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DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
PRESUNÇÃO DE INSUFICIÊNCIA ECONÓMICA
Sumário
I - As hipóteses elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE constituem factos que indiciam a situação de insolvência do devedor, nos termos descritos no n.º 1 do artigo 3.º do referido Código; II – Tendo a insolvência sido requerida por um credor, incumbe-lhe o ónus da prova da verificação da previsão de uma das alíneas do n.º 1 do citado artigo 20.º, cabendo à devedora ilidir a presunção daí decorrente, mediante a demonstração da respetiva solvência; III – Verificada a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º e não tendo a devedora demonstrado a respetiva solvência, cumpre declarar a insolvência. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 186/25.1T8OLH-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo de Comércio de Olhão
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
(…), Unipessoal, Lda., pessoa coletiva n.º (…), com sede em (…), intentou a presente ação declarativa, com processo especial, requerendo a declaração de insolvência de (…) – Construções, Unipessoal, Lda., pessoa coletiva n.º (…), com sede em Tavira.
A fundamentar o pedido, alega, em síntese, que é titular de um crédito no montante de € 49.355,72 sobre a requerida e que esta se encontra em situação de insolvência, nos termos previstos nas alíneas a), b) e g) do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), como tudo melhor consta da petição inicial.
Citada, a requerida não deduziu oposição.
Foi proferida sentença, na qual se declarou a insolvência da requerida, decidindo-se o seguinte: Em face do exposto, o Tribunal decide: a) Declarar a insolvência de (…) – Construções, Unipessoal, Lda., sociedade comercial por quotas com o NIPC (…), e com sede na Travessa (…), (…), loja 2 , 8800-740 Tavira; b) Fixar a residência do gerente único da insolvente, (…), na Rua (…), n.º 23, 3º-Direito, 8800-608 Tavira; c) Nomear como administrador da insolvência a sra. Dra. (…), com o domicílio profissional identificado na lista de Administradores Judiciais inscritos na Comarca de Faro, resultante do sorteio electrónico realizado pelo sistema citius; d) Determinar que a insolvente entregue imediatamente ao administrador da insolvência os documentos a que alude o artigo 24.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que ainda não constem dos autos; e) Decretar a apreensão e imediata entrega ao administrador da insolvência de todos os elementos da contabilidade e de todos os bens da insolvente, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos; o administrador da insolvência deverá reportar o resultado da apreensão ao Tribunal; f) Advertir os devedores da insolvente de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não à própria insolvente; g) Determinar a avocação dos processos de execução fiscal – artigo 180.º, n.º 2, do Código do Processo Tributário (Decreto-Lei n.º 433/99, de 26/10, na versão actual); h) Fixar em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos; i) Advertir os credores de que devem comunicar prontamente ao administrador da insolvência as garantias reais de que beneficiem; j) Não nomear, neste momento, comissão de credores, em face da simplicidade da causa; k) Prescindir da realização da assembleia de apreciação do relatório, uma vez que a insolvente não se propõe a apresentar qualquer plano de insolvência, nem requer a administração da massa insolvente; Não obstante, caso o administrador da Insolvência, qualquer credor ou a própria insolvente o entendam, e venham a requerer expressamente, será marcada uma data para a realização da assembleia de credores; l) Determinar que, no prazo de 45 dias, o administrador da insolvência apresente o seu relatório, descrevendo as causas da situação de insolvência, indicando os créditos reclamados, reconhecidos e não reconhecidos, os bens que foram apreendidos e prestando informação sobre se defende a liquidação do património ou o encerramento do processo por insuficiência de bens, assim como se pronunciando sobre a exoneração do passivo restante que seja eventualmente requerida; m) Determinar que o administrador da insolvência notifique a insolvente e os credores do teor de tal relatório, com a advertência de que os credores e a insolvente gozam de um prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre o teor do relatório, juntando comprovativos aos autos de tais notificações; n) Não declarar por ora aberto o incidente de qualificação da insolvência, por ausência de indícios; o) Determinar que se proceda ao pagamento da primeira prestação da remuneração do(a) Senhor(a) Administrador(a) da Insolvência, bem como ao pagamento da provisão para despesas no valor de 2 UC, de acordo com o disposto no artigo 29.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril, devendo os pagamentos devem observar o disposto na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro; e p) Determinar que se proceda ao pagamento da segunda prestação da remuneração da sra. Administradora da Insolvência decorridos seis meses da presente data ou logo que seja determinado o encerramento do processo, se ocorrer antes de decorrido tal prazo de seis meses, de acordo com o disposto no artigo 29.