação das posições tomadas pelos Peritos.
Ocorre deficiência do relatório quando o mesmo não considera todos os pontos que devia ou não os considera tão completamente como devia; ocorre obscuridade quando não se vislumbra o sentido de alguma passagem ou esta pode ter mais de um sentido; ocorre contradição quando há colisão entre os vários pontos focados ou entre as posições tomadas pelos peritos, sendo a perícia colegial. [José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, vol. 2º, 4ª edição, pág. 339.]
Se o juiz julgar fundada a reclamação, ordenará aos peritos, no caso de deficiência, que completem a resposta, no caso de obscuridade, que a esclareçam, no caso de contradição, que a façam cessar, harmonizando as respostas apontadas como contraditórias.
No caso, embora não se mostrasse evidenciada uma manifesta deficiência, obscuridade ou contradição, entendeu o Tribunal, em face da extensa reclamação apresentada pelo exequente e a impossibilidade de realização de perícia por peritos do LNEC, dar oportunidade aos Srs. Peritos de se pronunciarem sobre aquela (reclamação apresentada pelo exequente) – o que, aliás, vinha expressamente requerido pelo exequente –, procedendo à elaboração de “relatório pericial complementar”.
Confrontando os teores do relatório inicial e do “relatório complementar” com o teor das reclamações apresentadas pelo exequente é manifesta a discordância manifestada por este, parecendo-nos que propõe substituir-se aos Srs. Peritos e apresentar, sob a “capa” de reclamação, novo relatório, sendo que o perito por si indicado não o fez em momento oportuno, inviabilizando a elaboração de um relatório conjunto.
Como vimos, o relatório pericial pode ser objeto de reclamação por deficiência, obscuridade ou contradição ou, ainda, por ausência/deficiente fundamentação das posições tomadas pelos Peritos – cf. Ac. RG, de 16.11.2027, relatado por Jorge Teixeira, processo 1024/15.9T8BGC-A.G1 (in www.dgsi.pt).
Porém, “a discordância quanto às observações e respostas aos quesitos, apresentadas pelo Senhor Perito, não constitui fundamento para reclamação/pedido de esclarecimentos, nos termos do artigo 485º do Código de Processo Civil.” – cf. Ac. RP, de 05.02.2024, relatado por Anabela Morais (in www.dgsi.pt).
No caso é manifesto que o exequente discorda dos relatórios apresentados. Porém, não resulta dos mesmos as apontadas contradições, ambiguidades e obscuridades, assim como não se pode concluir pela falta ou insuficiência de fundamentação, para mais quando os Srs. Peritos responderam, através de “relatório complementar”, individualizadamente, a todas as questões suscitadas pelo exequente na reclamação apresentada contra o primeiro relatório.
Portanto, o exequente inviabilizou a realização de um relatório conjunto e reclamou contra os relatórios apresentados com fundamento na discordância quanto aos respectivos fundamentos – o que, como vimos, não constitui fundamento de reclamação –, querendo substituir-se, por essa via, aos Srs. Peritos, pondo em causa as respetivas competências e isenção, o que motivou, inclusive, a reação destes em sede de “conclusões finais” do relatório complementar, aí se podendo ler o seguinte:
“(…)”.
Não se vê, assim, razão para realização de uma segunda perícia, na medida em que o relatório apresentado – cuja fundamentação se mostra complementada pelo “relatório complementar” –, não encerra quaisquer contradições, ambiguidades e obscuridades, assim como se mostra devida e exaustivamente fundamentado.
Em face de todo o exposto, considerando a impossibilidade de realização de segunda perícia colegial a efetuar por peritos do LNEC – com o que ficou prejudicada a primeira pretensão manifestada pelo exequente aquando da primeira reclamação –, tendo sido dado cumprimento ao solicitado (subsidiariamente) pelo exequente nessa mesma reclamação, a saber: “serem os peritos notificados para completar, esclarecer e fundamentar o relatório pericial”, o que estes fizeram mediante apresentação de um extenso e bem fundamentado “relatório pericial complementar” – que, igualmente, não padece de quaisquer contradições, ambiguidades e obscuridades –, decide este Tribunal indeferir a pretensão do exequente, manifestada na reclamação ao relatório complementar, no sentido de ser ordenada e realizada segunda perícia.
É deste despacho que o exequente vem recorrer, sustentando que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que admita a realização da segunda perícia, tendo por base os quesitos apresentados pelas partes.
Das suas alegações extraiu o Recorrente as seguintes
Conclusões
«A. O presente recurso tem por objeto o Douto Despacho datado de 20-01-2025, com a referência citius n.º 155284623, através do qual decidiu o respeitável Tribunal a quo, “indeferir a pretensão do Exequente, manifestada na reclamação ao relatório complementar, no sentido de ser ordenada e realizada segunda perícia.”
B. No dia 12-06-2020, o aqui Recorrente apresentou Reclamação ao referido relatório pericial na qual requereu que “… atendendo aos fundamentos supra expostos, seja ordenada a realização de segunda perícia, por perícia colegial, a efetuar por peritos do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, sobre os quesitos já previamente apresentados por ambas as partes.”
C. Decidiu este respeitável Tribunal a quo no Despacho proferido no dia 23-11-2022, “…que se mostra pertinente e necessário para a economia destes autos a realização de nova perícia colegial…”, nos termos requeridos pelo Exequente (sublinhado e negrito nosso).
D. O que fez com os seguintes fundamentos, (i) “os Srs. Peritos continuam a não se entender, assumindo, a relação entre os mesmos, incompreensivelmente, foros de litígio; (ii) impossibilidade de os Srs. Peritos elaborarem um relatório único ou, pelo menos, elaborarem um documento único de resposta à reclamação oportunamente apresentada;
E. Neste Despacho, o Tribunal a quo aceitou a 2.ª Perícia.
F. O Recorrente no dia 28-09-2023, apresentou Reclamação ao relatório complementar, tendo requerido a realização da segunda perícia, em razão de a mesma, apesar de ter sido ordenada, não ter sido realizada.
