ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
AUDIÇÃO DA CRIANÇA
Sumário

Sumário: (da responsabilidade da relatora - art. 663º/7 CPC):
I. O interesse superior da criança é o critério orientador essencial que deve nortear o julgador na resolução das questões atinentes ao exercício das responsabilidades parentais;
IV. A criança tem o direito de ser ouvida e ser tida em consideração a sua opinião, mas esta deve ser considerada na ponderação dos interesses em causa e no respeito pelo seu superior interesse, pelo que o tribunal não está vinculado a decidir em sentido coincidente com a opinião/vontade/desejo manifestado pela criança;

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
B … intentou, em 6/3/2022, a presente acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra A …, relativa às filhas de ambos, C … e D …, nascidas respectivamente a 7 de Novembro de 2007 e 6 de Dezembro de 2010, requerendo a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, tendo em vista a fixação da residência junto do pai.
Alegou, em síntese, que vive e trabalha em França e que as menores têm residido habitualmente com a mãe; quando o progenitor vivia em Portugal, as menores passavam a maior parte do tempo com ele, sendo o mesmo quem as levava e trazia da escola, ia às reuniões escolares, levava as menores às consultas médicas, uma vez que a requerente sempre se demitiu das suas responsabilidades como mãe.

Citada, a Requerida pugna pela improcedência da acção, defendendo que as filhas devem ficar consigo, pois foi o pai que abandonou o país, deixando as filhas aos cuidados da mãe, não sendo verdade que não cuide das mesmas. Mais alega que o requerente é agressivo e que se as filhas forem residir com o pai não as volta a ver.

Foi realizada conferência de pais em 14/6/22, não tendo sido alcançado acordo entre os progenitores, pelo que a conferência foi suspensa por dois meses, sendo os pais remetidos para audição técnica especializada (ATE).

Foi ainda solicitada à Associação Portuguesa de Serviço Social Internacional (APPASSI) a elaboração de relatório, pela sua congénere em França, sobre o agregado familiar e as condições económicas e habitacionais do progenitor em França.
Tal relatório foi junto aos autos a 19/6/23, tendo a APPASSI destacado os seguintes factos dele extraídos:
Ø O Sr. E … emigrou para França em 2018 procurando melhores condições de vida, tendo logo no início conseguindo inserir-se no mercado de trabalho e tratado da documentação com a ajuda de um amigo;
Ø O Sr. E … vive sozinho num apartamento localizado no parque privado da cidade de ... composto por dois quartos. Um dos quartos está mobilado com duas camas e um roupeiro, mas o Sr. E … disse que está a procurar um apartamento maior para que cada uma das suas filhas possa ter o seu próprio quarto;
Ø A nível profissional, o Sr. E … tem contrato permanente com a empresa UPS que tem sede em ..., Suíça, trabalhando como distribuidor no horário entre as 4h e as 13h;
Ø O Sr. E … tem uma vida estável e o seu salário permite fazer face às despesas e permitirá responder às necessidades básicas das suas filhas, caso elas venham a viver consigo;
Ø O Sr. E … diz que tem irmãos e irmãs na Suíça e na América com quem mantém contactos regulares, mas em França, não tem família que lhe possa dar suporte;
Ø O Sr. E … referiu que desde a separação com a Sra. A… em 2012, a relação com a mesma é conflituosa e mesmo sobre os aspetos relativos às filhas não conseguem conversar;
Ø Relativamente à educação prestada às filhas disse que raramente as punia, mas quando havia algum mau comportamento confiscava objetos de valor como o telemóvel, disse existir uma grande relação de confiança com ambas e que as mesmas se sentem confortáveis em partilhar as coisas das suas vidas com ele;
Ø O pai descreve a C … como muita madura para a idade e muito responsável. Diz que têm uma relação de confiança. A,  D … descreve-a como rebelde, gentil, corajosa, curiosa com o ambiente em redor e que a D … precisa de um pouco mais de atenção do que a irmã.
Ø Relativamente à participação do pai na vida das filhas, o mesmo referiu que quando vivia em Portugal participava na rotina diária da C … e da D …, nomeadamente, no acompanhamento escolar, nas consultas médicas, e nas atividades extracurriculares. Atualmente, apesar da distância diz que fala regularmente com as filhas e que faz videochamadas com a C …, e a última
Ø vez que as viu foi em fevereiro do presente ano em Portugal;
Ø O Sr. E … demonstrou-se preocupado com o bem-estar das filhas referindo que “a C … está online no WhatsApp até às 4h da manhã” “tem muitas responsabilidades e é ela que assume o papel de mãe para com os irmãos porque a mãe quase não está presente pois tem mais 8 filhos”; “a D … dorme frequentemente com os namorados” e “toma remédios, mas sou eu que faço a monitorização à distância”;
Ø Relativamente às responsabilidades parentais definidas pelo Tribunal de Cascais em 2015, o pai referiu que tem pago as pensões de alimentos, cada uma no valor de 150€ fazendo transferência mensal no valor de 300€, e que conforme manifestou na conferência realizada em Tribunal a 14/06/2022 sente muito a falta das filhas e continua a ter muita vontade que elas venham a viver consigo;
Ø Sobre esta possibilidade, o pai diz não ter preocupações porque as suas filhas já viveram consigo antes, o Sr. E … disse que já consultou uma escola para saber como funciona a matrícula e pretende que as filhas tenham uma atividade extracurricular pretendendo inscrevê-las em aulas de combate;
Ø Referiu que queria que as crianças estivessem inscritas na disciplina de francês na escola, mas que a mãe das crianças, Sra. N … não quis;
Ø O Sr. E … demonstra ter as competências parentais para cuidar das filhas falando delas com emoção e identificando as necessidades e cuidados que elas precisam;
Ø Relativamente à mãe das suas filhas refere que não pretende falar mal dela nem transmitir uma imagem negativa da mesma às filhas porque explica que a mãe será sempre essencial para o bom desenvolvimento da D … e da C …;
Mais consignou a APPSSI que:
“Do parecer da Assistente Social que elaborou o relatório social as condições para a receção das crianças são favoráveis, não tendo sido identificados fatores de preocupação. (…)
Assim, tendo em conta o relatório social agora remetido, mas sobretudo a vontade e a opinião das crianças sugerimos que seja tomada a decisão que melhor acautele o bem-estar e o superior interesse da C … e da D ….”