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril, devendo os pagamentos observar o disposto na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro. Custas a cargo da massa insolvente. Notifique os administradores da Devedora nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Proceda às notificações a que alude o artigo 37.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Cite os credores nos termos estabelecidos no artigo 37.º, nºs 3 a 7, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Publicite e registe nos termos do disposto no artigo 38.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Inconformada, a requerida interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«a) A petição inicial de insolvência não preenche os requisitos do artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, e não permite considerar que a recorrente está numa situação de insolvência, tal como previsto no artigo 3.º do CIRE, pelo que não podia atribuir-se-lhe efeito cominatório pleno;
b) Os poderes inquisitórios previsto no artigo 11.º do CIRE não se destinam a suprir insuficiências de alegação de factos pertinentes, nem a desenvolver iniciativas de prova exploratória;
c) Estando a legitimidade para a promover a insolvência atribuída ao próprio devedor, aos seus credores ou ao Ministério Público – artigo 20.º do CIRE – a atividade inquisitória do tribunal tem de estar vinculada a “um estatuto de igualdade substancial das partes”, configurado no artigo 4.º do CPC, sob pena de violação do princípio da igualdade de tratamento;
d) Constando da certidão comercial permanente dos autos que a recorrente tem apresentado regularmente as suas contas, como dispõe o artigo 3.º, n.º 1, n), do CRC, deve reconhecer-se que cumpriu uma prestação de contas a todos os interessados, desde logo a qualquer credor e, sobretudo, ao tribunal, em sede de processo de insolvência;
e) Como resulta da lei, o registo das contas anuais visa a publicidade da situação de solvência das empresas e contém a ata de aprovação das contas do exercício e da aplicação dos resultados, o balanço, demonstração de resultados e anexo ao balanço e demonstração de resultados, a demonstração das alterações no capital próprio/património líquido e a demonstração de fluxos de caixa, o que confere transparência e permite avaliar o desempenho financeiro;
f) Pela sua própria natureza e conteúdo, as contas levadas ao registo são de célere acesso e traduzem o passivo e suas fontes, como o ativo patrimonial e a atividade económica e financeira, incluindo as dívidas fiscais, mas também os créditos, as receitas, o movimento contabilístico e o fluxo de caixa, permitindo o apuramento da real situação da empresa.
g) O tribunal confinou-se ao apuramento das dívidas fiscais – que são índice atendível, mas não suficiente, pois o ativo da recorrente é superior ao passivo e o fluxo de caixa é positivo – pelo que a omissão de acesso às contas registadas e publicadas, que constituíam o meio de prova da real situação financeira da recorrente, viola o dever de apuramento da situação de solvência, no exercício dos poderes de inquisitório;
h) A prova do crédito da requerente não é suficiente para sustentar o pedido de declaração de insolvência, pois não vem acompanhado da indicação das circunstâncias em que ocorreu o incumprimento, nem permite concluir que se trata de uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua penúria ou incapacidade patrimonial generalizada, como exige o artigo 20.º, n.º 1, a) e b), do CIRE;
i) Para sustentar os requisitos de insolvência previstos no artigo 3.º do CIRE, a recorrente deveria ter demonstrado, através de execução fiscal, a inexistência de bens penhoráveis ou, através das contas publicadas, a insuficiência do ativo para arcar com as responsabilidades vencidas – o que não fez;
j) O preenchimento do facto-índice previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE [suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas] só se verifica quando da parte do devedor ocorre um incumprimento alargado, com a abrangência de diversos créditos;
k) A alegação de que a recorrente consta da lista de devedores à autoridade Tributária, vertida no artigo 12º da p.i. e que não se confirma pelo acesso à página digital disponibilizada pela Autoridade Tributária, pode integrar um facto a apreciar no âmbito do artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do CIRE, mas, desacompanhado de qualquer circunstância relevante e com montante acentuadamente reduzido, não preenche aquele facto índice;
l) A requerente da insolvência não cumpriu o ónus de “alegação e prova de factos cuja verificação objetiva se integre em qualquer uma, ou em várias, das situações previstas nas diversas alíneas do artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, e constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência” (vide Ac. TRC de 05-03-2003 (Proc. n.º 1801/11.0TBVIS.C1);
m) A douta sentença recorrida não especificou os factos da petição inicial que considerou confessados por falta de oposição, nem os analisou em concreto na fundamentação de facto, pelo que, tendo sido alegados factos conclusivos e outros insuficientemente completados, não pode, com razoabilidade, apreender-se a motivação da sentença, o que viola o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC e a fere de nulidade – artigo 615.º, n.ºs b) e c), do CPC;