G. Em resposta ao solicitado pelo aqui Recorrente, decidiu o Tribunal a quo, no despacho que ora se recorre, indeferir tal pedido com fundamento de que “Não se vê, assim, razão para realização de uma segunda perícia, na medida em que o relatório apresentado – cuja fundamentação se mostra complementada pelo “relatório complementar” –, não encerra quaisquer contradições, ambiguidades e obscuridades, assim como se mostra devida e exaustivamente fundamentado.”
H. Ou seja, no Despacho que aqui se recorre, o Tribunal a quo desconsiderou por completo as razões por si alvitradas no passado relativamente à mesma temática.
I. Desde a data do referido Despacho - que autorizou a segunda perícia - até ao dia de hoje, não houve nenhuma alteração aos pressupostos que originaram a decisão de realização de uma nova perícia colegial, a saber: i. Os Srs. Peritos continuam a não se entender, assumindo, a relação entre os mesmos, incompreensivelmente, foros de litígio; ii. A impossibilidade de os Srs. Peritos elaborarem um relatório único ou pelo menos elaborarem um documento único de resposta à reclamação oportunamente apresentada; e iii. A insistência na solução de elaborarem um documento único de resposta à reclamação traria um inadmissível protelar de um litígio paralelo (entre os próprios peritos) ao que se julga nestes autos sem qualquer proveito para o processo e, por conseguinte, para as partes.
J. Pelo que não se consegue compreender como é que sobre esta questão possa existir duas decisões contraditórias quando os fundamentos que justificaram a realização da segunda perícia se mantem.
K. No que se refere à afirmação de que “No caso, embora não se mostrasse evidenciada uma manifesta deficiência, obscuridade ou contradição” constante do Despacho que ora se recorre, importa salientar que, o Tribunal a quo, no Despacho datado de 23-11-2022, na fundamentação para a realização da segunda perícia, não teve dúvidas sobre a existência de deficiências, obscuridade ou contradições. Pois caso o Tribunal a quo considerasse que não existiam deficiências, obscuridade ou contradições, nunca teria, nos termos do artigo 487.º, n.º 1, do CPC, aceite a realização da segunda perícia.
L. Já no que diz respeito à afirmação de que “…dar oportunidade aos Srs. Peritos de se pronunciarem sobre aquela (reclamação apresentada pelo exequente) – o que, aliás, vinha expressamente requerido pelo exequente –, procedendo à elaboração de “relatório pericial complementar”, o Tribunal a quo parece, com o devido respeito, querer “escudar-se”, no fundamento de que foi o Recorrente quem requereu que os peritos se pronunciassem sobre a reclamação.
M. Ora, na sua reclamação, apresentada no dia 12-06-2020, o Recorrente requereu que os Peritos se pronunciassem através de um pedido subsidiário!
N. O que significa que o pedido para os peritos serem notificados para completar, esclarecer e fundamentar o relatório pericial, através de documento escrito, relativamente às deficiências, obscuridades, contradições e omissões ínsitas no mesmo, apenas poderia ser considerado na hipótese de não ser admitida a realização da segunda perícia.
O. Todavia, o certo é que o Tribunal a quo admitiu a realização da segunda perícia, o que o fez no douto Despacho proferido no dia 23-11-2022.
P. Pelo que, procedendo o primeiro pedido – realização da segunda perícia -, mal andou o Tribunal a quo ao ter determinado a prestação de esclarecimentos por parte dos Peritos (nomeados para a primeira perícia), sem nunca ter indeferido aquele tal primeiro pedido.
Q. Importa salientar que o referido relatório complementar apenas foi subscrito por dois dos três Peritos, tal como resulta do mesmo.
R. Do Requerimento apresentado por parte do Perito do Exequente, junto aos presentes autos no dia 02-07-2021, consta que “… não me foi possível subscrever o relatório elaborado exclusivamente pelos mesmos, por não me rever no formato da apresentação, no seu teor técnico, nem nas suas conclusões. Apesar de ter sido acordada a realização do RELATÓRIO PERICIAL em conjunto, acabei por ser confrontado com um relatório executado exclusivamente pelos colegas, que pretendiam a minha subscrição. Após a leitura atenta do documento que me foi disponibilizado, não podendo concordar com o mesmo, sugeri construtivamente várias alterações do documento com vista a uma convergência que pudesse atenuar as questões de maior divergência e que viabilizasse, assim, um documento conjunto consensual para o colégio de peritos.” (sublinhado e negrito nosso)
S. Nestes termos, mal andou o Tribunal a quo quando, no Despacho a que se recorre referiu que “…, sendo que o perito por si indicado não o fez em momento oportuno, inviabilizando a elaboração de um relatório conjunto”
T. O que de facto ocorreu foi a imposição, por parte dos outros dois Peritos de um documento cujo Perito do Exequente não concordava por “… não me rever no formato da apresentação, no seu teor técnico, nem nas suas conclusões.”
U. O que parece resultar do Despacho do Tribunal a quo é a vontade de “encerrar este processo”, indeferindo a realização de um meio de prova que já tinha sido deferido e ordenado no passado!
V. Ora, a questão da celeridade processual não pode ser alcançada, pela não realização de elementos de prova já admitidos e posteriormente “recusados”!
W. Está em causa, salvo melhor opinião, uma situação onde a verdade material da situação está a ser constrangida e limitada, sem que para isso exista um fundamento que o justifique.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas., doutamente suprirão, requerer-se que seja julgado procedente, por provado, o presente Recurso e, em consequência, seja revogada a decisão recorrida, substituindo-se esta por outra que: a) Admita a realização da segunda perícia, tendo por base os quesitos apresentados pelas partes.»
Os executados/embargantes contra-alegaram pugnando pela confirmação do julgado, alinhando as seguintes
Conclusões
«A. O Recorrente recorre da decisão que indeferiu a pretensão do Exequente, manifestada na reclamação ao relatório complementar, no sentido de ser ordenada e realizada segunda perícia.
