REJEIÇÃO DE RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
FALTA DE PAGAMENTO DA MULTA
CONTA DE CUSTAS
Sumário

Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC[1]
I. Esgotado o prazo para a interposição de recurso, fica a parte impossibilitada de praticar tal acto, sem prejuízo de ainda o poder vir a fazer dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo e desde que liquide a multa fixada nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 5 do artigo 139.º do CPC.
II. Não tendo tal multa sido liquidada, mesmo após ter sido dado cumprimento ao disposto no n.º 6 do citado artigo, impõe-se a rejeição do recurso interposto por extemporaneidade.
III. Não tem aplicação ao caso o disposto no artigo 28.º, n.º 3 do RCP pelo que o montante devido por tal multa não poderá transitar para a conta de custas e ser pago a final.

[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
Receita Avançada, Unipessoal, Lda. veio requerer a declaração de insolvência de CC, com fundamento nas als. a) e b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
Após outras vicissitudes processuais, veio a requerida apresentar oposição, pugnando pela improcedência da acção.
E, em 08/10/2024, foi proferida sentença pela qual foi a acção julgada improcedente, tendo a requerida sido absolvida do pedido de insolvência.
Desta sentença foi a requerente notificada – notificação certificada de 09/10/2024.

Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso a requerente em 31/10/2024.
A requerida apresentou contra-alegações, com ampliação do objecto do recurso.
O recurso foi admitido por despacho proferido em 27/11/2024[1].

Por despacho da relatora proferido em 31/03/2025, determinou-se: “Em 31/10/2024 veio a requerente Receita Avançada, Lda. interpor recurso da sentença que nos autos foi proferida no dia 08/10/2024. // Tal sentença foi notificada no dia 09/10/2024. // O prazo de recurso é de 15 dias – artigo 638.º, n.º 1 do CPC. // Em face de assim ser, as alegações de recurso deram entrada em juízo no 2.º dia útil posterior ao termo do prazo (o qual ocorreu no dia 29), sem que, no entanto, tenha sido junto o comprovativo de pagamento da multa a que alude a al. b) do n.º 5 do artigo 139.º do CPC. // Termos em que se determina que seja a recorrente notificada para proceder ao pagamento da multa devida pela apresentação do recurso no 2.º dia útil subsequente ao termo do prazo – n.º 6 do citado artigo 139.º -, sob pena de, assim não procedendo, ser o recurso rejeitado.”
Emitida a competente guia para pagamento, da mesma foi a requerente/recorrente notificada – notificação certificada de 31/03/2025[2] -, sem que, no entanto, a tenha liquidado (Ref.ª/Citius 23053065).

Nessa sequência, por despacho da relatora proferido em 29/04/2025, foi o recurso rejeitado por extemporâneo.
No mesmo consignou-se:
Em 31/10/2024 veio a requerente Receita Avançada, Lda. interpor recurso da sentença que nos autos foi proferida no dia 08/10/2024. // Tal sentença foi notificada no dia 09/10/2024. // O prazo de recurso é de 15 dias – artigo 638.º, n.º 1 do CPC.//  Em face de assim ser, as alegações de recurso deram entrada em juízo no 2.º dia útil posterior ao termo do prazo (o qual ocorreu no dia 29/10), sem que, no entanto, tenha sido junto o comprovativo de pagamento da multa a que alude a al. b) do n.º 5 do artigo 139.º do CPC - “Se o ato for praticado no 2º dia, a multa é fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 3 UC”. // Por tal motivo, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 6 do mesmo artigo 139º - “Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa. Desde que se trate de ato praticado por mandatário” -, com a expressa cominação de, não sendo a multa liquidada, ser o recurso rejeitado. // Contudo, a requerente/recorrente não liquidou o montante em dívida. // Ora, face a tal omissão, nos termos previstos pelo n.º 3 do citado artigo 139º, julga-se extemporâneo o recurso apresentado, razão pela qual se rejeita o mesmo. // Custas a cargo da recorrente, fixando a taxa de justiça em 1 UC. // Notifique e, após trânsito, baixem os autos à 1.ª instância. Notifique.”