n) A douta sentença recorrida, a fls 3, não observa que o artigo 20.º do CIRE impõe ao credor requerente – e não ao tribunal – o ónus de alegar factos índices que façam presumir a insolvência do devedor, e implicam o preenchimento, não efetuado na petição inicial, de conceitos de direito, como a “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” a “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”;
o) O efeito cominatório não afasta o dever de ponderação de todos os valores e interesses, em vista da realização da justiça, como previsto no artigo 590.º do CPC, impondo ao tribunal o indeferimento da p.i. ou o convite ao suprimento de deficiências, quando não hajam sido alegados pressupostos essenciais para o desfecho da causa;
p) A penhora de (…) – facto provado n.º 5 (ii) da douta sentença – não faz prova da existência da dívida e exigia que o Tribunal confirmasse, via Citius, se o processo executivo ainda subsiste ou se está, como está, extinto;
q) Para decretar a insolvência, o tribunal contou apenas com as dívidas tributárias e o crédito da requerente, além de duas pequenas dívidas mencionadas no artigo 10.º da p.i., não considerou o património móvel – identificado no ofício de 12-03-2025, ref.ª Citius 13476344 – nem as contas registadas e subvalorizou o património imobiliário da recorrente.
r) A douta sentença está ferida da nulidade supra identificada, com violação do disposto no artigo 30.º, n.º 5, do CIRE, por não se verificar nenhuma das hipóteses previstas no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE;
s) Os poderes de inquisitório, concedidos pelo artigo 11.º do CIRE, não podiam ser empregues em favor da requerente, mas sim num quadro de total imparcialidade, com o que foram violados os artigos 4.º e 5.º do CPC».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da nulidade da decisão recorrida;
- da matéria de facto julgada provada;
- da realização pelo Tribunal de diligências probatórias;
- da declaração de insolvência da requerida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Nulidade da decisão recorrida
Na apelação que interpôs, a requerida arguiu a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do invocado artigo 615.º (aplicável por força do estatuído no artigo 17.º, n.º 1, do CIRE), nos termos do qual é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Cumpre apreciar se a decisão recorrida padece das causas de nulidade que lhe são imputadas nas alegações de recurso.
A apelante sustenta que não se encontram especificados, na decisão recorrida, os factos alegados na petição inicial considerados confessados por falta de oposição, afirmando que tal impede se apreenda a motivação da sentença, constituindo causa de nulidade, nos termos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do citado artigo 615.º.
Analisada a decisão de facto constante da sentença recorrida, constata-se que foi efetivamente omitida a especificação dos factos tidos por confessados por falta de oposição, conforme alega a apelante, limitando-se a 1.ª instância a elencar os demais factos que julgou provados e, quanto à factualidade alegada na petição inicial, a consignar o seguinte: Nos termos do artigo 30.º, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e uma vez que a Requerida não deduziu oposição, consideram-se confessados os factos articulados na petição inicial pela Requerente.
Dispõe o artigo 607.º do CPC, no n.º 3, que o juiz, na sentença, deve, além do mais, discriminar os factos que considera provados, estatuindo o n.º 4 do preceito que, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
No caso presente, em que se consideraram confessados os factos articulados na petição inicial sem se proceder à respetiva discriminação, verifica-se que não foi dado integral cumprimento à obrigação de especificação dos concretos factos tidos por assentes, nos termos impostos pelos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 607.º.
Porém, esta deficiência da decisão de facto – que será suprida por esta Relação em 2.2.2., ao abrigo dos poderes de modificabilidade da decisão de facto conferidos pelo artigo 662.º, n.º 1, do CPC – não configura qualquer das causas de nulidade da sentença invocadas pela apelante.
O vício previsto na invocada alínea b) ocorre quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, assim incumprindo o dever de fundamentação da decisão estabelecido no artigo 154.º do CPC. A nulidade em causa pressupõe se omita completamente o cumprimento deste dever de fundamentação, o que requer a total ausência de especificação da fundamentação de facto ou de direito, não se verificando perante a falta de especificação de parte dos factos julgados provados, acompanhada por remissão para a respetiva alegação na petição inicial.
No que respeita ao vício previsto na 2.ª parte da citada alínea c), esta causa de nulidade verifica-se quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O atual Código de Processo Civil (aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26-06) não prevê a aclaração das decisões judiciais, conforme decorre da nova redação dada ao artigo 613.º, no seu confronto com o artigo 666.º do anterior CPC. No novo regime, a verificação de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível constitui causa de nulidade da decisão, conforme decorre do supra citado preceito.