B. Como fundamento do recurso, o Recorrente alega existirem duas decisões contraditórias uma vez que,
C. Em 12-06-2020 o Recorrente requereu fosse ordenada a realização de segunda perícia, por perícia colegial, a efetuar por peritos do LNEC- Laboratório Nacional de Engenharia Civil, e
D. Em 23-11-2022, o Tribunal recorrido decidiu ordenar tal perícia nos termos requeridos pelo Exequente, a qual se revelou inviável conforme informação do próprio LNEC junta aos autos;
E. Posteriormente o Recorrente, em sede de Reclamação ao Relatório Complementar apresentado em 28-09-2023, requereu “a realização da Segunda Perícia já peticionada e aceite em 23-11-2022” e,
F. O Tribunal recorrido indeferiu o pedido de realização de segunda perícia, efetuado na reclamação ao Relatório complementar, considerando por isso o Recorrente que existem duas decisões contraditórias, quando os fundamentos que justificaram a realização da segunda perícia se mantêm
G. Salvo melhor entendimento, não existe qualquer contradição porquanto a segunda perícia que foi aceite em 23-11-2022 revelou-se inviável e impossível e por isso, não foi nem pode ser realizada.
H. Quando o Recorrente volta a pedir a realização de segunda perícia em 28-09-2023, já é uma nova e diferente segunda perícia, uma vez que a antiga já se havia revelado impossível ou seja,
I. Já não é a mesma perícia a efetuar pelo LNEC- Laboratório Nacional de Engenharia Civil, mas sim uma segunda perícia a efetuar nos termos do artº 487º do Cód Proc.Civil e
J. É esta diferente segunda perícia, requerida em segundo lugar em 28-09-2023, que é indeferida em 20-01-2025.
K. Entendeu o Tribunal que estava a ser pedida uma nova segunda perícia nos termos do artº 487º do C.P.C. e pronunciou-se sobre a admissibilidade da mesma, aquando da sua decisão sobre as reclamações apresentadas ao Relatório Pericial (inicial) e ao “relatório pericial complementar”.
L. Não tendo tais reclamações tido provimento, foi igualmente indeferido o pedido de realização da segunda perícia.
M. São duas decisões com objetos diferentes e com fundamentos diferentes, pois
N. A segunda perícia, pedida com a Reclamação ao Relatório Pericial em 12-06-2020 e a efetuar por peritos do LNEC- Laboratório Nacional de Engenharia Civil, foi deferida em 23-11-2022, com fundamento na impossibilidade de os Srs. Peritos elaborarem um relatório único, ou pelo menos, elaborarem um documento único de resposta à reclamação e para evitar um inadmissível protelar de um litígio paralelo (entre os próprios peritos).
O. A segunda perícia, pedida com a resposta ao Relatório Complementar em 28-09-2023, foi indeferida em 20-01-2025 com base na falta de deficiências, obscuridades ou contradições porquanto apesar de no Relatório Pericial não se mostrar evidenciada uma manifesta deficiência, obscuridade ou contradição, o Tribunal deu oportunidade para os Srs. Peritos se pronunciarem sobre a Reclamação do Exequente (tal como o mesmo requereu subsidiariamente) e os Srs. Peritos apresentaram um extenso e bem fundamentado “relatório pericial complementar”, que igualmente não padece de quaisquer contradições, ambiguidades ou obscuridades.
P. Assim, as duas decisões têm como objeto, segundas perícias diferentes e foram baseadas em fundamentos diferentes.
Q. Por outro lado, também não se entende o que o Recorrente alega na alínea I. das suas Conclusões, afirmando que não houve nenhuma alteração aos pressupostos que originaram a decisão de realização de uma nova perícia colegial. Ora,
R. A decisão de realização de uma nova perícia colegial foi em 23-11-2022 e depois disso,
S. Os Srs. Peritos apresentaram vários requerimentos, donde resulta a recusa do Perito do exequente em responder à Reclamação apresentada pelo Exequente.
T. Em 26-04-2023, no despacho com a referência 143953960, o Tribunal recorrido notificou os Srs. Peritos para em 60 dias se pronunciarem sobre a Reclamação do Exequente e ordenou que o Exequente permitisse o acesso dos Srs. Peritos à moradia;
U. O Tribunal deu cumprimento ao solicitado pelo próprio Exequente na sua reclamação e notificou os Srs. Peritos para responderem à reclamação do Exequente.
V. Posteriormente em 03-07-2023 os Srs. Peritos do tribunal e dos executados, responderam apresentando um “relatório pericial complementar”, que foi notificado às partes em 06-07-2023.
W. Este novo “relatório pericial complementar” veio servir de complemento ao Relatório Pericial inicial e conforme consta no despacho recorrido e revelou ainda ao Tribunal a razão pela qual o perito do Exequente não fez relatório conjunto com os peritos do Tribunal e dos executados.
X. O Tribunal fundamentou a sua decisão de não realização de uma segunda perícia em 20-01-2025, no facto de o “relatório pericial complementar” (realizado depois de 23-11-2022) não encerrar quaisquer contradições, ambiguidades e obscuridades, assim como se mostrar devida e exaustivamente fundamentado.
Y. Face ao exposto, a decisão recorrida proferida em 20-01-2025 não é contraditória com a decisão proferida em 23-11-2022, porque são decisões que têm como objeto segundas perícias colegiais diferentes e cada uma delas também têm fundamentos diferentes, verificando-se ainda que, entre as duas decisões ocorreram factos novos tal como a elaboração e junção aos autos do “relatório pericial complementar”.
Z. Consequentemente, não houve qualquer violação da Lei, e tanto assim é, que
AA. O recorrido Querendo, claramente, referir-se à Recorrente não indicou qualquer norma jurídica violada, nem foram especificados erros ou interpretações erradas das normas aplicadas, conforme determina o nº 2 do artº 639º do C.P.C. pelo que, sempre deverá o recorrente ser notificado para especificar e esclarecer quais as normas violadas, sob pena de não ser conhecido o recurso, conforme determina o nº3 daquele mesmo preceito legal.