Em sede de conferência de pais realizada em 24/10/23, foram ouvidas as jovens C … e D …, tendo ambas declarado que costumam passar férias com o pai (designadamente no Verão e Natal), tanto em Portugal como em França, sendo períodos gratificantes para elas; a C … referiu que preferia ficar a residir com a mãe, porque esta lhe dá mais liberdade e a D … que gostaria de continuar a residir com a mãe, porque tem cá os amigos.

Face à informação prestada pelo requerente de que a requerida se encontraria em reclusão, tendo sido condenada em pena de prisão no âmbito do processo nº …/….-…S3LSB, do Juiz 5 dos Juízos Criminais de Lisboa, foi solicitada a junção de certidão da sentença com nota de trânsito em julgado.
Foi junta aos autos informação de que a requerida foi condenada na pena de 9 meses de prisão (efectiva), pena esta que veio a ser substituída, por decisão do Tribunal da Relação, pela pena de 9 meses de prisão a executar em regime de obrigação de permanência na habitação (cf. certificado do registo criminal de 26.06.2024).
Foi solicitada informação sobre o cumprimento da pena em que a requerida foi condenada, tendo sido informado, em 22/11/2024, pelo Juízo Local Criminal de Lisboa (Juiz 5), que a requerida ainda não tinha iniciado o cumprimento da pena e que fora agendada data (10/12/24) para a sua audição.

Solicitada informação à CPCJ no sentido de aquilatar se, na sequência da condenação da progenitora, as jovens estariam em perigo, foi informado que, tendo sido avaliada a situação, o processo fora arquivado em virtude de se encontrar em curso a presente acção de alteração das responsabilidades parentais.

Na sequência do solicitado pelo tribunal à Escola Secundária …., frequentada pelas jovens C … e D …, foram juntos aos autos, em 15/11/24, relatórios elaborados pelas directoras de turma das jovens sobre a sua situação escolar.
 
Foi realizada audiência de julgamento, no âmbito da qual foi ouvido o progenitor (não tendo a progenitora comparecido) e a testemunha F … (irmã da progenitora).

O Ministério Público emitiu o parecer datado de 7/1/25, pugnando pela alteração da regulação das responsabilidades parentais das jovens, sendo fixada a residência das mesmas junto do pai.