Notificada do despacho de rejeição do requerimento de recurso por si interposto, veio a requerente/recorrente requerer a sua submissão à conferência[3], como o permite o n.º 3 do artigo 652.º do CPC (da decisão singular que rejeita apelação pode-se reclamar, sendo tal impugnação decidida em acórdão da conferência).
Para tanto invocou:
“1. Veio a recorrente a ser notificada da douta decisão singular proferida, // 2. A qual não admite o recurso interposto, // 3. Por questão meramente processualista, // 4. Que se encontra a obstaculizar o acesso à justiça por parte da recorrente ora requerente. // 5. Sendo que a mesma decisão singular, de indeferimento de recurso, // 6. Que se fundamenta numa questão meramente processualista, de não pagamento de valores monetários que podem, por lei, ser imputados na conta de custas final, // 7. Acaba por padecer ela própria de enfermidade processualista, // 8. Que não poderia deixar de conduzir à sua nulidade, // 9. Nomeadamente por omissão de pronúncia // 10.Pese embora, possa a nulidade in casu, infra melhor analisada, ser sanada através de douta decisão colegial. // 11.Neste sentido, veio a douta decisão singular entender que, tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 139.º/6 CPC e, // 12.Não tendo o mesmo sido cumprido pela recorrente, // 13.Conclui então, que o recurso interposto, terá de ser entendido como extemporâneo. // 14.Ora, não pode a recorrente colher tal entendimento. // 15.E não pode, porquanto é a própria douta jurisprudência e bem assim, // 16.O Princípio da Materialidade Subjacente e da Primazia da Matéria sobre a Forma, // 17.Que determina que os autos tivessem sido ulteriormente tramitados. // 18.Nesta senda, deverá improceder o argumento de que o não pagamento da penalidade processual prevista no artigo 139.º CPC, // 19.Determinará a não ulterior tramitação processual dos autos. // 20.Isto porquanto, não tendo sido a penalidade processual liquidada, a mesma sempre teria de ser imputada na conta de custas final, // 21.Ao abrigo do melhor disposto no artigo 28.º RCP que prevê que: “3 - Não sendo paga a multa após o prazo fixado, a respectiva quantia transita, com um acréscimo de 50 %, para a conta de custas, devendo ser paga a final.”, // 22.Isto porquanto assim determina a aplicação do Primado da Materialidade Subjacente e da Primazia da Matéria sobre a Forma, // 23.Tendo-se obstaculizado o acesso à justiça, // 24.A um novo grau de jurisdição, //25.Por uma questão monetária que, cfr. melhor disposto no artigo 28.º RCP, poderia ser imputado na conta de custas final. // 26.Ao assim ter decidido, verdade o é, que a decisão proferida também terá de ser forçosamente considerada nula, por vício de omissão de pronúncia. // 27.Porquanto a decisão material controvertida que foi apresentada ao douto Tribunal, não foi pelo mesmo de mérito dirimida. // 28.A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando um acórdão não se pronuncia sobre questões essenciais que deveriam ter sido apreciadas pelas partes. // 29.As nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no artº. 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão. // 30.Como acontece in casu e, devendo aplicar-se a douta Justiça, outra não poderá ser a conclusão, senão a e que deverá ser determinada procedente a presente reclamação para efeitos de Decisão Colegial e ser determinada a ulterior tramitação processual dos autos, tudo o que respeitosamente se requer para todos os devidos efeitos legais.”
Com relação a este requerimento, foi cumprido o disposto no artigo 221.º do CPC.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