Nestes termos e nos melhores de direito sempre deverá o recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.»
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Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
*-*
É sabido que nos termos dos artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil são as conclusões que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam, exercendo as mesmas função equivalente à do pedido (neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil” 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117), certo que esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica quanto à qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. artº 5º nº 3 do CPC).
Assim, a questão a decidir consiste em saber se deve ser ordenada a realização de segunda perícia.
II – FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
A factualidade relevante para a decisão é a que decorre do despacho recorrido e acima transcrito no relatório e, ainda, os seguintes aspectos factuais respigados da tramitação processual:
1 - O relatório da perícia data de 15/01/2020 e foi junto aos autos em 21/01/2020, mostrando-se no final subscrito pelos três peritos embora na sua pág. 3 apresente sob o ponto 2. uma Nota Introdutória da qual consta “O perito RO, não subscreve o relatório maioritário apresentado no item nº 3 e respectivas respostas aos quesitos, pelo que, apresenta no item nº 4 o seu relatório e as suas respostas aos quesitos”, sendo assim o relatório pericial composto por uma primeira parte contendo a posição do Sr. Engenheiro AR (perito nomeado pelo Tribunal) e do Sr. Engenheiro MC (perito indicado pelo executado), e uma segunda parte contendo a posição do Sr. Engenheiro RO (perito nomeado pelo exequente).
2 – A reclamação apresentada pelo exequente contra o relatório pericial, junta aos autos em 12/06/2020 (tendo havido deferimento do prazo para as partes sobre ele se pronunciarem), tem o seguinte intróito “…Exequente …. tendo sido notificado do Relatório Pericial, e não concordando com o mesmo, vem junto a V. Exa., ao abrigo do disposto no artigo 487.º, n.º 1, do CPC, requerer a realização de Segunda Perícia, e, subsidiariamente, ao abrigo do disposto no artigo 485.º, n.º 2, do CPC, apresentar a sua RECLAMAÇÃO contra o Relatório Pericial” e termina requerendo “…que, atendendo aos fundamentos supra expostos, seja ordenada a realização de segunda perícia, por perícia colegial, a efetuar por peritos do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, sobre os quesitos já previamente apresentados por ambas as partes. Mas se este não for o entendimento perfilhado por V. Exa. – no que não se concede, mas que se alvitra por mero dever de patrocínio –, mais se requer que sejam os peritos notificados para completar, esclarecer e fundamentar o relatório pericial, através de documento escrito, relativamente às deficiências, obscuridade, contradição e omissões ínsitas no mesmo.”
3 - A resposta dos executados à reclamação do exequente ao relatório pericial data de 10/09/2020.
4 – A diligência de audição dos Senhores Peritos mencionada no despacho recorrido teve lugar em 16/11/2020.
5 – Em 02/07/2021 o Perito indicado pelo Exequente juntou aos autos requerimento pedindo dispensa de pronúncia quanto à reclamação apresentada pelo exequente, do qual, entre o mais, consta: “(…) A RECLAMAÇÃO apresentada pelo EXEQUENTE, refere-se exclusivamente ao RELATÓRIO PERICIAL subscrito pelo Sr. Engº AR, nomeado pelo Tribunal, e Sr. Engº MC, nomeado pelo Executado. (…) não me foi possível subscrever o relatório elaborado exclusivamente pelos mesmos, por não me rever no formato da apresentação, no seu teor técnico, nem nas suas conclusões. Apesar de ter sido acordada a realização do RELATÓRIO PERICIAL em conjunto, acabei por ser confrontado com um relatório executado exclusivamente pelos colegas, que pretendiam a minha subscrição. Após a leitura atenta do documento que me foi disponibilizado, não podendo concordar com o mesmo, sugeri construtivamente várias alterações do documento com vista a uma convergência que pudesse atenuar as questões de maior divergência e que viabilizasse, assim, um documento conjunto consensual para o colégio de peritos.”
6 – Por requerimento de 08/07/2021, o exequente reiterou o pedido de realização de 2ª perícia pelo LNEC.
7 – O despacho de 23/11/2022, mencionado no despacho recorrido e nas alegações, é do seguinte teor: “Veio o exequente requerer a realização de uma Segunda Perícia Colegial, a efetuar por peritos do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, ao abrigo do disposto no artigo 487.º, n.º 1 do CPC, sobre os quesitos já previamente apresentados por ambas as partes, o que mereceu a discordância dos executados, tendo o Tribunal determinado a notificação do exequente para, em 10 dias, fundamentar de forma completa e especificada as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado e que, no seu entender, justificam ou tornam conveniente a realização de uma segunda perícia. Sucede que a pretensão do exequente, manifestada no requerimento de 08.07.2021, já se mostrava sustentada no requerimento de 12.06.2020 (como esclarecido no requerimento de 10.03.2022) – pelo que se considera cumprida a exigência de fundamentação das razões da discordância relativamente ao relatório pericial apresentado e que, no entender do exequente, justificam ou tornam conveniente a realização de uma segunda perícia – que levou, à data, à realização de diligência de audição dos Srs. Peritos, no âmbito da qual o Tribunal “sensibilizou os senhores peritos no sentido de responderem, em conjunto, à reclamação ao relatório apresentada pelo exequente, atendendo, também à resposta apresentada pelos exequentes Querendo referir-se aos executados. à referida reclamação, sem prejuízo de exporem, se tal se verificar, as divergências dos Senhores Peritos quanto a alguns pontos/aspetos que julguem inultrapassáveis.” Porém, à semelhança do que sucedeu com a elaboração do relatório sobre o qual recaiu reclamação, os Srs. Peritos continuam a não se entender, assumindo, a relação entre os mesmos, incompreensivelmente, foros de litígio. Nesta conformidade, atentas as razões expostas pelo exequente no requerimento de 12.06.2020 e a impossibilidade de os Srs. Peritos elaborarem um relatório único ou, pelo menos, elaborarem um documento único de resposta à reclamação oportunamente apresentada – sendo que, a insistir-se nesse sentido, se adivinha um inadmissível protelar de um litígio paralelo (entre os próprios peritos) ao que se julga nestes autos sem qualquer proveito para o processo e, por conseguinte, para as partes – entende o Tribunal que se mostra pertinente e necessário para a economia destes autos a realização de nova perícia colegial nos termos requeridos pelo exequente, ou seja, a efetuar por peritos do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, tendo por base os quesitos já previamente apresentados pelas partes, o que se determina.”