Foi proferida sentença em 24/1/25, cujo dispositivo é o seguinte:
“Pelo exposto, julgo procedente, por provado, o pedido de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais deduzido por B … contra A … e, em consequência, decido alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais das Jovens C …, nascida a 7 de novembro de 2007 e D …, nascida a 6 de dezembro de 2010 nos seguintes termos:
1. As jovens passarão a residir com o Progenitor (atualmente residente em França).
2. As responsabilidades parentais relativas às menores serão exercidas por ambos os Progenitores, ficando, no entanto, o Progenitor habilitado a tomar todas as decisões relativas aos estabelecimentos de ensino, saúde das Jovens e viagens das jovens para o estrangeiro atenta a distância da sua residência e a pena em que a Progenitora foi condenada.
3. As Jovens virão a Portugal para estar com a Mãe e os irmãos nas férias do Natal e da Páscoa e ainda um mês nas férias do Verão (a acordar entre os Progenitores), devendo para o efeito o Pai custear as viagens de ida e volta a França.
4. A Progenitora fica obrigada a entregar ao Progenitor a quantia mensal de 125,00€ a título de alimentos para cada Jovem, num total de 250,00€, através de transferência bancária para a conta do Pai, até ao dia 8 de cada mês.
§ Esta quantia será anualmente atualizada de acordo com o índice de inflação do INE por referência ao ano anterior, sendo a primeira atualização em janeiro de 2026.
Custas a cargo da Requerida.
Registe e notifique.”
*
Inconformada com a sentença, dela apelou a requerida/progenitora, formulando as seguintes conclusões:
a) O procedimento de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais tem como pressupostos o incumprimento do acordo ou decisão final que fixou o regime a alterar, ou o surgimento de circunstâncias supervenientes, ou seja, aquelas que surgem posteriormente à data do encerramento da discussão – cf. art. 611.º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi do art. 33.º, n.º 1, do RGPTC que imponham essa alteração.
b) O requerente não invocou no requerimento inicial nenhuma situação de incumprimento, e também não alegou quaisquer factos que permitam concluir que as circunstâncias que, no seu entender justificam a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, tenham tido início em momento posterior à data em que outorgou o acordo que fixou tal regime.
c) Não é invocado o incumprimento de qualquer cláusula dos acordos anteriores, nem nenhuma circunstância superveniente, nem objetivamente, nem
 subjetivamente.
d) Não pode, porque a Lei não o permite, o progenitor, só porque mudou de opinião quanto aos acordos celebrados, pedir a sua alteração.
e) Não se verificam os pressupostos da alteração, conforme exige o disposto no artigo 42.º, n.º 1 da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, com as legais consequências.
f) O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a ida das menores para junto do Pai, viver num país estrangeiro, cortando a ambas as filhas o prosseguimento dos seus estudos pois ambas frequentam o 8º e o 12º ano, com aproveitamento,
 a Escola Secundária Quinta do Marquês, em Oeiras.
g) O requerente corta a possibilidade à D … e à menor C … de concluírem os sues estudos e formação académica, e de aceder a um Politécnico ou á Universidade; a C … ainda em 2025 e a D …, daqui a três anos.
h) Não há no requerimento do requerente de 6.3.2022, refº Citius … 83 qualquer alusão ao assunto.
i) A decisão recorrida não se pronunciou sobre a interrupção dos estudos a que se vai assistir, e à alteração radical da vida, presente e futura das menores.
j) O Tribunal a quo tinha de se pronunciar e não o fez. O que constitui omissão de pronúncia.
k) A menor D … frequenta o 8º ano e a menor C … frequenta o 12ª  ano em Oeiras, na Escola Secundária ….
l) As menores têm bom aproveitamento escolar – factos provados 12, 13,
 14 e 15.
m) As menores estão integradas no meio em que vivem desde que nasceram, com a mãe, ali frequentam a escola e convivem com outros familiares e amigos.
n) Conheceram outras pessoas, familiares e amigos, adaptaram-se a esses familiares e colaboradores, e a uma escola onde tem um aproveitamento escolar satisfatório.
o) A mudança de residência para França, alterando a sua vida social e escolar, seria sempre uma experiência desnecessária que comporta um risco que as crianças não precisam, nem devem correr.
p) Onde vão ambas as menores concluir os seus estudos? Em que escola,
 em que lugar? Sem um único amigo, sem uma palavra de francês?
q) Erro na aplicação do Direito quanto à atribuição da residência das menores ao progenitor Pai, com as consequências daí advindas em sede de regime de visitas e responsabilidade pelo pagamento da pensão de alimento
r) A audição da criança num processo que lhe diz respeito não pode ser encarada apenas como um meio de prova, tratando-se antes de um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta.
s) A este propósito refere Ana Teresa Leal, Procuradora República in http ://www. cej.mi.pt/cej/recursos/e-books/família/Tutela-Cível Superior Interesse Criança Tomo I.pdf ” "O direito da criança a ser ouvida e a exprimir a sua opinião encontra-se consagrado nos Arts. 12° e 13° da Convenção Sobre os Direitos da Criança. Portugal, como país subscritor, está obrigado ao cumprimento das directrizes ali estabelecidas. A criança tem direito a ser ouvida e a sua opinião
 deve ser tida em consideração nos processos que lhe digam respeito e a afectem. Este é um direito que não pode ser visto só por si mas que deve ser tido em conta na interpretação de todos os outros direitos.".
t) Se é certo que o Tribunal a quo ouviu as Menores em sede de declarações, não é menos certo que tais declarações não foram consideradas, nem tão pouco, conforme decorre da douta sentença, as mesmas foram tidos em conta na decisão ora recorrida;
u) O Tribunal a quo quando decidiu, do modo que o faz, não valorou, como se impunha, a expressa, legitima e soberana vontade das menores D … e C …, respectivamente com catorze e dezassete anos – facto provado nº 24 – de continuarem a residir com a Mãe.
v) Os depoimentos das menores D … e C … foram feitos sem
 qualquer tipo de constrangimento ou reserva, exprime de forma calma e espontânea as suas expressas e convictas vontades de quererem viver com a Mãe local onde vivem desde que nasceram, e no qual tem sedimentados todos os seus laços familiares e de amizade, assim, ficando entregue à guarda e cuidados da sua progenitora mãe.
w) A vontade de permanecer com a Mãe constitui vontade livre, amadurecida e conscientemente formada, não havendo quaisquer elementos que permitam atribuir-lhe um significado irrelevante.
x) No exercício do seu direito a ser ouvidas, a vontade declarada pelas menores na perícia psicológica ou em Juízo, não é uma decisão, mas um facto relevante e uma manifestação do seu inalienável direito à palavra e à influência ativa na escolha do seu destino pessoal, em que o tribunal deve sempre refletir. Neste sentido decidiu o Ac. TRP Proc. nº 1654/14.6TMPRT-B.P1 de 27-09-2018,
 TRP, Relator:
y) O Tribunal a quo, ao decidir, como decidiu, fixar a residência das menores D … e C …, com o Requerente/progenitor, viola a Convenção sobre os Direitos das Crianças, nomeadamente os seus artigos 3º, 12º e 27º, bem como a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças (artigos 1º e 3º), porquanto tal decisão:
z) - Não teve em devida conta o interesse superior das menores, não teve em consideração a opinião expressamente manifestada pelas menores em sede de julgamento, prejudicou de forma clamorosa e consciente o nível de vida das menores D … e C …,
aa) nem fez a correcta ponderação e avaliação de todas as vivências negativas a que as mesmas ficarão sujeitas futuramente em resultado, da postura absolutamente egoísta e intransigente do Requerente;
bb) Ao Tribunal a quo, tendo em conta toda a prova produzida, impunha-se uma ponderada e cimentada decisão quanto à saída do país, ao seu futuro escolar e profissional, pois que, ao invés, impunha-se não valorar apenas vertentes puramente emocionais, ou meros estados de espirito, devendo antes ponderar, conjugadamente, todas as vertentes atinentes ao sempre desejável e necessário desenvolvimento integral da pessoa da menor D … e C …;
cc) Face à questão em apreço, a decisão ora em crise deveria ter em conta, e assim respeitar, quer os normativos nacionais (Código Civil, Regime Tutelar Processo Tutelar Cível, Constituição da República Portuguesa), quer as convenções internacionais (Convenção sobre os Direitos das Crianças e a Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças), quer ainda, e nomeadamente, as normas comunitárias (Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia e o Regulamento UE 2201/2003);
dd) Uma das questões objecto do presente Recurso radica na valoração da expressa opinião e vontade manifestadas pelas menores (D…) a qual se  encontra em registo áudio no sistema citius da audiência de julgamento;
ee) Não se entende como é que o Tribunal a quo condenou a requerida a pagar € 250,00 ao Pai das suas filhas, quando está provado nos autos que “se lhe não conhece emprego e cujos rendimentos se circunscrevem as prestaçõessociais referentes aos seus filhos” – factos provados nº 16, nº 17 e nº 18, para além da recorrente ter mais quatro filhos menores, além das filhas D … e C …;
ff) Quando o Pai exibe boa situação financeira, tem arrendado um T2 a sua vida e proporcionar a estabilidade necessária às suas filhas, poderá arrendar um T3?
gg) A decisão em crise deverá ser revogada e substituída por outra que tenha em devida conta o superior interesse das menores D … e C … decidindo-se, em conformidade, pela sua manutenção em Oeiras, ficando entregue à guarda e cuidados da sua progenitora mãe;
hh) O melhor progenitor/educador nem sempre é o que mais disponibiliza bens materiais lúdicos aos filhos ou que mais satisfaça aa suas vontades (porque tem maior capacidade financeira ou porque o quer cativar e influenciar para obter
a sua adesão, por exemplo); as mais das vezes deve ser aquele que, com afetividade, elegância, probidade e sentido de responsabilidade, também sabe acompanhar o filho nas dificuldades da vida, zelando pela sua saúde, bem-estar e formação moral e escolar, ainda que o menor não aceite com a facilidade algumas exigências.
Conclui pedindo que “seja indeferida a alteração ao acordo de regulação das responsabilidades parentais das menores D … e C … apresentada pelo Requerente, por ausência de quaisquer circunstâncias supervenientes que tornem necessário proceder a alteração da sentença proferida em 22.09.2016.”