II – QUESTÕES A DECIDIR:
- Se a decisão singular padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia;
- Se deve ou não ser admitido o recurso interposto pela requerente.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Atentos os elementos que constam dos autos, as incidências fáctico-processuais relevantes são as constantes do relatório que antecede, cujo teor, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da putativa nulidade da decisão singular
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC que a sentença é nula quando, para além do mais, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar – al. d).
Trata-se de uma causa de nulidade que se reporta à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando as mesmas vícios formais da sentença ou vícios referentes à extensão/limites do poder jurisdicional (não contendendo, pois, com o mérito da decisão).
Esta nulidade, como as demais previstas nas restantes alíneas, para além de não ser de conhecimento oficioso, respeita, nas palavras de Rui Pinto[4], “ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento”.
O regime previsto para a nulidade da sentença decorrente da omissão de pronúncia, aplica-se igualmente aos despachos – cfr. artigo 613.º, n.º 3, do mesmo código. 
No caso, a invocada nulidade mostra-se interligada com a previsão do artigo 608.º, n.º 2, do CPC - “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Reportando ao caso, desde já se dirá nenhuma razão assistir à requerente/recorrente.
Através do despacho proferido em 29/04/2025, esta instância limitou-se a dar cumprimento ao estatuído no artigo 652.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual “O juiz a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente: (…) b) Verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso; (…)”.
Ao contrário do defendido pela requerente/recorrente, não tinha esse despacho que se pronunciar quanto ao mérito do recurso, pronúncia essa que apenas poderá e deverá ocorrer uma vez admitido o mesmo (apenas no caso de o recurso ser admitido se poderá conhecer do objecto do mesmo).
Conclui-se, assim, no sentido de não padecer o despacho em causa do vício que lhe é imputado.

Da rejeição do recurso:
Insurge-se a requerente contra o despacho da relatora que rejeitou o recurso pela mesma interposto.
Não se mostra controvertido que o prazo de recurso é de 15 dias, como decorre dos artigos 638.º, n.º 1 do CPC e 9.º, n.º 1 do CIRE[5].
Trata-se de um prazo com natureza peremptória (artigo 139.º, n.ºs 1 e 3 do CPC), cujo decurso acarreta efeitos preclusivos, impossibilitando a prática do respectivo acto.
Tal consequência pode, no entanto, ser evitada desde que o acto seja praticado dentro dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo e desde que seja paga uma multa, nos moldes previstos nas diversas alíneas do n.º 5 do artigo 139.º do CPC.
Havendo mandatário constituído, tal multa tem que ser imediatamente paga.
Caso assim não suceda, “o ato só é considerado na condição de a parte, além de proceder ao pagamento da multa em falta, pagar a penalização correspondente a 25% do valor da multa, para o que será notificado pela secretaria, logo que a falta seja verificada[6] – cfr. n.º 6 do artigo 139.º.  
Como refere Marco Carvalho Gonçalves[7], “a possibilidade de a parte praticar o ato para além do termo do prazo, dentro dos três dias úteis subsequentes, mediante o pagamento de uma multa, visa, essencialmente, proteger a parte contra a preclusão de um direito, em virtude de um eventual descuido ou desleixo do seu mandatário.”

No caso, também não se mostra controvertida a data na qual a requerente se considera notificada da sentença recorrida, bem como a data na qual o recurso foi intentado, ou seja, no segundo dia útil posterior ao termo do prazo legalmente previsto para o efeito.
Como refere Rui Pinto[8], o prazo de recurso conta-se “da data da notificação, publicação ou conhecimento da decisão, nos termos do regime de contagem dos artigos 138º e 638º”.[9]
Igualmente é pacífico que não foi liquidada a multa a que alude a al. b) do n.º 5 do artigo 139.º do CPC (apesar de a requerente ter sido expressamente advertida de que teria de o fazer, sob pena de o recurso ser rejeitado).
E, em face de tal circunstancialismo, o recurso foi considerado extemporâneo e, consequentemente, rejeitado.
Entende, no entanto, a requerente que o não pagamento da multa em causa não deveria acarretar tal desfecho, porquanto, segundo defende, tal montante poderia ser imputado na conta de custas final.
Invocando o disposto no artigo 28.º, n.º 3, do RCP e o princípio da materialidade subjacente e da primazia da matéria sobre a forma, considera que os autos deveriam ter prosseguido pelo que ter-se-á “obstaculizado o acesso à justiça (…) A um novo grau de jurisdição”.
Assim não o entendemos.
O citado artigo insere-se no Título II, Capítulo V do RCP, referente às multas.
Este capítulo inicia-se no artigo 27.º (disposições gerais), segundo o qual: “1. Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC. 2. Nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC. 3 - Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.
4. O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste. 5. (…). 6. (…)”.