8 – Ao despacho de 23/11/2022, solicitando a realização de segunda perícia colegial ao LNEC, este Laboratório Nacional respondeu por ofício entrado em juízo em 15/12/2022 do seguinte teor:
9 - Em 10/01/2023 foi proferido despacho determinando a notificação das partes para que se pronunciassem sobre as sugestões apresentadas pelo LNEC acerca das possíveis entidades susceptíveis de efectuar a perícia.
10 - Notificadas as partes, por notificações com data certificada no sistema em 11/01/2023, os executados por requerimento de 23/01/2023 disseram, em essência, ter sido o exequente/embargado a requerer a perícia pelo LNEC e por isso apenas ele poderia dizer se pretendia indicar alguma empresa em substituição do LNEC, e assumir os respectivos custos.
11 - Já o exequente, após pedido de prorrogação de prazo para o efeito que não foi objecto de despacho, veio em requerimento de 27/01/2023 dizer que para proceder à 2ª perícia sugeria a sociedade OZ – Diagnóstico, Levantamento e Controlo de Qualidade e Estruturas e Fundações Lda., por esta entidade ter na sua estrutura um departamento de diagnóstico e reabilitação energética de edifícios reconhecido.
12 - Sem que sobre este requerimento tenha recaído despacho, veio a ser proferido despacho em 15/03/2023, do seguinte teor: “Considerando a posição das partes, as vicissitudes do processo, bem como o tempo decorrido desde a instauração da execução e dedução da presente oposição, entende o Tribunal que os autos deverão aguardar a realização da audiência de discussão e julgamento nos termos que se mostra designada no despacho de 23.11.2022, no âmbito da qual serão ouvidos os senhores peritos, após o que o Tribunal ponderará, após audição das partes, da necessidade de realização de prova adicional além da que consta dos autos e da que será produzida em audiência. Nestes termos, não será, por ora, determinada a realização de quaisquer diligências probatórias além das que constam dos autos”.
13 - Na diligência de 17/04/2023, data que se mostrava agendada para a audiência de discussão e julgamento, foi proferido o seguinte despacho: “Ouvidos os Ilustres Mandatários das partes, constatando-se que ainda não se mostra apreciada a reclamação oportunamente apresentada ao relatório junto pelos senhores peritos e atenta a resposta do LNEC – o que inviabiliza a produção de prova agendada –, determino a notificação dos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e pelos Executados/Opoentes, subscritores da parte do relatório objeto de reclamação, para, em 30 dias, se pronunciarem sobre a mesma (reclamação), com advertência de que, não o fazendo, serão condenados em multa por falta de colaboração com o Tribunal.”
14 - Em 03/07/2023 os Srs. Peritos, o indicado pelos executados e o nomeado pelo Tribunal, juntaram aos autos relatório complementar tendo por objecto a reclamação do exequente.
15 - Em 28/09/2023, após deferimento do pedido de prorrogação de prazo para o efeito, o exequente apresentou reclamação do relatório pericial complementar, onde concluiu requerendo “…que, a presente reclamação seja declarada procedente por provada e, em consequência, seja realizada uma segunda perícia nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 487.º, n.º 1 e 2 do CPC”.
D) DE DIREITO
Questão prévia
Nas suas contra-alegações os Recorridos defendem que o Recorrente “não indicou qualquer norma jurídica violada, nem foram especificados erros ou interpretações erradas das normas aplicadas, conforme determina o nº 2 do artº 639º do C.P.C. pelo que, sempre deverá o recorrente ser notificado para especificar e esclarecer quais as normas violadas, sob pena de não ser conhecido o recurso, conforme determina o nº3 daquele mesmo preceito legal.” (cfr. conclusão AA. das contra-alegações).
O nosso sistema recursório impõe ao Recorrente o ónus de apresentação de alegações, nas quais deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (cfr. artº 639º nº 1 CPC), sendo que quando o recurso verse sobre matéria de direito o ónus de concluir cumpre-se com a indicação das disposições violadas, do sentido com que deveriam ter sido aplicadas ou, em caso de erro sobre a norma, aquela que o recorrente entende que devia ter sido aplicada (cfr. artº 639º nº 2 CPC), pois exercendo as conclusões função delimitadora da área de intervenção do Tribunal ad quem (cfr. artº 635º nº 4 CPC), equivalendo as mesmas ao pedido, devem elas identificar de modo claro e preciso o que Recorrente pretende obter junto do Tribunal de recurso, por contraposição à decisão recorrida.
No caso, os Recorridos professam que o Recorrente não satisfez o ónus imposto pelo artº 639º nº 2 CPC referindo que o mesmo «não indicou qualquer norma jurídica violada, nem foram especificados erros ou interpretações erradas das normas aplicadas».
O não cumprimento das exigências estabelecidas no artº 639º nº 2 CPC conduzirá, nos termos previstos no nº 3 do mesmo artigo, a convite ao aperfeiçoamento.
No entanto, como se afirma no Acórdão desta Relação de Lisboa, de 26/10/2023 (proc. 3945/20.8T8ALM.L1-2, Relator Carlos Castelo Branco), orientação a que aderimos, “Se a parte nas alegações focou com objetividade a sua discordância sobre o decisão impugnada e tomou uma posição conclusiva de discordância em questões essenciais que referenciou, o Tribunal de recurso está em condições de conhecer do objeto do recurso, não sendo caso de prolação do despacho de convite a que se reporta o n.º 3 do artigo 639.º do CPC, por não ocorrer deficiência ou obscuridade recursória que o justifique.”.