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II – QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (art. 608º/2 do Código Processo Civil) e sendo o tribunal livre na interpretação e aplicação do direito (art. 5º/3 do Código Processo Civil), importa, no caso, apreciar e decidir:
- se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia e/ou por contradição entre os fundamentos e a decisão;
- se a residência das jovens C … e D … deve ser alterada e fixada junto do pai, como decidiu a sentença recorrida.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1.  Factos provados
O tribunal de 1ª instância julgou provada a seguinte factualidade:
1. C …, nascida a 7 de novembro de 2007 e D …, nascida a 6 de dezembro de 2010, são filhas da Requerente e do Requerido.
2. Por acordo homologado a 9 de julho de 2015 nos autos principais de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais ficou estabelecido, além do mais, que as menores ficariam à guarda e cuidados da mãe, as responsabilidades parentais seriam exercidas por ambos os progenitores, tendo sido fixados convívios com o pai.
3. Não tendo os Progenitores chegado a acordo, foi proferida sentença a 22.09.2016 a qual determinou que (…) O pai das menores contribuirá com € 75,00 (setenta e cinco euros) mensais por menor, a título de alimentos, a pagar até ao dia 8 de cada mês, através de depósito ou transferência bancária para conta com o NIB … 78;
4. (…) A quantia (…) será atualizada anualmente, com início em setembro de 2017, de acordo e na proporção do índice de inflação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, reportada ao ano anterior».
5. As jovens têm residido, desde sempre com a Progenitora, mantendo convívios com o Progenitor, tendo, designadamente, passado as últimas férias do verão com o mesmo em Cabo Verde e as anteriores em França (durante um mês).
6. A Progenitora tem um extenso rol de antecedentes criminais, tendo sido condenada nos autos de processo comum singular n.º …/…-…PBOER que correram os seus termos no ….º Juízo Criminal de Oeiras, por factos praticados a 20 de Fevereiro de 2004 e sentença transitada em julgado a 26 de Setembro de 2007, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 60 dias de multa à razão diária de 4€, pena esta que foi já declarada extinta pelo cumprimento.
7. Foi ainda condenada nos autos de processo comum singular n.º …/…-…PBOER que correram os seus termos no ….º Juízo Criminal de Oeiras, por factos praticados a 27 de Julho de 2010 e sentença transitada em julgado a 6 de Fevereiro de 2014, pela prática de um crime de violência depois da subtração, na pena de 18 meses de prisão substituída pela prestação de 360 horas de trabalho a favor da comunidade.
8. Foi ainda condenada nos autos de processo sumário n.º …/…-…PWLSB que correram os seus termos no Juiz … do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, do Tribunal Judicial de Lisboa, por factos praticados a 7 de Maio de 2016 e sentença transitada em julgado a 30 de Setembro de 2016, pela prática de um crime de furto simples, na pena de 120 dias de multa à razão diária de 5€.
9. Foi condenada nos autos de processo comum singular nº …/…-…PBOER que correram termos no Juiz … do Juízo Local Criminal de Oeiras, por factos praticados a 31 de março de 2015 e sentença transitada em julgado a 23 de fevereiro de 2018, pela prática de um crime de furto simples, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, com regime de prova, o qual veio a ser prorrogado, encontrando-se atualmente a pena extinta.
10. A Requerida foi ainda condenada no processo comum singular nº …/…-…3LSB que correu os seus termos no Juiz … do Juízo Local Criminal de Lisboa, por factos praticados a 21 de dezembro de 2019 e sentença transitada em julgado a 16 de janeiro de 2024, pela prática de um crime de furto simples, na pena de 9 meses de prisão a executar em regime de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
11. Em novembro de 2024 a Requerida ainda não havia iniciado o cumprimento da pena em que foi condenada, em virtude de ter inviabilizado o seu inicio, tendo sido agendada a sua audição.
12. A Jovem D … encontra-se a frequentar o 8º ano de escolaridade na Escola Secundária ….
13. De acordo com informação prestada pela escola «A assiduidade da D … é regular. Teve, até hoje, quatro faltas de atraso ao primeiro tempo da manhã na disciplina de Educação Física.
Este ano ainda não tive contacto com a Encarregada de Educação (mãe), mas no ano letivo transato contactei sempre que foi necessário. Tanto telefonicamente como presencialmente. Com o pai nunca tive qualquer contacto.
A aluna normalmente cumpre com o que lhe é pedido.
Nem o pai nem a mãe estiveram presentes na reunião da Diretora de turma com Encarregados de educação, após reuniões intercalares.
Relativamente ao aproveitamento, a avaliação intercalar apenas avaliou os parâmetros do envolvimento e cumprimento de regras. A D … apenas obteve insuficientes nas disciplinas de Português e Educação Visual. Tem comparecido aos apoios da disciplina de Matemática para os quais está proposta.»
14. A Jovem C … frequenta o 12º ano de escolaridade na Escola Secundária ….
15. De acordo com informação da escola «A assiduidade da C … é irregular. As faltas são justificadas pela mãe, D. A …, maioritariamente por indisposição.
Foram feitos contactos sistemáticos com a mãe e com o pai.
Nem o pai nem a mãe estiveram presentes na reunião da Diretora de turma com Encarregados de educação, a 17 de outubro. A Encarregada de educação não agendou reunião individual.
No dia 11/10 foi enviada carta registada com registo de faltas para a morada da C …, carta que foi devolvida no dia 22/10.
Relativamente ao aproveitamento, a avaliação intercalar apenas avaliou os parâmetros do envolvimento e cumprimento de regras. A C … apenas tem insuficiente no envolvimento à disciplina de História.»
16. Não é conhecida atividade profissional à Progenitora, cujos rendimentos se circunscrevem as prestações sociais referentes aos seus filhos (abonos de família).
17. O agregado familiar das Jovens é composto pelas mesmas, pela Mãe e pelos irmãos irmã G … de 28 anos de idade, H … de 22 anos de idade, I … de 9 anos de idade, J … de 8 anos de idade, L … de 6 anos de idade e M … de 3 ano de idade.
18. O agregado reside numa habitação camarária de Tipologia 3, pela qual é paga uma renda mensal de 40€.
19. O Progenitor emigrou para França em 2018 procurando melhores condições de vida, tendo logo no início conseguindo inserir-se no mercado de trabalho e tratado da documentação com a ajuda de um amigo;
20. Vive sozinho num apartamento localizado no parque privado da cidade de ... composto por dois quartos.
21. Um dos quartos está mobilado com duas camas e um roupeiro, mas está a procurar um apartamento maior para que cada uma das suas filhas possa ter o seu próprio quarto.
22. A nível profissional, o progenitor tem contrato permanente com a empresa UPS que tem sede em ..., Suíça, trabalhando como distribuidor no horário entre as 4h e as 13h.
23. Tem uma vida estável e o seu salário permite fazer face às despesas e permitirá responder às necessidades básicas das suas filhas, caso elas venham a viver consigo.
24. Tem irmãos e irmãs na Suíça e na América com quem mantém contactos regulares, mas em França, não tem família que lhe possa dar suporte.