Esclarecem José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 735) que “no regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236.º-1 CC e 238.º-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.
A previsão do preceito em análise não se encontra preenchida com a situação invocada pela recorrente, relativa à supra analisada deficiência da decisão de facto.
Não invocando a recorrente que a parte decisória da sentença, designadamente a declaração de insolvência da requerida, seja suscetível de uma pluralidade de sentidos, afastada se encontra a causa de nulidade em apreciação.
Em conclusão, improcede, na totalidade, a arguição de nulidade da decisão recorrida deduzida pela apelante.
2.2. Decisão de facto
2.2.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1 - A sociedade Requerida é devedora da Autoridade Tributária de um total de pelo menos € 152 137,12, relativamente a obrigações de pagamento de diversos impostos e Coimas, já vencidas e não pagas.
2 - A sociedade Requerida é devedora do Instituto da Segurança Social IP de um total de € 22 882,67, relativamente a contribuições já vencidas e não pagas.
3 - Desde 04.03.2020, o direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…), e inscrito na matriz predial sob o artigo 5424, encontra-se registado a favor da Requerida.
4 - O prédio urbano tem o valor patrimonial tributário de € 70.857,13.
5 - Sobre o referido prédio urbano recaem as seguintes penhoras:
(i) penhora a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, registada desde 07.07.2022, no âmbito de processo de execução fiscal n.º (…) e Apensos, para satisfação da quantia exequenda de € 76.126,32;
(ii) penhora a favor de (…), na ação executiva n.º 1665/21.5T8LLE (Juízo de Execução de Loulé – Juiz 1), para satisfação da quantia exequenda de € 25.414,75; e
(iii) penhora a favor de (…) e Filhos, Lda., na ação executiva n.º 134/24.6T8LLE (Juízo de Execução de Loulé, Juiz 2), para satisfação da quantia exequenda de € 2.698,45.
2.2.2. Outros factos provados:
6 - A requerida é uma sociedade comercial que se dedica, designadamente, à construção de edifícios;
7 - É gerente da requerida (…), contribuinte n.º (…), com morada na Rua (…), n.º 23, 3º-Dt.º, 8800-608 Tavira;
8 – A requerente é uma sociedade que tem por objeto, designadamente, serralharia, caixilharia, estores, fabrico de estruturas metálicas, fabricação de portas e janelas e elementos similares;
9 - No exercício da sua atividade comercial, a requerente forneceu e aplicou em obras da requerida o material discriminado nas suas seguintes faturas:
- fatura n.º 88, no montante de € 20.542,00, com data de emissão a 28-10-2022 e com data de vencimento em 27-11-2022;
- fatura n.º 89, no montante de € 10.130,25, com data de emissão a 28-10-2022 e com data de vencimento a 27-11-2022;
- fatura n.º 22, no montante de € 17.940,00, com data de emissão a 10-03-2023 e com data de vencimento a 09-04-2023;
- fatura n.º 35, no montante de € 6.232,00, com data de emissão a 11-04-2023 e com data de vencimento a 11-05-2023;
- fatura n.º 36, no montante de € 2.683,35, com data de emissão a 11-04-2023 e com data de vencimento a 11-05-2023;
- fatura n.º 65, no montante de € 5.265,00, com data de emissão a 23-06-2023 e com data de vencimento a 23-07-2023;
10 - A requerida apenas procedeu ao pagamento parcial das faturas seguintes:
- da fatura n.º 88, no montante de € 20.542,00, foi paga a quantia de € 16.402,25;
- da fatura n.º 22, no montante de € 17.940,00, foi paga a quantia de € 2.500,00;
- da fatura n.º 36, no montante de € 2.683,35, foi paga a quantia de € 2.500,00;
11 – A requerida não procedeu ao pagamento dos valores titulados pelas faturas n.ºs 89, 35 e 65, nem do remanescente dos valores titulados pelas faturas n.ºs 88, 22 e 36, apesar de interpelada várias vezes para o efeito;
12 – A requerida não efetua nenhum pagamento à requerente desde 09-11-2024;
13 – Encontram-se pendentes os seguintes processos judiciais intentados com a requerida:
a) execução ordinária n.º 134/24.6T8LLE, do Juízo de Execução de Loulé, Juiz 2, no valor de € 2.698,45, na qual é exequente a sociedade (…) e Filhos, Lda.;
b) execução sumária n.º 341/24.1T8ENT, do Juízo de Execução do Entroncamento, Juiz 2, no valor de € 5.520,87, na qual é exequente a sociedade Grupo (…), S.A..