Posição que nesse Acórdão se mostra exaustivamente fundamentada, designadamente convocando jurisprudência do Tribunal Constitucional, para cuja leitura remetemos pela sua impressividade.
Ora, analisadas as suas alegações e respectivas conclusões verifica-se que o Recorrente impugna a decisão de indeferimento da realização de segunda perícia com fundamento em que o Tribunal anteriormente a admitira e mantêm-se inalteradas as razões que conduziram inicialmente ao seu deferimento; ter determinado a prestação de esclarecimentos por parte dos peritos, que consistia em pedido subsidiário, sem nunca ter indeferido aquele primeiro pedido; e em que o relatório complementar, isto é, a resposta à sua reclamação ao relatório pericial, apenas foi subscrito por dois dos três peritos.
Desse modo, e no concreto contexto impugnatório, resulta das conclusões – que praticamente reproduzem a motivação –, de modo claramente apreensível, os fundamentos em que a Apelante assenta a impugnação da decisão proferida.
Assim, inexiste motivo para o convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o nº 3 do artigo 639º do CPC.
*
Vejamos então se deve ser deferida a realização de segunda perícia.
Determinada que foi a realização de perícia colegial, quando notificado o respectivo relatório o exequente dele reclamou, em 12/06/2020, na parte apresentada pelo Sr. Engenheiro AR (perito nomeado pelo Tribunal) e pelo Sr. Engenheiro MC (perito indicado pelos executados), e no final requereu a realização de segunda perícia colegial, a efectuar por peritos do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, sobre os quesitos já previamente apresentados por ambas as partes, e, subsidiariamente, requereu a notificação dos peritos para completar, esclarecer e fundamentar o relatório pericial, através de documento escrito, relativamente às deficiências, obscuridade, contradição e omissões que lhe apontou.
Em face da discordância dos Senhores Peritos quanto à apresentação de um relatório uno, o Tribunal designou diligência de audição dos Senhores Peritos, que teve lugar em 16/11/2020, sensibilizando-os a apresentarem em conjunto documento de resposta à reclamação apresentada pelo exequente e subsequente pronúncia dos executados, para o que foi fixado o prazo de 3 meses, hipótese que o Sr. Engenheiro perito indicado pelo exequente declinou com o argumento de que a reclamação apresentada tinha apenas por objecto a parte do relatório elaborado e subscrito pelos outros dois Senhores Peritos, tendo o mesmo apresentado aos autos requerimento de 02/07/2021 pedindo dispensa de pronúncia quanto à reclamação apresentada pelo exequente com aquele fundamento e fazendo notar as dissidências – que podemos qualificar de insanáveis – entre os peritos.
Veio então o Tribunal a quo, por despacho de 23/11/2022, a deferir a pretensão formulada a título principal pelo exequente na sua reclamação, determinando a realização de segunda perícia colegial a efectuar por peritos do LNEC, desse despacho constando, entre o mais, que “(…) à semelhança do que sucedeu com a elaboração do relatório sobre o qual recaiu reclamação, os Srs. Peritos continuam a não se entender, assumindo, a relação entre os mesmos, incompreensivelmente, foros de litígio. Nesta conformidade, atentas as razões expostas pelo exequente no requerimento de 12.06.2020 e a impossibilidade de os Srs. Peritos elaborarem um relatório único ou, pelo menos, elaborarem um documento único de resposta à reclamação oportunamente apresentada - sendo que, a insistir-se nesse sentido, se adivinha um inadmissível protelar de um litígio paralelo (entre os próprios peritos) ao que se julga nestes autos sem qualquer proveito para o processo e, por conseguinte, para as partes – entende o Tribunal que se mostra pertinente e necessário para a economia destes autos a realização de nova perícia colegial nos termos requeridos pelo exequente…”.
A realização da 2º perícia desse modo determinada não se mostrou viável por o LNEC ter informado não ter disponibilidade naquele momento para, atenta a sua extensão, realizar o trabalho em causa, alocando investigadores do Laboratório Nacional para aquela tarefa (cfr. oficio no facto 5), na sequência do que foi proferido despacho para que as partes se pronunciassem sobre as sugestões apresentadas pelo LNEC acerca das possíveis entidades susceptíveis de efectuar a perícia, o que o exequente veio a fazer, sugerindo entidade para proceder à 2ª perícia, em alternativa ao LNEC, indicando a razão da sua sugestão (dispor essa entidade de um departamento reconhecido no diagnóstico e reabilitação energética de edifícios).
Aconteceu que, sem que sobre este requerimento tenha recaído despacho, o Tribunal a quo decidiu “Considerando a posição das partes, as vicissitudes do processo, bem como o tempo decorrido desde a instauração da execução e dedução da presente oposição, entende o Tribunal que os autos deverão aguardar a realização da audiência de discussão e julgamento nos termos que se mostra designada no despacho de 23.11.2022, no âmbito da qual serão ouvidos os senhores peritos, após o que o Tribunal ponderará, após audição das partes, da necessidade de realização de prova adicional além da que consta dos autos e da que será produzida em audiência. Nestes termos, não será, por ora, determinada a realização de quaisquer diligências probatórias além das que constam dos autos”.
E na diligência que se mostrava agendada para a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferido o seguinte despacho: “Ouvidos os Ilustres Mandatários das partes, constatando-se que ainda não se mostra apreciada a reclamação oportunamente apresentada ao relatório junto pelos senhores peritos e atenta a resposta do LNEC – o que inviabiliza a produção de prova agendada –, determino a notificação dos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e pelos Executados/Opoentes, subscritores da parte do relatório objeto de reclamação, para, em 30 dias, se pronunciarem sobre a mesma (reclamação), com advertência de que, não o fazendo, serão condenados em multa por falta de colaboração com o Tribunal.”