25. Segundo a assistente social que elaborou a informação social do progenitor demonstra ter as competências parentais para cuidar das filhas falando delas com emoção e identificando as necessidades e cuidados que elas precisam sendo as condições para a receção das crianças favoráveis e não tendo sido identificados fatores de preocupação.
26. Questionadas, as Jovens referiram pretender continuar a residir com a Mãe porque esta lhe dá mais liberdade, no caso da C … e porque tem cá todos os amigos, no caso da D ….
27. Do certificado de registo criminal do Progenitor nada consta.
*
O tribunal de 1ª instância consignou ainda que:
“Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa.”
*
III.2. Apreciação jurídica
a) Nulidade decisória
Invoca a apelante, subsidiariamente (para o caso de não proceder o fundamento principal de não verificação dos pressupostos da alteração da regulação das responsabilidades parentais), a nulidade da decisão recorrida, por violação do disposto no art. 615º alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, alegando que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a ida das menores para junto do pai, viver num país estrangeiro [conclusão f) do recurso], nem sobre a interrupção dos estudos e a alteração radical da vida, presente e futura, das menores [conclusão i)]; alegando ainda que “não se entende como é que o Tribunal a quo condenou a requerida a pagar € 250,00 ao Pai das suas filhas, quando está provado nos autos que “se lhe não conhece emprego e cujos rendimentos se circunscrevem as prestações sociais referentes aos seus filhos” – factos provados nº 16, nº 17 e nº 18, para além da recorrente ter mais quatro filhos menores, além das filhas D … e C ….” [conclusão ee)]
Sob a epígrafe regra da substituição ao tribunal recorrido, dispõe o art. 665º/1 do Código de Processo Civil que:
«Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação».
Decorre da regra aqui consagrada que, em princípio, é irrelevante, porque inútil, conhecer da nulidade da decisão impugnada, na medida em que se impõe ao tribunal ad quem o suprimento da nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (arts 665.°, n° 1 e 684.°, n.º 1, do CPC) – neste sentido, v. acórdão do TRC de 27/6/2023, P. 2808/22, Henrique Antunes, in www.dgsi.pt.
Sendo invocados vários fundamentos pelo recorrente, entre os quais a nulidade decisória, a apreciação desta revela-se um acto inútil (art. 130º do Código de Processo Civil), se a decisão sob recurso puder ser confirmada ou revogada com base nos outros fundamentos aduzidos na apelação (v. acórdão do TRP de 25/3/2021, P. 59/21.7T8VCD.P1, www.dgsi.pt.)
Neste conspecto, pode ler-se no acórdão do TRL de 3/12/2024, P. 2844/20.8T8ALM-E.L1, relator Paulo Ramos de Faria, in www.dgsi.pt.: “De todo o modo, sempre se dirá que, logicamente, terão de ser casos em que possa ser afirmada a utilidade das duas pronúncias (em simultâneo), isto é, em que possam conviver com utilidade – o que significa que terão de ser casos em que o conhecimento “do objeto da apelação” não é possível relativamente a todo o objeto da decisão impugnada (tertium non datur)”.
Em face do exposto, conjugando a regra da substituição (art. 665º/1) com os princípios da limitação dos actos (art. 130º) e da prevalência da decisão de mérito (art. 278º/3) e considerando que, no caso vertente, o conhecimento da nulidade invocada não prejudicaria o conhecimento do objecto do recurso, afigura-se inútil o conhecimento da nulidade, pelo que não se aprecia tal questão.
b) Pressupostos da alteração da regulação das responsabilidades parentais
Insurge-se a apelante contra a sentença recorrida, que alterou a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente às menores C … e D … (actualmente com 17 e 14 anos de idade, respectivamente), fixando a sua residência junto do progenitor/ora recorrido.
Sustenta, em suma, que não se mostram verificados os respectivos pressupostos, previstos no art. 42º/1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro (doravante RGPTC) e que o decidido não salvaguarda o superior interesse das menores, nem considerou a vontade manifestada por estas.
Como supra se enunciou, a questão a decidir consiste em saber se a residência das jovens C … e D … deve ser alterada e fixada junto do pai, tal como foi peticionado na presente acção e foi decidido na sentença recorrida ou se deve manter-se junto da mãe, conforme estabelecido na sentença proferida em 22/9/2016, que manteve o regime provisório fixado em 9/7/2015.
Tal questão deve ser decidida à luz do preceituado no art. 42º do RGPTC, constituindo fundamentos para a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais o incumprimento do decidido ou a modificação superveniente dos factos que determinaram o regime fixado cuja alteração se pretende.
No âmbito do exercício das responsabilidades parentais compete aos pais velar pela segurança e saúde dos filhos, providenciar pelo seu sustento, pela sua educação, pelo seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, representá-los e administrar os seus bens, sem prejuízo de auscultarem os filhos nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida, de acordo com a respetiva maturidade (cfr. arts. 1878º e 1885º do Cód. Civil, doravante C.C.).
Tanto a titularidade das responsabilidades parentais, como o seu exercício cabe, em princípio, a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade (cf. art 36º/3 e 5 da Constituição da República Portuguesa).
 Dispõe, nesta matéria, o art. 1906º do Código Civil (aplicável às situações de cessação de união de facto, por força do art. 1911º/2 CC):
1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;
(…)
3. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4. O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5. O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada pro cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
(…)
7. Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
8. O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e partilha de responsabilidades entre eles”.
(…)
(realces nossos)
De harmonia com o citado preceito, o art. 40º do RGPTC estatui que “Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”.
É indubitável, portanto, que o interesse superior da criança é o critério orientador essencial que deve nortear o julgador na resolução das questões atinentes ao exercício das responsabilidades parentais e que, no entender do legislador, a partilha de responsabilidades e a manutenção de uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores será, em regra, a solução que melhor serve o seu interesse, não assumindo deste modo qualquer relevância para efeitos decisórios o interesse individual de cada um dos progenitores (neste sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/12/2018, P. 147/16.1T8PTM-B.E1, Maria Domingas Simões, in www.dgsi.pt).
O interesse da criança constitui um conceito indeterminado, vago e genérico utilizado pelo legislador por forma a permitir ao juiz, alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto (v. Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 2ª Ed., págs 36 e 37).
O superior interesse da criança deve ser entendido como “o direito da criança ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” – Almiro Rodrigues, in “Interesse do menor, contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, nº 1, 1985, 18-19.