[Os factos constantes dos pontos 6 a 12 foram alegados na petição inicial e considerados confessados em resultado da falta de dedução de oposição pela requerida, conforme artigo 30.º, n.º 5, do CIRE, motivo pelo qual se julgaram provados.
Os factos constantes das duas alíneas do ponto 13, por seu turno, igualmente alegados na petição inicial, encontram-se provados por documento, face às certidões juntas aos autos com a petição inicial como docs. 18 e 19.]
2.3. Realização pelo Tribunal de outras diligências probatórias
No recurso que interpôs, a apelante afirma que o princípio do inquisitório impunha ao Tribunal o dever de apuramento da situação de solvência da requerida e que tal não foi cumprido; a justificar tal alegação, sustenta que tem apresentado regularmente as suas contas, conforme consta da certidão permanente junta aos autos, e que o Tribunal não diligenciou pelo acesso e consulta das contas prestadas, as quais constituíam um meio de prova da real situação financeira da recorrente.
Afirmando que o Tribunal se confinou ao apuramento das dívidas fiscais e que estas «são índice atendível, mas não suficiente, pois o ativo da recorrente é superior ao passivo e o fluxo de caixa é positivo», a apelante sustenta que a omissão de acesso às contas registadas e publicadas viola o dever de apuramento da situação de solvência, no exercício dos poderes de inquisitório.
Vejamos se lhe assiste razão.
No caso presente, em que a petição inicial não foi apresentada pela própria devedora, tendo o pedido de declaração de insolvência sido deduzido pela ora apelada, foi determinada a citação pessoal da requerida, na sequência do que foi a mesma citada.
Reportando-se à citação do devedor, o artigo 29.º do CIRE dispõe, no n.º 2, o seguinte: No ato de citação é o devedor advertido da cominação prevista no n.º 5 do artigo seguinte e de que os documentos referidos no n.º 1 do artigo 24.º devem estar prontos para imediata entrega ao administrador da insolvência na eventualidade de a insolvência ser declarada.
Regulando a oposição do devedor, o artigo 30.º do mesmo código dispõe, por seu turno, o seguinte: 1 - O devedor pode, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, à qual é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 25.º. 2 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o devedor junta com a oposição, sob pena de não recebimento, lista dos seus cinco maiores credores, com exclusão do requerente, com indicação do respetivo domicílio. 3 - A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência. 4 - Cabe ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 3.º. 5 - Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º.
Por força do disposto no n.º 1 deste artigo 30.º, mostra-se aplicável à oposição do devedor o n.º 2 do artigo 25.º do mesmo código, com a redação seguinte: 2 - O requerente deve ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, com os limites do artigo 511.º do Código de Processo Civil.
Com relevo para a situação em apreciação, em que não foi dispensada a audiência da devedora e esta foi citada, decorre deste regime que: i) a oposição da devedora à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência; ii) cabe à devedora provar a sua solvência; iii) na oposição, deve a devedora oferecer todos os meios de prova de que disponha; iv) se a devedora não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial.
Tendo sido citada para a presente ação, incumbia à devedora, caso tivesse por inexistente a situação de insolvência que lhe era imputada, ter deduzido oposição invocando tal fundamento, cabendo-lhe o ónus de provar a sua solvência, oferecendo na oposição todos os meios de prova de que dispusesse, sendo certo que a falta de dedução de oposição importa se considerem confessados os factos alegados na petição inicial.
A apelante não põe em causa a decisão, proferida pela 1.ª instância, de considerar confessados, por falta de dedução de oposição, os factos alegados na petição inicial; porém, invocando o princípio do inquisitório, sustenta cabia ao Tribunal «o dever de apuramento da situação de solvência» e que tal impunha se tivesse determinado a realização de determinadas diligências probatórias, designadamente a consulta às contas prestadas pela requerida.
O artigo 411.º do CPC, sob a epígrafe Princípio do inquisitório, dispõe o seguinte: Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Por seu turno, o artigo 11.º do CIRE, sob a epígrafe Princípio do inquisitório, dispõe o seguinte: No processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes.