Já o artigo seguinte (sob a epígrafe pagamento) prescreve: “1. Salvo disposição em contrário, as multas são pagas no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão que as tiver fixado. 2. (…). 3. Não sendo paga a multa após o prazo fixado, a respectiva quantia transita, com um acréscimo de 50 %, para a conta de custas, devendo ser paga a final. 4 - Independentemente dos benefícios concedidos pela isenção de custas ou pelo apoio judiciário ou do vencimento na causa, as multas são sempre pagas pela parte que as motivou.”
Sucede que este último preceito não é aplicável à presente situação.
Como refere Salvador da Costa[10], o n.º 1 do artigo 28.º está “conexionado com o que se prescreve no n.º 3 do artigo 25.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, e é pressuposto da sua aplicação a notificação à parte condenada da respectiva decisão condenatória e o seu trânsito em julgado. // É aplicável às multas processuais cominadas em processo civil, administrativo, tributário e criminal, e, embora só se refira às multas, também se aplica, tendo em conta o disposto no artigo anterior, às penalidades a que se tem feito referência. // Como este normativo se refere a multas derivadas de condenação, não abrange as que sejam condição da prática de atos processuais, designadamente as previstas no artigo 139.º, n.ºs 5 a 7, do CPC, que são salvaguardas na sua primeira parte.” (sublinhado nosso).
Ora, dispõe o artigo 25.º da referida Portaria: “1. Nos casos legalmente previstos de pagamento imediato de multa consentâneo com a prática de acto processual, o pagamento deve ser autoliquidado juntamente com a taxa de justiça devida, utilizando para cada um dos pagamentos o correspondente DUC. 2 - Incumbe ao apresentante, quando representado por mandatário, o pagamento por autoliquidação, de modo autónomo, das multas previstas nos artigos 139.º do Código de Processo Civil e 107.º-A do Código de Processo Penal. 3 - Nos restantes casos de aplicação de multas e penalidades, são emitidas guias pelo tribunal e remetidas à parte ou partes responsáveis.” (sublinhado nosso).
Daqui decorre que incumbia à requerente, aquando da interposição do recurso, ter, desde logo, autoliquidado a multa e, uma vez que assim não procedeu, devê-lo-ia ter feito quando foi notificada nos termos e para os efeitos do n.º 6 do artigo 139.º do CPC (número que prevê um mecanismo suplementar destinado a salvar o acto que tiver sido praticado sem o imediato pagamento da multa devida[11]).
Igualmente é inquestionável não poder o montante devido por tal multa transitar para a conta de custas e ser paga a final, porquanto não se está em face de qualquer multa fixada por despacho do juiz, antes correspondendo a uma sanção processual (inexiste decisão condenatória da mesma, a qual se mostra pré-estabelecida na lei).
O pagamento das multas previstas no n.º 5 do artigo 139.º do CPC é condição de validade do acto praticado.
Do acabado de defender não resulta qualquer violação dos princípios[12] invocados pela requerente, tratando-se antes de regras impostas a todos aqueles que recorrem à justiça, porquanto os processos têm fases e o cumprimento dos prazos estipulados para a prática de qualquer acto processual impõe-se, desde logo, para que os litígios sejam resolvidos com carácter definitivo e os interesses das partes sejam acautelados de forma segura.