No caso dos autos, por acordo homologado provisoriamente a 9/7/2015, nos autos principais, ficou estabelecido que as menores ficariam à guarda e cuidados da mãe e as responsabilidades parentais seriam exercidas por ambos os progenitores, tendo sido fixados convívios com o pai (facto provado 2). Os autos prosseguiram para fixação da prestação alimentícia, que veio a ser estabelecida, por sentença de 22/9/2016, em €150 (€75 para cada menor), sujeita a actualização anual de acordo com a taxa de inflacção (facto provado 3).
As menores têm residido com a progenitora, mantendo convívios com o progenitor, tendo, designadamente, passado as últimas férias de verão com o mesmo em Cabo Verde e as anteriores em França (durante um mês) - facto provado 5.
Com a presente acção pretendeu o requerente a alteração do regime estabelecido, por forma a que as filhas passassem a residir consigo, em França, para onde o progenitor emigrou em 2018, alegando que a progenitora se demitiu das suas responsabilidades parentais, não tendo tempo para as crianças, sendo uma tia materna (F …) quem assegura os cuidados da alimentação, saúde e educação das mesmas.
Foram estes, em síntese, os fundamentos em que se estribou o requerimento inicial formulado pelo progenitor, configurando circunstâncias supervenientes, ocorridas posteriormente à regulação das responsabilidades parentais anteriormente fixada, que justificam a alteração visada.
Não assiste, pois, razão à ora recorrente quanto à putativa falta de pressupostos para a alteração da regulação das responsabilidades parentais, que colhe o seu fundamento no citado art. 42º do RGPTC.
Igualmente não colhe o argumento invocado pela apelante, segundo o qual o tribunal não valorou ou considerou a vontade manifestada pelas jovens C … e D …. Foram as mesmas ouvidas em sede de conferência de pais (em 24/10/23), referindo que pretendiam continuar a residir com a mãe porque, no caso da C …, a progenitora lhe dá mais liberdade, e no caso da D …, porque tem em Portugal todos os amigos (cf. factos provado 26 e gravação das declarações da menores na plataforma citius, a cuja audição se procedeu).
Como é estabelecido nos artigos 4º/1 c) e 5º ambos do RGPTC (em consonância com o consagrado em diversos instrumentos legais internacionais, nomeadamente no art. 12º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e no art. 24º/1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), a criança tem o direito de ser ouvida e ser tida em consideração a sua opinião.
Porém, não se exige que a decisão a tomar respeite integralmente essa opinião, mas que esta seja considerada na ponderação dos interesses em causa e que respeite o superior interesse da criança (v. Tomé d`Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, anotado e comentado, Quid juris, pág. 28).
O que significa que a opinião da criança constitui um elemento a atender pelo tribunal, mas não o critério decisório, que, repete-se, não pode deixar de ser o seu superior interesse.
Esclarece Alcina Costa Ribeiro, in “O direito de participação e audição da Criança no ordenamento jurídico português”, Data Vénia, Ano 3, nº 4, p. 112, acessível em https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao04/datavenia04_099-144.pdf: Considerar a opinião da criança não significa fazer-lhe a vontade ou transferir para si a responsabilidade da decisão. Esta responsabilidade é do adulto, que, antes de a tomar, considera, valora, tem em conta, a opinião da própria criança de acordo com a sua idade e maturidade.”.
A este propósito, escreveu-se no acórdão do TRL de 27/10/2011, Ezagüy Martins, acessível em www.dgsi.pt:
“Mas, como refere Maria Clara Sottomayor (5) é “criticável que a lei considere a preferência da criança vinculativa para o juiz” (o que não é o caso Português). Sendo antes de entender que tal manifestação de preferência “deve ser valorada de acordo com as circunstâncias do caso concreto e com base no discernimento do juiz e dos peritos que eventualmente tenham participado no processo. Trata-se apenas de um factor a ser ponderado juntamente com outros, dispondo sempre o juiz do poder de decidir que a preferência da criança contradiz as conclusões relativas ao interesse da criança, o qual lhe foi dado inferir da restante matéria de facto.”.
Pois “não podemos esquecer que o interesse da criança permanece o princípio decisório último da atribuição da guarda dos filhos. O juiz, uma vez manifestada a preferência, não está vinculado a segui-la, conservando o poder de apreciar o interesse da criança e podendo impor a esta uma decisão mesmo contra a sua vontade”. Sendo mesmo que no caso de “adolescente com idade superior a 14 anos”, que rejeita viver com um dos progenitores, “os tribunais devem ser muito cautelosos no peso a atribuir à preferência manifestada, devido ao perigo de esta ter sido induzida por pressão de um dos pais ou de uma terceira pessoa, ou de a preferência poder ter sido influenciada por uma «raiva transitória contra o progenitor ‘culpado’ ou pelo entretenimento de um progenitor ‘week-end’».
Naturalmente sempre com a restrição de que, “tratando-se de um adolescente, cuja preferência não tenha sido determinada por pressão de nenhum dos pais ou de terceiro, a autonomia deste dever ser respeitada”…salvo “casos de perigo para a segurança, saúde, formação moral ou educação do menor”, em que a decisão do juiz pode ser contrária à vontade do menor.”
Nesta linha foi entendido no acórdão desta secção proferido em 28/9/2021, P. 869/19.5T8SXL-B.L1, relatora Cristina Silva Maximiano, que: «(…) não está o tribunal vinculado a decidir em sentido coincidente com a opinião/vontade/desejo manifestado pela criança, conservando o poder de apreciar o interesse da criança e podendo tomar uma decisão que não vá de encontro àquela opinião/vontade/desejocfr., neste sentido, Acórdãos do TRP de 28/06/2011, Rodrigues Pires; e de 27/09/2018, Filipe Caroço; Acórdãos do TRL de 27/10/2011, Ezagüy Martins; de 23/05/2019, Arlindo Crua; de 10/11/2020, Diogo Ravara; e de 12/07/2021, Nélson Borges Carneiro; Acórdão do TRG de 07/02/2019, Eugénia Cunha; e Acórdão do TRC de 08/05/2019, Isaías Pádua - todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Em suma, a vontade da criança não vincula o tribunal, nem é decisiva, mantendo-se como critério orientador da decisão a proferir o do seu superior interesse
           