Em anotação a este último preceito, Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2015, pág. 118) afirmam o seguinte: «Do que se trata no preceito em anotação é de permitir ao juiz encarregado do processo que, na apreciação do pedido, nos embargos à decisão declaratória prolatada e nos incidentes de qualificação, se sirva de outros factos para além dos alegados pelas partes para fundamentar as decisões que profira». Reportando-se à regra do inquisitório consagrada no Código de Processo Civil, acrescentam os autores (loc. cit.): «A ressalva da parte final deste artigo 411.º é determinante, porquanto limita drasticamente o poder de intervenção por iniciativa própria do juiz, o qual, para além dos factos alegados pelas partes, só pode considerar os enunciados nas alíneas do n.º 2 do artigo 5.º (cfr. também artigo 412.º). (…) Poderes inquisitórios amplos só existem, com carácter geral, no domínio dos processos de jurisdição voluntária, segundo o que consta do n.º 2 do artigo 986.º do CPCiv.. (…) Por ser assim, já se vê como o artigo 11.º exceciona o regime geral».
No âmbito dos presentes autos de insolvência, à luz do estatuído nos artigos 411.º do CPC e 11.º do CIRE, dúvidas não há de que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, podendo a decisão ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes.
Porém, incumbindo à devedora o ónus de provar a sua solvência, mediante a dedução de oposição na qual invocasse a inexistência da situação de insolvência e oferecesse os meios de prova de que dispusesse, e tendo em conta a cominação prevista no n.º 5 do artigo 30.º, não cabe ao Tribunal suprir a falta de dedução de oposição pela devedora, carecendo de fundamento legal o invocado «dever de apuramento da situação de solvência» numa situação em que a devedora não invocou a respetiva solvência.
Improcede, assim, a argumentação apresentada pela apelante no que respeita a esta matéria.
2.4. Declaração de insolvência da requerida
Vem posta em causa na apelação a decisão que julgou procedente o pedido formulado pela requerente/apelada e, em consequência, declarou a insolvência da requerida/apelante.
Considerou a 1.ª instância que a matéria de facto provada preenche a previsão das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, que tal indicia a situação de insolvência da requerida e que esta não demonstrou a respetiva solvência, não ilidindo a presunção decorrente dos factos-índice estabelecidos naquelas alíneas.
Extrai-se da fundamentação da sentença que tal se baseou nos motivos seguintes: O artigo 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece que se considera em situação de insolvência todo o devedor que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, e que as pessoas colectivas e patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis. Por seu turno, dispõe o artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, desde que verificados alguns dos factos aí elencados. Tais factos constituem meros índices da situação de insolvência, mas a verificação de qualquer deles é condição suficiente da declaração da insolvência caso a presunção de insolvência não seja ilidida, nos termos do disposto nos artigos 30.º, n.º 5 e 35.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Quanto aos factos julgados provados no caso sob apreciação, encontram-se verificadas as situações previstas nas alíneas a) e b) do artigo 20.º, n.º 1, do CIRE. A alínea a) reporta-se à suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas. A alínea b) prevê a situação de falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. No caso, a Requerida deve à Requerente quantia de cerca de € 49.355,72, estando em incumprimento pelo menos desde final Julho de 2023. Além disso, é devedora da Autoridade Tributária da quantia de € 152.137,12 e é devedora do Instituto da Segurança Social IP de um total de € 22.882,67. Acresce ainda dívidas a terceiros no valor global de cerca de € 28.000,00. O que totalizará um passivo de cerca de € 252.375,51. A Requerida é titular de um único bem de valor substancial: um prédio urbano, supra identificado, com o valor patrimonial de € 70.857,13. É certo que o valor de mercado de tal imóvel será seguramente superior ao seu valor patrimonial. No entanto, não podemos ignorar que o valor total de dívidas da Requerida é de mais do dobro do valor patrimonial do imóvel. Por outro lado, além de AT e Segurança Social, a Requerida é já devedora de três particulares, pelo menos desde o ano de 2023, não demonstrando capacidade de solver tais dívidas. Podemos assim concluir que a Requerida se encontra incapaz de cumprir a generalidade das suas obrigações. Os referidos índices estão assim verificados. A Requerida encontra-se, assim, em situação de insolvência.
No recurso que interpôs, a apelante defende a não verificação dos pressupostos previstos nos preceitos que basearam a declaração de insolvência, pugnando pela improcedência do pedido formulado.
Cumpre apreciar se é de revogar a declaração de insolvência da apelante.