A requerente/recorrente, para além de não ter respeitado o prazo que dispunha para recorrer, desconsiderou a possibilidade que o legislador consagrou, e esta Relação lhe concedeu, para que o recurso pudesse ser apreciado e decidido.
Note-se que a mesma nem sequer invocou, como poderia ter feito, qualquer situação de justo impedimento que a tivesse impedido de interpor o recurso no prazo legalmente previsto. Assim como nem sequer estamos em face de qualquer dificuldade económica que obstasse ao pagamento da multa (tanto que veio depois a pagar a taxa de justiça e multa devidas pela reclamação para conferência).
Se não liquidou a multa foi porque entendeu que não o deveria fazer ou porque não agiu de forma diligente e zelosa (por si ou por intermédio do respectivo mandatário), mas sempre será à mesma que tal omissão tem que ser imputável, nessa medida tendo que suportar as consequências daí resultantes.
Inexiste qualquer desproporcionalidade na consequência prevista na lei para tal omissão, nem sequer qualquer obstáculo no acesso à justiça, estando as partes/litigantes sujeitas às regras processuais.
No sentido do agora decidido, veja-se o acórdão desta Relação de 07/03/2024[13], em cujo sumário se consignou: 1. A parte que se apresenta a praticar no 2.º dia útil para além do prazo legal, deve proceder ao pagamento da multa fixada pelo legislador na al. b) do n.º 5 do art.º 139.º do CPC, ficando a sua validade dependente de tal pagamento, sendo uma situação diferente e independente do pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual. 2. O regime do art.º 28.º do RCJ, designadamente o seu n.º 3 que prevê que “não sendo paga a multa após o prazo fixado, a respetiva quantia transita, com um acréscimo de 50 %, para a conta de custas, devendo ser paga a final, aplica-se apenas às multas ou penalidades que sejam fixadas por despacho do juiz, como resulta do art.º 27.º do RCJ que faz expressa menção à condenação em multa e do n.º 1 do art.º 28.º que alude ao trânsito em julgado da decisão que a tiver fixado. 3. A autoliquidação da multa pela parte corresponde a um ónus que lhe é imposto pelo legislador para o caso de querer fazer valer-se de um ato praticado fora do prazo legal, tratando-se de uma multa diretamente estabelecida na lei e não de uma qualquer penalidade imposta ou fixada pelo juiz. 4. Não tendo sido paga pela Recorrente a multa devida pela interposição do recurso no 2.º dia útil para além do prazo, nem quando se apresentou a praticar o ato, nem tão pouco quando foi notificada pela secretaria para o efeito, nos termos do n.º 6 do art.º 139.º do CPC, não pode considerar-se tal ato como validamente praticado.(art.º 663 n.º 7 do CPC).”
No mesmo se podendo igualmente ler: “não se contesta que o processo deve ser orientado para a justa composição do litígio, mas tal não significa que todas as regras processuais ou formais possam ser afastadas com a justificação da prevalência do mérito, como parece pretender a Reclamante.
O princípio da tutela da confiança que a Reclamante invoca é também concretizado na observância das regras processuais, que as partes antecipadamente conhecem e com as quais sabem que podem contar, sendo que, com referência ao caso, não podem deixar de saber que os prazos processuais perentórios extinguem o direito à prática do ato, como previsto no art.º 139.º n.º 3 do CPC, embora o legislador com a sua extensão contemplada no n.º 5 lhes dê ainda uma nova oportunidade para que possam fazê-lo, condicionando porém a sua validade ao pagamento de uma multa processual que fixa.”