Volvendo ao caso dos autos, suscita-se a questão de saber se a vontade declarada pelas jovens, manifestando preferência em residir junto da progenitora coincide com o seu superior interesse, sendo este o critério essencial que deve presidir à decisão a tomar.
O tribunal recorrido, que, como vimos, não está vinculado a decidir no sentido da vontade manifestada pelas menores, entendeu que só a alteração da sua residência para junto do pai acautelará o seu superior interesse, considerando que dessa forma passarão a beneficiar de mais acompanhamento escolar, mais supervisão do seu quotidiano e melhores condições de habitação, essenciais ao seu saudável desenvolvimento físico e emocional.
O tribunal alicerçou a sua decisão na seguinte fundamentação, que se transcreve na parte mais relevante:
“Cumpre, pois, aquilatar das condições vivenciais e pessoais dos progenitores no sentido de decidir se o superior interesse das Jovens passa por permanecer junto da Mãe ou se se impõe uma alteração da sua residência para junto do Pai.
E desde já se diga que, concordando com a Digníssima Magistrada do Ministério Público, se afigura que apenas a fixação da residência das jovens junto do Pai acautela o seu superior interesse.
Efetivamente, resulta claro que as condições habitacionais da Progenitora não são as ideais, já que residem 8 pessoas num T2.
A Progenitora não tem rendimentos do trabalho, sendo a subsistência do agregado assegurado com as prestações sociais e as pensões de alimentos pagas pelos progenitores de alguns dos irmãos das Jovens.
Para além da falta de condições habitacionais e da precaridade financeira do agregado, resultou claro da prova produzida que a Mãe não supervisiona as rotinas das Jovens, não tem acompanhado o seu percurso escolar (este ano letivo a escola ainda não conseguiu falar com a Progenitora) e a Jovem C … tem já um elevado número de faltas, justificadas na sua maioria com indisposição.
Acresce ainda que, a Progenitora tem um extenso rol de antecedentes criminais, tendo sido condenada numa pena de 9 meses de prisão a cumprir em regime de obrigação de permanência na habitação, pena que em novembro de 2024 ainda não tinha começado a cumprir, existindo uma forte probabilidade de tal forma de cumprimento vir a ser revogada, sendo determinado o cumprimento de pena efetiva.
O Progenitor, por seu turno, tem um trabalho estável, reside num T2 dispondo de um quarto para as duas jovens, está inserido na comunidade e pese embora não tenha apoio familiar, tem horários que lhe permitem supervisionar as rotinas das filhas e assegurar os cuidados devidos às mesmas.
As filhas têm passado com ele os períodos de férias do verão (em Cabo Verde no ano passado e em França no anterior) e têm uma boa relação com o Pai pese embora refiram que o mesmo é mais rígido com regras e horários do que a Mãe (a C … referiu pretender ficar com a Mãe por esta não controlar o seu dia-a-dia).
Ademais, do seu certificado de registo criminal do Progenitor nada consta.”
Concordamos inteiramente.
Na verdade, resulta da factualidade apurada que as menores C … a e D …, actualmente a frequentarem o 12º ano e o 8º ano de escolaridade, carecem de acompanhamento ao nível escolar, registando-se irregularidade na assiduidade da C … (cujas faltas a mãe justifica, maioritariamente por indisposição) e algumas faltas de atraso ao primeiro tempo da manhã por parte da D …, sem que a progenitora supervisione o quotidiano das filhas e preste o necessário acompanhamento (v.g. não comparece nas reuniões de pais) – factos provados 13 e 14.
E não se diga que a mãe se mostra impedida por razões laborais, pois que não é conhecida actividade profissional à progenitora, cujos rendimentos se circunscrevem às prestações sociais referentes aos seus filhos (abonos de família).
Note-se que o agregado familiar em que as jovens se inserem é composto, além delas, pela mãe e pelos (seis) irmãos: G … de 28 anos de idade, H … de 22 anos, I … de 9 anos, J … de 8 anos, L … de 6 anos e M … de 3 ano de idade (facto provado 17), residindo todos numa habitação camarária de tipologia 3, cuja renda mensal ascende a 40€ (factos provados 17 e 18).
Acresce que a progenitora, tendo os antecedentes criminais referidos no factos provados 6 a 9 (por vários crimes de furto, um crime de detenção de arma proibida, um crime de violência depois da subtracção), foi recentemente condenada, por sentença transitada em julgado a 16 de Janeiro de 2024, no âmbito do processo comum singular nº …/…-….3LSB, que correu os seus termos no Juiz … do Juízo Local Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de furto, por factos praticados a 21 de Dezembro de 2019, na pena de 9 meses de prisão a executar em regime de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (facto provado 10). Em novembro de 2024, a requerida ainda não havia iniciado o cumprimento da pena em que foi condenada, em virtude de ter inviabilizado o seu início, tendo sido agendada a sua audição (facto provado 11).
Flui do que vimos expondo que a progenitora não dispõe, actualmente, de adequadas condições pessoais, sociais e habitacionais para assegurar os cuidados de que as filhas C … e D … carecem, tendo ainda de cumprir uma pena de 9 meses de prisão, a executar em regime de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que limitará fortemente o exercício das suas responsabilidades parentais.
Diversamente, o progenitor, residente em França desde 2018, apresenta condições favoráveis para acolher as filhas, manifestando, desde há vários anos, vontade nesse sentido.
A este respeito, provaram-se os seguintes factos (extraídos do relatório elaborado pela Associação de Serviço Social Internacional) que:
19. O Progenitor emigrou para França em 2018 procurando melhores condições de vida, tendo logo no início conseguindo inserir-se no mercado de trabalho e tratado da documentação com a ajuda de um amigo;
20. Vive sozinho num apartamento localizado no parque privado da cidade de ... composto por dois quartos.
21. Um dos quartos está mobilado com duas camas e um roupeiro, mas está a procurar um apartamento maior para que cada uma das suas filhas possa ter o seu próprio quarto.
22. A nível profissional, o progenitor tem contrato permanente com a empresa UPS que tem sede em ..., Suíça, trabalhando como distribuidor no horário entre as 4h e as 13h.
23. Tem uma vida estável e o seu salário permite fazer face às despesas e permitirá responder às necessidades básicas das suas filhas, caso elas venham a viver consigo.
24. Tem irmãos e irmãs na Suíça e na América com quem mantém contactos regulares, mas em França, não tem família que lhe possa dar suporte.
25. Segundo a assistente social que elaborou a informação social do progenitor, este demonstra ter as competências parentais para cuidar das filhas, falando delas com emoção e identificando as necessidades e cuidados que elas precisam, sendo as condições para a receção das crianças favoráveis e não tendo sido identificados fatores de preocupação.
Afigura-se-nos que, perante as fragilidades da progenitora e considerando as condições (adequadas) apresentadas pelo progenitor, o superior interesse das jovens C … e D … reclama a alteração da sua residência para junto do pai, como bem decidiu o tribunal a quo.
A tanto não obsta a preferência manifestada pelas jovens em residir com a mãe, sendo natural que na sua idade (adolescência) haja alguma resistência à mudança, sobretudo quando se perspectiva uma maior e necessária supervisão do seu quotidiano por parte do progenitor.
Evidentemente que esta alteração da residência das jovens implicará um esforço de adaptação ao novo contexto de vida (um país diferente - França, uma nova língua, um novo meio escolar e social). Não obstante, representará uma oportunidade em termos de crescimento, educação e saudável desenvolvimento futuro das jovens.
Por outro lado, as menores deverão manter os convívios com a mãe e demais familiares residente em Portugal, nos períodos de férias escolares, nos termos fixados na sentença, o que a recorrente não contesta.
Não se ignora o conflito parental existente entre os progenitores, que, no entanto, não põe em causa o decidido, pois que, independentemente de as jovens residirem em Portugal com a mãe ou no estrangeiro com o pai, exige-se a ambos que promovam uma relação saudável entre si, ultrapassando os ressentimentos do passado e eliminando os focos de tensão, em ordem a promover o bem-estar e desenvolvimento equilibrado das descendentes.
           