Nessa sequência o Sr. Perito indicado pelos executados e o Sr. Perito nomeado pelo Tribunal, juntaram aos autos relatório complementar tendo por objecto a reclamação do exequente, do qual o exequente apresentou reclamação e conclui requerendo a realização da segunda perícia.
Este transcurso processual importa que teçamos algumas considerações sobre a realização da prova pericial, cujo regime se mostra regulado nos artºs 467º a 489º do CPC.
Cabe desde logo recordar que de acordo com o disposto no artº 484º nº 1 CPC o resultado da perícia, seja ela singular ou colegial, expressa-se num relatório: num documento uno, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto. O relatório pericial não é, pois, uma soma de relatórios individuais, ainda que sob a aparência de um único documento. Mas a exigência de que o resultado da perícia se deva expressar num relatório uno não obriga, no caso de a perícia ser colegial, ao consenso, à unanimidade; a própria lei previne a possibilidade da unanimidade não existir e prevê o modo de actuação em tal caso (cfr. artº 484º nº 2 CPC).
Por isso, ao receber nos autos um relatório pericial sob a forma material de documento único mas na verdade contendo dois relatórios: o relatório maioritário e respectivas respostas aos quesitos dos peritos do Tribunal e dos executados e outro relatório do perito indicado pelo exequente e as suas respostas aos quesitos, o que se imporia, antes mesmo de o notificar às partes, era que o Tribunal determinasse aos Srs. Peritos que apresentassem um relatório que satisfizesse as exigências legais, isto é com as características estabelecidas pelo artº 484º nºs 1 e 2 CPC.
E nesta senda se diga que, independentemente das boas intenções que lhe terão estado subjacentes, a designação de uma audição dos Srs. Peritos “sensibilizando-os a apresentarem, em conjunto, documento de resposta à reclamação apresentada pelo exequente e respetiva pronúncia dos executados”, além da falta de fundamento legal, mesmo que vista sob a óptica da adequação formal é desprovida de utilidade porque necessário seria antes de mais que fosse apresentado relatório pericial nos termos legais acabados de mencionar e que deveriam ser igualmente respeitados na resposta à reclamação; não poderia o Tribunal conformar-se com a recusa do Sr. perito indicado pelo exequente em cumprir cabalmente as funções para que foi nomeado, ainda que com o argumento de que a reclamação apresentada pelo exequente incidia exclusivamente sobre o relatório pericial subscrito pelos outros dois peritos e com fundamento na dissidência profissional que se tornou pessoal entre os peritos; e não poderia o Tribunal acolher, sem mais, essa recusa e determinar que a reclamação do exequente fosse apreciada apenas pelos outros dois peritos.
Uma de duas : ou o Senhor Juiz entendia que um dos peritos, alguns deles, ou mesmo os três, actuava com a falta de diligência exigível e com a sua conduta estava a impossibilitar a apresentação do relatório pericial em prazo e nos moldes legalmente estabelecidos, e deveria destitui-lo ou destitui-los como prevê o artº 469º nº 2 CPC; ou - porque atento o disposto no artº 471º nº 2 CPC já inviável o pedido de escusa, que se afigura ter sido o objectivo do requerimento de 02/07/2021 do Sr. Perito - se verificava uma situação de impedimento superveniente do Senhor Perito (que, diga-se, face às disposições conjugadas dos artºs 470º nº 1, 471º nº 1, 115º e 117º CPC não descortinamos que ocorressem), originando o correspondente incidente que, decidido, conduziria ao seu afastamento.
O certo é que estamos em presença de um relatório pericial irregularmente realizado, apresentando-se como a sequência de dois distintos relatórios : o relatório maioritário e respectivas respostas aos quesitos dos peritos do Tribunal e dos executados, e outro relatório do perito indicado pelo exequente e as suas respostas aos quesitos; o que - fazendo uso da dilucidação dos conceitos feita por José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, vol. 2º, 4ª edição, pág. 339, citados no próprio despacho recorrido - por si só representa obscuridade, na medida em que as posições nele tomadas têm mais de um sentido a propósito das questões dele objecto, e encerra também contradição porque há colisão entre as posições tomadas pelos peritos.
E do relatório foi apresentada reclamação, que terminou com o pedido de realização de segunda perícia colegial (aliás inevitável, atento o disposto no artº 488º al. b) CPC) a realizar pelo LNEC, e, subsidiariamente, pelo pedido de que os peritos fossem notificados para completar, esclarecer e fundamentar o relatório pericial relativamente às deficiências, obscuridade, contradição e omissões que lhe foram apontadas.
O Tribunal deferiu o pedido de realização de 2ª perícia pelo LNEC, a qual, é certo, não se mostrou viável no momento em que foi sociada (cfr. ofício aludido no facto 8), o que por si não significa que não o fosse em momento ulterior. De todo o modo, o Tribunal, tendo deferido a realização da 2ª perícia, perante a resposta de indisponibilidade do LNEC manteve a coerência da decisão pois veio a notificar as partes para que se pronunciassem sobre as sugestões apresentadas pelo LNEC acerca das possíveis entidades susceptíveis de efectuar a perícia; e o exequente, que a requerera, indicou uma entidade alternativa para a realização da perícia.
Deveria, portanto, o Tribunal ter ordenado a subsequente tramitação, determinando a realização da 2ª perícia, já deferida, por essa entidade. O que não fez; vindo posteriormente, na diligência de 17/04/2023, a determinar que os peritos respondessem à reclamação do exequente contra o relatório pericial apresentado, assim deferindo, embora em termos irregulares – por apenas o ter ordenado a dois dos peritos – o pedido subsidiariamente formulado pelo exequente na sua reclamação, o qual, porém, se mostrava já prejudicado pelo deferimento anterior da realização de 2ª perícia.