É considerado em situação de insolvência, nos termos descritos no n.º 1 do artigo 3.º do CIRE, o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
O artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, confere a diversos sujeitos, designadamente aos credores, legitimidade para requererem a declaração de insolvência do devedor, desde que se verifique alguma das situações elencadas nas diversas alíneas do preceito, a saber: a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas; b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal atividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo; d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos; e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor; f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º; g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: i) Tributárias; ii) De contribuições e quotizações para a segurança social; iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato; iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respetiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua atividade ou tenha a sua sede ou residência; h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o ativo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
Dispõe o artigo 30.º do citado código, no n.º 1, que o devedor pode, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, a qual, conforme esclarece o n.º 3, pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência, acrescentando o n.º 4 que cabe ao devedor provar a sua solvência.
Da análise conjugada destas normas decorre que as hipóteses elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º constituem factos que indiciam a situação de insolvência, nos termos descritos no n.º 1 do artigo 3.º, isto é, nas palavras de Luís A. Carvalho Fernandes / João Labareda (ob. cit., pág. 197), de “factos-índice ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto”.
Acresce que a verificação de alguma das situações previstas nas alíneas do n.º 1 do citado artigo 20.º constitui, igualmente, um requisito de legitimidade ou, melhor, uma condição da atribuição, aos sujeitos referidos no preceito, do direito de requererem a insolvência do devedor.
Afirma Alexandre de Soveral Martins (Um Curso de Direito da Insolvência, volume I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra, Almedina, 2023, pág. 133) o seguinte: “O artigo 20.º, 1, do CIRE enumera um conjunto de factos cuja verificação deve ter lugar para que os sujeitos ali referidos possam requerer a declaração de insolvência do devedor”.
No mesmo sentido, esclarece Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 120) o seguinte: “Tais factos são indícios ou sintomas da situação de insolvência (factos-índice). É através deles que, normalmente, a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer um deles permite presumir a situação de insolvência do devedor e é condição necessária para a iniciativa processual dos responsáveis legais pelas dívidas do devedor, dos credores e do Ministério Público.” Acrescenta a autora (loc. cit.) que “a enumeração é taxativa, o que significa que a verificação de, pelo menos, um deles é condição necessária para a acção dos credores, dos responsáveis legais pelas dívidas do devedor ou do Ministério Público”.
No caso presente, em que a insolvência foi requerida por um credor, incumbe-lhe o ónus da prova da verificação da previsão de uma das alíneas do n.º 1 do citado artigo 20.º, cabendo à devedora ilidir a presunção daí decorrente, mediante a demonstração da respetiva solvência.
A 1.ª instância entendeu que a matéria de facto provada permite considerar verificada a previsão da alínea a) – Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas – e da alínea b) – Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações – do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, o que cumpre reapreciar, face ao objeto da apelação.
Em anotação ao citado artigo 20.º, Luís A. Carvalho Fernandes / João Labareda (ob. cit., págs. 199-200) afirmam que a alínea a) se reporta “à hipótese tradicional que se reconduz a uma paralisação generalizada do cumprimento das obrigações do devedor de índole pecuniária”, acrescentando que “tal procedimento deve respeitar à generalidade das suas obrigações”. Referindo-se à previsão da alínea a), Alexandre de Soveral Martins (ob. cit., pág. 134) afirma o seguinte: “Este não é um facto que se confunda com a situação da insolvência identificada no artigo 3.º, 1. Suspensão não é a mesma coisa que impossibilidade de cumprir”. Esclarecendo a situação prevista na alínea a), afirma Catarina Serra (ob. cit., pág. 121), por seu turno, que “não é qualquer suspensão que releva – não releva, em princípio, uma suspensão que seja temporária e limitada, mas apenas a que seja tendencialmente duradoura e alargada à maior parte das obrigações do devedor, pois não dever haver dúvidas que a causa desta suspensão é a insolvência ‘instalada’ do devedor”.
Reportando-se a alínea a) à paragem do pagamento da generalidade das obrigações vencidas, verifica-se que a factualidade provada não se mostra, por si só, suficiente para o preenchimento da hipótese nela prevista. Apesar de se extrair de tal factualidade, não apenas o incumprimento das obrigações em que se baseia o crédito de que é titular a requerente, mas também o incumprimento de obrigações devidas à Autoridade Tributária e ao Instituto de Segurança Social, IP, bem como a pendência de duas ações executivas movidas contra a ora requerida, não decorre da matéria provada qualquer elemento relativo a outras obrigações vencidas e eventualmente incumpridas, não podendo considerar-se verificada uma suspensão generalizada do pagamento das obrigações do devedor, nos termos previstos na alínea a).
Ademais, a sentença recorrida não indica os motivos pelos quais entende verificada uma situação de suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, nos termos previstos na alínea a), sendo que a fundamentação apresentada respeita especificamente à previsão da alínea b), conforme se extrai do excerto supra transcrito.