Não vê, pois, este Colectivo razões para alterar o entendimento defendido no âmbito da decisão singular da Relatora, razão pela qual se decide sufragar e manter, na íntegra, aquela, nos moldes em que se mostra fundamentada. 

V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a pretensão da requerente, confirmando a decisão singular da relatora que rejeitou o recurso pela mesma interposto, por extemporâneo.
Custas pela requerente/recorrente.

Lisboa, 17 de Junho de 2025
Renata Linhares de Castro
Manuela Espadaneira Lopes
Fátima Reis Silva
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[1] No mesmo se tendo consignado: Recurso de apelação – 31/10/2024 // Por ser legal, tempestivo e ter sido interposto por quem para tal tem legitimidade, admito o recurso apresentado pela requerente RECEITAVANÇADA, LDA., da sentença proferida em 08/10/2024, que é de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo – art.ºs 9.º, n.º 1 e 14.º, n.ºs 5 e 6, al. b), do CIRE e art.ºs 627.º, n.º 1, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, 638.º, n.º 1 e 641.º, n.ºs 1 e 2, este a contrario, todos do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 17.º, n.º 1, do CIRE. Notifique. // Contra-alegações – 20/11/2024 // Por ser legal, tempestiva e ter sido apresentada por quem para tal tem legitimidade, admito a resposta apresentada pela requerida CC, ao recurso de apelação interposto pela requerente RECEITAVANÇADA, LDA. – art.º 638.º, n.º 5, do Código de Processo Civil. Notifique. (…)”
[2] Notificação com o seguinte teor: “Assunto: Pagamento de multa – art.º 139.º n.º 6 do CPC // Com referência ao processo acima identificado, fica notificado, na qualidade de Mandatário do Requerente/Recorrente Receita Avançada, Ldª para no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, acrescida de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de não se considerar válido o acto processual extemporaneamente praticado, conforme determinado pela Exª Desembargadora Relatora no despacho de que se anexa cópia. // Pagamento // A data limite do pagamento, bem como o valor a pagar, os locais e os modos de pagamento constam da guia anexa.”
[3] Uma vez que foi peticionado que, sobre o decidido, recaia decisão colegial.
[4] Os Meios Reclamatórios Comuns na Decisão Civil (artigos 613.º a 617.º do CPC), Revista Julgar online, Maio de 2020, pág. 10.
[5] Segundo o n.º 1 do artigo 638.º do CPC, “O prazo para interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes (…)”. Já de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º do CIRE, “O processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente (…)”.
[6] ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2020, 2.ª edição, pág. 173.
[7] Prazos Processuais, Almedina, 2020, 2.ª edição, págs. 198/199.
[8] Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL editora, 2020, pág. 276.
[9] No caso, a notificação foi correctamente efectuada na pessoa do mandatário da requerente, presumindo-se efectuada “no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja“ (artigos 247.º, n.º 1, e 248.º, n.º 1, ambos do CPC ex vi artigo 17.º do CIRE).
[10] As Custas Processuais, Análise e Comentário, Almedina, 2021, 8.ª edição, pág. 185.
[11] ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, obra citada, pág. 173.
[12] Acerca do princípio da primazia da materialidade subjacente, veja-se, ainda, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30/03/2012 (Proc. n.º 02436/07.7BEPRT, relatora Maria do Céu Dias Rosa das Neves), no qual se refere que o mesmo, juntamente com o princípio da tutela da confiança, constitui um subprincípio concretizador da boa fé, que “exprime a ideia de que o direito procura a obtenção de resultados efectivos, não se satisfazendo com comportamentos que, embora formalmente correspondam a tais objectivos, falhem em atingi-los substancialmente. Este princípio proíbe, por exemplo, o exercício de posições jurídicas de modo desequilibrado ou o aproveitamento de uma ilegalidade cometida, pelo próprio prevaricador, de modo a prejudicar outrem.”
Veja-se, também, o acórdão do STJ de 10/12/2024 (Proc. n.º 3300/15.1T8ENT-A.E2.S1, relator Jorge Arcanjo): “A boa-fé, no quadro do abuso de direito (art.334 CC) concretiza-se também através do princípio da primazia da materialidade subjacente que reclama a necessidade de avaliação do exercício do direito em termos materiais, tendo em conta as consequências efectivas do mesmo, assumindo relevância a desproporcionalidade grave e manifesta de posições jurídicas, pelo que a boa-fé impede o exercício manifestamente desproporcionado, ou seja, o desequilíbrio no exercício jurídico, evitando a desproporcionalidade entre as vantagens concretamente auferidas pelo titular de uma posição jurídica e o sacrifício imposto a outrem pelo exercício dessa mesma posição jurídica.
[13] Proc. n.º 1094/23.6T8LSB-D.L1-2, relatora Inês Moura.