Contudo, tal ocorreu sem que o exequente tenha de algum modo reagido ao despacho que deu provimento a esse pedido subsidiário, designadamente – como agora faz em sede de recurso - com fundamento em que, na sequência da indisponibilidade manifestada pelo LNEC, informara os autos, pelo seu requerimento 27/01/2023 Que, certamente por lapso, refere nas alegações como sendo de 23/02/2023., da escolha de uma outra entidade para proceder a segunda perícia, pelo que se conformou com essa decisão.
E este contexto processual culmina com a apresentação em 03/07/2023 do relatório complementar tendo por objecto a reclamação do exequente, realizado apenas pelos dois Srs. Peritos aos quais tal diligência foi ordenada, seguindo-se então reclamação do exequente contra o denominado relatório pericial complementar e requerimento de realização de 2ª perícia, pretensão que o Tribunal a quo analisou e decidiu sob o prisma de uma reclamação ao relatório pericial à luz dos requisitos vertidos no artº 485º CPC.
No entanto, este dito relatório complementar não apresenta autonomia, ele é por natureza parte integrante do relatório pericial pois o mesmo tem apenas como razão de ser e objectivo completar, esclarecer ou fundamentar o primevamente elaborado, não sendo susceptível de sobre ele recair nova reclamação. É quanto ressalta do artº 485º nº 3 CPC e da sua integração sistemática, de onde se verifica que após a resposta às reclamações das partes se seguem apenas os esclarecimentos dos peritos em audiência.
Com a resposta às reclamações (relatório complementar) completa-se o relatório pericial e fica então concluída a perícia.
Mas concluída a perícia, quer lhe tenha sido ou não oposta reclamação, podem existir fundadas razões de discordância relativamente ao relatório pericial, podendo então ser requerida a realização de 2ª perícia.
Na fase processual em que foi apresentado e atendendo à sua substância e pedido final, é esta a natureza do requerimento do exequente de 28/09/2023, sobre o qual recaiu o despacho sob recurso; sendo de recordar que não é a denominação que a parte atribui às suas peças que as caracteriza, mas sim o seu conteúdo.
Sendo a reclamação contra o relatório pericial e o pedido de realização de segunda perícia mecanismos processuais distintos e inconfundíveis quanto aos respectivos pressupostos e finalidades, haveria - e haverá - de ser analisado aquele requerimento do exequente de acordo com as exigências estabelecidas no artº 487º CPC.
Nos termos dos artºs 487º e ss. CPC, a realização de 2ª perícia pressupõe que sejam alegadas fundadamente razões de discordância quanto ao relatório, tem por objecto os mesmos factos sobre que incidiu a primeira, e destina-se a corrigir eventual inexactidão desta.
O que a lei exige é que a parte que a requeira alegue fundadamente as razões da sua discordância quanto ao relatório: que as alegue, não que as prove ou convença o Tribunal do seu mérito, porquanto a própria necessidade da prova pericial tem como pressuposto a falta de conhecimento do Tribunal acerca das matérias sobre que versa, uma vez que aquilo que singulariza a prova pericial é a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (cfr. artº 388º do Código Civil).
Por isso, tem sido entendimento da jurisprudência que não cabe ao tribunal aprofundar o bem ou mal fundado da argumentação apresentada no requerimento para a realização da segunda perícia, devendo o juiz determinar a sua realização desde que conclua que a mesma não tem carácter impertinente ou dilatório (neste sentido vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 22/03/2018, proc. nº 2036/15.8T8FAR-A.E1 e de 14/10/2021, proc. nº 166/17.0T8FAL.E1). De tal sorte que “Se os fundamentos alegados suscitam um estado de dúvida na mente do juiz, este estado é suficiente para justificar a segunda perícia, pois a existência da dúvida mostra que a perícia já feita não a dissipa” (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 28/06/2011, proc. nº 1/10.0TBSPS-A.C1).
O alcance da expressão normativa "alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado" não pode deixar de estar conexionado com o objecto e a finalidade da segunda perícia tal como definidos no nº 3 do artº 487º CPC, donde, tendo a segunda perícia por base os mesmos factos da primeira e destinando-se a mesma a corrigir eventuais inexactidões (latu sensu) da primeira, em que também se incluem, naturalmente, quaisquer contradições ou insuficiências com relevância nas respectivas conclusões, constituindo a segunda perícia o meio de reacção contra inexactidão do resultado da primeira destinando-se a que outros peritos confirmem essa inexactidão e a corrijam, as razões de discordância serão fundadas quando invocadas de modo especificado dúvidas sérias que subsistam sobre a percepção ou apreciação dos factos investigados, que possam ter relevância na decisão sobre o mérito da causa; isto é, a parte que requeira a 2ª perícia tem de claramente explicitar as razões da sua discordância substanciando o seu requerimento com fundamentos sérios.
Ora, no caso o requerente da segunda perícia, ora Recorrente, indica no seu requerimento de forma explicita e exaustiva, ao longo de 365 páginas, as razões da sua discordância em relação à primeira perícia, o que constitui o único requisito legal do requerimento a formular nos termos do artº 487º nº 1 do CPC, e, como decorre de quanto antes expusemos, para o seu deferimento basta a plausibilidade das alegadas razões de discordância relativamente ao resultado da primeira perícia, não sendo exigível o convencimento do Tribunal sobre a efectiva inexactidão daquele.
Assim, aqui chegados, há que concluir pela procedência do recurso, com a consequente revogação do despacho recorrido.
III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar a apelação procedente, revoga-se o despacho recorrido e, em consequência, determina-se que seja substituído por outro que ordene a realização da segunda perícia.
Custas a suportar pela parte vencida a final.
Notifique.
Lisboa, 26/06/2025
Amélia Puna Loupo
Fátima Viegas
Amélia Ameixoeira
______________________________________________________ [1] Querendo, claramente, referir-se à Recorrente [2] Querendo referir-se aos executados. [3] Que, certamente por lapso, refere nas alegações como sendo de 23/02/2023