Por fim, critica a apelante o montante da pensão de alimentos fixada a seu cargo, no valor de €250 (€125 para cada menor), alegando que, como se provou, a mesma não tem emprego, apenas recebendo os abonos dos outros filhos que estão a seu cargo, enquanto que o pai tem uma boa situação financeira.
A sentença sob recurso enquadrou correctamente este segmento da decisão no art. 2004º do Código Civil.
Estando em causa a obrigação de alimentos aos filhos, enquanto direito indisponível (art. 2008º/1 do C. Civil) que impende sobre os pais (art. 36º/5 da Constituição da República Portuguesa e artigos 1874º e 1878º do C. Civil), a medida dos alimentos deve ser determinada de acordo com o critério legal estatuído no art. 2004º/1 do C. Civil, que estabelece uma correlação entre as possibilidades económicas do devedor e as necessidades do credor/alimentando, devendo aquelas possibilidades e estas necessidades ser actuais (v. acórdão do TRC de 05/11/2013, Carvalho Martins, acessível em www.dgsi.pt).
Os alimentos compreendem tudo o que é indispensável ao sustento, vestuário, instrução e educação da criança (art. 2003º do Cód. Civil), sendo a obrigação de alimentos estabelecida atendendo aos interesses e às necessidades concretas e actuais do credor e às possibilidades do devedor (arts. 2004º e 2012º ambos do Cód. Civil). Na determinação das necessidades da criança deve atender-se ao seu padrão de vida, à ambiência familiar, social, cultural e económica a que está habituada e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos (v. acórdão do TRP, de 25/3/93, CJ, tomo II, pág. 199). A medida da obrigação de alimentos prestados pelos progenitores aos filhos deve ser fixada, não em função do mínimo indispensável à satisfação das necessidades vitais do filho, mas no montante necessário à satisfação adequada das necessidades inerentes à sua idade, visando a promoção adequada do desenvolvimento físico, intelectual e moral do menor, embora de acordo com as possibilidades dos pais.
No caso sub judice, o tribunal de 1ª instância justificou o montante da pensão de alimentos fixada a cargo da mãe (€125 para cada menor), considerando, por um lado, que, face à diferença de rendimentos entre os progenitores, a progenitora não pode suportar quantia superior à do pai. Por outro lado, o tribunal atendeu ao facto de a progenitora se encontrar desempregada, subsistindo o seu agregado familiar das prestações sociais que lhe foram atribuídas (factos provados 16 e 17), mas referindo que “não se afigura existirem limitações do nível da saúde que a impeçam de desenvolver uma actividade laboral.”
Esta fundamentação não nos merece censura.
Na verdade, embora não tenham sido concretamente apurados os rendimentos de cada um dos progenitores, é seguro que a progenitora recebe os abonos de família relativamente a cada um dos filhos que integram o seu agregado (sendo quatro deles menores de idade), a que deverá acrescer a contribuição legal dos respectivos progenitores para o sustento desses descendentes. Além disso, não se provou qualquer limitação da progenitora em termos de capacidade de trabalho.
Como se escreve no acórdão do TRL de 13/2/25, P. 973/19.0T8AMD-F.L1-2, relator João Paulo Raposo (in www.dgsi.pt): “(…) não basta declarar a falta de trabalho sem que obviamente fique demonstrada qualquer incapacidade laboral, permanente ou definitiva, que o iniba de procurar activa e diligentemente uma actividade profissional ou laboral que lhe permita cumprir os seus deveres para com o menor. Ou seja: ao fixar a medida dos alimentos devidos a menor, adequando-os aos meios de quem houver de prestá-los, não pode o tribunal limitar-se a atender ao valor actual dos rendimentos conjunturalmente auferidos pelo devedor, devendo valorar, de forma global e abrangente, a sua condição social, a sua capacidade laboral e todo o acervo de bens patrimoniais de que seja ou possa vir a ser detentor.” – sublinhado nosso
No mais, subscrevemos o que a este respeito disse o Ministério Público nas suas contra-alegações:
“(…) em consonância com os factos dados como provados, decidiu pela fixação de um montante de 125 (cento e vinte cinco) euros a título de pensão de alimentos, montante esse que se situa no limiar mínimo aceitável no que diz respeito às necessidades mensais de uma jovem adolescente, tendo em consideração a situação profissional e pessoal da requerente, nomeadamente o facto de a mesma se encontrar desempregada, ainda que por motivos somente imputáveis à própria e o facto do seu agregado familiar ser composto, entre outros elementos, por quatro crianças que necessitam de ser por si sustentadas.”. – sublinhado nosso
Em face do exposto, inexistem razões para a alteração/redução do valor da prestação alimentícia fixada na sentença.
Em síntese conclusiva, não merecendo censura o decidido, impõe-se a confirmação da sentença.
*
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante (art. 527º/1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
*
Lisboa, 17 de Junho de 2025
Ana Mónica Mendonça Pavão
Edgar Taborda Lopes
João Bernardo Peral Novais