Tendo-se constatado que a matéria de facto provada não permite considerar verificada a situação prevista na alínea a), cumpre apreciar se tal factualidade preenche a previsão da alínea b).
No que respeita à previsão da alínea b), Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda (ob. cit., pág. 200) explicam que “se autonomizou (…), como facto-índice próprio, a falta de cumprimento de uma só ou mais obrigações que, pelas respetivas circunstâncias, revele a impossibilidade do devedor de prover à satisfação pontual da generalidade das suas obrigações”. Interpretando o sentido desta alínea b), esclarece Alexandre de Soveral Martins (ob. cit., pág. 135) que “ali está em causa a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, faça presumir a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”. No mesmo sentido, afirma Luís Menezes Leitão (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 11.ª edição, Coimbra, Almedina, 2021, pág. 104) que “a alínea b) se refere ao incumprimento de apenas uma ou várias obrigações, do qual se possa, porém, inferir a impossibilidade de o devedor satisfazer a generalidade dos seus compromissos”.
No caso presente, encontra-se demonstrada titularidade pela requerente de um crédito sobre a requerida no montante de € 41.390,35, acrescido de juros vencidos.
Trata-se de um crédito decorrente do fornecimento e aplicação, pela requerente, de materiais em obras da responsabilidade da requerida, que se dedica, designadamente, à construção de edifícios; o crédito em causa reporta-se ao não pagamento de seis faturas, duas das quais vencidas em novembro de 2022 e as demais entre abril e julho de 2023, sendo que, após alguns pagamentos parciais, a requerente deixou de fazer pagamentos à requerente, situação que se mantém desde 09-11-2024.
Mais se provou que a requerida deve à Autoridade Tributária montante não inferior a € 152.137,12, decorrente do incumprimento de obrigações de pagamento de diversos impostos e coimas, e ao Instituto da Segurança Social IP o montante de € 22.882,67, relativo a contribuições devidas e não pagas. Encontra-se inscrito na titularidade da requerida o direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado no ponto 3, com o valor patrimonial tributário de € 70.857,13, sobre o qual incidem as três penhoras a que alude o ponto 5, a saber: (i) penhora a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, inscrita em 07-07-2022, realizada no processo de execução fiscal n.º (…) e Apensos, para satisfação da quantia exequenda de € 76126,32; (ii) penhora a favor de (…), realizada na ação executiva n.º 1665/21.5T8LLE (Juízo de Execução de Loulé – Juiz 1), para satisfação da quantia exequenda de € 25.414,75; (iii) penhora a favor de (…) e Filhos, Lda., realizada na ação executiva n.º 134/24.6T8LLE (Juízo de Execução de Loulé, Juiz 2), para satisfação da quantia exequenda de € 2.698,45.
Provou-se, ainda, que se encontram-se pendentes os seguintes processos judiciais intentados com a requerida: a) execução ordinária n.º 134/24.6T8LLE, do Juízo de Execução de Loulé, Juiz 2, no valor de € 2.698,45, na qual é exequente a sociedade (…) e Filhos, Lda.; b) execução sumária n.º 341/24.1T8ENT, do Juízo de Execução do Entroncamento, Juiz 2, no valor de € 5.520,87, na qual é exequente a sociedade Grupo (…), S.A..
Dedicando-se a sociedade requerida, designadamente, à construção de edifícios, a falta de pagamento à requerente, sua fornecedora, de materiais aplicados em obras da respetiva responsabilidade, conjugada com as mencionadas dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social, bem como com a situação em que se encontra o único bem imóvel que lhe é conhecido, onerado com três penhoras, configuram circunstâncias que fazem presumir que a devedora se encontra impossibilitada de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, o que permite considerar preenchida a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º.
Cabendo à devedora ilidir a presunção decorrente da verificação da previsão de uma das alíneas do n.º 1 do citado artigo 20.º e não tendo demonstrado a respetiva solvência, mostra-se acertada a decisão recorrida, ao declarar a insolvência da requerida.
Improcede, assim, a apelação, cumprindo confirmar, ainda que com fundamento parcialmente diverso, por mais restrito, a decisão recorrida.
As custas recaem sobre a apelante, por vencida.
Em conclusão: (…)
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida, com fundamento parcialmente diverso.
Custas pela apelante.
Notifique.
Évora, 05-06-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (1.ª Adjunta)
Cristina Dá Mesquita (2.ª Adjunta)